Corações Perdidos escrita por Syrah


Capítulo 41
41. Carpe diem




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ALGUNS MINUTOS DEPOIS, tínhamos o esboço do que devia ser um plano razoável. Uma vez que nossa próxima jogada era um tanto suicida (como Dean e Sara fizeram questão de me lembrar várias vezes), havíamos optado pela forma mais sensata na opinião geral; investigar antes, invadir depois. 

Iríamos fazer uma curta pesquisa a respeito da sede dos Remanescentes — localização e estrutura, mais especificamente —, e Sara era nosso maior trunfo nessa parte, já que fora membra do clã por bastante tempo. Depois, nos dividiríamos em duplas, onde ficou acordado que eu e Dean seríamos os responsáveis pela invasão e Sam e a garota cuidariam da retaguarda — não podíamos arriscar de maneira alguma que pusessem os olhos em Sara, ou tudo estaria perdido. Bobby estava encarregado de ser nossos olhos e ouvidos fora dali; câmeras de segurança, radares, sensores de presença e toda essa parafernália tecnológica presencial o avisariam se alguém estivesse por perto, e então ele nos avisaria.

Eu só torcia para que desse tempo. 

— E onde você está ficando, Sara? — perguntei, quando já tínhamos decidido praticamente tudo.

— Em um hotel no centro da cidade, não muito longe daqui, na verdade — ela respondeu, dando de ombros. — É um pouco caro, mas nada que alguns cartões de crédito forjados e identidades falsas não resolvam.

Dean fez um gesto de reprovação diante da resposta.

— Não é perigoso pra você ficar se hospedando em agora? — perguntou ele, sério. — Se Adam é tão bom quanto vocês tanto afirmam, te achar nesse tipo de local seria moleza pro cara.

Sara balançou a cabeça, como se já tivesse pensado naquela hipótese.

— Eu sei, mas não se preocupe, eu nunca fico mais de dois dias no mesmo lugar — disse ela, e pude ver que a declaração surpreendeu o Winchester. — Além disso, como já disse, sempre uso identidades falsas e modifico as fotos. Não é como se fosse infalível, mas isso com certeza atrasa o papai Grace por um tempo.

Era de fato uma boa ideia, mas pensei melhor no que ela disse; no fato de sua estratégia só servir para atrasar meu pai, e de repente tive uma proposta melhor. 

— Talvez você deva ficar com a gente — sugeri, o que notavelmente surpreendeu a garota. — Seria melhor para a sua proteção, e não precisaria ficar espalhando documentos por aí, nem rastros. 

Sam se aproximou de onde eu e Sara estávamos, parando ao meu lado.

— Emma tem razão — disse ele, me apoiando. — Poderíamos ajudar a te proteger.   

Mas a jovem não parecia pensar dessa forma. Ela educadamente recusou a oferta:

—  Agradeço a proposta de vocês, de verdade — disse. — Mas não acho essa uma boa opção, sinto muito.

Infelizmente para ela, eu também não estava disposta a ceder, especialmente porque aquela era uma situação um tanto delicada.

— Nesse caso, eu vou com você — declarei.

 O quê?! — Sara e Dean esbravejaram ao mesmo tempo. 

O Winchester pigarreou, disfarçando a própria ação.

— Emma? — Sam me chamou, um tanto reservado. — Ir com ela? Está falando em ficar com a Sara até invadirmos aquele lugar, tem certeza disso?

Eu assenti, convicta.

— Até resolvermos toda essa confusão, você não pode ficar sozinha — afirmei, não dando espaço para discussões. — E já que não quer os três, vai ter que ficar com pelo menos um de nós. — Eu lhe dei uma olhada firme. — Não precisa ser eu, é claro. Você pode levar o Dean no meu lugar, se quiser, tenho certeza de que vão se dar muito bem.

Sara fez uma careta de desgosto e Dean me lançou um olhar enviesado. Eu sorri, vitoriosa.

— Então, está decidido — anunciei.

— Eu realmente não tenho escolha? — perguntou a garota, se lamentando. — Suicídio, talvez?

Dean revirou os olhos.

— Não se preocupe, a Emma já se encarregou dessa parte, só que coletivamente — ele resmungou.

— Então estamos todos de acordo? Ótimo! — exclamei, sorrindo. — Sara, pela manhã você muda de hotel, e eu vou junto. Pesquisarei algumas estadias próximas, e amanhã cedo vamos pra uma delas. Enquanto isso, você vai...

— Voltar pro meu hotel e descansar, porque estou com uma dor de cabeça insuportável — completou ela, aparentemente bem irritada. — Vou deixar meu número com vocês, caso precisem me ligar.

— Eu ia dizer pra dormir aqui essa noite — devolvi, contrariada.

A garota revirou os olhos. A teimosia dela estava começando a me irritar pra valer.

— Emma, não. — Disse, séria. — Já combinamos tudo. Amanhã vamos juntas a um desses hotéis, como você quer, e começaremos a por nosso plano em prática. São só algumas horas, eu vou ficar bem.

— Ainda não acho que seja uma boa ideia — falei, obstinada.

Sara deu um pequeno sorriso.

— Mais um pouco e vou começar a achar que está realmente preocupada — ela zombou, piscando para mim.

Balancei a cabeça, fazendo um som de desaprovação enquanto ela ria. A garota então tirou um pequeno papel do bolso e um lápis minúsculo, rabiscando algo — que eu supus serem seu endereço e telefone — de qualquer jeito na folha amassada e entregando a Bobby. Ela então se dirigiu a saída, mas não sem antes nos dar um último recado:

— Precisamos sair antes das sete — alertou.— E pelo amor de Deus, não apareçam sem avisar, eu posso causar algum dano sério a possíveis desconhecidos invadindo o meu quarto.

Todos concordamos, apesar de ser impossível para Dean segurar o riso. Sara deixou a casa depois de trocarmos os celulares, e minutos mais tarde me mandou uma mensagem avisando que já havia chego, sã e salva, com mais alguns emotes desnecessários. Aquilo me lembrou um pouco Castiel, o que me fez pensar sobre o paradeiro do anjo. Atualmente, ele constava fora dos meus radares, e dos irmãos também, pelo visto.

Avisei sobre a chegada de Sara aos garotos e disse que subiria para tomar um banho. Ambos assentiram, apesar de Dean parecer um tanto retraído. Antes que eu subisse, Bobby me chamou na cozinha para uma pequena conversa.

— Tem um minuto? — pediu ele gentilmente, enquanto abria a geladeira e pegava uma garrafa de cerveja.

— Claro — concordei. — O que há, velhinho?

Bobby sorriu e retirou outra garrafa do freezer, a qual eu prontamente aceitei. O líquido desceu como água, sem que eu sequer notasse o gosto. Por fim, senti uma ligeira queimação na garganta, a qual atribuí ao efeito da cerveja. Ouvi um pigarro ao meu lado, o que me fez dar um fim aos goles e recobrar o foco.

O velho Singer me encarou com um misto de graça e surpresa em seu rosto.

— Vai com calma, você só tem mais algumas horas de sono, não vai querer acordar com uma ressaca.

Eu sorri.

— Desculpe, acho que hoje foi... 

— Cansativo? — sugeriu ele, rindo.

— Eu ia dizer impactante, mas isso serve — pisquei um olho. — Então, você queria conversar?

Bobby deu um gole em sua cerveja e me encarou por um segundo, parecendo pensativo. Eu suspirei, me sentando em uma das cadeiras velhas da cozinha e admirando a chegada da noite através da janela. O céu estava limpo e sem nenhuma estrela ainda, uma imagem um tanto pacífica.

Se ao menos eu pudesse associar isso à minha vida naquele exato momento...

— Vocês se parecem muito, Emma — disse Bobby, com uma voz distante. Eu parei de olhar o lado de fora e foquei minha atenção no homem, curiosa. — Você e seu pai. Ambos teimosos feito uma porta, e mais determinados que qualquer outra pessoa que já conheci. Bom... exceto uma. — Seu rosto se repuxou em um meio sorriso, o que me fez pensar em quem ela estava se referindo. Sam? Dean? Talvez algum outro amigo caçador? O homem então completou: — Ele teria orgulho de você agora.

Não tenho tanta certeza disso, eu quis responder. Afinal, meu pai estava fugindo de mim, então era como se ele não me quisesse por perto. Que tipo de orgulho era esse?

Ao invés disso, apenas assenti timidamente, tentando sorrir de volta.

— Sei que está indo morar temporariamente com a Sara agora, então talvez não volte mais aqui— continuou Bobby, agora recomposto. — Mas saiba que sempre terá um lar nesse lugar, Emma. Você será sempre bem-vinda, e aposto que os meninos concordam com isso tanto quanto eu.

Eu ri, balançando a cabeça.

— Desde quando você ficou tão sentimental, velho? — disparei, erguendo uma sobrancelha. O homem deu de ombros. Eu sorri. — É a idade, certeza.

Ele forçou uma expressão brava.

— Ei, o que quer dizer com isso?

Eu ri outra vez, me levantando e erguendo minha garrafa na sua direção, piscando para ele.

— Relaxa, senhor Singer, eu vou sempre marcar presença por aqui, você não vai se livrar de mim tão facilmente!

Bobby sorriu, erguendo sua garrafa também, então indo na direção dos armários, em busca da prateleira de salgadinhos, eu desconfiava.

— É melhor ir descansar, você tem bastante trabalho amanhã — disse ele, enquanto travava uma batalha com as pilhas de chips que eu mesma levara para lá na última semana. — Boa noite, Emma.

Eu sorri, indo em direção às escadas.

— Boa noite, Bobby. 

  [...]  

Algumas horas depois, de banho tomado estômago cheio, eu tentava, sem sucesso, dormir um pouco. Dentro de algumas horas estaríamos dando o que parecia ser o primeiro passo em direção ao caminho certo em meses, e a ansiedade desse momento não parecia colaborar para que eu tivesse uma boa noite de sono.  Além disso, o calor que fazia naquele dia ignorava totalmente as roupas frescas que eu usava, se infiltrando na minha pele e manifestando-se em forma de ódio. É, eu não podia dizer que morar em um dos estados mais ensolarados do país tinha me feito criar um certo afeto por climas quentes.

Frustrada e definitivamente sem disposição alguma para fechar os olhos, decidi pegar o notebook que Bobby me emprestara e fazer algumas pesquisas de bons hotéis — quem sabe eu não encontrasse uma boa estadia para os próximos dois ou três dias? Não poderíamos ficar muito mais que isso, uma vez que devido às habilidades do meu pai seria preciso nos mudarmos constantemente, mas já era um começo.

Eu havia sugerido à Sara novamente que ficasse conosco na casa de Bobby por pelo menos alguns dias, afinal, seria mais seguro para ela, mas a garota estava inflexível quanto a esse assunto; Sara se recusava terminantemente a ficar na casa de Bobby sendo, de acordo com ela, constantemente monitorada por "um bando de caçadores pés no saco".

Já é suficientemente ruim ter você na minha cola, e olha que somos parentes, ela dissera por telefone, claramente emburrada. Depois disso decidi sabiamente não insistir mais.

Após alguns minutos de dúvida entre o Louis Palace Hotel e o Cold Garden, decidi que visitaria os dois pela manhã junto com os irmãos e minha nova companheira de quarto, já que parecia impossível fazer uma escolha definitiva baseada apenas em dados online. Guardei o notebook e estava prestes a voltar para o meu ritual pessoal de sono instantâneo quando ouvi duas batidas discretas na porta do quarto.

— Está acordada? — a voz veio abafada do outro lado, aparentando um certo cansaço. Dei um pequeno sobressalto, surpresa.

Pisquei algumas vezes para ter certeza de que já não tinha apagado há algum tempo e aquilo era um sonho. Não... definitivamente não era. Mas então, o que ele estaria fazendo ali, na minha porta, às duas da manhã?

Hesitei antes de abrir. Ele estava mesmo lá, parado bem na minha frente, me encarando com uma expressão que era ao mesmo tempo confusa e sem graça — ambas nada típicas da sua personalidade. 

— Dean? — apesar do espanto, disse aquilo baixo, porque temi acordar Bobby ou Sam nos quartos ao lado. Então percebi que, para que o loiro estivesse ali, devia estar rolando algo sério. — O que foi? Aconteceu alguma coisa? Todos estão bem? Sara ligou?

Tentei detectar em seu rosto algum sinal de aflição ou alarme, mas não encontrei nada disso. Seus olhos estavam calmos e seu semblante, imperturbado. Estranhamente, Dean não parecia preocupado, nem nada do tipo. Na verdade, ele parecia meio... constrangido?

— Ei, ei, está tudo bem, M, não se preocupe — o loiro limpou a garganta, me encarando com aquelas íris brilhantes e enigmáticas, parecendo fazer questão de me deixar totalmente confusa. — Todos estão bem, não há nada.

Fiz uma expressão de quem não entende nada e tirei as mãos da porta, cruzando os braços em frente ao corpo e franzindo o rosto.

— Então... o que houve? — perguntei, sem compreender. Se não havia nada de errado, por que ele estava ali?

Minha pergunta pareceu deixar Dean ainda mais desconfortável do que antes, se é que isso era possível. Se não o conhecesse bem, eu diria que estava constrangido, mas é claro que isso era impossível, vindo do Winchester. Então, para que tanto drama?

Ele respirou fundo, como se estivesse criando coragem para algo, então disse:

— Não consigo dormir — confessou, sem graça. 

Eu franzi o rosto, com uma expressão um tanto confusa. Era por isso que ele estava ali, então? Foi impossível conter um sorriso.

— E eu lá tenho cara de terapeuta do sono? — eu o encarei fixamente, embora segurasse uma risada.

O loiro revirou os olhos, mas esboçou um sorriso em retorno.

— Pelo que conheço de você, imaginei que estivesse passando pelo mesmo problema — disse, e seu tom sugeria que aquilo não era uma pergunta, mas sim uma convicta afirmação.

Finalmente, ele não deixava de estar certo.

— E então...? — eu ergui uma sobrancelha, instigando-o a continuar. Por algum motivo, a conversa se tornara subitamente bastante agradável (e isso não tinha absolutamente nada a ver com o fato de Dean Winchester estar parado à minha porta às duas da manhã morrendo de um constrangimento mal disfarçado). — Você pensou em passar aqui pra conferir e...?

Dean deu de ombros, como se aquela conversa não passasse de um mero diálogo casual.    

— E nada, eu só quis conversar. Dizem que ajuda. 

Vê-lo dizer aquilo de forma tão casual fez meu coração falhar algumas batidas, embora eu jamais fosse admitir. Meu sorriso vacilou por alguns segundos, e torci para que a claridade baixa fizesse com ele não notasse o quão vermelha eu fiquei.

— Bom, se a minha companhia é tão estimada assim, tudo bem. Entra — abri espaço para que ele passasse. Dean deu outro de seus sorrisos, e eu retribuí com o máximo de dignidade que ainda me restava. — Então, sobre o que quer falar?

O Winchester atravessou o quarto, parando perto da janela que dava visão para os fundos e ficando por ali. Levei três segundos de indecisão absoluta entre fechar a porta e conseguir privacidade ou mantê-la aberta e escutar as melhores piadinhas da noite. Pensando bem, eu as escutaria de todo jeito, então que fosse.

— Bem, nada mal — o loiro mirou ao redor de todo o quarto, colocando a mão sob o queixo e forçando uma expressão aparentemente pensativa. — E aí, qual é o motivo da sua insônia de hoje?

Fechei a porta com um ruído baixo, indo até próximo da janela em que ele estava e me sentando ao pé da cama. Cruzei as pernas, colocando as mãos ao lado do corpo apoiadas sob a cama, erguendo o olhar para o teto e soltando um suspiro entrecortado.

Pude jurar que Dean deu uma boa olhada em minhas pernas naquele momento, mas talvez tenha sido só impressão.

— Pensei em já começar a procurar algum hotel decente pra me hospedar — respondi, sem encará-lo. — Mas estou em dúvida entre algumas das opções que encontrei. — Meus olhos finalmente percorreram seu olhar, e inclinei o rosto para o lado. — Alguma sugestão?

Dean deu um passo para o lado, apoiando as costas na parede e enfiando as mãos nos bolsos da calça, então seus ombros caíram para frente em um gesto que indicava certa indiferença.

— Tenho algumas sugestões em mente, sim — disse ele, parecendo absorto em minha questão. — Mas se quer algo de qualidade, conheço alguns estabelecimentos com ótimas tortas e King Sizes — seus lábios se esticaram em um sorriso perverso enquanto me avaliava, agora com menos pudor que antes. — E talvez serviço de quarto com champanhe e vinho, se preferir.

Eu ergui os olhos, observando o loiro com uma expressão um tanto entretida.

— Está sugerindo que eu me hospede em um motel?

Dean deu de ombros outra vez, mas algo em seus olhos pareceu faiscar por um momento. Eu podia jurar que ele estava adorando o rumo que a conversa aos poucos ia tomando.

— Talvez. É uma sugestão — respondeu, com um olhar inocente demais para ser verdade. 

— Com a Sara? — eu precisei lutar para segurar o riso. 

Algo em meu interior me fez sentir uma necessidade intrigante de levar aquela conversa adiante. Primeiro, porque a ideia era ridícula; e segundo, porque aquele imbecil claramente estava zoando com a minha cara, e eu não tinha vontade nenhuma de deixá-lo vencer no próprio joguinho estúpido. 

Dean agora exibia um sorriso malicioso, avaliando minha reação. Eu devolvi a expressão ferozmente, o que fez com que o Winchester desse risada.

— Estava pensando em outra companhia, querida, mas já que você diz — ele deu outra risada, uma do tipo sarcástica. — Não sabia que você curtia garotas também, Emma, quem diria.

A declaração me pegou completamente de surpresa. Pigarrei alto, desviando o olhar.

— Ela é minha prima, Dean! — exclamei, em choque. — Que nojo! — revirei os olhos. — E que outra companhia? Ficou maluco?

O loiro deu um sorriso tranquilo, piscando para mim em seguida.

— Qual o problema, Grace? Está interessada?

— Em você? — eu o encarei com uma expressão irônica. — Não, valeu, tenho bom gosto. E senso.

Era um fato. Modéstia a parte, eu tinha um excelente gosto, mas isso não queria dizer necessariamente que Dean estava fora dos meus padrões — o que obviamente não significava também que eu admitiria isso enquanto vivesse. Ele era, sim, bonito, mas ia demorar alguns milênios até saber disso, pelo menos da minha boca.

O Winchester fingiu uma expressão de choque enquanto colocava as mãos sobre o peito e respirava fundo, aparentemente magoado.

— Uau, essa doeu! — disse ele em meio ao próprio teatrinho idiota. — Quando foi que eu decaí tanto ao ponto de levar um fora seu e me sentir ofendido por isso? E pior ainda, as duas coisas juntas!

— Você é definitivamente um idiota — eu suspirei, derrotada. — E dos grandes.

Dean deu um sorriso categórico.

— E você ama isso.

— Vai sonhando — resmunguei, embora estivesse sorrindo tanto quanto ele.

Joguei o corpo para trás, deixando que minhas costas aproveitassem o contato macio e confortável do colchão de penas. Fechei os olhos, brincando com o travesseiro repousado alguns centímetros acima da minha cabeça. Um silêncio pacífico reinou sobre o quarto naquele momento, e percebi que estava curiosa para saber sobre o que Dean estaria pensando.

Alguns segundos mais tarde, uma leve pressão no colchão indicava que eu tinha companhia ao lado. Balancei a cabeça, embora ainda mantivesse os olhos fechados.

— Deus, eu achei que fosse ter um pouco de paz agora — eu disse.

Ouvi a risada abafada do loiro enquanto este se ajeitava ao meu lado.

— Eu não fiz nada — ele se defendeu.

— Isso é só uma questão de tempo — respondi de imediato.

O Winchester riu outra vez, e algo naquele simples gesto pareceu reverberar em meu interior. Respirei fundo, buscando afastar aqueles pensamentos. Concentre-se, Emma, eu disse a mim mesma.

Ficamos os dois ali, por um certo tempo, em silêncio, apenas aproveitando a paz do momento. Alguma voz intrometida em meu subconsciente desejou que a ocasião durasse para sempre, e outras vozes se juntaram a ela, concordando. Então uma espécie de sinfonia caleidoscópica se formou em meu cérebro, lembrando e imaginando coisas que não deveria. Percebi que, de repente, o silêncio se tornara ironicamente ensurdecedor para mim.

— Sabe — a voz de Dean veio de algum lugar distante, como um bote salva-vidas em meio a um mar turbulento de pensamentos —, estive pensando...

Lutei contra o nó na garganta antes de respondê-lo.

— Bom, isso é uma novidade — consegui articular, ao passo que minha voz saiu surpreendentemente calma.

— Estou falando sério.

— Diga — eu suspirei.

Dean se ergueu no colchão, em uma posição parecida com a que eu estava minutos antes; pernas esticadas e cotovelos apoiados na cama de cada lado do corpo. Abri os olhos, fitando o loiro cautelosamente. Algo me dizia que eu não ia gostar tanto assim do próximo tópico do nosso diálogo.

Dean não olhou para mim ao falar, parecia absorto em outras questões.

— Estivesse pensando sobre o nosso plano — ele confessou, mirando o teto, a voz um tanto apática. — A operação Resgate do Soldado Adam.

Revirei os olhos para a piada.

— Dean, já discutimos isso, não há o que acrescentar — lembrei-o, um pouco mais ríspida do que pretendia.

O loiro assentiu, como se aquele não fosse o ponto central do que estávamos discutindo.

— Venho pensando bastante sobre isso desde que concluímos nossa estratégia — declarou, apreensivo. Seus olhos enfim se desviaram para os meus; talvez tenha sido apenas uma falsa sensação, mas pensei tê-lo visto estremecer um pouco. — Não acha que está se forçando demais, M?

— O que isso quer dizer?

Dean suspirou. Algo em sua expressão me fez lembrar um pouco de quando meu pai estava prestes a conversar algo delicado comigo, que normalmente me faria surtar. Eu detestava esse tipo de ocasião, e o fato de o Winchester estar hesitando no que quer que fosse dizer não ajudava muito em meu humor.

Ele deu de ombros, mantendo-se impassível.

— Quer dizer que todos estamos cientes do quanto você quer encontrar Adam, alguns até mais do que imagina — anunciou severamente —, mas às vezes parece que está disposta a morrer por isso. Ou pior.

Silêncio total. Eu mordi o lábio, mas não disse nada.

— Emma — a voz de Dean era rude agora, como um adulto que repreende uma criança por algo de errado que esta tenha feito. — Nem pense nisso, ouviu bem? Eu não salvei sua vida tantas vezes pra descobrir que pretende suicídio. Não mesmo.

Eu bufei, contrariada.

— Você é tão dramático às vezes — resmunguei.  

— E você é tão teimosa — ele retrucou, sem se incomodar.

Mergulhamos no silêncio outra vez, um tanto quanto desconfortável. Dean continuou sentado, fitando o nada enquanto eu refletia suas palavras.

Era verdade que eu estava disposta a muitas coisas pela missão que estávamos fazendo, mas não me considerava exatamente inconsequente. Eu sabia bem o que estava disposta a sacrificar e até onde ir, embora não conhecesse totalmente os limites pessoais de Sam e Dean. Apesar disso, eu sabia que, se chegássemos em um momento onde eu tivesse que escolher entre prosseguir sem eles ou parar minha investigação, a escolha já estava feita.

Eu nunca desistiria da minha família, independente do que acontecesse. Nunca.

Agarrei o pingente em meu pescoço e apertei-o um pouco, sentindo o toque familiar do aço em forma de presa em meus dedos. Respirei fundo, fechando os olhos por alguns segundos. Eu havia começado a usar aquele amuleto depois de tê-lo encontrado na encosta de uma montanha, em uma das primeiras investigações que fiz com os irmãos, algumas semanas antes. Pertencia ao meu pai, e por algum motivo havia sido deixado para trás, em meio a uma cena grotesca de sangue e cadáveres de animais. Naquele dia, eu soube que meu pai ainda estava vivo, e havia decidido encontrá-lo, não importavam os obstáculos. Na época, eu sequer imaginava que esse caso se prolongaria por tanto tempo, muito menos que meu elo com os irmãos cresceria tanto.

Mas, finalmente, ali estava eu, deitada ao lado de alguém que à primeira vista eu teria dado um bom gancho de direita (talvez ainda esteja disposta a isso, mas essa questão não vem ao caso), e que agora se tornara uma das pessoas mais importantes do mundo para mim.

Dean se mexeu ao meu lado, captando novamente a minha atenção.

— Bom, acho que preciso ir — ele disse, fazendo menção de se levantar. — Já nos estendemos demais por aqui.

Involuntariamente, meus dedos se moveram, mais rápidos que meus pensamentos. Antes que eu pudesse notar, minha mão estava enroscada em seu pulso, impedindo o loiro de se mover. Eu não sabia exatamente o porquê — embora tivesse uma leve suspeita —, mas não conseguia deixá-lo ir. Não ali. Não agora.

Dean me encarou, um misto de confusão e curiosidade no olhar. Uma de suas sobrancelhas se ergueu enquanto ele se virou para mim.

— Emma? — sua voz estava neutra, mas havia um quê de hesitação ali, eu podia sentir. Talvez até uma certa... ansiedade.

— Espere, não vá. — Eu disse, o que pareceu deixá-lo ainda mais surpreso. Meu cérebro parecia mingau, todos os neurônios aparentavam ter derretido dentro da cabeça, mas me obriguei a dizer algo coerente ao menos uma vez naquela noite. — Espere. Eu preciso te dizer algo.

O Winchester fez uma cara de quem não estava entendo absolutamente nada.

— Ah é? O quê? — perguntou cautelosamente.

— Hum...

Dean suspirou.

— M, o que há com você?

Balancei a cabeça, frustrada. Por que era tão difícil dizer algo?

— Também não sei — confessei, irritada comigo mesma. — Também não sei, droga — repeti, bem mais baixo dessa vez, de modo que ele não ouvisse.

O loiro se moveu ao meu lado, voltando a se sentar no colchão. Seus olhos me fitaram, e senti como se cordas invisíveis me puxassem naquela direção. Fechei os olhos, buscando me concentrar.

— Quer parar com isso? — pedi, nervosa. — É irritante!

Embora não estivesse vendo a cena, senti que ele sorria para mim, apesar da situação. Isso só fez com que a minha vontade de socá-lo aumentasse umas dez vezes.

— Acho que já entendi — ouvi sua voz, de um jeito anormalmente suave. Abri os olhos para encará-lo e nesse momento Dean levou ambas as mãos até meu rosto. Recuei, surpresa com o gesto, e ele sorriu novamente. — Ei, M, tudo bem, sem problemas. — O loiro piscou para mim, o rosto bem mais próximo que antes, tão perto que eu podia sentir seu hálito; como antes, Dean continuava com o cheiro de torta de maçã, e por alguma razão eu adorava aquilo.

Eu balancei a cabeça, percebendo o que estava prestes a fazer.

— Hum, eu não acho que seja uma boa ideia — consegui dizer, embora fosse extremamente difícil enquanto ele mantivesse as mãos ali.

— E por qual razão? — indagou minha companhia, parecendo entretida com o fato de eu estar me controlando. Como não obteve uma resposta, Dean esboçou um sorriso convencido. — Vou encarar isso como uma resposta positiva.

Seus dedos se moveram com rapidez até meus ombros, enquanto uma de suas mãos pousava nada discretamente em minha cintura. Arfei de imediato com o toque, embora não tenha demonstrado muita resistência ao mesmo.

— Dean — eu o alertei cuidadosamente.

— Emma Grace — o Winchester pronunciou meu nome lentamente, como se estivesse testando o som daquilo na própria boca. — Quer, por favor, parar de agir como se o fim do mundo estivesse a um minuto da sua vida?

Pelo brilho em seus olhos, eu conseguia perceber sem sombra de dúvidas que Dean queria aquilo tanto quanto eu, a única diferença é que só um de nós continuava se segurando diante daquela situação.

As mãos do loiro se moveram através da minha cintura, lentamente escorregando para as costas e me puxando para cima em um único movimento. Eu arquejei, surpresa, me agarrando em seus ombros enquanto ele dava um sorriso maliciosamente sedutor. Balancei a cabeça outra vez.

— Eu estou prestes a acordar? — perguntei retoricamente.

Dean caiu na gargalhada, seu rosto se inclinou para frente, repousando sobre meu ombro. Eu estremeci com o toque, mas me mantive firme no lugar.

— Você ainda nem dormiu, baby — ele disse, bem-humorado. 

— Você não tinha que ir pro seu quarto? — eu dei um sorriso convencido a ele, mas a atitude não pareceu abalar em nada sua postura.

— Não me lembro disso, acho que tinhas outras coisas em mente — ele fingiu refletir por alguns segundos, então o sorriso em seu rosto dobrou de tamanho. — Na verdade, acho que ainda tenho.

O Winchester apertou os dedos à minha volta, puxando meu corpo e aproximando nossos rostos. O que aconteceu em seguida foi inevitável; nenhum dos dois parecia afim de recuar, o que, para mim, estava de muito bom tamanho. Suas mãos envolveram minha cintura, me trazendo para ainda mais perto, se é que isso era possível. Um calor confortável atravessou meu corpo assim que nossos lábios se tocaram e sua língua deslizou em minha boca.

Todos os meus alertas se desligaram naquele mesmo instante, e deixei que meus sentimentos tomassem o controle. Dean tinha um gosto extremamente agradável, algo como uísque e limão, além de um cheiro inconfundível de torta de pêssego. Meus dedos escorregaram através dos fios macios de seu cabelo, puxando-os levemente enquanto seus braços me envolviam com ferocidade. O loiro se pôs sobre mim em um movimento rápido, erguendo minha cintura de encontro a sua, pedindo por mais.

Não lembro exatamente como, mas em algum momento sua camiseta foi parar no chão ao lado da cama, e nossos sapatos embaixo dela. Então eu estava sobre ele, contemplando aquela visão maravilhosa. Meus dedos deslizaram sobre seu peitoral, traçando uma linha invisível desde a tatuagem antipossessão próxima à clavícula até o cós da calça, parando por ali. Eu ergui o olhar, avaliando sua expressão; o Winchester deu um sorriso sacana, como se me desafiasse a continuar.

Eu balancei a cabeça, desacreditada.

— Por que está fazendo isso?

Dean piscou inocentemente, como se não tivesse ideia do que eu estava falando.

— Não estou fazendo nada, pelo contrário — ele apontou para mim com o queixo, anunciando o óbvio: — Você é quem está.    

Eu revirei os olhos, suspirando.

— É sério.  

Ele pareceu achar minha reação um tanto engraçada.

— Porque eu quero — e então sorriu. — E você também, pelo visto. Estou errado?

Eu até poderia negar, mas as circunstâncias deixavam óbvio o contrário. Um formigamento agradável me envolveu, trazendo uma sensação de bem estar que eu não sentia há bastante tempo.

— Hum... — eu mordi o lábio, escondendo um sorriso. Minha boca se inclinou em direção ao seu ombro, deixando por ali uma trilha de beijos que seguia até a ponta da orelha. O corpo de Dean tremeu sobre mim, e eu suspirei, satisfeita. — Pela primeira vez em séculos, concordamos em algo, Winchester.

Dean riu, um som que de repente se tornara estranhamente agradável. Seus dedos dançaram até a barra da blusa que eu vestia, acariciando minha pele sob o algodão, subindo lentamente, de um jeito provocante. 

Não que ele precisasse me instigar ainda mais, é claro. Meu corpo estava em chamas, e não havia sinais capazes de refutar isso. Assim que me vi livre de todo aquele pano sufocante, tratei de posicionar minha boca no devido lugar; ou pelo menos um deles. Os lábios de Dean eram macios sob os meus, e assim que estes deslizaram sobre meu pescoço e tocaram a pele exposta do meu ombro, senti que, de repente, queria aquilo bem mais do que ele. Era quase como... uma necessidade. A necessidade de ter Dean só para mim, por inteiro.

E por mais que doesse horrores em meu orgulho, precisava admitir que já queria aquilo há algum tempo.

— Tem certeza disso? — os olhos do loiro miraram os meus quando meus dedos se moveram para baixo, no limite. Ele tinha um brilho feroz naquelas lindas orbes verdes, e também um convite mascarado dentro delas. 

Sem sombra de dúvidas.

— Está com medo? — perguntei, entretida.

Dean riu, sem desviar o olhar do meu.

— De que você se apaixone por mim? — ele fingiu pensar por um segundo. — Bem, sim. Depois disso, essa é definitivamente uma preocupação.

Eu dei um sorriso malicioso, depositando um beijo suave em seus lábios e me inclinando para sussurrar em sua orelha:

— Ande logo com isso, Winchester.

Dean se moveu rapidamente, sem que eu me desse conta, e em dois segundos nossas posições estavam inversas outras vez. Meus dedos se agarraram aos seus ombros, fitando-o com expectativa. O loiro deixou uma trilha de beijos em minha barriga, descendo um pouco mais.

— Seu pedido é uma ordem — sussurrou ele, dando outro de seus sorrisos convencidos em minha direção.

E então voltou a me beijar.


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Notas finais do capítulo

No próximo capítulo: As coisas entre Dean e Emma parecem ter esquentando bastante, e agora ambos terão de lidar com essa situação da melhor (ou não) forma que puderem. Enquanto isso, nossos caçadores tem uma importante viagem pela frente; próxima parada: Sara Ross Location. Aguardem!



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