All Out War escrita por Filho de Kivi


Capítulo 52
All Out War – Part Six: What They Died For


Notas iniciais do capítulo

Hei!

Mais um capítulo de All Out War saindo quentinho do forno!

Primeiramente preciso agradecer a minha grande amiga Menta, que produziu essa megaboga nova capa de AOW! Mil palmas para você, senhora da Oceania! Com toda a certeza o melhor presente de aniversário adiantado que recebi esse ano... Espera... hehehehe brincadeira!

Além de ser uma grande escritora, você sempre me incentivou e me deu os empurrões (e até mesmo as broncas hehe) necessários para que a fic melhorasse, subindo de padrão dentro da categoria. AOW fora premiada, reconhecida apesar do número não tão grande de leitores, e grande parte disso eu devo a você, minha amiga! Kiitos! Obrigado, Menta, hoje e sempre!

Depois de enxugar as lágrimas, voltemos ao tema principal desse capítulo hehe... Eu sei que havia dito que no 52 teríamos o início do ataque final e tudo mais, mas eu resolvi preparar um pouco mais o terreno antes de começar todas as explosões, pancadarias e tiroteios. Teremos POVs de Glenn, Jesus, Rick, Dwight e Olga, onde aí sim, teremos momentos tensos e de ação ensandecida! Preparem-se...

Boa leitura!



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A primeira noite não fora nada silenciosa.

O vento uivava gelado, tomando todos de assalto, e retirando o sono daqueles que ainda se dispunham a permanecer acordados. O gramado repleto de barracas e fogueiras, e principalmente pessoas, estava apinhado como nunca antes.

Sussurros de conversas ao pé do ouvido reverberavam por toda a parte, e os altos muros do Alto do Morro, ajudavam a fazer com que toda essa barulheira se ampliasse ainda mais. Os olhares assustados dos moradores de Alexandria, acolhidos agora pela comunidade irmã do Hill Top, ainda lamentavam a perda de suas casas.

Não era nada fácil deixar o conforto de outrora, pelo qual tanto lutaram, para voltar a dormir no relento, mesmo que esse relento estivesse cercado por muros e sentinelas. Ora, havia uma guerra lá fora, então era realmente impossível que alguém em sã consciência conseguisse se sentir seguro.

Talvez fosse até mesmo perigoso se sentir seguro. O medo, quando companheiro, era um grande aliado instintivo para aqueles que prezavam por suas vidas.

Mas a breve resolução de problemas trouxera muitos outros com ela.

O Hill Top agora se tornara o alvo mor dos Salvadores, o local onde ocorreriam os próximos combates. Ezekiel partira com sua comitiva rumo ao Reino, para trazer o restante de seus moradores, assim como também fizeram Hanso e Elizabeth. A concentração de pessoas em uma única base poderia ser muito perigosa, apesar de certo modo fazer sentido.

Segurança em números. Uma frase que sempre ficaria marcada.

Também estava claro que tudo terminaria ali. Afinal, só precisaria acabar uma vez, e o restante... Bom, o restante acabara sendo apenas progresso.

Adotando agora a postura de líder do Alto do Morro, Glenn ainda tentava entender as próprias decisões. Tudo era muito novo e confuso dentro da sua cabeça, e liderar tanta gente, tendo de tomar decisões que possivelmente deturpariam sua própria personalidade e forma de pensar, não lhe parecia uma tarefa muito agradável.

Ele vira o que ocorrera com Rick. Vira todas as abdicações que o xerife precisara fazer para chegar ao ponto em que chegou. Ainda assim não conseguia se enxergar da mesma forma, e por mais que pudesse parecer uma utopia, talvez conseguisse fazer diferente. Na verdade, precisava fazer diferente.

A guerra com toda a certeza era a exceção das exceções, mas depois que ela finalmente acabasse, o que viria a seguir? Um novo mundo, maior ainda do que o que conhecem? Ou apenas a ampliação do sofrimento vivido no tão duro presente? Será que após a queda do antigo mundo ainda haveria espaço para o reestabelecimento da felicidade?

Qualquer pergunta que se fizesse naquela noite não encontraria respostas. Aliás, a única resposta plausível para tais indagações só seria dada pelo tempo, esse sim, o único sábio que hora ou outra encontraria uma saída para qualquer celeuma.

Mas o tempo, por assim dizer, não escolhe lados em uma batalha. O novo mundo, tão quisto e almejado, também poderia se fazer presente aos Salvadores, caso esses se tornassem os vitoriosos. Porém, se isso viesse a ocorrer, Glenn precisaria mais do que nunca se preocupar com o futuro, principalmente em se tratando de Sophia, o maior símbolo de um universo em constante evolução.

Não era apenas a sua vida propriamente dita que estava em jogo, o futuro de Sophia, basicamente estava em suas mãos. Que mundo ele gostaria de entregar para ela?

Além de todas essas questões, o presente também era algo que lhe trazia muitas dores de cabeça.

— Bom... – Dissera Ibrahim, sentando-se ao lado de Glenn, que se aquecia em frente a uma fogueira, um tanto afastado das maiores aglomerações. Perdido em meio as suas conjecturas, nem se dera conta da aproximação do amigo islâmico – Prevejo que estaremos sem comida em seis dias, no máximo.

Rhee lhe mostrara um sorriso amarelo, levando em seguida uma das mãos à nuca, rija, tensa.

— É gente demais, não é? – Comentara, olhando os moradores de Alexandria que trouxera consigo. Sabia que pela manhã se juntariam a eles o Reino e o Garden, tornando tudo ainda mais crítico.

O árabe, que trazia nas mãos uma tigela contendo um alimento pastoso, que o asiático não conseguira identificar, dera duas colheradas, retomando a fala logo depois.

— Com toda a certeza que sim! Um mundo de gente! – Destacara – Na verdade, um mundo de bocas. Muito mais do que temos capacidade de alimentar. – Ele voltara os olhos para o novo líder do lugar, o encarando com sinceridade – Meus filhos terão de lutar por comida agora? Terão que comer o máximo possível antes que alguém pegue?

Glenn não se ofendera, conseguia compreender plenamente a preocupação de um pai zeloso. O batedor também queimava os neurônios ao imaginar que sua decisão de aceitar tantas pessoas no Alto do Morro poderia ser prejudicial. Mas também sabia que precisara fazer aquilo, precisara acolher aqueles que outrora o acolhera. Estava apenas retribuindo o apoio que um dia lhe fora dado.

Ao mesmo tempo, sentia também que a guerra não se estenderia por muito mais. Se tudo fosse resolvido no Hill Top, o que certamente ocorreria, o fim os conflitos se daria em pouco tempo. E seja qual fosse o resultado, logo seria conhecido.

— Depois de tudo isso que aconteceu... Depois do que aconteceu com eles. Alexandria foi bombardeada, Ibrahim. Muitos amigos morreram. O que você esperava que eu fizesse?

O homem suspirara, tocando de forma firme um dos ombros de Glenn Rhee.

— O que você julgar melhor para todos nós. Você está no comando agora, Glenn.

O jovem pai fugira com os olhos. Ainda não se sentia pronto, não se julgava totalmente preparado para algo tão grandioso. Mas principalmente, tinha medo das consequências que o peso do cargo poderia trazer-lhe. Não era nada fácil.

— Olha... – O descendente de coreanos meneara a cabeça, ainda incomodado com o título – Eu ainda não estou pronto. Não sei se posso ser um líder... Não quero que as pessoas venham para cima de mim esperando que eu lhes diga o que fazer.

Ibrahim abrira um sorriso sincero. Mantendo a fleuma que lhe era comum, tentara de certo modo frear o claro nervosismo que se manifestara em Glenn.

— Rapaz, você acabou com o Gregory na frente de todo mundo. Simplesmente o esculachou, e logo depois começou a dar ordens. Você nos guiou para fora daqui e depois nos trouxe de volta. Olha só... – O asiático voltara a fitá-lo nos olhos – Já é um fato, você está no comando e todos sabem disso. Ninguém mais queria esse fardo, mas também não suportavam mais a forma como Gregory conduzia esse lugar...

— Eu irei lhe dar um voto de confiança em relação à comida, pois acredito que você saiba o que está fazendo. Acredito que você será um líder melhor para todos nós. – Ele se erguera, raspando o pouco de alimento que ainda restava em sua tigela – Você nos disse uma vez que acreditava em Rick Grimes, acho que está na hora de começar a acreditar um pouco em Glenn Rhee também. Pois quando isso ocorrer, todos nós acreditaremos!

— Por mais que pareça piegas, meu amigo, o segredo está e sempre esteve dentro de você. – Ele tocara o próprio peito – Vou ver minhas crianças, aproveito e darei uma olhada em Sophia também. Acho que você tem muito o que pensar consigo mesmo. – Em meio a um sorriso simpático, Ibrahim tocara o topo da cabeça com o indicador – Deixamos muitas coisas se perderem dentro da nossa cabeça, às vezes só precisamos de tempo para encontrá-las. Pense nisso.

O homem saíra. Tão sutil e assertivo quanto chegara.

Olhando para a lua cheia que iluminava a madrugada, Glenn se dera conta de que mais importante do que encontrar as respostas, era formular as perguntas da maneira correta.

É... Realmente havia muito o que pensar consigo mesmo.

 

*****

 

Paul abrira a porta de seu quarto, adentrando-o como um estrangeiro em uma terra estranha. Acendera alguns candelabros que se encontravam em pontos estratégicos, o que fazia com o que o ambiente se iluminasse, mesmo que parcamente.

Fazia um bom tempo que não passava uma noite completa no Hill Top, e por mais que já estivesse ali há anos, ainda considerava o local apenas como um “lugar onde guardo os meus livros”. Uma estante preciosa de livros, por sinal, a maioria encontrada em missões nas estradas, em buscas por suprimentos, e até mesmo em seus trabalhos como diplomata.

Tinha orgulho de sua coleção, de seus “filhos”, como costumava chamar. Apesar de já ter se acostumado à vida errante, era bom parar em um porto seguro por alguns instantes. Relaxaria, tomaria uma obra em mãos e aguardaria a chegada da manhã imerso em algum clássico da literatura.

Retirara as botas, as luvas e o sobretudo. Retirara também o gorro verde, deixando os longos cabelos castanhos soltos, livres. Apenas de cueca, as inúmeras cicatrizes em suas costas e peitoral a mostra, o retrado claro do quanto a vida nômade o desgastara, Paul Monroe seguira lentamente em direção a sua estante, servindo-se antes de uma boa dose de licor.

Tomara em um único gole, deixando-se deliciar pela bebida tão bem quista. Procurara então, qual seria a leitura mais adequada para aquela madrugada fria. Encontrara uma edição antiga de uma famosa obra de terror e suspense, Eu sou a Lenda, de Richard Matheson, coincidentemente também ambientada em um cenário pós-apocalíptico.

Jogara-se na cama, praticamente em um pulo, e deitado em decúbito dorsal, iniciara a leitura que tanto era condizente com o momento vivido no Hill Top.

“[...] Se ele fosse um pouco mais analítico poderia calcular o tempo para a chegada da noite, mas ainda estava habituado a consultar o céu para isso, e nos dias nublados este método não funcionava.

Por isso, escolheu permanecer perto de casa. Caminhou na débil luz do fim de tarde, com um cigarro pendurado no canto da boca, deixando a fumaça trilhar o seu caminho, sobre o seu ombro.

Verificou cada janela, procurando uma moldura que estivesse partida. Após tantos ataques violentos, a madeira começava a partir-se e ele tinha que consertá-la; um trabalho que odiava fazer.”

Interrompera a leitura, captando a ironia do momento. Os muros das comunidades, sempre afetados por um mal, fossem eles os Salvadores ou os famintões, eram sempre partidos, para logo em seguida serem reconstruídos outra vez.

Assim como no caso de Robert Neville, personagem central do livro, todo e qualquer conserto era apenas um curto remédio para um terror que jamais teria fim. E assim como ele, que toda a tarde precisava reconstruir sua moradia, os sobreviventes precisariam se acostumar à rotina de perigo constante, corrigindo as rachaduras, ao mesmo em tempo em que sabiam que elas logo retornariam a aparecer.

“[...] Checou a estufa e o tanque de água nos fundos. Algumas vezes a estrutura ao redor do tanque se via enfraquecida, ou os colhedores de chuva se dobravam ou quebravam.

Às vezes pedras que eram arremessadas sobre a cerca alta ao redor da estufa rompiam as redes aéreas e ele tinha que substituí-las.

O tanque e as estufas estavam bem hoje. Voltou a casa para pegar martelo e alguns pregos. Assim que empurrou a porta da frente, viu-se no reflexo distorcido do espelho rachado que tinha prendido à porta um mês atrás. Em poucos dias, partes irregulares do vidro começaram a cair. Deixem que caia, ele pensou. Era o último maldito espelho que colocava lá; não valera a pena. Em seu lugar, colocaria alho.

O alho sempre funcionou.”

Os sobreviventes precisavam encontrar o seu alho, o repelente contra os problemas que sempre retornavam, por mais que conseguissem refutar. Só com esse alho, seriam capazes de finalmente tocar sua vidas em paz, podendo pensar um pouco mais em viver e não somente em sobreviver.

Seria um grande alívio para todos se isso realmente ocorresse.

“[...] Tomou um gole do seu drinque e fechara os olhos enquanto o líquido gelado seguia pela garganta até o seu estômago.

Eram verdadeiros, pensou, mas ninguém teve a chance de conhecê-los bem.

Eram, então, produto da imaginação, superstição, não havia tal coisa.

E antes que a ciência capturasse a lenda, a lenda engoliu a ciência e todo o resto.”

Fechara o livro assim que notara a entrada de mais alguém em seu recinto. Esticara o pescoço, sempre alerta, preparado para eventuais hostilidades. Mas relaxara os músculos, recostando-se sobre o colchão outra vez, assim que reconhecera a face daquele que agora, acanhadamente avançava pelo cômodo em sua direção.

Hey!

Um homem de curtos cabelos castanhos claros, quase loiro, corpo esguio escondido sob uma calça jeans e camisa social xadrez, achegara-se a borda da cama de Paul Monroe. O diplomata lhe dera espaço para que sentasse ao seu lado, aprumando-se de forma a ficar mais confortável.

As finas sobrancelhas acima de seus olhos pequenos e levemente repuxados encontravam-se erguidas, desconfiadas. Ele olhara para Paul de forma meiga, ao mesmo tempo em que parecia extremamente desconfortável. Mais parecia que estavam se vendo pela primeira vez, como dois estranhos trocando os primeiros olhares.

Mas longe disso, Paul e Alex, o nome de seu visitante surpresa, encontravam-se enlaçados em um relacionamento que nunca se definira com clareza. O espírito livre de Jesus o impedia de firmar-se apenas em um local, e diferentemente do que seu parceiro gostaria, o diplomata não conseguia se imaginar tocando uma vida longe das estradas.

Acostumara-se a adrenalina de seu trabalho, optara por não se prender a nada, nem mesmo a pessoas, e sabia que isso era o que mais machucava Alex. Não podia corresponder as expectativas elencadas, não as queria para si. Poderia parecer desalmado da sua parte, mas era a pura verdade.

Porém, era difícil resistir aos claros orbes dele o fitando tão desamparadamente.

— Você ficou por tanto tempo, mal passava um dia inteiro aqui... – Dissera Alex, os dedos nervosos repuxando a colcha, em movimentos quase ritualísticos – Quando voltou você simplesmente não me procurou. Mais parece que faz uma eternidade que não nos vemos...

O homem suspirara. Monroe sentira o seu sangue circulando com maior velocidade por suas veias. Seu corpo esquentara.

— E aqui está você – Prosseguira Alex –, feliz em ler um livro quando poderia estar...

Jesus tomara fôlego e não permitira que ele concluísse a frase. Não podia deixá-lo se martirizando mais.

— Eu sei. Me desculpe por isso, estávamos muito ocupados. Simplesmente não tive tempo para pensar em outra coisa que não fosse a guerra... Estamos em guerra, Alex. E ela é muito maior do que todos nós.

— A guerra... – O outro homem olhara para o solo – Será que só agora nós estamos em guerra, Paul? Há sempre algo entre nós dois... Sempre. Mas eu entendo que você possui responsabilidades, e sei que não há clima para discutirmos nossa relação agora. Eu só... – Seus olhos encontraram-se com o do diplomata – Você poderia ler um pouco para mim? Não importa o que seja, eu só quero ouvir a sua voz. Estamos vivendo momentos tão difíceis que...

Jesus o enlaçara, fazendo com que deitasse ao seu lado. Abraçando-o pelas costas, beijara sua nuca, reconfortando-o, tentando fazer com retirasse parte de todo o peso que trazia nos ombros.

A guerra estava sendo dura com todos, e Monroe não fazia ideia de como ela terminaria. Não sabia nem sequer se sobreviveria a ela. Um dia de cada vez, era como deveria viver. E por isso mesmo, seria bom aproveitar uma possível última noite ao lado de alguém que tanto o queria bem.

Uma merecida folga.

Colocou o cravo da Índia na tigela com o resto. Será que funcionaria tão bem quanto o alho? Ia realmente se achar um idiota se funcionasse, uma vez que tinha que percorrer quilômetros atrás de alho, quando havia tanta cebola em toda a parte. O passado nada revelara que ajudasse, apenas a história dos insetos carregarem o vírus. E eles...

...

 

*****

 

Subira as escadas que o levara ao topo dos muros, onde a plataforma erguida para os sentinelas era agora ocupada por Andrea, que se candidatara para o turno que seria de Eduardo.

Com o rifle sniper sempre pronto, a sardenta utilizava o visor para tentar enxergar qualquer aproximação hostil que pudesse estar ocorrendo, mas até então nada havia sido avistado. A madrugada, apesar de agitada por conta da aglomeração incomum de moradores no gramado do Alto do Morro, parecia que lhes dariam uma folga em relação a novos conflitos armados.

Pelo menos por hora.

A barba clara cheia, que agora já preenchia boa parte do seu rosto, era o sinal mais claro de como aquela guerra havia afetado Rick Grimes. Fisicamente ele estava abatido, há tempos não se olhava em um espelho, por isso ainda não havia notado o quanto suas rugas se expandiram nos últimos tempos.

Não conseguia pensar em mais nada que não fosse a guerra. Planejava o próximo ataque, ensaiava os módulos de defesa, reunia-se com as lideranças da Aliança. Verificava as munições, a saúde dos combatentes, o estado das armas... Pensava nas mais diferentes maneiras de vencer essa celeuma de uma única vez. Não queria que se estendesse mais do que o necessário.

Iria vencer, tinha certeza disso. Não sabia o quanto precisaria ceder, o quanto precisaria perder... Mas venceria. Só que a que custo? O que o xerife estava realmente disposto a abrir mão em prol de uma conjectura – uma utopia que desenvolvera em sua cabeça – de um mundo melhor e mais justo?

Sabia que eram fortes. Sabiam que o que tinham era suficiente para vencer o terror de Negan. Mas não fazia ideia do que se tornariam após o fim da peleja.

Precisava seguir pensando em um dia após o outro. Assim era mais fácil não enlouquecer.

— Confortável? – Indagara sorridente, aproximando-se de Andrea e sentando-se ao seu lado. Sua mulher parecia tensa, olhava de tempos em tempos no visor de sua arma, preocupada com um possível ataque surpresa no meio da noite.

— Estarei assim que amanhecer e atestar que ainda estamos seguros. – Respondera – O Carl já dormiu?

Rick deixara escapar um muxoxo, ao mesmo tempo em que meneara a cabeça.

— Não... Acho que ninguém vai dormir essa noite. Todos estão alertas, assustados pelo que aconteceu em Alexandria. Mas ninguém pode julgá-los, foi algo... Descomunal.

A sardenta parecera concordar com seus argumentos.

— Bom... E você?

O xerife retesara as costas, achegando-se ainda mais ao lado da companheira. Relaxando o rosto, ampliara um sorriso enquanto acarinhara uma das pernas de Andrea.

— Eu? Eu tenho vários planos e estratégias para serem traçados amanhã, portanto, preciso dormir bastante. Felizmente vou poder dormir profundamente assim que me enroscar ao seu lado, pois sei que vou estar seguro.

Os dois se beijaram brevemente.

Rick deitara no colo de Andrea, que passara a afagar seus cabelos loiro areia, enquanto o fitava com total zelo e carinho. Estava com um amplo sorriso em seus lábios.

Ok, amor. Prometo que se algo ocorrer, te acordo antes do tiroteio acabar. – Troçara.

Sentira o toque suave de seus dedos se espalhando por seu couro cabeludo. A sensação de bonança ia se ampliando a cada afago, a cada carícia realizada pelas mãos de sua amada. Fora então relaxando, deixando-se levar pelo cansaço do dia cheio, permitindo que sua mente tão tesa começasse a se acalmar, lentamente, como se seguisse o ritmo de uma balada romântica.

Adormecera então, nos braços de Andrea, exatamente como planejara. O sono lhe tomara conta por completo, e alguns segundos depois, o xerife já se encontrava imerso em um mundo criado única e exclusivamente por seu subconsciente.

Sonhara que Negan e seus homens invadiam o Hill Top. Durante a batalha, dezenas de homens e mulheres eram mortos. Amigos, pessoas boas. Moradores que se dispuseram a lutar apenas por seguirem a utopia pregada por seu líder. Os ideais de Rick Grimes.

Vira o sangue tomando conta do gramado verde, vira os corpos tombando, fuzilados. Mas não enxergara apenas dor. No mesmo sonho, Grimes também vira Salvadores sendo mortos, milicianos caindo por intermédio da fúria dos soldados da Aliança.

Um a um, os homens que tanto levaram morte e dor as comunidades irmãs, iam sendo exterminados, pagando de forma definitiva por tudo o que causaram. A justiça sendo feita por intermédio de revólveres e pistolas. Até que só restara Rick e Negan.

No sonho, o xerife observava do alto a sua própria luta, como se estivesse fora do seu corpo, apenas mais um expectador do tão esperado duelo. Arregalara os olhos quando vira os dois se ferindo mortalmente, ambos tombando, cada um de um lado, finalizando assim a guerra que se arrastara por meses.

Mas o policial não sentira dor ou medo, nem mesmo tristeza por atestar o destino que o sonho lhe mostrava. Estranhamente ele sentira alívio, como se tivesse cumprido uma longa missão com total êxito. Como se tivesse retirado uma lâmina que há tempos lhe fora cravada no peito.

Vira Andrea e Carl com vida, vira os dois sobrevivendo ao ataque voraz. Aquilo era tudo o que importava. A Aliança havia vencido a guerra, e as duas pessoas que mais importavam para Rick, haviam conseguido sobreviver. Trilhariam o novo mundo, e fariam dele um lugar melhor. Tinha certeza absoluta disso.

Abrira os olhos, acordando da profunda epifania. Era manhã, e Rick ainda se encontrava deitado sobre o colo de Andrea, que o olhava com enorme carinho nos olhos. Como era reconfortante vê-la daquela maneira!

Esticara os braços erguendo-se, espreguiçando os músculos após a longa e completa noite de sono.

— Bom dia! – Exclamara a mulher.

Rick passara a mão brevemente sobre os cabelos.

— Bom... – Bocejara – Essa deve ter sido a minha melhor noite de sono nos últimos anos! E você, chegou a dormir?

— Cochilei um pouco – Ela parecia realmente cansada – depois que o meu turno acabou. Não queria te acordar para irmos para dentro, você estava dormindo tão bem. – Abrira um sorriso, ruborizando as maçãs de sua face – Estava uma gracinha.

Rick também sorrira, tocando o rosto de sua mulher enquanto a fitava. Acordara bobo, reavivado.

— Eu preciso que você esteja firme e forte para o caso de um ataque prolongado. Vá para casa e pregue os olhos um pouco soldada, já fez demais por hoje.

Andrea respondera com um “ok”, dando-lhe um beijo leve em seus lábios. Dirigira-se para a escada, mas antes que descesse os primeiros degraus para deixar a plataforma, Grimes chamara sua atenção.

Hey, sardenta... – Ela o olhara, interrompendo os movimentos – Te amo.

Não importava mais o que fosse preciso ceder. Não importava nem mesmo se tivesse que morrer para completar aquela missão. Rick sabia que qualquer abdicação valeria a pena, desde que um futuro melhor estivesse reservado para Andrea e Carl.

E depois daquela noite e daquele sonho, tinha certeza que o que viria após a guerra total, seria justamente um mundo melhor.

 

*****

 

— Abram os portões! Eles chegaram, estão aqui!

Os gritos do lanceiro Kal anunciaram a chegada do comboio do Reino, trazendo os demais moradores que lá seguiam abrigados. Um pouco mais cedo naquele mesmo dia, Hanso e Elizabeth Penn também haviam trazido os últimos residentes do Garden que ainda permaneciam no meio da floresta.

Todos os sobreviventes que faziam parte da Aliança, fossem eles combatentes ou não, encontravam-se agora nos domínios do Hill Top, a maior das quatro comunidades irmãs. Glenn dera o aval para que isso fosse possível, e apesar de alguns protestos, a cúpula concordara, acreditando ser mais seguro manter todos sob o mesmo teto.

O problema estava, é claro, em conseguir alimentar todas aquela bocas, principalmente por não saberem quanto tempo precisariam ficar naquele estado de emergência. Dois dias, uma semana, talvez meses... Era impossível encontrar uma resposta exata, e tal dúvida, que no momento retirava o sono de todos os residentes, logo se transformaria em algo real e concreto.

Fome e sede.

Tantas pessoas vivendo sob uma situação tão extrema poderia desencadear em problemas internos tão ou mais sérios do que a própria guerra. Precisavam estar preparados para tudo, absolutamente tudo.

Reuniram-se então no escritório principal da Barrington House, com espaço mais do que suficiente para que os mandatários das comunidades aliadas pudessem explanar a respeito de todas as problemáticas trazidas pelos conflitos armados.

Glenn, Rick, Ezekiel, Eloise, Jesus, Andrea, Hanso e Michonne, decidiam naquele momento a respeito do destino de centenas de pessoas, que haviam depositado todas as suas esperanças no pequeno grupo de mentes pensantes. A estratégia a ser traçada precisaria envolver todas as infinitas possibilidades que começavam a ser elencadas a cada nova pergunta proferida. Era um trabalho maçante, mas precisava ser feito.

— Fico feliz em ver o meu pessoal agrupado em um único lugar. – Confessara o Rei – Você estava certo, Rick. Estava certo quando sugeriu que uníssemos nossas forças. Foi um bom plano até aqui.

O xerife, que se encontrava ao lado de Andrea, meneara a cabeça educadamente, em resposta ao elogio recebido. Com as feições serenas e rígidas ao mesmo tempo, Rick tomara a palavra para si.

— Foi o melhor que pudemos fazer até agora, mas ainda não é o suficiente. Se não vencermos essa guerra, todo o nosso sacrifício terá sido em vão. Não podemos nos cegar. – Dera dois passos, posicionando-se ao centro do grupo reunido – Somos mais fortes por estarmos juntos, mas apesar de ser mais fácil defender apenas um local, não é muito prudente colocarmos todos os ovos na mesma cesta.

— Devemos tirar o dia de hoje para reavaliarmos nossas capacidades, reorganizar nossas forças, contabilizar nossas armas e munição... – Grimes caminhara até uma das janelas, observando a constante movimentação do lado externo. O vai e vem dos moradores se reagrupando, recomeçando mais uma vez – Devemos nos preparar para o que virá.

— Quando Negan atacar, pois eu sei que ele atacará... Temos de estar preparados para vencê-lo. Vencê-lo definitivamente. A batalha pelo Alto do Morro será a última dessa guerra.

A certeza nas palavras do policial despertara muitas dúvidas nas cabeças dos demais membros da assembleia. Ele parecia realmente certo a respeito do que ocorreria, e tinha no olhar um brilho incomum, um resquício de esperança difícil de se encontrar àquela altura.

— O que tem em mente? – Indagara Eloise, os braços cruzados também tentando compreendê-lo.

Grimes abrira um leve sorriso.

— Se tudo ocorrer como o esperado... – Dissera – Não teremos grandes perdas. – Ele voltara-se então para a Imperatriz, seguindo – Você uma vez mencionou sobre um lugar a poucos quilômetros daqui.

— Logo no final da estrada há uma pequena vila. – Respondera McIntyre – Apenas algumas lojas e casas, já foi vasculhada algumas vezes em busca de suprimentos. Mas por outro lado... – Ela arqueara uma das sobrancelhas, entendera onde Grimes estava querendo chegar – Poderia servir perfeitamente como uma base secundária.

O xerife meneara a cabeça.

— Exatamente. Seria um bom lugar para levarmos os mais vulneráveis. – Complementara Rick – O lugar pode servir como uma base para mantermos parte de nossos soldados, para que possamos cercar os homens de Negan durante o ataque.

— E... – Interrompera a Imperatriz – Também pode nos servir como ponto de encontro, caso o Hill Top caia.

Todos voltaram os olhos para a mandatária do Garden. Certamente suas palavras não soaram bem aos ouvidos mais assustados. Imaginar uma possível derrota não era algo que deveria passar pela cabeça dos líderes, mas de fato era sempre bom estar de sobreaviso para tudo o que poderia ocorrer.

Eloise dera de ombros.

— Só quero estar preparada para o pior.

— Bom... – Desconversara Grimes – Tudo o que precisamos é de tempo. Pelo menos mais um dia para conseguirmos organizar tudo. Só podemos agora torcer para que Negan demore mais do que isso para vir atrás de nós.

Fitara outra vez o gramado, voltando os olhos para o cenário do outro lado do vidro da janela. Estava tenso, sim, mas bem mais confiante do que outrora. O homem que em outra vida fora um pacato xerife de uma cidade pequena, comandava agora uma das maiores tropas do mundo renascido.

Era outro Rick Grimes.

O antigo morrera junto com o mundo.

 

*****

 

— Bom dia, Salvadores! – Exclamara Negan.

Todos os soldados milicianos foram convocados a apresentar-se no pátio do Santuário, onde seu líder discursaria antes de anunciar qual seriam os próximos passos dos residentes da fábrica na grande guerra traçada contra a Aliança.

Os muros ao redor da comunidade já haviam sido restabelecidos, e os errantes não eram mais um problema. Depois da vitória em Alexandria, e depois de retornarem para casa com os integrantes da fábrica de balas de Rick Grimes como reféns, o portador da Lucille já começava a acreditar que sua vitória estava perto.

E definitivamente, Dwight torcia para que estivesse errado.

Levantara cedo naquele dia, reunira-se com Carson e repassara com ele o plano que traria novas dores de cabeça para o filho da puta do Negan. Para o arqueiro, isso já bastava para fazer o seu dia um pouco menos tortuoso. Quanto mais conseguisse atrapalhá-lo, quanto mais fizesse com que perdesse a compostura, melhor seria.

Não só para ele, como para todas as pessoas que estavam lutando e morrendo por uma causa muito maior. Mas, sinceramente, no fundo Dwight sabia que isso era o que menos importava para ele. O seu objetivo era uma vingança pessoal, destruir Negan como Negan o destruiu. Parecia muito justo.

Bastava cruzar em algum dos corredores com Sherry, que sentia o seu sangue ferver a ponto de querer acabar com tudo ali mesmo, independentemente das consequências que isso traria. Mas logo se acalmava quando chegava à conclusão de que, por mais que pudesse demorar, a desforra viria com juros e correção. E assim seria muito melhor.

Perdera a mulher, a personalidade, a identidade, parte da própria face... Caminhara próximo aos pés de Negan como um cachorro subserviente, mas agora, já estava na hora de desgarrar-se e tomar o seu próprio rumo. A missão que seria dada a ele, seria a última proferida pelos lábios do sanguinário.

Tudo acabaria finalmente, após o ataque ao Alto do Morro.

— Obrigado por virem tão cedo à nossa reuniãozinha! – Prosseguira Negan – Olha só o que temos aqui... – Atrás do mandatário, cerca de quinze mortos vivos encontravam-se enfileirados, presos uns aos outros por correntes – Eu sei que é uma doideira do caralho termos tantos dessas porras aqui do lado de dentro. Mas acreditem, essas belezinhas aqui serão nossa principal arma de agora em diante!

Ele erguera Lucille, apontando para as criaturas. Todos os Salvadores voltaram-se para ele, cerca de cinquenta, ocupando boa parte do estacionamento frontal.

— Todo mundo sabe como essa merda funciona! Se você for mordido ou machucado por eles, algo que está dentro deles entra em você, e então você já era! Estamos todos infectados! Todos temos isso e viraremos esses bichos quando morrermos, seja lá como for!

— Mas por algum motivo bem escroto... Se alguma dessas coisas nos morder, por menor que seja o ferimento, a febre irá começar... A maldita febre que queima um sujeito por inteiro, fazendo com que ele se transforme em uma dessas merdas, como podemos ver aqui, bem na nossa frente!

O líder voltara-se para uma das criaturas, que parecera alvoroçar-se, tentando inutilmente alcançar o corpulento sujeito com sua mandíbula. Negan o olhara de cima a baixo, sem medo da perigosa aproximação.

— Esse é o mundo perigoso em que precisamos viver hoje em dia. Mas nós vamos usar isso ao nosso favor... – Erguera o seu taco, esfregando-o em um dos ombros do desmorto. O contato do arame farpado com a pele em decomposição só agitava ainda mais o monstro. O tecido ia descolando-se dos ossos na medida em que Negan aumentava a fricção – Estão vendo só? Lucille está começando a se sentir mais íntima desse monte de carne podre!

O seu sorriso só se ampliara enquanto ele seguia esfregando sua arma preferida no pescoço e em seguida do rosto do carniceiro.

— Você é uma garota muita má, Lucille! – O desgraçado parecia realmente excitar-se com aquilo. Virara-se então, erguendo o taco agora coberto por bile e tecido morto, o sangue enegrecido ainda pingando pelas pontas do arame farpado – Olhem só para isso, rapazes! Essa é a nova Lucille! Melhor do que nunca e agora fodasticamente mortal! Não preciso mais me dar ao trabalho de esmagar crânios com ela! Basta um leve toque da Lucille, apenas um beijinho e ela já deixará sua marca!

— Vamos fazer o mesmo com todas as nossas armas. Vamos cobrir a porra toda com gosma de zumbi! Teremos umas putas armas biológicas a nossa disposição! E então mataremos cada um desses putos ingratos do caralho! – Erguera um dos punhos fechados, chamando os Salvadores para a derradeira batalha – Vamos nos preparar e meter a porra do pé da estrada! Vamos vencer essa merda de guerra do caralho, Salvadores!

Dwight engolira a seco as palavras proferidas. Ali não havia nada o que pudesse fazer. Torceria para que Carson fosse rápido o bastante, e para que Rick e seus homens já estivessem prontos para a investida que viria.

Marcharia como um Salvador pela última vez. Restava agora saber se sairia da batalha como vencedor ou vencido. De qualquer maneira, não havia mais espaço para desvios no caminho. Seguiria uma linha reta, e ultrapassaria todas as barreiras que fosse preciso.

 

*****

 

Esconderam-se atrás de um velho furgão carbonizado. Estavam há cem metros do alvo, uma distância que os fazia enxergar bem qualquer tipo de movimentação que de lá viesse. O cheiro ocre da estrada, mesclado às horas que passaram embrenhados na mata, os ajudava a não serem percebidos pelos desgarrados errantes que caminhavam de um lado a outro, como guardas acéfalos protegendo os portões da comunidade.

Passaram mais de uma hora estacionados no mesmo ponto. Estavam cansados, famintos e sedentos, mas sabiam que a missão era mais importante do que qualquer manifestação corporal que surgisse. Bom, pelo menos assim era para Olga.

A experiente combatente conseguira levar o garoto Mikey em segurança até os portões do Santuário, mas a partir daquele ponto, não podia mais assegurar se ele conseguiria sobreviver. Os males que haviam enfrentado na última noite, não se comparavam com o que ainda os aguardava. Quatro ou cinco carniceiros, no máximo, toparam o caminho dos dois, todos exterminados habilmente pela ucraniana.

Mas carniceiros, diferentemente dos humanos, não pensam, agem pura e simplesmente por instinto, o que de certo modo faz deles um adversário mais previsível. Já o homem, bom, o homem possui a capacidade de mentir, de corromper, de mudar estratégias, de ler o que outras pessoas pensam. Esses sim eram adversários complicadíssimos de se lidar.

A soldada já havia matado dezenas de homens nos combates em que participara, mas ainda assim, nunca fora uma tarefa fácil. Quando o cano de uma arma está apontado para a cabeça de alguém, já é sabido que uma vida será ceifada, e independente do lado em que você esteja, é preciso fazer de tudo para que essa vida não seja a sua.

Viram então um comboio partindo, guiado pelo grande caminhão dos Salvadores, acompanhados por diversos carros e algumas motocicletas. Passaram tão rápido e levantaram tanta poeira ao saírem, que não fora possível contar quantos havia. Mas por sua experiência, estava claro que marchavam rumo ao Hill Top com um número considerável de soldados armados.

Precisava ser mais rápida do que imaginava. Arrependera-se por ter deixado o garoto segui-la.

— É agora, dona? É agora que vamos para cima desses filhos da puta?

O menino fizera menção de erguer-se, entregando sua posição. Olga o puxara pela gola da camisa, fazendo com que permanecesse abaixado.

— Ainda não, moleque! – Vociferara – A única chance de duas pessoas entrarem em um lugar como esse e conseguir sair resgatando todos os reféns, é agindo na surdina. Precisamos passar como fantasmas por essas linhas de defesa.

Ela apontara em direção ao Santuário, ainda o segurando pela gola, como que o forçando a mover os olhos para o local indicado.

— Há carniceiros entre nós e os muros. – Com o dedo em riste, ela apontara para alguns caminhantes em frente aos portões – Essa é a primeira linha de defesa deles. – Mostrara ao menino as cercas, reconstruídas após o primeiro ataque da Aliança – Os muros deles são barulhentos e altos, se não tivermos cuidados, chamaremos muita atenção. Essa é a segunda linha de defesa.

Apontara então para todo o pátio, Mikey sequer piscava enquanto Olga prosseguia falando.

— O estacionamento é muito grande, e não há colunas ou automóveis que possamos usar como esconderijo. É possível que algum atirador tenha ficado nos pontos mais altos da fábrica, e se isso tiver mesmo acontecido, qualquer movimentação nossa será logo percebida. Essa é a terceira linha de defesa deles.

— Se passarmos por essas três linhas, teremos cumprido a parte mais fácil da missão. – O garoto arregalara ainda mais os olhos, os orbes praticamente saltavam das órbitas – Uma vez que tenhamos passado pela porta de entrada... Bom, não sei o que enfrentaremos lá dentro. – Ela puxara da cintura sua pistola, verificando mais uma vez a quantidade de munição – Se acharmos o Eugene e seu pessoal, e se conseguirmos passar ilesos por todos os Salvadores, e se eles não tiverem observadores por perto... – Suspirara – É, não vai ser fácil, moleque.

Mikey respirara profundamente, o diafragma o forçando a puxar mais oxigênio para os pulmões. Permanecera calado, sem dizer nenhuma palavra. Olga notara que apesar da aparente força de vontade, tudo ainda era muito novo e assustador para o jovem.

O filho de Nicholas não precisara enfrentar o mundo, após o colapso total. Fora protegido, encontrara desde cedo um porto seguro e por lá fincara raízes, fingindo que poderia levar uma vida normal por detrás dos muros da zona segura. Talvez estivesse despertando tarde demais para essa nova realidade.

Mas a ucraniana também já fora jovem, e também tivera muito receios antes de adotar a vida que adotara. Não nascera soldada, e apesar de não ter tido escolha, só se tornara quem se tornou após receber muitas pancadas do destino. Endurecera, se fortalecera, mas precisara sentir na pele as consequências do fracasso, para que passasse sempre a buscar o sucesso, não importava como. Até porque, o sucesso e fracasso em uma guerra irá sempre determinar quem vive e quem morre.

E acima de tudo, Olga era uma sobrevivente.

Faria de Mikey alguém mais forte. Pronto para o novo mundo. O levaria em segurança para casa, mas antes o faria sentir o gosto do sucesso, pois resgatariam Eugene e depois retornariam para vencer essa droga de guerra. E então, talvez assim, finalmente pudesse retirar um pouco o dedo do gatilho.

— Você tem uma faca, não tem? – Olga retirara um cigarro do bolso, acendendo-o e tragando profundamente. Mikey erguera a arma branca, um nobre exemplar muito utilizado em caçadas – Não tenha medo de usá-la. Segure sempre firme na sua mão, e se precisar, crave-a com toda a força. Você não é alto, então se encontrar um carniceiro ou um Salvador maior do que você, golpeie de baixo para cima, entre o queixo e a garganta. Será mortal para qualquer adversário que o enfrente.

— Mas... – Ela tocara o rosto do menino – Você precisa ser rápido. Em um duelo o vencedor será sempre o mais rápido, não importa o tipo de arma que estejam utilizando. Você sempre pode ser mais rápido que o seu adversário. Eu confio em você, moleque. Nós vamos conseguir!

Os dois ergueram-se, deslocando-se em direção aos portões do Santuário. Olga pedira que o menino seguisse pela esquerda, mantendo sempre três metros de distância, para que não se tornassem possíveis alvos fixo. Olhara com suas íris de combatente sempre atentas, e não conseguira identificar a presença de nenhum atirador ou vigia. Pelo visto, Negan levara todo e qualquer homem que pudesse portar uma arma para a batalha final. Não deveria estar esperando visitas a sua porta.

Topara com os primeiros dois carniceiros, e em apenas dois golpes os eliminara, acertando a garganta do primeiro, e arrancando o topo da cabeça do segundo, utilizando o facão que trouxera consigo. Olhara para o lado e vira Mikey dando cabo de uma mulher morta viva, erguendo a faca com as duas mãos e acertando-a exatamente no ponto exposto por Olga.

O garoto sorrira eufórico, fazendo sinal de positivo com o polegar. A ucraniana também mostrara os dentes, orgulhosa, realmente feliz por ter conseguido enxergar potencial escondido no filho de Nick. Devolvera o sinal, igualmente erguendo o polegar para cima.

Mas fora exatamente aí que seu sorriso se extinguira por completo.

Agarrado pelas costas por um errante não detectado, Mikey tivera boa parte da pele da nuca arrancada, quando a mesma criatura fincara os seus dentes um pouco abaixo da última linha de seu cabelo enrolado.

Gritara em dor, movendo os braços, tentando se defender de alguma forma. O monstro caíra por cima dele, era grande, um dia fora um homem de mais de cem quilos e um metro e noventa. Apesar de estar apodrecido, ainda era muito mais forte do que o jovem alexandrino. Arrancara uma das orelhas com os dentes, rasgara a pele das costas com as unhas. Banqueteara-se com o menino que apenas queria dar orgulho ao pai morto.

Olga erguera sua 9mm, disparando todas as suas balas contra a cabeça da criatura. Acertara todos os disparos, e ao fim, não havia sobrado muito mais do que um emaranhado de miolos espalhados. O sangue do monstro se misturava ao de Mikey, formando uma poça uníssona de líquido morto.

O braço direito do menino ainda mexia, provavelmente causado por algum espasmo involuntário. A ucraniana ajoelhara-se, cravando a faca que Mikey trouxera, impedindo que ele se transformasse em mais um dos caminhantes. Fechara os olhos, perguntando-se mentalmente por quais razões estava sendo submetida a esse tipo de provação. Por quais razões fora lhe dada uma esperança, para depois lhe ser retirada tão abruptamente.

Ele não merecia ter tido esse fim. Essa era uma morte que poderia chamar sem sombra de dúvidas de inocente. Só podia então torcer para que ele realmente conseguisse encontrar o pai no outro plano.

Olga levantara-se, jogara a arma descarregada para longe, segurando apenas o seu facão em uma das mãos. Semicerrara os olhos, controlando a respiração que havia entrado em estado de dispneia após a brutal morte de Mikey. Terminaria a missão, não mais por ela, mas agora pelo garoto. Mostraria mais uma vez o quanto era forte.

Subira os muros do Santuário e avançara pelo pátio, caminhando a passos largos. Parara em frente à porta de entrada, e após um violento chute, adentrara os domínios de Negan.

Nada e nem ninguém conseguiria pará-la.

Havia dois homens em frente à porta, evidentemente sacaram as armas assim que viram a mulher de curtos cabelos negros invadindo o lugar de forma tão inesperada. Não pareciam estar vigiando a entrada, mas certamente foram designados para ficar de olho caso algum problema ocorresse com o comboio. A falta de preparo fora decisiva para que tombassem ante a soldada ucraniana.

Olga cortara em um golpe limpo o braço do primeiro que fizera menção a sacar uma arma. O sangue que jorrara manchara sua roupa e rosto, mas não diminuíra em nada a velocidade e violência do segundo ataque. O corte fora exatamente no joelho, o que fizera com que o segundo miliciano tombasse imediatamente.

Ainda com o facão, decepara a cabeça daquele que havia perdido um dos braços, quando o homem, que caíra de joelhos, se encontrara na posição perfeita para tal. Horrorizado, o segundo sujeito tentara se arrastar para longe, mas Olga pisara em sua nuca, puxando-o pelos cabelos e cortando sua jugular.

Em silêncio após os assassinatos, tomara para si a pistola dos dois homens, verificando o local em que se encontrava. Apesar de ter sido rápida, o ataque provavelmente chamaria a atenção de outros que ali se encontravam.

Caminhara por um grande salão, aparentemente vazio. Banhada pelo sangue de seus adversários, Olga retirara o excesso que lhe cobria os olhos, buscando uma visão mais acurada do lugar onde se encontravam. Havia algumas escadas de metal que levavam a andares superiores.

O salão em que estava deveria ser usado como refeitório coletivo, vide as mesas e cadeiras por toda a parte, mas também como algum tipo de sala de reunião, já que um palanque construído em madeira aos fundos dava a entender que era ali que Negan realizava os seus discursos voltados aos moradores.

De qualquer modo, o que mais a estranhava era o fato de que a fábrica mais parecia uma casa mal assombrada. Tirando os dois pobres coitados dos quais já havia dado cabo, não parecia haver mais a presença de nenhum ser vivo por ali.

Pelo menos parecia.

Ouvira passos nas escadas, vindo das suas costas. Virara-se rapidamente e disparara duas vezes, ambas certeiras. Um grito feminino reverberara, e uma jovem mulher caíra, rolando alguns degraus a baixo.

— Amber!

A exclamação fora feita por um homem de claros cabelos, o rosto marcado por uma queimadura triangular. O sujeito de corpo esguio parecera desesperado ao correr em direção à mulher ferida.

Atrás dele, Eugene e os demais integrantes da fábrica de balas eram acompanhados por um homem de corpo esguio e óculos. Junto deles também encontravam-se um grupo de mulheres, crianças e até mesmo alguns idosos.

— O que você fez? – Indagara Eugene, fitando-a assustado.

Olga piscara algumas vezes, não conseguia compreender o que estava ocorrendo. Baixara então sua arma, e só aí pudera ver que se deixara consumir por um ódio que a cegara.

Havia cometido um grande erro.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam?

RIP Mikey. O moleque morreu justamente no momento em que toda a esperança havia sido depositada nele... Coitada da Olga, que por conta disso não conseguiu perceber o tamanho da besteira que estava fazendo...

Ah, antes que alguém me pergunte, não, não fora o Dwight quem gritara pela Amber, e sim o Mark. Se vocês lembrarem bem, há um capítulo em que mostro o rosto dele sendo marcado pelo ferro quente de Negan.

No próximo capítulo a batalha final terá o seu início, o que também significa que já estamos na contagem regressiva para o final dessa história...

Quero saber o que acharam, então não se acanhem em comentar...

Abraços!

Moi moi.



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