Corações Perdidos escrita por Syrah


Capítulo 44
44. Pedem medidas desesperadas


Notas iniciais do capítulo

15/15, último capítulo da maratona de postagens. Enfim, CP está atualizada... ao menos por aqui.

Peço desculpas outra vez pelos que ficaram e as atualizações nunca vieram, não sei se algum dia poderei recompensar vocês por isso, mas prometo tentar ao máximo a partir de hoje!

Boa leitura a todos e até o próximo mês! ;)



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— SINCERAMENTE, PENSEI QUE estivesse blefando — disse o vampiro depois que um dos grandalhões que eu imaginava fazer parte da equipe de garçons fez a gentileza de nos servir uma garrafa de Red Label. — Desde que saiu de LA, não imaginei que fosse ter coragem para me pedir ajuda alguma outra vez.

Dava para sentir precisamente o sarcasmo emanando de cada sílaba que aquele idiota pronunciava. Tive de reunir todas as minhas forças em uma tentativa quase frustrada de engolir o próprio orgulho e ignorar aquilo. Infelizmente, eu precisava mesmo de ajuda, e rebater Justin na mesma moeda não me ajudaria em nada com aquilo.

Levei o copo de uísque aos lábios em um gesto calculado; um único gole foi o suficiente para sentir a bebida queimar em minha garganta; busquei me concentrar naquela sensação antes de responder a qualquer coisa.

Um... Dois...

— Não deixei Los Angeles — respondi com um suspiro baixo. Justin ergueu uma sobrancelha, surpreso com a declaração, e cético, também. — Só me afastei temporariamente. Assim que resolver esse caso, eu vou...

— Vai voltar? — ele me interrompeu, dando um sorriso lateral enquanto provava o próprio uísque. Eu mordi o lábio, contendo uma má resposta involuntária. — Sério, Emma? Vai encontrar o papai Adam e vocês dois vão retornar juntos ao lar pra viverem unidos e felizes, mesmo depois de tudo?

Eu balancei a cabeça e revirei os olhos, me inclinando no precário assento de bar e encarando o teto enquanto dizia:

— É justamente por tudo isso que eu quero a minha família de volta.

Justin deixou escapar uma risada de escárnio.

— Família? — perguntou ironicamente. — Você quis dizer o cara que te abandonou pra perseguir uma pirralha lobisomem do outro lado do país?

Um baque alto. As conversas no bar cessaram por um momento enquanto todos os olhares se desviaram para a mesa onde estávamos sentados. Justin me observou, quieto, mas eu podia notar um sorrisinho irritante despontando em sua expressão enquanto admirava meu punho dobrado sobre a mesa — um lugar inoportuno se comparado a onde devia de fato estar: amassando seu rosto.

— Muito cuidado com o que fala, Blake. Não se esqueça de que eu ainda sou uma caçadora — lembrei-o gentilmente. — E você é um monstro. Nada disso mudou.

Minha voz era um sussurro cortante, mas eu sabia que não seria um empecilho para sua superaudição — vantagens de ser um sanguessuga, eu presumia. As pessoas ainda nos observavam; nenhuma conversa era perceptível por ali além da nossa. Eu me recusava a buscar por Dean em meio ao silêncio, mas apostava alguns dólares que ele fazia parte da plateia de espectadores do pequeno show envolvendo o líder dos Diurnos e eu.

Justin semicerrou os olhos, me encarando minuciosamente.

— Você é quem deveria ser cuidadosa, amor — disse, o rosto sem nenhuma outra expressão além do habitual sorriso cínico. — Esse é o meu território, e esses são os meus caras. Você é quem precisa de ajuda aqui.

— E a linha entre estar disposta a ser gentil com você por isso ou simplesmente te torturar lentamente até que você abra a maldita boca é bem tênue, não me obrigue a ultrapassá-la.

O vampiro sorriu, verdadeiramente entretido. Por algum motivo, Justin parecia achar a minha reação um tanto engraçada. Trinquei o maxilar, retirando o punho da mesa e flexionando os dedos enquanto permitia que a dor lentamente atravessasse meus músculos. A ardência era quase agradável, unida à raiva que tomava conta de cada célula do meu corpo.

De repente, conter uma possível briga me pareceu uma ideia um tanto estúpida e desnecessária. 

— Ei, galera, o que é que tá pegando aqui? — um único alguém se atreveu a invadir a zona de conflito, parando bem ao meu lado e me encarando. — Não estamos tendo nenhum problema, estamos?

É claro que seria ele. Eu ficaria surpresa se qualquer outro idiota tivesse a coragem necessária para se por no meio de um fogo cruzado entre Justin e eu. Dean ergueu uma sobrancelha para mim, desconfiado.

— Estamos com problemas? — perguntou novamente.

— Ah, perfeito, você trouxe o filho do John! — Justin bateu palmas enquanto encarava Dean, abrindo um sorriso enorme e claramente falso. — É algum tipo de oferenda em troca da minha ajuda? — ele falou aquilo bem alto, o suficiente para deixar claras as intenções em suas palavras. 

O babaca sorriu, sem parecer se incomodar com o fato de estar sendo desagradável como de costume. Felizmente, Dean não pareceu ter se ofendido com o comentário, ou pelo menos tratou de esconder isso muito bem, visto que não demonstrou nenhuma outra reação além de um sorriso tão sarcástico quanto o que decorava o rosto de Justin.

— Ei, sanguessuga! — cumprimentou o Winchester animadamente, se virando de repente e dando um tapinha no ombro de Justin, que não pareceu surpreso com o gesto ou, se o fez, também não demonstrou. — Como vai? Tudo tranquilo?

O vampiro riu.

— Dean Winchester — ele pronunciou o nome com uma demora desnecessária que deixava evidente o seu desgosto pelo mesmo. — Tenho de ser honesto, não esperava que você viesse aqui hoje, especialmente considerando as minhas intenções com você e seu irmão.

— Cara, realmente, quanto tempo! — Dean parecia munido com alguma espécie de barreira fortificada contra os insultos de Justin, pois nada do que o moreno dizia parecia deixá-lo minimamente abalado. — A última vez que nos vimos lembro de ter te visto amarrado à uma cadeira apanhando pra uma garota. Essa garota, aliás — ele apontou para mim com um sorriso enorme. — Quem diria que nos veríamos de novo em uma situação tão distinta, hein? 

Justin deixou escapar um rosnado, tão baixo que duvido muito que qualquer outro além de mim e seus capangas dotados de superaudição tenham ouvido também. Foi uma questão de mínimos segundos, mas jurei ter visto uma expressão quase assassina atravessar seu rosto, logo em seguida sendo substituída por um sorriso presunçoso.

O moreno cruzou os braços sobre o peito, se inclinando para trás em sua cadeira, encarando Dean de cima a baixo, parecendo avaliar se deveria nos deixar falar ou simplesmente dar a ordem para que seus homens nos agarrassem de uma vez.

— Enfim, deixando as formalidades e gentilezas de lado — ele começou, o que provocou uma risadinha coletiva nos idiotas ao nosso redor —, posso saber do que vocês dois humanos extremamente desagradáveis precisam? Suponho que não seja da minha companhia incrível e excepcional.

Suspirei, colocando os cotovelos sobre a mesa e apoiando o rosto nas mãos, buscando atrair a atenção do vampiro para mim ao invés de Dean.

— Não temos muito tempo, portanto serei breve. A filha de Maxwell Ross sumiu, preciso encontrá-la — respondi, arrancando um arfar surpreso de Justin. — Sei que você pode conseguir os meios para isso, por isso estou aqui.

Um sibilo coletivo se instalou no local à menção daquele nome. Alguns dos vampiros mais próximos me encararam com expressões de ódio, enquanto os outros adquiriam posturas defensivas mais próximos de seu líder. Dean sorriu, parecendo se deliciar com o medo das criaturas. Ele caminhou até estar do meu lado, puxando uma das cadeiras e se sentando comigo e Justin, que no momento parecia realmente surpreso com a minha declaração.

O moreno franziu o rosto, me encarando com uma expressão tão confusa quanto intrigada.

— Por que vocês estão interessados naquela garota? — perguntou.

— Acho que você sabe bem o motivo, não é necessária uma explicação detalhada — rebati, erguendo uma sobrancelha. Infelizmente para Justin, ele já tinha deixado escapar que sabia sobre Sara e o fato de ela estar sendo perseguida pelo meu pai. Nesse caso, não lhe restavam muitas táticas teatrais que fossem capazes de me enganar outra vez. — Temos motivos pra crer que a Sara foi levada, por isso precisamos achá-la antes que seu clã faça isso primeiro.

— Têm motivos? — ele sorriu para mim, ainda mais surpreso que antes, mas agora seu olhar estava ligeiramente diferente. Justin parecia realmente entretido com aquele diálogo.

Eu franzi o rosto para aquilo, confusa.

— O que é que você está insinu... — então eu parei no meio da frase, finalmente juntando as peças. O vampiro sorriu, ciente de que eu tinha entendido tudo. — Você sabe onde ela está.

Justin riu, sendo acompanhando por seus homens. Naquele exato momento, percebi o quão inútil aquela conversa era. Justin sabia exatamente o que estava acontecendo, assim como sabia também o que eu buscava ali, desde o início. Além disso, ele sabia que Sara havia sido levada logo após se comunicar comigo e os Winchester, por isso havia me corrigido quando mencionei o fato, isso era óbvio.

Você quis dizer o cara que te abandonou pra perseguir uma pirralha lobisomem do outro lado do país?

Mesmo se aquilo fosse verdade... como ele sabia? A resposta era igualmente óbvia, e fez meu interior se inflamar instantaneamente com raiva.

— Você está seguindo a Sara — continuei, sem acreditar. — Está atrás dela desde que soube que ela queria me encontrar, por quê? 

Justin sorriu, se inclinando para frente outra vez e recolhendo seu copo de uísque, dando um último gole bem demorado neste antes de me responder.

— Corrigindo a sua dedução, que foi até que brilhante, aliás — ele piscou para mim e senti meu estômago se revirar. A raiva que me consumia conforme as palavras deixavam sua boca era intensa e abrasadora. — Eu e meus homens estamos atrás da garota desde muito antes de ela sequer ouvir falar de você. Ao contrário do que você pensa, Emma, meu mundo não gira ao seu redor.

Eu ignorei o comentário, franzindo o rosto enquanto o encarava, incrédula.

— Se sabia onde ela estava, por que não a capturou, então? — perguntei, sem entender. Justin ergueu uma sobrancelha, parecendo realmente espantado com a minha sugestão. Eu vacilei, desviando o olhar para as pessoas ao redor; todas elas me encaravam de volta com olhares impassíveis, ao contrário de seu líder. Foi aí que a ficha caiu, e mais uma vez entendi o plano, ou pelo menos me pareceu assim. — Você não quis fazer isso — deduzi, e a julgar pela ruga severa que cruzou sua testa imaginei que estivesse certa. — Você só a está vigiando — continuei, ainda mais confusa que antes. — Mas por quê? O que você ganha espreitando a Sara?

Justin deu de ombros, embora soubesse que era impossível disfarçar a situação.

— Isso não é da sua conta. Meus negócios ficam reservados aos meus — ele deu ênfase nas últimas palavras. — E, de qualquer forma, não vejo no que encontrar a pirralha desgarrada do Maxwell poderia fazer por você a essa altura, além de trazer péssimas surpresas, é claro. — Seu olhar ficou sombrio de repente. — Vai por mim, vocês preferem não se meter com aquela gente.

— Talvez você esteja certo, mas prefiro conferir eu mesma — respondi, arrancando uma risada baixa do moreno, totalmente desprovida de humor. — Qual é, Justin, isso aqui é sério! Preciso encontrar logo a garota antes que aqueles caras botem as mãos nela!

Justin crispou os lábios, insatisfeito com a situação. Ele revirou os olhos, bufando em desagrado, então chamou um de seus homens e rapidamente sussurrou algo no ouvido do idiota antes de mandá-lo embora. O homem saiu como um raio do bar, atravessando a porta da frente sem olhar para trás uma única vez.

Dean e eu nos entreolhamos, ambos sem entender absolutamente nada. O Winchester, que até então se mantivera calado, franziu o rosto e perguntou:

— Será que dá pra encerrar o suspense? A gente tá com um pouco de pressa, se ainda não deixamos claro o suficiente — disse, impaciente. 

Justin sorriu para ele, assentindo. Ele então se virou para mim, e seu sorriso pareceu murchar um pouco, embora a expressão tenha sido rapidamente substituída por sarcasmo nítido. Mas eu tinha certeza do que vira, mesmo que aquele cara tentasse esconder.

Infelizmente para Justin ou para mim, nós dois conhecíamos bem demais um ao outro.

— Emma, amor — o vampiro sorriu com uma ironia afiada, as pontas das presas que mais pareciam com as de um tubarão salientando sobre os dentes humanos e impecáveis. — Se quer mesmo um conselho, aqui vai algo valioso pra você: pare de pagar pra ver, Grace. Você mais do que ninguém devia saber o quão alto pode ser o preço disso.

Eu suspirei, ciente da verdade por trás daquelas palavras. Ninguém melhor do que eu sabia o quão ruim poderia se tornar uma situação envolvendo os Remanescentes. E deste vez era inevitável; eu estava no olho do furacão e a previsão era de uma tempestade ainda maior dali em diante.

Ainda assim, me esforcei ao máximo para não demonstrar qualquer reação diante daquela declaração. Não porque queria esconder meu medo de Justin — isso era tecnicamente impossível, visto o nosso histórico —, mas porque os imbecis ao nosso redor não precisavam entender os detalhes do que estava acontecendo.

Revirei os olhos, dando um sorriso malicioso enquanto encarava o vampiro.

— Bem, obrigada pela ajuda filosófica, Justin. — Ele semicerrou os olhos, irritado. — Agora, será que pode nos dar algo realmente útil ou vamos ficar aqui o dia todo discutindo o preço dessa missão? 

Ao que parecia, a conversa havia se tornado uma verdadeira partida de pingue pongue. De um lado tínhamos Justin, munido com quilos de sarcasmo e uma plateia que claramente não simpatizava com os dois humanos sentados na mesma mesa que seu líder. Do outro lado tínhamos Dean e eu — este primeiro aparentando sentir-se em casa, vista a tranquilidade com a qual rebatia os olhares assassinos que recebia durante o diálogo do qual parecia ter se isentado. Enquanto isso, eu tentava ao máximo não explodir de raiva e socar alguns rostos de vampiro no processo, começando pelo que me encarava de volta naquele exato instante.

— Então, só pra esclarecer totalmente as dúvidas pendentes por aqui... — Justin inclinou a cabeça para o lado, dando um sorrisinho de deboche para mim e Dean. — Já pensaram em procurar pela pirralha em outro lugar que não seja o meu bolso?

Dean revirou os olhos e a plateia de idiotas ao nosso redor explodiu em risadinhas — o que, é claro, só serviu para inflar o ego de Justin ainda mais. 

— Não realmente. Nós sempre pensamos em você como primeira opção, sanguessuga — Dean replicou, arrancando alguns sibilos em protesto. Justin ergueu uma sobrancelha, parecendo surpreso com a resposta ácida. O Winchester sorriu. — Não fique tão chocado, é tudo uma questão de conexão. E a nossa é especial, você sabe.

O vampiro deu um sorriso lateral, desviando o olhar antes de responder:

— Não força, Winchester. Você só está vivo até agora porque essa belezinha inexplicavelmente quer isso, mesmo que seja uma atitude completamente estúpida da parte dela — ele me encarou com um olhar de quem tentava ler a minha mente, eu devolvi com uma expressão de nojo. Justin riu. — Enfim, cada um com suas má escolhas.

Eu revirei os olhos para a pequena cena dos dois.

— Sim, que ótimo que todos respeitamos as decisões horríveis uns dos outros — comentei, tão irritada quanto entediada com ambos. Sério, como conseguiam ser tão infantis daquele jeito? — Mas será que dá pra focar no maior problema por aqui? Hein? Sara... Remanescentes... Vocês dois são uns imbecis e nada além da minha opinião importa...

Justin riu, mas seus comparsas não pareceram gostar do meu comentário, visto os olhares que me direcionaram. Dean sorriu para mim, assentindo uma única vez em sinal de incentivo. Eu suspirei.

— Certo, vamos ao que interessa — Justin adquiriu um semblante sério, que eu torcia para que permanecesse até o fim da nossa conversa. — Já vasculharam a cidade? Quais cantos?

— Sim. Todos. — Eu acenei positivamente. Sam ficara encarregado disso, e uma vez que não houvera retorno algum do caçula Winchester em horas, era óbvio que não tivera resultados melhores que os meus. — Sara não está em nenhum lugar das redondezas. E duvido muito que a tenham levado pra uma cidade vizinha também.

— É óbvio que não, duvido muito que manteriam a pirralha tão perto dos narizes de vocês. Aqueles caras são burros, mas nem tanto — Justin franziu o cenho, balançando a cabeça. — Se querem mesmo saber, o mais provável é que a estejam mantendo parada enquanto criam uma distração pra vocês.

Dean pareceu surpreso com a resposta.

— Eles se incomodariam o bastante pra isso? — perguntou.

Justin deu uma risadinha debochada.

— Eles estão lidando com dois Winchester e uma Emma Grace, é razão o bastante pra se preocuparem, acredite — respondeu.

Eu o encarei, surpresa com a declaração que, vinda daquele cara, era praticamente um elogio direto. Não obtive um olhar em resposta, obviamente, mas notei um resquício de sorriso desenhado no canto de sua boca.

— Ele tem razão — concordei, voltando a olhar para Dean, que fez uma careta de desgosto ao ouvir minha nota de apoio a Justin. — Qualquer um que conheça a história da sua família teria no mínimo curiosidade em relação a vocês. Eles estão lidando com descendentes diretos de Caim e Abel, precaução é o básico.

— Não é como se fosse algo do qual eu gostasse de me gabar, sendo sincero — Dean respondeu, parecendo enojado.

Pensei em responder, mas naquele momento fomos interrompidos por um dos homens de Justin, que surgiu em meio à pequena multidão que nos observava e caminhou diretamente até seu líder. Notei que era o mesmo cara que Justin mandara embora há alguns minutos, aparentando muita pressa para o que quer que fosse a sua tarefa. O cara se inclinou para perto do líder, sussurrando algo em seu ouvido; Justin assentiu e o homem se afastou, mas pelo menos dessa vez não saiu correndo direto pela porta de entrada.

Dean encarou a cena, desconfiado. Eu, por outro lado, me sentia inexplicavelmente apreensiva. O vampiro sentado à nossa frente nos encarou com um olhar esquisito antes de dizer algo.

— Ao que parece, vocês conseguiram seu doce de dia das bruxas adiantado — disse, e lutei contra a expressão de euforia que surgiu em meu rosto de repente. — Parece que a garota está sendo levada pra sede dos vira-latas, mas ainda estão na metade do caminho. A localização dos raptores e da vítima é um hotel a oeste daqui, próximo da fronteira de Wyoming, em Rock Springs.

Finalmente, as boas notícias tinham chegado. Eu suspirei de alívio, cedendo a Dean um sorriso. O Winchester retribuiu com uma piscada discreta, antes de ambos nos virarmos para Justin outra vez.

— Obrigada — eu disse.

— Não agradeça, não é um favor — ele respondeu, ríspido. — Vou te cobrar isso, e é melhor que esteja disposta a pagar depois.

Eu assenti a contragosto.

— Eu sei disso, fica frio. Só não espere que eu cace alguém pra você, ou que roube o banco de sangue do hospital de LA — ele ergueu uma sobrancelha para o meu comentário.

Justin jamais me pediria coisas tão banais, é claro. Da próxima vez, era melhor que eu estivesse preparada para ajudar no assassinato do presidente dos EUA, porque essa seria a coisa mais simples que aquele imbecil poderia me pedir dali em diante.

— A pior piadista que eu conheço, salva somente pelo carisma — Justin rebateu.

Eu dei de ombros.

— Sinceramente, não sei porque age como se isso não fosse grande coisa — respondi, franzindo o rosto. — Não é a maldita paz o que você e seu clã tanto querem? Essa seria a sua chance!

Justin revirou os olhos.

— Eu não preciso de chance alguma, eles sim. — A resposta veio rápida e sem sinal algum da ironia de sempre. — E eu dei isso a eles, e acabei arranjando um problema ainda maior porque um dos vira-latas estúpidos do Max deixou o poder subir à cabeça.

— Sara vai concertar isso — eu disse de repente, percebendo a minha própria fé naquelas palavras. 

Eu realmente acreditava naquilo, mas Justin não parecia partilhar da minha opinião. O vampiro deu uma risada sarcástica.

— Ah, ela vai? E o que exatamente ela vai fazer, Emma? — perguntou ele, verdadeiramente interessado. Diante do meu repentino silêncio, o vampiro riu. — É, foi o que eu pensei, nem você mesma sabe. Mas não se preocupe, eu tenho a resposta: nada. É o que aquela pirralha vai fazer; absolutamente nada.

— Você não sabe disso, Justin — retruquei.

Ele gargalhou alto, desacreditado.

— Você espera que uma criança vá conseguir tirar alguém como Lucian do poder? — perguntou, incrédulo. Acho que a minha expressão entregou exatamente o que eu pensava, porque ele riu ainda mais diante daquilo. — Se acredita mesmo nisso, Emma, então o passar dos anos só serviu pra te deixar mais ingênua. Ou burra. Talvez as duas coisas.

Eu recebi aquilo como um soco no estômago. Abri e fechei a boca uma vez, sem saber o que responder. 

Você espera que uma criança vá conseguir tirar alguém como Lucian do poder?

Será que eu estava mesmo sendo tão estúpida quanto ele dizia?

— O que foi, amor? — Justin deu um sorriso, me provocando. Meu estômago se revirou com suas palavras. — O gato engoliu a sua língua de uma vez?

Fechei os punhos, furiosa. Balancei a cabeça e fiz menção de me levantar, pronta para deixar o ódio tomar conta de mim. O sorriso nos lábios de Justin se tornou ainda maior quando percebeu o que eu estava prestes a fazer, provavelmente torcendo para que eu realmente fosse adiante com aquilo — e eu de fato pretendia. Porém, quando ia dar o passo final em direção ao que seria uma atitude sem volta, senti dedos agarrarem meu pulso, me segurando onde estava.

Me virei para trás, vendo que Dean me encarava, sério.

— Não — ele sussurrou, negando para mim.

O sangue fervia sob minhas veias, acompanhado do ódio que eu sentia naquele momento. A adrenalina pulsava em cada poro meu, tão intensa que eu quase sentia o gosto em minha língua. Contudo, o loiro tinha razão — eu precisava parar, infelizmente. Meus objetivos ali já haviam sido alcançados, e tudo o que eu fizesse a partir daquele instante que pudesse acabar resultando em algo ruim — com exceção da busca por Sara, que já era em si uma péssima ideia — devia ser evitado. Totalmente.

Eu respirei fundo, buscando relaxar o corpo e acalmar os nervos. O aperto em meu pulso desapareceu, e voltei a me sentar com um gesto rápido.

Justin encarou a cena, parecendo um idiota fascinado.

— Brilhante, você se tornou mesmo a cadelinha dos Winchester.

Eu fechei os olhos, engolindo em seco e tentando ao máximo manter a calma. Ouvi algo como madeira arrastando e então passos ao meu lado; quando voltei a encarar Justin, Dean estava parado de frente para ele, com uma expressão um tanto neutra em seu rosto. 

— Olha, cara — começou o loiro, calmo. Calmo demais, pensei. — Estamos aqui porque, por algum motivo, a Emma achou que você fosse ser minimamente útil alguma vez nessa sua vida desnecessária. E olha só, até que ela estava certa. — Justin encarou Dean, surpreso com o comentário, assim como eu, mas também curioso. 

Eu apostava que ele estava vendo até onde aquilo ia dar. E desconfiava de que eu não gostaria do resultado.

— Mas...? — o vampiro instigou o Winchester a continuar.

Dean sorriu, mas sua expressão se manteve fria como um iceberg.

— Mas, se continuar falando com ela assim, vou ser obrigado a manchar a relação bizarra de vocês dois desagradavelmente — respondeu ele, tranquilamente. — Possivelmente com o seu sangue. Algo que, devo admitir, me é bem convidativo.

Justin riu, e sua risada reverberou por todo o bar, sendo posteriormente acompanhada por um pequeno coro à nossa volta, que rapidamente voltou ao silêncio. 

 Você é engraçado, mas não acho que vai conseguir dormir com ela desse jeito, entende? A Emma tende a gostar de atitudes mais diretas, não provocações de criança. Que tal se você crescer um pouco prim...

Nesse momento, um estalido alto ecoou no salão enquanto todos os pares de olhos se arregalavam em nossa direção. Arfei de surpresa no exato instante em que o punho de Dean se chocou contra o rosto de Justin e ele voou exatamente um metro para trás, derrubando algumas cadeiras e uma mesa consigo no processo. Dois caras que estavam mais próximos de seu líder silvaram baixo diante da cena, como cobras peçonhentas prestes a dar o bote.

Enquanto isso, Dean se manteve de pé sobre Justin, encarando o vampiro com um olhar tão apático quanto antes.

— Já matei piores do que você, sanguessuga — disse ele de modo sombrio. — Se quer tanto assim uma boa briga, vai ter uma.

Os dois caras de antes arreganharam os dentes, exibindo as presas afiadas e silvando alto. Os demais vampiros ao redor também sibilaram em resposta, nada satisfeitos com o fato de um caçador ter agredido seu mestre. Algumas pessoas em meio a pequena plateia, claramente humanas, se afastaram um pouco mais da cena, notando o confronto iminente. Sábia decisão.

Com um único movimento eu me levantei, a adaga já em mãos, preparada para uma boa briga. Não era o que eu pretendia, é claro, mas se era só nisso o que aqueles idiotas sanguessugas conseguiam pensar, então eu lhes daria o que tanto queriam. Dean não estava sozinho nessa.

— Dean — eu o chamei, me colocando ao lado do loiro. Ele me encarou, erguendo uma sobrancelha, mas não disse nada. — Cuidado. — Alertei.

O loiro sorriu, concordando.

— Eu estava mesmo me sentindo meio entediado aqui.

Eu revirei os olhos. Os dois vampiros ao lado do líder deram alguns passos em nossa direção, as presas expostas em um claro sinal de hostilidade. Dean se virou com sua própria faca em mãos, ficando de costas para mim e tomando a retaguarda enquanto a minha atenção se focou em Justin e nos vampiros ao seu redor. Os inimigos eram pelo menos onze, se tirássemos os humanos da contagem — e eu duvidava muito que eles quisessem entrar na luta. O restante nos oprimia em número, é claro, mas não em habilidade, eu tinha certeza.

Justin estava certo em uma coisa, afinal: eles estavam lidando com um Winchester e uma Grace. Para o seu próprio bem, era melhor que não nos subestimassem.

— Parem. — A voz severa de Justin ecoou por todo o bar de repente, cativando a atenção de todos.

Os vampiros imediatamente se viraram para ele, totalmente surpresos. Nenhum deles pareceu acreditar que a declaração havia partido do moreno, mas essa era exatamente a situação. Felizmente, nenhuma das criaturas se moveu, presas sob a submissão de suas posições. Dean e eu nos entreolhamos, confusos e desconfiados. Nenhum de nós desfez a postura defensiva.

Justin se ergueu do chão com um movimento rápido. Ele era vários centímetros mais altos que eu, o que tornava sua postura obrigatoriamente intimidante, embora tenha perdido o efeito sobre mim há bastante tempo. O vampiro cuspiu um pouco de sangue no chão e então voltou a encarar seus capangas.

— Vocês ouviram, parem — repetiu ele, frio. — O próximo que se mover vai ter uma luta particular comigo. É uma ordem.

Um burburinho baixo percorreu a pequena multidão. Alguns dos vampiros deram um passo atrás, assustados.

— Justin? — um dos caras mais próximos chamou, um idiota alto e de olhos escuros, um dos únicos que não parecia terrivelmente perturbado. — Tem certeza disso, cara?

— Deixem os dois, isso não vale a pena — Justin respondeu.

— Mas...

— Obedeçam, idiotas.

A ordem foi tão cortante quanto uma navalha. O vampiro se encolheu um pouco, assentindo minimamente enquanto se afastava. Ele me lançou um olhar assassino antes de juntar aos seus companheiros, silvando como uma serpente. Idiota.

Justin se virou para mim outra vez, me encarando com um olhar tão frio que precisei me esforçar para não me encolher também, assim como seu subordinado fizera.

— Vá embora, Grace — disse ele severamente. — Vocês têm o que vieram buscar, e eu vou cobrar por isso. Agora sumam antes que eu deixe meus homens matarem a própria sede com as bolsas mais próximas. Essa conversa já terminou. 

Semicerrei os olhos, devolvendo a expressão do vampiro com um olhar cortante.

— Não precisa repetir — respondi, sentindo a irritação de antes queimar dentro de mim. Então me virei para Dean com uma expressão séria. — Vamos.

O loiro assentiu, se dirigindo para fora do bar. Os vampiros abriram caminho enquanto ele passava rosnando baixinho para o Winchester. Eu me virei para Justin uma última vez antes de cair fora dali:

— Se estiver mentindo e me fazendo perder tempo sobre Wyoming, vou te caçar pessoalmente — avisei, séria.

Ao invés de responder, Justin apenas riu, parecendo verdadeiramente entretido. Dei as costas ao homem, sem olhar por cima do ombro antes de bater com força a porta do maldito bar após sair daquele lugar. Dean me esperava em silêncio dentro do Impala, mas pelo olhar em seu rosto eu diria que ele estava tão — senão mais — furioso quanto eu.

O silêncio dentro do carro durou alguns segundos antes que um de nós o quebrasse.

— Sinto muito por aquilo lá atrás — disse o loiro finalmente.

O carro permanecia parado, embora estivéssemos a uma distância considerável do bar, o que era a decisão mais inteligente no momento; eu não sabia até que ponto a raiva daqueles vampiros se estendia, e não estava disposta a descobrir. 

Balancei a cabeça em negativa, suspirando em seguida.

— Justin é muito cabeça dura. Ele sabia porque estávamos lá desde o início, só estava sendo o imbecil de sempre. — Eu o encarei, finalmente deixando escapar um sorriso. — Belo gancho de direta, aliás.

Ele sorriu de volta.

— Estive esperando por essa oportunidade desde Los Angeles. Obrigada pela deixa.

Eu ri, concordando.

— Disponha.

Seus dedos se moveram em direção ao rádio do carro, ajustando a frequência em uma estação de rock clássico. Ali eu soube que a situação tinha amenizado; se Dean tinha o rock, significava que as coisas iam bem, pelo menos por enquanto.

— O que você está fazendo? — ele perguntou, notando que eu havia pego o celular do bolso e no momento discava um número.

— Ligando pro Sam. Precisamos ir atrás da Sara o quanto antes, e isso significa que ele vai ter de nos encontrar lá — expliquei o mais breve que pude. — Se algo acontecer com aquela garota, toda a nossa busca será inútil, então...

— Temos que ser rápidos. Entendi. — Dean completou. Ergui uma sobrancelha e ele riu baixinho. — Tudo bem, Emma, relaxa. Eu te cubro.

Eu sorri, agradecida.

— É, valeu. Eu também.

Dean assentiu.

— Disponha, baby — ele piscou para mim, brincalhão. Então seu olhar ficou mais sério de repente. — Então, suponho que nossa próxima parada seja Wyoming, certo?

Eu suspirei, concordando.

— Rock Springs. Quem diria que o nome soaria tão apropriado — comentei, arrancando uma risada do Winchester. — E sem paradas pra torta dessa vez, ok? Temos de ser rápidos nisso.

O loiro suspirou, desapontado.

— Infelizmente, o dever chama — disse tristemente. — Vamos lá.


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Notas finais do capítulo

No próximo capítulo: Próxima parada: Rock Springs, Wyoming. E, enquanto isso, nossa dupla tem muitas horas de viagem pela frente e muito conversa para matar o tempo. Qual será o tópico a ser discutido dessa vez? E parece que temos algumas aparições chocantes a caminho, se preparem.



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