Corações Perdidos escrita por Syrah


Capítulo 42
42. A calma antes da tempestade




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O RESTO DA noite correu... bem. Muito bem, sendo sincera.

Na verdade, horas depois eu ainda me sentia como se estivesse flutuando em uma piscina quente, relaxante e tranquila, longe de todas as turbulências e preocupações dos últimos meses. Era uma sensação maravilhosa e por um momento ou dois me peguei desejando que aquilo não acabasse nunca.

Os lábios de Dean eram lentos e gentis sobre os meus, sem pressa aparente para terminar o trabalho. Suas mãos eram firmes em minha cintura, traçando linhas invisíveis sobre meu corpo enquanto o dele se movimentava ferozmente sob mim — essa parecia ser a única parte do loiro particularmente impaciente. Eu tentava acompanhar o ritmo enquanto sentia cada centímetro de pele sobre meus ossos arder em chamas; minhas mãos agarravam seus ombros enquanto eu me curvava para frente, os olhos fixos nos dele, retribuindo o desejo estampado em seu rosto na mesma intensidade. Estávamos unidos, conectados; algo tão profundo que eu jamais seria capaz de explicar com simples palavras.

Dean me encarou com uma expressão mista de deslumbre e fascinação. Havia um brilho peculiar naqueles lindos olhos verdes, que eu não conseguia identificar. Mesmo que, pensando melhor, havia muita coisa peculiar nas atitudes de Dean naquela noite.

O loiro agarrou minha cintura, em um gesto súbito que traria nosso ápice. Respirei fundo, fechando os olhos enquanto me permitia desabar ao seu lado, exausta. Embora ambos estivéssemos suados, ofegantes e completamente esgotados, nenhum de nós sentiu a necessidade de se mover ou falar. Apenas ficamos ali, em silêncio, contemplando o cenário depravado do nosso próprio prazer — ou seja, meu humilde quarto. Ou deveria dizer, o quarto de hóspedes do Bobby?

Por um momento, imaginei qual seria a reação do velho se soubesse o que acabamos de fazer. Ele ficaria zangado? Não sei dizer. Surpreso? Era bem provável. Talvez só fosse rir e dizer que eu e Dean já éramos adultos o suficiente para tomar nossas próprias decisões, mesmo que estas fossem totalmente inesperadas.

— Uau. — Foi tudo o que Dean disse após um longo período de sossego.

Eu ri, incapaz de me conter. Provavelmente pelo fato de sermos Dean e eu, a tendência era a de que acabaríamos matando um ao outro em determinado momento, ou apenas causando alguma lesão bem grave propositalmente. No entanto, surpreendentemente, não foi o que aconteceu.

Ali, com nossos corpos inertes, repousando um sobre o outro, aproveitando o silêncio da noite e a companhia de nós mesmos, imaginei que certas coisas dão mais certo que o esperado. Éramos o exemplo perfeito disso, é claro.

Sempre pensei em Dean como um completo idiota. Um babaca colossal. Colecionador de corações e todo o resto. Sem exceções. Desde que o conheci, o Winchester tinha se mostrado tão frio quanto estúpido em diversas questões, especialmente nas mais sensíveis, o que colaborou bastante para que eu não me aproximasse nos primeiros dias, independentemente de como fosse.

Entretanto, conforme o tempo foi passando, pude notar que o loiro era, por mais surpreendente que pudesse parecer, alguém que de fato se importava com a dor alheia, fosse ela qual fosse. Eu não podia ignorar o fato de ele pôr a família à frente de tudo, assim como também não tinha como culpá-lo por isso. Eu faria a mesma coisa; era o que eu estava fazendo naquela caçada, afinal — caçada essa em que ambos os irmãos estavam me ajudando, a mesma na qual Dean se mostrara extremamente prestativo e preocupado diversas vezes, mesmo quando eu o mandava para o inferno e até pior em momentos de explosão.

E foi a partir disso que comecei a reparar que, por trás daquela máscara de "policial mal", Dean era só alguém que em algum momento fora traído pelos próprios sentimentos (mesmo que ele fizesse questão de não falar sobre isso nunca), e que agora não demonstrava afeto, se escondendo sob uma fachada de cafajeste. No fundo, ele se importava com os outros, embora tivesse maneiras — bastante imbecis, na maioria das vezes — um tanto peculiares de demonstrar. Talvez por isso eu tenha começado a reparar. Nele. No que ele fazia, em como fazia. Nos gostos; algumas coisas que amava e outras que detestava. Tudo sobre ele.

Aos poucos, Dean Winchester foi se tornando uma pessoa interessante para mim. Possivelmente a mais interessante, desde um certo alguém. Mas eu jamais ousaria dizer o que temia estar sentindo. Ou pensar. Porque não era bom, e nem certo. E por mais que eu conhecesse um pouco mais sobre o homem atrás da máscara agora, eu entendia o suficiente para saber que ele ainda estava quebrado por algo ruim que lhe acontecera, e não sabia se queria (ou conseguiria) descobrir o que era.

Eu tinha uma missão pela frente. Algo mais importante. Ambos sabíamos disso.

— Está acordada? — sua voz rouca me atingiu, sugando todos os devaneios para um buraco negro e distante.

Eu sorri. Minha cabeça repousava sobre seu peito enquanto um de seus braços me envolvia confortavelmente e o outro fazia leves carícias em minha pele. Meu corpo ainda parecia em êxtase pelas últimas horas, mas minha voz de alguma forma saiu clara e desperta:

— De jeito nenhum. Me deixe em paz.

Abaixo de mim, Dean deu uma risada meio sarcástica, meio sonolenta.

— Me admira que ainda tenha forças pra brincadeiras — ele passeou com os dedos suavemente sobre minhas costas, me causando arrepios. Sua boca lentamente deslizou até a minha orelha, sussurrando: — Achei que tinha acabado com as suas energias.

Com um movimento propositalmente lento, levei meus lábios até seu pescoço, depositando alguns beijos suaves por ali, sentindo — com uma leve pontada de satisfação — o corpo de Dean estremecer diante daquilo.

— Eu tenho energia de sobra, loiro.

Ele riu outra vez.

— Sim, eu pude notar — zombou.

Eu sorri presunçosamente, dando de ombros e apoiando meu rosto sobre seu peito outra vez. Ficamos em silêncio novamente, não nos atrevendo a dar um único movimento, apenas contemplando a quietude da noite que nos cercava.

Me aconcheguei um pouco mais perto de Dean, fechando os olhos enquanto ele me envolvia em um aperto gentil.

— Obrigada — eu sussurrei, sem me mover. Não queria perder um segundo que fosse fora dos seus braços, mesmo que por pouco tempo.

— Por dormir com você? — eu conseguia senti-lo segurando o riso enquanto brincava.

Ri também, entretida.

— Você entendeu — respondi, revirando os olhos. — Obrigada pelo que tem feito. Por tudo. Mesmo. — Meus dedos passearam sobre os dele lentamente. — Eu agradeceria ao Sam também, mas é que agora não dá pra fazer isso.

Dean deu um riso calmo, traçando pequenos círculos imaginários em meu cabelo, acariciando até a bochecha e refazendo o trajeto.

— Só estou fazendo o meu trabalho, sabe como é — seus lábios roçaram de leve no topo da minha cabeça, em uma sensação engraçada. — Livrando uma certa garota bastante encrenqueira de possíveis armadilhas que possam atrapalhar o caminho dela. — Ele disse aquilo em uma voz tranquila, como se estivéssemos comentando sobre o clima. — E pode deixar, eu mesmo passo o recado ao Sammy.

Eu ri suavemente, sem me incomodar com a provocação.

— Já estou bem crescida, obrigada.

Senti o corpo de Dean vibrar sob mim.

— Se isso fosse mesmo verdade, eu não precisaria ficar te salvando sempre — ele debochou, me desafiando a contestá-lo.

Eu ergui o rosto para encará-lo, erguendo uma sobrancelha.

— Admita, Dean, você ama vir ao meu socorro.

O loiro revirou os olhos.

— Querida M, o dia em que você me ouvir dizendo sim pra isso, serei um homem louco — declarou calmamente.

Eu sorri, presunçosa.

— Talvez você já esteja louco.

Dean sorriu de volta, em uma expressão que achei difícil de entender. Algo entre estar bastante entretido ou muito convencido — ambas bem comuns para ele. Por fim, suas mãos tocaram meu rosto, prendendo minha atenção entre elas, antes que sua boca escorregasse sobre a minha em um misto de desejo e curiosidade; dessa vez, da parte de ambos.

O Winchester se afastou apenas o suficiente para que desse tempo de pronunciar algumas poucas palavras:

— Talvez, Emma Grace, eu esteja de fato um pouco louco agora. Ou muito. — Ele disse antes de voltar a me beijar, sem me dar qualquer oportunidade de resposta.

Não posso dizer que fiz questão alguma de resistir. E devo dizer que não lamento por isso.

Nem um pouco.

[...]

Algumas poucas horas depois, acordei com o som de passos apressados no corredor.

A voz baixa de Sam do lado de fora indicava que já devia ser a hora de me preparar antes de ir ao encontro de Sara. Eu bocejei, esticando os braços enquanto o lençol escorregava devagar sobre meu corpo. Foi então que algo no mínimo interessante chamou a minha atenção.

Um ronco baixo bem ao meu lado, indicando o sono profundo de alguém; me virei e dei de cara com um Dean completamente apagado, dormindo de boca aberta. A noite anterior imediatamente invadiu meus pensamentos. Não tinha sido um sonho, então?

Pude jurar que a temperatura do quarto aumentou uns bons graus. O que eu tinha acabado de fazer?

Cobri a boca com uma das mãos, enquanto a outra puxava de volta o lençol, constatando o óbvio — sim, eu havia dormido com Dean Winchester e aquilo não era um sonho — e notando que nenhum dos dois tinha feito questão de se vestir novamente. E, cá entre nós, apesar da situação, devo admitir que a vista não era nada mal.

Mais passos no corredor me puxaram do meio daqueles devaneios, seguidos por resmungos que só tornaram a voz masculina e áspera ainda mais inconfundível. Bobby disse algumas palavras, a maioria ininteligíveis, mas consegui ouvir o básico; ele estava indagando a Sam sobre onde diabos estaria Dean. Aparentemente, o loiro não havia dormido na casa, pois a porta do quarto estava aberta e sua cama, intocada. Não consegui ouvir a resposta de Sam, mas pareceu ser uma daquelas falas tipicamente irônicas do Winchester, pois pude ouvir a risada de Bobby logo em seguida.

Silêncio, nenhum dos dois homens disse mais nada. Pela ausência de passos, deduzi que eles continuavam no mesmo lugar, embora não estivessem mais falando.

Mas que diabos?

De repente, os sussurros voltaram, bem mais altos agora. Era como se o esforço dos dois homens para falar mais baixo refletisse um efeito totalmente oposto. Eu ainda não era capaz de ouvir com clareza, mas pude perceber facilmente que discutiam o paradeiro de algum idiota (palavras do Bobby, não minhas). Escutei meu nome após o que pareceu uma série de adjetivos nada gentis a respeito do Winchester mais velho. Dessa vez, a resposta de Sam não soou nada sarcástica; o moreno disse algo como "será que ela sabe onde ele está?" e então houve um certo silêncio, antes de Bobby soltar um "não tenho certeza".

Cobri a boca com as duas mãos, segurando o riso. Aqueles dois estavam fazendo a minha manhã.

— Ei, será que as duas velhas fofoqueiras aí fora poderiam resmungar um pouco mais baixo? Tem gente tentando dormir aqui dentro!

Senti o sangue escapar do meu rosto imediatamente. Um silêncio mortal de espalhou pelo segundo andar da casa, ao passo que meus olhos se encontravam com os de Dean, agora perfeitamente acordado, parecendo achar a situação totalmente hilária. Aquela foi a primeira vez na vida em que cogitei sufocar alguém com um travesseiro.

De repente, os dois sujeitos no corredor explodiram em gargalhadas.

— Eu vou. Matar. Você. — Sibilei entredentes para o Sr. Sorriso confortavelmente deitado ao meu lado.

Ele riu, parecendo achar ainda mais graça. Enquanto isso, do lado de fora do quarto, os dois imbecis continuavam perdendo o fôlego com o que agora parecia ser o maior motivo da minha desgraça. Acho que era a primeira vez em que eu ouvia Bobby rir tão alto, ele até chegou a roncar umas duas ou três vezes, sem brincadeira.

— Tratem de se arrumar, vocês dois — ouvi a voz de Sam enquanto ele tentava, sem sucesso algum, segurar o próprio riso. — Saímos em uma hora!

— Anotado, Sammy — respondeu Dean, preguiçosamente.

Ouvi passos que indicavam que os outros dois tinham finalmente se afastado. Esperei mais alguns segundos, por precaução, então me virei para o réu com um olhar fulminante.

— Perdeu a cabeça, imbecil? — indaguei, furiosa.

Dean deu outro de seus sorrisos encantadores e piscou para mim, o que me fez ter vontade de arrancar aqueles lindos olhos verdes com minhas próprias mãos.

— Bom dia, baby — disse ele, com uma voz forçadamente melosa. — Dormiu bem?

Fiz um esforço tremendo para manter minhas unhas e meus punhos ao lado do corpo. Felizmente, tive sucesso.

— Por que fez aquilo? — perguntei, irritada.

O loiro pareceu refletir a resposta por um bom tempo, embora, pela expressão estampada em seu rosto, eu diria que ele sabia exatamente o que dizer até antes que eu perguntasse. Dean então deu de ombros, como se a pergunta não fosse grande coisa, e disse:

— Digamos que as razões são diversas, mas, principalmente — ele se moveu sob os lençóis, de modo que nossos corpos se tocaram minimamente e uma corrente elétrica atravessou meus nervos de surpresa — eu queria ver a sua reação.

Suas mãos correram até minha cintura, puxando-me para perto. Eu me esquivei como um gato fugindo do banho, pulando para fora da cama enquanto Dean gargalhava feito o idiota que era debaixo dos panos.

— Imbecil — repeti, resmungando enquanto levantava com o resto de dignidade que me restava.

Assim que me pus de pé a risada cessou, e um suspiro prolongado preencheu o quarto, bem às minhas costas. Percebi, com um sorriso bem presunçoso, que estava sendo muito bem observada. Dessa vez, fui eu quem deu risada enquanto olhava ligeiramente por cima do ombro, vendo o Winchester provar do próprio veneno.

Fiz questão de dar meu melhor sorriso para o loiro, que me encarava como se a distância entre nós fosse um crime.

— Cuidado pra não babar — comentei delicadamente, mas podia sentir meu próprio sarcasmo escorrendo dos lábios.

Dean me encarou de cima a baixo, com uma falsa expressão de cachorrinho abandonado. Seu olhar queimava em mim, provocante, mas busquei não demonstrar nenhuma reação.

— Sabe... será que não podemos atrasar mais uns dez minutos? — pediu, suplicante. — Aposto que o Sam não vai nem notar.

Eu ri alto.

— Anda, pra fora — retruquei. — Temos que nos arrumar.

— Pois eu me sinto muito bem aqui — respondeu ele.

Dei um sorriso convencido.

— Imagino. Agora, fora.

O loiro revirou os olhos, dando uma risada bem humorada.

— Você, Emma Grace, é uma destruidora de corações.

Eu soprei um beijo para ele. Dean riu, levantando-se em seguida e caminhando até sua calça, que estava jogada no chão próxima à cama. Fiz questão de dar uma boa encarada enquanto isso, visto que ele não me olhou durante a troca de roupas.

Quando terminou de se vestir, o Winchester deu uma leve esticada e então se virou para mim.

— Bom, vou indo nessa. Te vejo em alguns minutos — anunciou ele, se dirigindo para a porta do quarto. — Tente não se atrasar escolhendo o melhor vestido pra ocasião, princesa.

Eu bufei, contrariada. Antes que ele saísse, agarrei seu pulso, puxando-o de volta. Dean não perdeu tempo, e felizmente percebi o que aqueles lábios estavam prestes a fazer bem a tempo de impedi-lo. O loiro ergueu uma sobrancelha, confuso, enquanto eu sorria, segurando seu peito com a mão livre para preservar uma distância segura entre nós.

— Ouça bem, Dean — pedi, dessa vez séria. — Não vamos comentar mais nada sobre isso, sobre o que houve aqui — avisei-o. — A noite passada nunca aconteceu, entendeu? Nunca. Temos assuntos mais importantes agora, e pretendo focar nisso.

Dean sequer pestanejou. O Winchester assentiu com um aceno, me devolvendo um olhar desorientado, embora não fosse verdadeiro.

— Afinal, o que foi que teve noite passada?

Eu sorri, agradecida.

— Esse é o espírito — pisquei para ele. — Te vejo daqui a pouco.

Ele sorriu de volta, antes de se soltar do meu aperto e atravessar a porta, me deixando ali durante alguns segundos de reflexão.

Enfim, era hora de voltar ao trabalho.

[...]

O café da manhã foi rápido, visto que nenhum de nós parecia disposto a se atrasar ainda mais.

Apesar da cena de minutos antes, Sam e Bobby se mantiveram — para a minha sorte e felicidade — quietos sobre o assunto Dean-dormiu-com-a-Emma, desviando a conversa para questões mais banais ou para o próprio caso. Discutimos um pouco mais a respeito da próxima parada; os garotos estavam indecisos entre um hotel dentro da cidade ou não, mas acabamos todos concordando, após intervenção de terceiros (vulgo o velho Singer), que mudar de lugar seria a ação mais previsível no momento, fora o fato de que, permanecendo em Sioux Falls, poderíamos contar permanentemente com a ajuda de Bobby — e até de Jody, se necessário.

Por fim, ficou acordado que o Cold Garden era a melhor opção, portanto era onde Sara e eu ficaríamos. Enviei a ela uma mensagem, informando que estávamos prestes a sair, e que era bom que estivesse arrumada e de pé na porta do hotel em no máximo quinze minutos, ou enfrentaria a ira de três caçadores furiosos. Uma vez que não obtive resposta alguma em um período de dez minutos, comecei a me preocupar.

Porque, das duas uma; ou Sara estava simplesmente me ignorando — o que eu duvidava muito que ela fosse fazer — ou algo havia acontecido. E posso dizer que nenhuma das alternativas me deixava muito alegre.

— Talvez ela esteja no banho — tranquilizou-me Dean, quando contei aos irmãos sobre minha preocupação. — Adolescentes entram em outro mundo debaixo do chuveiro, você sabe.

— Achei que você fizesse isso — rebateu Sam, encarando o irmão.

Dean ergueu as mãos, devolvendo a provocação com um olhar ofendido.

— São raras às vezes em que isso rola, Sammy — disse ele.

— Sei. — Sam revirou os olhos, como se lidasse com uma criança pequena e teimosa.

Eu suspirei.

— Pessoal...

Os dois se viraram para mim com olhares de culpa.

— Sinto muito — desculpou-se Sam. — Mas, de qualquer forma, só poderemos ter certeza depois de ir até lá. Ficar aqui teorizando coisas assim só vai servir pra te dar uma bela dor de cabeça desnecessária.

— Além disso, quem nos garante que a pirralha não pegou em um sono ferrado e está dormindo até agora? — perguntou Dean enquanto juntava suas tralhas antes de partirmos.

Balancei a cabeça.

— Duvido muito que seja esse o caso.

O loiro passou ao meu lado, em direção à saída, dando algumas batidinhas em meu ombro no caminho.

— Relaxa, M, vai dar tudo certo — disse ele, com uma inesperada gentileza. — Dentro de algumas horas você vai estar se divertindo assistindo Gossip Girl com a sua nova colega de quarto. Vai ser incrível! — ele fez uma imitação barata de animadora de torcida.

Não pude evitar dar risada. Afinal de contas, ali estava, Dean Winchester, me consolando outra vez.

— Certo, você tem um ponto — admiti a contragosto. — Gossip Girl é mesmo incrível.

Dean sorriu.

— Viu só? — ele piscou para mim, se dirigindo novamente para a entrada. — Agora, vamos, quero passar na padaria no caminho, o Sam esqueceu a minha torta hoje cedo!

Eu olhei para o Winchester caçula, que encarava o irmão enquanto balançava a cabeça e ria, gesto que deixava as profundas covinhas em seu rosto bem à mostra.

— Nem parece que já se passaram anos desde a época do colégio — ele comentou.

— Não mesmo — eu concordei, antes de me despedir de Bobby e seguir o Winchester mais velho até seu precioso impala.

Alguns minutos depois, estávamos os três — Sam, como de costume, com o rosto grudado em seu laptop de estimação; Dean, ouvindo a algum gênero desconhecido de música ruim; e eu — dentro do impala, em direção ao hotel onde Sara estava hospedada. Eu sentia um frio desconfortável na barriga, pois não havia recebido notícias da garota desde a noite anterior, quando ela recusara (mais uma vez) a estadia na casa de Bobby.

Sam e Dean também não pareciam nada tranquilos; eu podia afirmar isso pelo silêncio nada habitual dentro do carro e pela tensão instalada entre nós. Dean nem quis fazer uma parada para sua torta como pedira antes, afirmando ter perdido a fome.

Em pouco mais de um mês em convívio com aquele cara, eu nunca havia escutado uma declaração do tipo. Definitivamente, tinha algo de errado com ele.

Após um longo e cansativo período de silêncio, Sam nos informou que o hotel estava a uma distância bem próxima. Dean então aproveitou para anunciar uma estratégia de sua autoria:

— Seguinte, eu vou entrar primeiro e conferir o lugar, ver se não tem nada de errado ou qualquer pessoa suspeita por perto — ele disse enquanto manobrava para estacionar a uma distância de mais ou menos uma quadra e meia do local. — Caso a barra esteja limpa, e não tenha sinal da Sara na portaria, eu volto e a Emma procura por ela na recepção. Enquanto isso, Sam, você fica no carro e avisa a gente caso qualquer coisa suspeita role aqui fora. — Ele terminou de explicar o plano e nos encarou com um ar sério. — Alguma dúvida?

Sam e eu nos entreolhamos, surpresos, embora nenhum de nós se atrevesse a comentar. Apenas acenamos negativamente, ao passo que Dean assentiu em retorno, terminando de estacionar e então saindo do carro, deixando eu e o irmão sozinhos à sua espera, com nada além da velha coletânea de rock dos anos 80 que fluía do rádio para nos fazer companhia.

E, é claro, era impossível deixar de notar o olhar curioso do caçula Winchester sobre mim. Sam me encarava de esguelha, como se buscasse por algo incomum, possivelmente um terceiro braço, visto a forma fixa e assustadora com a qual me olhava. O moreno costumava ser tão bom em discrição quanto seu irmão era em ser paciente — e isso, naturalmente, significava que Sam era um desastre no assunto. 

Com um sorriso lateral e sem encará-lo de volta, eu suspirei, erguendo o olhar para o teto do carro lentamente.

— Vai, desembucha. — Eu disse, risonha.

Não me virei para ver sua reação, mas imaginei que ele houvesse sorrido de volta.

— Estava tentando não ser intrometido — justificou ele. Claro, Sammy, pensei. — Invasão de privacidade não é muito a minha praia.

Eu ri, sem poder me segurar. Desviei o olhar para o moreno, erguendo uma sobrancelha.

— Sam, está tudo bem, a curiosidade é um castigo doloroso para algumas pessoas — nós dois rimos dessa vez, como se houvesse ali algum tipo de piada interna. Eu pigarrei, moldando a voz em um sotaque um pouco forçado, antes de dizer: — Samuel Winchester, eu te dou permissão para esclarecer a dúvida que tanto aflige seu coração neste exato momento.

Sam sorriu, entretido.

— Então, eu tenho que perguntar: vocês dois estão fazendo a lei do silêncio sobre o que aconteceu ou o quê?

Mordi o lábio, franzindo o cenho por um momento, fingindo uma expressão confusa.

— Não estou te entendo, Sam — eu respondi, sendo claramente sincera. — Se, por um acaso, você estiver citando seu irmão e eu, a resposta é simples: não aconteceu absolutamente nada de extraordinário entre nós. Na verdade, podemos dizer que não aconteceu nada.

Sam ponderou a resposta, balançando a cabeça afirmativamente enquanto dava de ombros.

— Definitivamente estão fingindo que nada aconteceu. — Concluiu, o que me fez sorrir instantaneamente. Sam às vezes me divertia muito. — Mas, por quê?

Eu dei de ombros também, apoiando o rosto no punho enquanto me inclinava para frente, para mais perto do moreno.

— Somos apenas parceiros de equipe, e tenho coisas mais importantes as quais preciso me dedicar agora, Sammy — confessei, realmente honesta dessa vez. — Felizmente, seu irmão entende isso, e achamos melhor que seja assim.

Sam assentiu para a minha explicação, sem questioná-la, o que achei bem bacana da sua parte.

— Sendo sincero, Emma, não é como se o status de amizade houvesse impedido Dean alguma vez antes — disse ele, antes de se virar para mim com um olhar meio culpado, após perceber o que acabara de falar. — Ah, sinto muito, não foi exatamente o que eu quis dizer. É só que...

— Tudo bem, Sam — eu sorri para o caçula, tranquilizando-o. — Não tenho nada a ver com as experiências anteriores do seu irmão.

Sam concordou, sem acrescentar mais nada. Eu suspirei e nós voltamos ao silêncio. Embora fosse difícil admitir, mesmo que somente para mim mesma, a declaração dele sobre o irmão me deixava, sim, ligeiramente irritada. E era incômodo pensar na razão desse sentimento, mesmo que por um único momento.

Distraída em meio aos meus próprios pensamentos, não percebi que a conversa tinha continuado até que Sam me cutucou algumas vezes.

— Tem alguém aí? Alô, Terra chamando Emma, câmbio!

Eu dei um pulo no banco, surpresa, antes de me virar para ele com uma expressão zangada.

— Sam!

O garoto sorriu.

— Ah, voltou para o corpo, foi? — brincou ele, erguendo uma sobrancelha.

— Ha-ha — zombei, revirando os olhos. — O que foi?

— Só fiz um comentário — disse o moreno, dando de ombros.

— Hum?

Sam deu um sorriso de lado, encarando o teto enquanto se inclinava para trás em seu banco, parecendo um tanto perdido em pensamentos distantes.

— Eu disse que acho vocês dois legais juntos — confessou, o que me pegou totalmente de surpresa. Ele por acaso estava mesmo falando do irmão e eu? Juntos? Após ver meu semblante, provavelmente em choque, o Winchester se apressou em explicar: — O que quero dizer, Emma, é que, desde que você chegou, Dean tem agido... diferente. Não sei se percebeu, visto que vocês dois passam mais tempo tentando se matar do que trabalhando juntos — ele piscou para mim, o que me fez sorrir. — Faz um tempo que meu irmão anda... fora do padrão habitual, eu acho. Mais focado, organizado, paciente... eu até arrisco dizer gentil, se for capaz de acreditar. — Nós dois rimos após isso, e eu abaixei o olhar, um tanto constrangida e ao mesmo tempo orgulhosa.

Tinha a leve impressão de que sabia quais palavras estavam por vir, e gostaria muito de ouvi-las, especialmente vindas de Sam.

— E qual é a sua conclusão diante disso tudo, Samuel? — eu questionei, sorrindo para ele.

Sam deu de ombros, como se a resposta fosse bastante óbvia.

— Eu penso que isso é influência sua. Penso que você consegue mexer com a cabeça de Dean na mesma proporção em que é capaz de deixá-lo puto da vida — ele suspirou enquanto eu ria outra vez. — E isso é ótimo, de verdade. É por isso que eu disse aquilo, entende? Você faz um bem enorme pra ele, independente de como seja. — O Winchester me encarou por um momento e o brilho em seu olhar mudou subitamente. — Se quer a minha opinião, no fim disso tudo, ele vai ficar bem triste.

Meu sorriso se quebrou instantaneamente. De imediato associei o assunto. "No fim disso tudo"; Sam estava falando sobre a conclusão do caso — o que eu faria quando tudo estivesse resolvido, e não houvessem mais assuntos pendentes entre os irmãos e eu.

Semanas antes, minha resposta teria sido óbvia. "Ir pra casa, é claro!", eu diria. Naquele momento, contudo, parecia que tanta coisa havia mudado, que era impossível dar um veredito. Afinal, o que eu faria dali em diante, depois que tudo finalmente estivesse concluído?

— Sam, eu...

— Gente, caramba! — uma batida violenta no vidro do impala me interrompeu no meio da frase, fazendo com que ambos, Sam e eu, grudássemos no lado oposto do carro, nossas armas já em mãos.

Eu olhei, incrédula, para o homem afobado do lado de fora. Dean estava sério o suficiente para que eu não me sentisse sequer confortável para um leve e costumeiro sarcasmo, mesmo que estivesse, em parte, furiosa com sua abordagem.

— Puta merda, Dean, quer matar a gente do coração? — eu reclamei, guardando minha arma enquanto Sam respirava fundo, imitando meu gesto.

O loiro entrou no banco do motorista, nos encarando com uma expressão de alguém que claramente não trás boas notícias.

— Estamos com problemas — anunciou ele.

Senti que meu coração afundava no banco aos poucos a partir daquele momento.

— O que aconteceu? — eu e Sam perguntamos ao mesmo tempo.

— É a Sara — disse Dean, parecendo nervoso. — Ela não está aqui, em lugar nenhum. Eu vasculhei tudo. E a equipe do hotel praticamente inteira jura de pé junto que nenhuma garota com a descrição dela passou por aqui, nem mesmo com os dados da identidade falsa que ela disse que usaria — ele passou a mão na testa, limpando o suor que escorria da mesma e respirando fundo. — Galera, nós temos um problema — repetiu, em um tom mortificado.

Eu franzi o rosto, totalmente perdida.

— Mas isso é impossível! Foi esse o hotel onde a Sara disse que estaria — protestei, lutando contra a enxurrada de pensamentos que ameaçava me arrastar consigo naquele momento. — E ela jurou usar aqueles documentos, para que pudéssemos identificá-la melhor. Essa história não faz sentido nenhum!

— Dean, o que diabos está acontecendo?

Dean encarou Sam, balançando a cabeça sem seguida, parecendo um tanto quanto transtornado.

— Tem mais coisa — disse.

Eu arregalei os olhos, angustiada.

— Ótimo! Só fica melhor...

— Vasculhei o hotel, pelo menos o que deu pra olhar sem ser denunciado pela equipe de segurança — confessou o loiro, tenso. — E achei alguns símbolos escondidos. São diversas palavras em latim e enoquiano, a maioria pra "esquecimento" e "distração", outras para ocultação. — Ele olhou para mim e o irmão outra vez, suspirando profundamente. — Acho que já sabem o que isso quer dizer.

Sam e eu nos entreolhamos, ambos cientes da gravidade da situação, e do que Dean nos contava.

— Eles a levaram — sussurrou Sam, mortificado.

Ergui os olhos para os dois irmãos, em choque. As palavras escorreram por entre meus lábios como ácido:

— Os Remanescentes encontraram a Sara. Chegamos tarde demais. 


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Notas finais do capítulo

No próximo capítulo: A reta final está determinada. Sara foi levada e cabe ao nosso trio decidir qual será o próximo passo: irão eles atrás da garota ou de Adam? E, finalmente, será que foram mesmo os Remanescentes que capturaram a jovem lobisomem? Aguardem!



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