Corações Perdidos escrita por Syrah


Capítulo 31
31. Hora de tomar algumas decisões


Notas iniciais do capítulo

E a maratona de postagens continua. Gente, evitarei colocar qualquer coisa nas notas iniciais dos capítulos de hoje, especialmente porque tudo o que precisava falar já foi dito nas notas do capítulo anterior. Isso aqui é só uma ressalva. Portanto, não estranhem o fato de as notas daqui até o capítulo 44 estarem em branco, é normal.

No mais, boa leitura a todos!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/615585/chapter/31

À MEDIDA QUE eu me aproximava das portas de entrada do café, uma estranha sensação de ansiedade crescia dentro de mim.

Será que essa é mesmo uma boa ideia?, questionei-me outra vez. Robert poderia facilmente ser um inimigo cujo propósito era unicamente me causar problemas; se esse fosse o caso, eu estava caminhando direta e estupidamente para suas garras. Por outro lado, ele não ousaria me atacar em um local público como aquele, seria burrice, portanto assumi que suas intenções não eram das piores — pelo menos não no momento.

Assim que entrei no estabelecimento, fui invadida por um cheiro familiar e agradável. O lugar estava bastante movimentado naquele dia, o que facilitava minha situação. Pude notar Robert sentado mais ao fundo, acenando discretamente para que eu me aproximasse.

Suspirei. Era hora de obter algumas informações.

— Tomei a liberdade de pedir uma bebida pra você, espero que não se importe — disse ele, sinalizando para que eu me sentasse; assim o fiz. — Não imagino muitas pessoas que recusem um bom expresso hoje em dia.

Assenti, sem dar muita importância para aquele fato em especial. Enquanto me acomodava, observei ao redor. Todos os clientes estavam dispostos em mesas bastante aleatórias, sendo que nenhum deles parecia suspeito. Se havia mais alguém ali com parte naquele encontro, não era possível identificá-lo. Robert percebeu meus olhares e balançou a cabeça negativamente, como se não acreditasse no que eu estava fazendo.

O quê? Ele esperava que eu confiasse com todo o meu coração e alma que seu convite era sincero, mesmo diante daquela situação estranha?

Entretanto, ele era um bom observador, isso eu precisava admitir.

— Não se preocupe, Emma, estou sozinho — disse. Sua expressão deixava claro que se divertia bastante com aquela cena. — Só quero conversar, nada mais. Minhas intenções são puramente sinceras, isso eu posso te garantir.

Ele fez uma mini-reverência, meio desengonçada por conta de estar sentado, mas claramente me provocando. Resolvi que era melhor ignorar seu comportamento. Uma garçonete se aproximou da nossa mesa com dois expressos em sua bandeja, servindo-nos rapidamente. Robert deu-lhe um sorriso simpático e uma nota de 10 dólares como gorjeta, agradecendo, o que pareceu deixá-la lisonjeada. A garota saiu da mesa com um enorme sorriso no rosto enquanto enfiava o dinheiro nos bolsos do avental.

O moreno se inclinou em sua cadeira, ganhando novamente a minha atenção.

— Enfim sós — disse. Notei um certo sarcasmo em seu tom, ignorando-o novamente.

Seus olhos pareciam mais verdes do que eu me lembrava, mais intensos também, brilhando de encontro aos meus por um instante. Robert — se é que este era mesmo seu nome — era um homem bonito, obviamente, mas sua postura emanava um pouco mais que apenas charme. Havia um certo mistério que o envolvia, também, e talvez um pouco de malícia.

Eu, por outro lado, me recusava a iniciar contato. Uma vez que tinha sido ele a me chamar ali, fazendo todo aquele show minutos antes, eu esperava que fosse sua pessoa a dar os primeiros passos naquele diálogo. Me limitei a dar um gole em minha bebida, sem me importar que estivesse quente. O gosto pairou em meus lábios por um instante — forte, mas ainda doce — antes da voz de Robert interromper o momento.

— Acho que você não é muito de falar, Princesa. — Ele disse a última palavra com um toque de escárnio. Deus, toda aquela ironia estava me irritando profundamente. — O que é estranho, você parecia bem mais... extrovertida, se é que me entende, lá no sanatório. Quem sabe não seria melhor se nós...

Ele parou a frase pela metade quando o som do meu copo batendo — talvez um pouco mais alto do que deveria — na mesa o interrompeu. Encarei o moreno de olhos verdes, buscando ver o que aquelas lindas esmeraldas escondiam, ou pelo menos intimidá-las. Robert ergueu uma sobrancelha, curioso com a minha atitude.

— Podemos pular toda essa coisa de falsa formalidade, não acha? — perguntei, deixando transparecer frieza em minhas palavras. — Não é como se isso aqui fosse um encontro confraternizante ou algo do tipo.

Esperei que ele fosse se irritar ou algo do tipo com minha hostilidade, mas, ao contrário disso, meu pronunciamento pareceu diverti-lo ainda mais. Robert deu um longo gole em sua bebida, sem parecer se importar com o que eu acabara de dizer. Enquanto o fazia, notei um brilho fraco em sua mão esquerda, e minha atenção se voltou para a aliança de ouro em seus dedos.

Por um momento, nenhum de nós disse nada. Eu estava absorta em pensamentos curiosos sobre o acessório, enquanto ele se limitava a me observar calculadamente. Então, meu companheiro de mesa resoveu quebrar o silêncio:

— Não são falsas formalidades, Emma. Alguns de nós realmente buscam ser educados com o próximo — ele deixou que a indireta pairasse no ar por alguns segundos, o que me fez sorrir por um momento. — Mas tudo bem, eu entendo que queira ir direto ao ponto.

Assenti, cruzando as mãos sob o queixo e deixando que ele continuasse com o próprio falatório.

— É justo que eu te diga quem sou, uma vez que sei muito sobre você — disse ele, sem se incomodar por parecer um maníaco stalker. — A verdade é que ouço muito sobre Emma Grace enquanto viajo pelo país, mas nunca pensei que chegaria a conhecê-la pessoalmente.

Revirei os olhos, impaciente. Eu já havia escutado aquele sermão milhares de vezes, de inúmeras bocas diferentes. Quando se trata de alguém que tivera relações diretas com os Remanescentes e o clã de Justin Blake, as pessoas parecem sempre ter o mesmo discurso de apresentação na ponta da língua.

— Eu tenho uma agenda ocupada, dificulta o contato com os fãs — retruquei ironicamente.

Robert se inclinou em sua cadeira enquanto ria, fazendo com que seus cabelos cobrissem-lhe os olhos. Uma visão um tanto jovem, pensei.

— Sua fama lhe precede, Emma — ele abriu um sorriso enquanto piscava para mim. — Agora é minha vez de me apresentar. Duvido que já tenha ouvido falar de mim alguma vez. Diferente de você, eu tenho envolvimentos externos um pouco mais... discretos — ele ergueu os olhos para observar os meus enquanto pronunciava a última palavra. Dei de ombros, sem dizer nada. — Me chamo Jonas Decker. Como já deve imaginar à essa altura, sou um caçador.

Observei-o enquanto vasculhava o fundo da minha mente em busca de informações a seu respeito. Não, eu não me lembrava daquele nome, embora o sobrenome fosse estranhamente familiar. Robert — ou melhor, Jonas — pareceu ler minha expressão, continuando:

— Como eu disse, não espero que me conheça, sou do tipo que trabalha na surdina — completou, fazendo um sinal de mãos como se dissesse "Isso é tudo por enquanto". — Imaginei que você e seu amigo de asas fossem desconfiar da minha presença com todos os círculos de proteção ao redor do Sanatório. Resolvi facilitar o trabalho de vocês.

Amigo de asas? Ele estava se referindo a Castiel, o que significava que devia saber sobre anjos e todo o resto. Não era grande coisa afinal, considerando que após os acontecimentos apocalípticos envolvendo os Winchester e Lúcifer grande parte da comunidade de caçadores estava por dentro do assunto. Eu fazia parte da minoria desinformada... até uns meses antes. Então eu conhecera os protagonistas do Apocalipse e minha vida havia se tornado tão conturbada quanto a deles.

— Então você é o outro caçador que está investigando o caso Axefire — deduzi. Jonas assentiu com um sorriso, me deixando falar. — Por que está trabalhando naquele lugar?

Ele deu de ombros, como se não fosse grande coisa.

— Informações, assim como você — disse, indiferente. — E também porque assim posso ficar de olho em uma velha amiga — acrescentou.

Franzi o rosto, confusa, então a ficha caiu.

— Espera, quer dizer que... Miranda? — ele assentiu outra vez, sorrindo. Inacreditável, pensei.— Ela é uma caçadora também?

— Aposentada, mas sim. Percebeu quem vocês eram assim que colocou os olhos nos dois. Bom, percebeu quem você era, pelo menos.

Assobiei baixinho, surpresa. Por isso os olhares desconfiados, pensei. No momento em que eu pusera os pés no sanatório, eles já deviam saber. Uma cidade de interior como essa nunca seria visitada por agentes federais legítimos.

— Você também? — perguntei de repente.

Jonas fez uma careta de dúvida.

— Eu o quê?

— Também sabia desde o início?

O homem sorriu, negando.

— Não, eu apenas desconfiei. Você finge muito bem, preciso admitir, mas Miranda é experiente. Como é que dizem? — Ele bateu os dedos no queixo como se refletisse por um instante. — Ah, sim. "É preciso um bom mentiroso para reconhecer outro."

Não pude evitar um sorriso. Era verdade, se havia algo que eu aprendera durante todos esses anos, era sobre fingir e bem. Infelizmente, era algo necessário considerando a vida de caçador. Não havia muito truque no assunto, mas eu era boa no que fazia.

Fiz uma pausa enquanto apreciava minha bebida. Jonas fez o mesmo, levando seu copo descartável aos lábios e mais uma vez me fazendo reparar na aliança de ouro em seu dedo. Não pude conter a curiosidade desta vez.

— Você é casado? — perguntei.

Ele franziu o rosto, confuso diante da minha pergunta. Então notou meu olhar sobre sua mão e seu rosto suavizou um pouco.

— Isto? — indagou, balançando os dedos por um momento. — Não. Isso aqui é apenas uma lembrança de uma era distante agora. Um passado de sonhos e futilidades.

Ah, pensei. Algo de muito ruim estava associado aquele anel, dava para ver que era um assunto delicado pela expressão no rosto de Jonas. Resolvi não extender a conversa naquela direção.

— Eu sinto muito — disse.

— Não se desculpe. Como uma caçadora, você entende mais do que ninguém as consequências da vida que levamos — ele respondeu, indiferente. — Em um momento, todos estão ao seu lado e então... bom, já sabemos como essa história termina.

Assenti, engolindo em seco. Eu sabia bem do que ele falava, até mais do que gostaria. Tinha plena consciência das tais "consequências" da vida de um caçador — eu havia experimentado isso desde muito cedo; não fora uma aventura das melhores.

Com um esforço considerável, obriguei meus pensamentos a permanecerem no presente.

— Jonas — chamei, buscando mudar de assunto o mais rápido possível. O moreno ergueu os olhos em minha direção, curioso. — Por que me chamou aqui?

Ele suspirou, pousando seu copo vazio sobre a mesa.

— Pensei que já tivesse adivinhado. — Falou, dando de ombros. — Imaginei que, como estamos trabalhando no mesmo caso, poderíamos nos ajudar. O papel que te entreguei, com o suposto endereço de Eleanor, é na verdade o meu cartão de contato.

Franzi o rosto, instintivamente colocando as mãos dentro do bolso do casaco para conferir se o papel ainda estava ali. A folha dobrou sob o toque dos meus dedos por um instante. Fiquei tentada a checar seu conteúdo, mas Jonas não tinha motivos para mentir em circunstâncias como aquelas, então não havia razão para questionar sua palavra. A única duvida restante era: por que tanta encenação para me entregar falsas informações? Se eles não pretendiam revelar o endereço, deveriam ter negado logo de cara.

Lembrei-me da história de Miranda, sobre as visitas frequentes de Eleanor que de repente haviam parado, posteriormente acarretando suspeitas na morte de Samirah, que acontecera dois meses após a ausência da testemunha. Havia algo de muito conveniente naquela história toda, quase como se houvesse sido... planejada. Então a ficha caiu.

A expressão nos olhos de Jonas era paciente, ele estava aguardando minha conclusão. Suspirei, buscando encara-lo nos olhos, atrás da verdade.

— Essa tal de Eleanor Woods nunca existiu, não é?

Jonas apenas deu de ombros, confirmando.

— Os boatos são reais, de fato, mas não, ela nunca existiu. — Ele me encarou, percebendo minha raiva diante da mentira que haviam me contado. — Miranda achou que seria o modo mais sutil de abordar vocês e conseguir uma aliança.

— Ela poderia ter sido um pouco mais direta — repliquei secamente.

Jonas balançou a cabeça, negando.

— Ela ainda não tinha absoluta certeza, eu precisei pesquisar um pouco — disse ele, buscando amenizar a situação. — Ela sabia o que você era, Emma, mas não quem você é. Isso é mérito meu, ainda não disse a ela que estamos em negociação com uma celebridade de Los Angeles.

— Pare de me chamar assim.

— Como quiser, Princesa. — Ele deu de ombros. — Mas saiba que tudo o que dissemos a vocês era real. Inclusive a pasta que seu amiguinho levou embora, é um documento oficial e legítimo. — Jonas se inclinou em minha direção, sussurrando: — Não estou tentando te enganar, Emma. Quero sua ajuda.

Revirei os olhos. Aquela conversa estava começando a me encher.

— Por que se importa tanto com esse caso? — perguntei, irritada. — O que ganha solucionando isso?

Os olhos de Jonas escureceram por um momento. Era a primeira vez desde que nos conhecemos que eu o via assim. Parecia que minha pergunta havia irritado meu companheiro diretamente no âmago. Pensando bem, talvez fosse apenas raiva acumulada diante de tudo o que eu dissera até então, era difícil dizer precisamente.

Quando ele falou, fui capaz de reconhecer o tom sombrio em sua voz:

— Essa é a minha cidade, Grace. Eu nasci e cresci aqui — ele disse, fazendo um sinal amplo de mãos, indicando o ambiente. — Houve um tempo em que busquei esquecer a vida simples e fútil que levei aqui. Viajei por uma parte do mundo, descobri coisas novas, algumas mais difíceis de acreditar que outras — o homem fez uma pausa, seus olhos focaram o vazio e sua mente pareceu se perder em lembranças distantes por um momento. Havia uma pontada de amargura visível em sua voz, algo que me deixou estagnada. — Apesar disso, ainda ouso chamar aqui de "lar". Você, mais do que ninguém, deve entender isso, Emma. Afinal, quantas vezes já não se sentiu tentada a abandonar a Califórnia e simplesmente... recomeçar?

Suas palavras me atingiram como um tsunami gigantesco, sem que eu tivesse tempo de reação.

Recomeçar, pensei amargurada, será que eu poderia? A ideia já passara pela minha cabeça inúmeras vezes, sempre se transformando em algo vazio e sem nexo. A questão não era se eu poderia, mas como. Eu jamais conseguiria começar do zero outra vez, não depois de tudo o que acontecera. E, ainda assim, aquele pensamento continuava voltando de novo e de novo, em um tormento infinito — um sonho distante para uma alma que já não poderia mais tirar os pés do chão.

Tentei dizer algo, argumentar, mas as palavras tinham gosto de ácido em minha boca. Jonas tomou meu silêncio como uma confirmação.

— Posso ter partido por uns anos, mas não significa que não me importe com esse lugar — ele disse, sem me encarar diretamente. Era a primeira vez que eu o via tão distante. — Se eu puder fazer com que todos aqui estejam a salvo de um assassinato sobrenatural em massa, eu farei. Pode ter certeza disso. Não posso... não posso falhar dessa vez — acrescentou esta última frase em voz baixa, dando-me a impressão de que não era diretamente para mim.

Meus lábios estavam secos, dificultando uma resposta. Eu ainda me sentia anestesiada pelo impacto do seu discurso anterior. Era inacreditável que um completo estranho pudesse provocar tantas emoções em mim em apenas uma hora de diálogo. Jonas fora capaz de trazer à tona lembranças que eu deixara enterradas por anos, tão profundamente que sequer sabia que doeriam tanto quando retornassem à superfície.

Mesmo assim, me forcei a articular alguma coisa decente, ainda que não fosse muito:

— Deixe-me adivinhar — pedi, a voz ligeiramente trêmula. — Você vai solucionar esse caso com ou sem ajuda, certo?

Jonas sorriu, sua expressão se tornou novamente jovial por um instante. Ele pegou minhas mãos e me encarou outra vez, de maneira mais acentuada.

— Posso fazer isso sozinho, ou com o apoio de alguém esperto e experiente, depende do que você decidir.

Algo em suas palavras me fez corar por um momento. Eu realmente odiava isso de ter uma decisão em mãos — principalmente porque, na maioria das vezes, a escolha que eu fazia geralmente era a errada.

Respirei fundo, soltando minhas mãos das dele. Encarei o homem sentado à minha frente, buscando ser o mais direta possível.

— Olha, Jonas, eu não trabalho em equipe — ele ergueu uma sobrancelha sugestiva em minha direção. Suspirei. — Não que eu precise te explicar, mas os Winchester são uma exceção, ok? Eles são meios para um fim, resumindo, são necessários. Não estou nessa com eles porque quero, mas porque preciso.

Eu não via problema algum em trabalhar com Dean e Sam — no fundo, uma parte de mim até gostava dessa parceria —, mas Jonas não precisava saber disso. O homem me observou em silêncio por um momento, como se pensasse bem no que diria em seguida. Por fim, sua boca se curvou ligeiramente e ele falou:

— Não importa o que eu diga, sua resposta continuará sendo não?

Refleti por um instante, balançando a cabeça logo em seguida.

— Considere um talvez — sua expressão se tornou divertida outra vez. Jonas me encarou curioso. — Temos algo em comum: queremos essa merda toda resolvida, e logo. Uma vez que você parece realmente interessado nisso, além de conhecer bastante da história desse lugar, vou levar em conta seu pedido.

Ele me observava atentamente, provavelmente tentando decidir se eu estava falando sério ou apenas sendo irônica. Por fim, optou por concordar.

— Um dia e eu tenho a resposta?

Assenti.

— Prometo pensar com carinho. — Me levantei, puxando alguns dólares do bolso e jogando sobre a mesa. Jonas não se moveu. — Enquanto isso, fique fora do meu caminho.

Ele sorriu.

— Me liga, Princesa.

Dei-lhe as costas e deixei o café rapidamente, surpresa ao notar que o céu se encontrava escuro e com algumas poucas estrelas. Minha conversa com o caçador havia tomado mais tempo do que eu havia previsto. Uma última olhada para a lanchonete me informou que Jonas ainda não fizera menção de deixar o lugar. Talvez ele goste muito do expresso local, pensei.

Suas palavras de minutos antes vieram à tona em minha mente. Um dia e eu tenho uma resposta?, ele perguntara. Disso eu não tinha tanta certeza.

O que eu não contara a Jonas, era que talvez não ficasse por muito mais tempo na cidade. Com a revelação de Castiel sobre meu pai e o Alvo, minhas expectativas quanto à minha busca principal haviam aumentado drasticamente. Poderia ser idiotice, mas eu estava realmente esperançosa daquela vez. De qualquer forma, precisava contar minha decisão aos garotos antes de qualquer coisa. Será que eles entenderiam se eu dissesse que não poderia mais ajudá-los no caso em que estavam? Eu esperava que sim, porque de um jeito ou de outro, eles teriam que lidar com a minha escolha.

A questão era: como eu lidaria com os acontecimentos que viriam depois disso?

***

Cheguei à pousada em poucos minutos. A rua se encontrava clara e movimentada, mas o ar havia esfriado consideravelmente.

O motorista resmungou um obrigado enquanto eu lhe entregava o dinheiro da viagem, arrancando rapidamente assim que pisei fora do veículo. Sujeito apressado, pensei. Dei de ombros e entrei na pousada, atravessando rapidamente a área da recepção e indo em direção ao meu quarto. Assim que passei pela porta, algo chamou a minha atenção.

Uma silhueta. Alguém se encontrava sentado em minha cama. Acendi as luzes, alarmada e confusa, mas era apenas Dean.

— Caramba, quer me matar de susto? — ele se virou no momento em que liguei a iluminação, me encarando com as sobrancelhas franzidas. Soltei o ar de uma vez, respirando fundo. — Pare de passar tanto tempo com o Castiel, está começando a adquirir os mesmos hábitos assustadores dele.

O Winchester deu a impressão de ter estremecido ligeiramente. A menção ao nome de Castiel pareceu deixá-lo repentinamente cansado.

— Você está atrasada. — Foi tudo o que ele disse. — Pra caramba.

— Do que voc... — eu comecei a retrucar, antes de lembrar que havíamos combinado de nos encontrar às oito para reunir informações e decidir o que seria feito em seguida a respeito do caso Axefire. Chequei o relógio digital do meu celular; dez e vinte. Merda. Como o tempo passara tão rápido? — Ah, é, foi mal. Acho que perdi a noção das horas depois que me separei do anjo. Fiquei de interrogar uma testemunha, mas... — fiz uma pausa. Eu ia dizer "mas acabei esbarrando em falsas informações" antes de reparar no olhar de Dean.

Ele não parecia bem, não mesmo. Seus ombros estavam caídos e seu semblante era sombrio. Hesitei um estante, por fim me aproximando da cama, jogando meu casaco e demais pertences sobre uma das poltronas e me sentando ao seu lado.

— Cadê o Sam? — perguntei cautelosamente. Um frio incomum atingiu o topo da minha nuca só de pensar na possibilidade de algo ter acontecido ao Winchester mais novo.

Dean, por outro lado, não parecia estar com a cabeça focada no irmão naquele momento. Ele deu de ombros.

— Está dando uma olhada na papelada que o Cas trouxe. Já faz um tempo, provavelmente está reunindo o máximo de informações possíveis antes de aparecer com algo sólido — o loiro fez uma pausa. — Castiel não está por aqui. Apareceu algo pra ele cuidar, lá em cima, eu acho.

Ele suspirou, parecia exausto. Me perguntei o porquê de ele estar ali, ao invés de estar ajudando Sam com os arquivos.

— Aconteceu alguma coisa? — perguntei, confusa. A atitude de Dean não estava fazendo muito sentido para mim. Eu raramente o via com aquele tipo de expressão — reservada —, e quando via, podia saber que não vinha notícia boa pela frente.

O Winchester me encarou e outra vez senti meus ossos gelarem. Os olhos de Dean estavam sombrios, combinando com seu humor. Quando falou, sua voz pareceu preencher todo o ambiente, embora tenha se pronunciado em voz baixa.

— Castiel me contou sobre Adam — ele disse sem delongas, me observando. — E sobre o tal alvo que ele está seguindo em Sioux Falls.

Minha garganta secou instantaneamente. Ah, pensei. É isso.

— É só isso? — perguntei, incrédula, soltando uma risada nervosa. Só isso. — Cacete, achei que tinha rolado alguma parada sér...

— Isso é sério — ele me interrompeu antes mesmo que eu terminasse a frase.

Seu olhos estavam cravados nos meus, parecendo me analisar. O que ele queria, afinal? Balancei a cabeça, praguejando mentalmente. Não era essa a questão. Eu sabia o que ele queria, é claro, era óbvio. Dean estava me questionando sobre o que eu faria em seguida.

Suspirei, desviando o olhar. O dele, por outro lado, permaneceu sobre mim.

— Está bem, o que foi? — resolvi deixar que ele ditasse a conversa. Eu não estava ali para falar, apenas esclarecer.

— Você vai voltar para Sioux Falls?

Hesitei em responder por alguns segundos. Por fim fiz um aceno afirmativo, concordando. Dean fechou os olhos, ficando em silêncio. Ele parecia incomodado com algo.

— Você tem ideia de que acabou de chegar na cidade, né? Tipo, hoje — falou. Mordi o lábio nervosamente, concordando outra vez. — Cara, isso tudo é muito zoado.

Dei de ombros.

— Não é como se eu tivesse pedido pra voltar. Eu só... preciso.

Ele assentiu, sem demonstrar emoção. Era difícil saber o que estava pensando naquele momento.

— Isso quer dizer que está fora? — sua voz invadiu meus ouvidos após um momento de silêncio desconfortável, me pegando desprevenida. Eu quase pedi para que ele repetisse a frase, incerta se o que tinha ouvido fora realmente uma pergunta.

Eu parei por um instante, surpresa. Por mais que já houvesse tomado a minha decisão, a ideia de deixar os irmãos não havia passado pela minha cabeça. Até o presente momento tudo o que eu conseguia pensar era em ir atrás do Alvo e, consequentemente, conseguir informações a respeito do paradeiro do meu pai. Eu ainda não havia parado para pensar no destino que minha atual parceria com Dean e Sam tomaria.

Afinal, o que você esperava? Que fosse ficar com eles pra sempre e os três formassem um trio imbatível? Qual é, Emma!

— Eu ainda não havia pensado nisso — confessei, coçando a nuca, desconfortável. — Honestamente, não pensei em muita coisa nas últimas horas que não fosse achar o Alvo e meu pai.

Dean assentiu sem dizer nada. Seus olhos estavam fixos na janela, mas ele não parecia prestar muita atenção ao ambiente.

— Eu entendo que você e Sam precisem terminar isso — acrescentei rapidamente, me referindo ao caso em que estávamos trabalhando. — Não vou interferir, nem pedir que continuem me ajudando. Posso me virar sozinha a partir daqui — abri um sorriso para ele, esperava que soasse minimamente encorajador pelo menos. — Nunca foi minha intenção por meus problemas na frente dos seus, Dean. Não pretendo incomodar vocês.

O loiro sorriu. Algo em sua expressão me deixou curiosa. Pela primeira vez em muito tempo, eu sentia que Dean não estava disposto a usar sarcasmo em nossa discussão — ele estava sendo tão sincero e claro quanto podia, ainda que não estivesse falando tanto.

— Você passa meses com a gente e só agora começou a se preocupar em ser um incômodo? — perguntou, erguendo uma sobrancelha divertida para mim. — Caramba, Emma. Se tivesse feito essa oferta na primeira semana...

— É, eu entendi — soquei seu ombro, ele riu. — Em minha defesa, vocês pareciam bem dispostos. E Sam foi muito persuasivo quanto a oferecer ajuda.

Dean deu de ombros.

— Um dos irmãos tem de ser o bom samaritano, fico feliz que o cargo não seja meu. Sou charmoso demais pra ser bonzinho.

Ri baixinho, balançando a cabeça.

— Quando você pretende ir? — a voz dele saiu em um sussurro.

— Amanhã cedo. Vou chamar um táxi, ou talvez o Castiel se habilite a... bom, você sabe, fazer aquela parada meio maluca de teleportar — respondi. Dean fez uma careta. — Vim aqui hoje com a intenção de avisar vocês e fazer as malas.

Ele se levantou de repente, ficando de frente para mim. Na posição em que estava, soava quase intimidador, por conta da diferença de altura e tal. Sem falar dos músculos. E dos ombros largos. E do olhar sério. Ok, ele definitivamente soava intimidador naquele momento.

— Imaginei que fosse dizer isso, não parece existir muito planejamento na sua cabeça quando se trata da família, não? — ele fez questão de amenizar o próprio tom ao dizer aquilo. Dei de ombros, concordando. — Conversei com Bobby, ele diz que você ainda é bem-vinda em sua "humilde residência", se quiser — o loiro fez aspas com os dedos, imitando a voz de Bobby ao falar. — Eu e Sam vamos terminar esse caso o mais rápido possível, então voltaremos a Sioux Falls pra ajudar você. Não devemos levar mais que dois ou três dias aqui.

Suspirei.

— Dean, eu posso muito bem ficar em um hotel. Vocês não precisam...

— Precisamos, sim. Eu preciso. — Ele me encarou sério. — Prometi te ajudar nisso, é o mínimo que posso fazer por enquanto. Não ache que pode se livrar de nós assim tão facilmente, Grace — ele me interrompeu, então colocou as mãos em meus ombros, me fazendo olhar em seus olhos. Seu toque enviou centenas de mini choques elétricos pelo meu corpo. O Winchester se encontrava próximo demais para que eu não me sentisse no mínimo incomodada com suas palavras — Não vai se livrar de mim tão facilmente, pelo menos.

Apesar da situação, um sorriso involuntário surgiu em meu rosto. Só mesmo Dean para conseguir ser tão persuasivo — nem Sam o batia nesse quesito. Encarei o Winchester com uma expressão de gratidão.

— Obrigada — respondi.

Ele assentiu, retirando as mãos dos meus ombros e enfiando-as nos bolsos da calça. Percebi que conseguia respirar normalmente outra vez.

— Vou voltar pro quarto e dar uma olhada naqueles arquivos, parece ter bastante coisa ali — disse o loiro, dando de ombros.

Concordei com um aceno.

— Ah, Dean!

Dean estava pronto para deixar o quarto, quando chamei seu nome outra vez. Ele se virou, erguendo uma sobrancelha. Suspirei, indo em direção ao meu casaco e remexendo em seus bolsos. Retirei o papel que Jonas me dera e o entreguei para Dean, que me olhou com uma expressão confusa.

— É um contato — expliquei. — Ele sabe muito sobre o caso, talvez seja de grande ajuda. Não custa tentar — justifiquei.

Dean confirmou com um aceno rápido, enfiando o papel nos bolsos e se virando outra vez para deixar o quarto.

— Não vá embora sem se despedir — pediu. Soou mais como uma ordem, na verdade. — É sério — acrescentou. Revirei os olhos, mas já estava concordando.

Observei enquanto a porta se fechava, levando alguns segundos para sair do transe e ir em direção ao guarda-roupa. Hora de fazer as malas, pensei. Após semanas às cegas, sem nenhuma pista nova, eu não via a hora de retornar a Sioux Falls e iniciar novas buscas.

— Aqui vou eu, pai — sussurrei.

Era hora de conseguir resultados.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

No próximo capítulo: Emma está de volta à Sioux Falls e conta com a ajuda de Bobby para encontrar informações sobre o paradeiro do Alvo. Enquanto isso, Dean e Sam permanecem em West River para solucionar o caso Axefire. Será que teremos mais de um ponto de vista no próximo "episódio" desta saga? Aguardem!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Corações Perdidos" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.