All Out War escrita por Filho de Kivi


Capítulo 51
All Out War – Part Five: Exodus


Notas iniciais do capítulo

AÊÊÊÊÊÊ! FINALMENTE SAIU O CAPÍTULO 51! Hehehe...

Hei!

E aí pessoal, como andam as coisas?

Estou na minha primeira semana na faculdade de Letras, então acabei me atrapalhando um pouco com os horários. Se bem que, me justificando um pouco após essa demora de uma semana, na semana passada eu postei uma one-shot que se encaixa perfeitamente entre os capítulos 50 e o de hoje. Recomendo a vocês que deem uma lida, ela se chama “Buried Secrets”, e nos trás um pouco da trajetória de Julia Alves. Para quem estiver curioso, colocarei o link aqui em baixo. Espero vê-los por lá, e aguardo reviews também, por favor!

Aqui está o link para a one:

https://fanfiction.com.br/historia/693300/Buried_Secrets/

O capítulo de hoje é intermediário entre um grande momento de ação que tivemos na edição 50, e o próximo grande momento de ação que teremos no 52 e 53... O capítulo está bastante focado nas reações da Aliança após uma derrota tão descomunal. Teremos POVs da Andrea, do Goodwin (com uma surpresa maneira), Lizzy, um compilado com mini POVs: Rick, Magna e Olga (estreando por aqui), e para finalizar Eugene...

Acho que vocês irão curtir.

Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/602031/chapter/51

— Nós já não perdemos?! O que mais falta acontecer? Quanto mais teremos que suportar? Quantos mais terão de morrer? Desculpe Andrea, mas... Eu não aguento mais!

Ezekiel estava sentado ao lado de Michonne, em frente à mesa de jantar de uma das casas não afetadas pelo brutal ataque de Negan e seu exército. Os danos à comunidade haviam sido gigantescos, irreversíveis. Rick acabara desmaiando pouco tempo depois que o conflito chegara ao fim, sendo atendido pelo Doutor Carson, que agora parecia ter assumido o posto de médico de Alexandria junto a Rosita.

Fora detectado uma concussão, o que obrigara o xerife a seguir em repouso por um pouco mais de tempo. Andrea então resolvera assumir as rédeas no seu lugar, articulando os novos caminhos a serem tomados após a derrota descomunal.

Mas as dificuldades eram imensas. O medo estampado no rosto de todos os moradores, até mesmo dos combatentes mais fiéis sinalizava que os Salvadores haviam conseguido deixar a marca que tanto queriam ao impetrar a investida.

Pavor. Essa era a melhor definição para o que estavam vivendo.

A sardenta sabia que a guerra não havia acabado. Perder também estava nos planos, mas desistir era algo que jamais deveria passar pela cabeça de ninguém ali. Erguer o brio dos soldados era o primeiro passo para que Aliança se remontasse outra vez. Seria difícil sem Rick por perto, mas precisava fazer acontecer.

— Isso não precisa ser o fim. – Argumentara, fitando o rei nos olhos – Estamos em má situação, é verdade, mas eles também estão feridos. Não podemos desistir. Olha... – Ela arrumara uma mecha – Se pararmos para cuidar dos nossos ferimentos, eles também pararão. Eu sei que você e seus homens pretendem ir embora hoje, mas... Preciso que espere mais um pouco.

A loira estava angustiada. Sempre firme, Andrea precisara tomar fôlego antes de prosseguir. Ezekiel estava extremamente reticente.

— Nós estamos indo para o Hill Top, Alexandria se tornou extremamente insegura, e não teremos tempo de nos reestabelecer... – Ela fechara os olhos, controlando a ansiedade que a fazia tropeçar nas palavras – Venha conosco, quanto mais gente melhor. – A sardenta dera de ombros – Na pior das hipóteses, ficar juntos nos torna mais fortes.

O homem de dreads permanecera em silêncio por quase um minuto. Andrea batia os pés incessantemente sobre o solo, aguardando por uma manifestação do mandatário do Reino. Sem ele e os seus homens, não restaria muitas forças para a Aliança prosseguir. Não queria imaginar o que ocorreria com eles caso Negan vencesse essa guerra.

— Eu... – Ezekiel seguira de cabeça baixa, apenas sua grave voz brotando em meio às tranças brancas que lhe cobriam o rosto – Eu levarei suas palavras em consideração.

Andrea suspirara aliviada. Já era um começo.

Juntara as duas mãos espalmadas a frente do rosto.

— É tudo o que lhe peço, Ezekiel. É tudo o que lhe peço.

Michonne tocara os cabelos do rei, acarinhando-o brevemente. A sardenta não se lembrava da última vez que havia visto a espadachim tão próxima de alguém. Parecia menos impulsiva e mais compreensiva do que outrora.

— Não se preocupe. – Dissera – Vou tentar colocar um pouco de juízo na cabeça dele.

Andrea sorrira, agradecendo com um gesto de cabeça.

Deixara a casa, acelerando os passos enquanto se dirigia pelo interior desolado da comunidade. Alexandria se tornara literalmente um campo de guerra. Algo que antes do novo mundo se erguer, a mulher que trabalhava em um escritório de advocacia, jamais sequer mensurara que iria testemunhar.

Tinha muito trabalho a fazer. Enquanto Grimes estivesse de cama, era seu dever sanar todas as feridas que ainda estivessem jorrando sangue. Resolver todos os problemas que fossem possíveis. Experimentar todo aquele poder e responsabilidade, mesmo que por poucas horas, não estava sendo nada agradável.

O peso mental das tomadas de decisão já estava adoecendo-a. Mas ela era muito mais forte do que aparentava, e tinha total certeza de que iria conseguir. Sabia que não havia nada que não pudesse fazer.

Ninguém diria o que ela não poderia fazer.

— Andrea! Andrea!

Os gritos alarmados vieram de Jesus, que corria em sua direção, os longos cabelos balançando de um lado a outro. O barbudo aproximara-se, os olhos esbugalhados e a testa suada. Aparentava bastante preocupação.

Mais um mensageiro de péssimas notícias. Mais um trabalho duro a realizar.

— Eugene e o seu pessoal... Eles simplesmente sumiram! – Exclamara Paul, apontando em direção aos portões. A loira lembrara-se então que Grimes solicitara ao diplomata que fosse até a cidade, para saber se não havia nenhum problema com a fábrica de balas – As portas estavam abertas, e os famintões tomaram conta do lugar!

A sardenta respirara profundamente. Não podiam perder o único trunfo que os mantinham de alguma forma a frente do exército de Negan. Sem as munições da fábrica, o poder de fogo da Aliança diminuía consideravelmente. Além de se tornar finito, o que tinham talvez não fosse suficiente para todos os soldados.

Precisaria fazer um novo inventário, racionar, armar apenas os melhores atiradores. Mas isso ainda podia esperar, pela forma que Monroe a encarava, as más notícias ainda não haviam cessado.

Ele prosseguira.

— Não há sinais de luta, mas... Eu acho que Negan os pegou.

Era exatamente o que ela não queria ouvir.

Ficara em silêncio, passeando com os olhos pelas placas de metal que formavam os muros, enquanto tentava chegar a alguma conclusão. Estrategicamente, a derrota nessa última batalha virara o jogo completamente para o lado dos Salvadores. Além de detonarem uma das comunidades inimigas, haviam capturado o pé de coelho de seus adversários.

Se Eugene fosse obrigado a fabricar munições para Negan, e Andrea sabia que pelas técnicas de tortura utilizadas pelos milicianos, essa era uma possibilidade plausível, não haveria mais como vencê-los.

Pensara bem no que iria falar.

— Não há nada que possamos fazer agora. – Jesus apenas a encarara, os olhos se expandindo ainda mais dentro das órbitas – Eles são muito valiosos, então não serão mortos. Negan irá querer descobrir o que eles estavam fazendo, e então, muito provavelmente, irá obrigá-los a fazer o mesmo... Só que para eles.

O diplomata coçara a barba. Não parecia compreender o teor das palavras da loira. Outrora tão impulsiva, Andrea agora precisava ser mais racional do que nunca.

— Mas Andrea... – Argumentara – Nós não precisamos deles?

A mandatária erguera o rosto, encarando-o. As feições sisudas davam o tom grave da situação. No ponto em que estavam nada viria fácil.

— O que você sugere, Paul... Enviar um grupo de resgate?

— Eu poderia...

Antes mesmo que seguisse com a proposição, a loira interrompera suas palavras, colocando-se firmemente a frente de Paul Monroe.

— Se matar? – Ela tombara levemente a cabeça para o lado, lembrando o próprio companheiro em seus gestos – Não. Nós vamos pensar em algo. Mas não temos a mínima condição de fazer porra nenhuma no momento.

O diplomata concordara em um gesto de cabeça, apesar de ainda estar visivelmente reticente. Os dois tomaram caminhos distintos assim que Andrea prosseguiu com sua ronda, verificando os pontos mais frágeis da comunidade, e alertando a todos sobre a mudança de emergência.

Deixar Alexandria depois de tê-la transformado em seu lar, depois de tanto ter lutado para mantê-la de pé, não era nada fácil. Sabia que a sobrevivência era construída a base de abdicações, mas ainda assim seu coração se apertava contra o peito por conta de toda incerteza do futuro.

Um futuro erguido com sangue. Um futuro que a loira clamava para que fosse menos sombrio e doloroso do que o presente.

 

*****

 

Há coisas que certamente não podem ser adiadas.

Às vezes o medo nos move a modificar nossa própria escala de prioridades, evitando nos depararmos com os reais problemas da vida. Só que esse medo – em outras situações tão útil para nossa sobrevivência – acaba nos limando de confrontos importantes para o nosso desenvolvimento pessoal.

Qualquer um que se deixa ser movido pelo medo, perde uma gama infinita de possibilidades. Perde a chance de resolver conflitos, de encarar problemas e de zerar as dívidas com a vida. O medo em doses elevadas mostra-se como sendo altamente prejudicial.

Por isso, quando se tem uma chance, é melhor encarar nossos demônios de uma única vez, pois talvez assim, consigamos expurgá-los todos.

Isso era justamente o que James Goodwin buscava enquanto caminhava pelas ruas, agora desertas e em ruínas, de Alexandria.

O rosto ainda estava sujo de poeira e as roupas manchadas de sangue. Juntamente a Hanso, o caçador ajudara a salvar algumas dezenas de pessoas, levando-as às pressas para abrigos seguros dentro da comunidade. Não conseguira, porém, nem de perto, impedir a aniquilação quase que completa da zona segura.

Lembrara-se dos tempos em que lutara pelo bem da comunidade. Conspirara, matara e mentira. Fizera tudo isso para evitar que Alexandria encontrasse o seu fim, sucumbisse ante uma má administração de um bem tão precioso.

Acabara sendo em vão.

Negan e seus Salvadores surgiram e destruíram tudo o que um dia aquelas pessoas haviam construído. E depois de pagar sua própria penitência, de ir ao fundo do poço e retornar, Goodwin começava a questionar suas próprias decisões.

Não que estivesse arrependido pelo que fez, mas o caminho que trilhou certamente o impedira de levar uma vida plena ao lado das duas únicas pessoas que ainda faziam com que filetes de emoções brotassem em seu interior.

Fizera suas escolhas, e abdicara da utopia.

Certamente era tarde demais para tentar consertar as coisas, se é que elas poderiam ser consertadas. Mas se Goodwin enegrecera o seu próprio ser, perdera junto a isso parte do medo que agora poderia fazê-lo recuar. E ele não iria recuar, jamais.

Encarar os demônios para expurgá-los. Até mesmo se estivessem travestidos de anjos.

Estava pronto para o que viria.

— Sabe... – A voz fora acompanhada por passos curtos, aproximando-se do cansado James Goodwin. A tonalidade em um misto de meiguice e determinação já lhe era bastante familiar, apesar de não escutá-la há algum tempo – Quando eu entrei aqui juntamente com o pessoal do Hill Top, achei que havia visto um fantasma quando te vi de relance.

— Vi uma silhueta passando ao lado de um cara grandão, levando duas crianças para dentro de uma das poucas casas que restaram... – Um breve muxoxo – Achei que estava vendo coisas. Achei que minha cabeça estava querendo me enganar...

Susie estacionara ao lado de James. Ambos focando os olhares na destruição quase que total em que Alexandria se transformara. Um cenário tão bucólico quanto o vazio de seus orbes.

A mãe de Jacob colocara as mãos nos bolsos do casaco de brim.

— Sei lá... – Prosseguira – Você estava tão morto dentro de mim que achei que iria me surpreender mais se descobrisse que estava vivo. Consegue me entender?

Ela o olhara brevemente. Goodwin abrira um sorriso de soslaio, admirando os belos traços de sua mulher. Era bom revê-la outra vez, mesmo que ela estivesse tão diferente de quando a conheceu. Ainda não sabia dizer se isso era bom ou não.

— Todos nós morremos junto com o mundo... – Manifestara-se James. Ele apontara para um amontoado de madeira e pedras. As cinzas da casa que um dia dividiram em Alexandria. O local em que prometeram, entre carícias e palavras de conforto, ser o porto seguro de sua família – Esse agora é o nosso mundo. Sangue e fogo... Sobreviver tem o seu preço, Susie.

— Ninguém que conseguiu chegar até aqui passou ileso pelas escolhas que essa realidade nos exige. – Seguira o homem, ainda mantendo os orbes fixos no caos causado pelas granadas dos milicianos – Nós estamos em guerra contra um psicopata que se considera o déspota dessa região. E por mais que consigamos derrotá-lo, outros Negans irão surgir. Talvez ele até já esteja entre nós, vai saber...

Ele dera de ombros.

— Essas coisas só fazem sentido hoje, nessa realidade. – James fitara Susie, que seguira encarando o horizonte, sem pestanejar – Eu pretendia seguir minha vida no Reino, mas a guerra me obrigou a te reencontrar. Eu não fiz isso por que eu queria, mas sim porque eu precisava. Foi a escolha que esse mundo me exigiu.

Um vento gélido alcançara o casal, despenteando-os. Goodwin voltara-se para as nuvens, cinzentas, prontas para derramar uma tempestade sobre a comunidade. O toque final para um dia repleto de perdas e dor.

— Eu não quero mais te ver, James. – Dissera secamente Susie. O caçador, de certa forma, já esperava por aquilo – Não é justo comigo. Eu te enterrei duas vezes e por duas vezes você retornou. Não dá para escrever em um papel apagado muitas vezes, o texto fica borrado, sujo... E foi você quem tomou essa escolha, ninguém o obrigou. Não dá para culpar esse mundo por isso.

— Glenn está tocando o Alto do Morro agora, e estou esperançosa de que a Aliança irá vencer essa guerra. Quando tudo isso ocorrer, espero que entenda que o que tivemos ficará sempre guardado no passado. Em outra realidade, outra vida. – A mulher voltara-se para Goodwin, encarando-o plenamente pela primeira vez – A minha vida já acabou há muito tempo. Toda a minha energia agora é depositada no Jacob, e não vou permitir que ele se transforme em uma segunda versão do que você se tornou. – Ela piscara algumas vezes, tomando fôlego antes de complementar o seu discurso – E essa... Essa é a minha escolha.

O caçador engolira as palavras de sua mulher. Mantivera-se estático, sem manifestar-se por alguns segundos. Os dois permaneceram lado a lado, como se admirassem o pôr do sol em uma praia paradisíaca.

Resolvera então, após a pausa imposta, pedir a palavra uma última vez.

— Eu não sinto nada, Susie. – Meneara a cabeça – Dor, medo, solidão, pavor... Amor. Eu não sinto nada. Fui consumido pelo meu próprio pragmatismo. – As palavras jogadas serviam de cajado para o caçador. Talvez fosse melhor encarar as coisas dessa forma – Mas eu adoraria ver o rostinho daquele camarada mais uma vez... Uma última vez.

Susie dera as costas. Ainda com as mãos nos bolsos, ainda agindo como se nada daquilo a afetasse de verdade, ainda fingindo que não estava sofrendo internamente. Exatamente como James. Presos dentro do avatar que criaram para si. Protegendo-se desesperadamente da afiada lâmina do mundo real, sempre disposto a cortá-los profundamente.

— Ele está com Tareef e Sabirah, o casal árabe que veio junto ao comboio do Hill Top... Eu já disse a eles sobre você. – Ela interrompera os passos brevemente – Eles permitirão que se despeça do Jacob.

Ela voltara a caminhar, afastando-se. Goodwin resolvera indagá-la outra vez.

— Quando aconteceu?

Susie parara.

Respirara profundamente, meneando a cabeça enquanto parecia raciocinar a respeito da melhor resposta a ser dada no momento. Sabia da importância daquela pergunta. Sabia do tamanho da representatividade de tudo aquilo.

— Quando você se esqueceu da promessa que me fez naquela cabana, logo após o nascimento do nosso filho. Quando você teve uma nova chance depois de sobreviver àquela tempestade, e ainda assim jogou tudo fora... – Ela abrira os braços – Aconteceu... Agora, James.

Os dois não se olharam mais. Susie seguira o seu caminho, firmemente prosseguindo até o ponto onde os demais moradores do Hill Top haviam se abrigado, aguardando por um posicionamento oficial das lideranças da Aliança. Seguindo para junto do seu povo, do seu novo lar. Da sua nova realidade.

Goodwin tinha ciência de todas as chances que havia desperdiçado, sabia que era o mártir de sua própria história. Sacrificara o seu bem-estar na tentativa de fazer melhor, de fazer acontecer. De proporcionar uma vida plena às duas pessoas que tanto amava. Mesmo que precisasse renegá-las no meio do trajeto.

O seu foco agora estava nessa maldita guerra. Lutaria, morreria se fosse preciso. Mas não permitiria que um ponto de interrogação seguisse pairando sobre suas vidas.

Sorrira ao lembrar-se do sorriso de seu filho. Lamentara ao atestar que provavelmente estaria vendo-o pela última vez.

Mas aquela fora a sua escolha. O novo mundo exigia força, e também exigia sacrifícios.

E não havia ali ninguém que estivesse tão pronto quanto James para essa nova realidade.

 

*****

 

Uma Heckler & Cock P7, 9mm, fabricação alemã. Totalmente carregada. Seguida por uma SIG P210, apenas três munições, mas excelente para disparos à distância. Logo depois optara pela Taurus RT44, clássica. Quatro munições no tambor, um tanto pesada, mas o cano longo ajudaria na estabilidade.

Colocara as duas pistolas e o revólver dentro de uma mala, juntamente com as poucas peças de roupas que havia trazido do Garden. Preparava-se para a grande viagem que seria feita. O caminho seria longo e silencioso.

Lizzy tentara de alguma forma ajudar, quando os homens de Negan bombardearam a comunidade. Mas toda a fumaça, a poeira trazida pelas explosões, e os escombros das casas, que uma a uma foram sendo detonadas, impediram que Penn conseguisse agir de alguma maneira. Fora tudo tão brutal que não tivera como agir.

Reagira. Da melhor forma que pôde.

Ajudou a carregar corpos e transportar feridos até a enfermaria de emergência, que fora montada às pressas em uma das moradias depois que a oficial também fora pelos ares. Protegera a si mesma, enquanto tentava proteger os demais. E por mais egoísta que pudesse estar sendo, ficara feliz ao atestar que nenhuma das baixas da batalha a afetavam plenamente.

Os seus amigos haviam sobrevivido. Ela havia sobrevivido. Precisava outra vez dar um passo a frente, tomar fôlego e prosseguir com o seu caminho.

É claro que ela havia mudado bastante em um espaço de tempo muito curto, era meio que natural essa forma rápida de aceitação e superação. Fazia parte do novo gene da sobrevivência, que parecia ter sido ativado em todos que, àquela altura, ainda seguiam com vida.

O luto por todas as mortes no Garden já havia se tornado um emaranhado de boas lembranças, e toda a angústia e dor vivenciada metamorfosearam-se em aprendizado. Justamente a aceitação e superação. Lizzy vivia um dia depois do outro, e enquanto as vozes que tanto a infernizaram seguissem deixando-a em paz, sabia que sua sanidade prosseguiria estável.

Mas o que fazer depois que a guerra acabasse? Para onde iriam depois de tantas lutas e tantas mortes?

Viver o presente fazia com que o futuro não passasse de um ponto de interrogação, um altar quase que inalcançável, um caminho a ser trilhado rumo ao desconhecido. Mas às vezes Penn se perguntava o quanto valia a pena correr atrás de algo tão intangível quanto aquilo. Digamos que finalmente conseguissem derrotar Negan e implementar a rede conjunta de comunidades. O que viria depois? Estariam satisfeitos? Outro Negan surgiria? Entrariam em guerra entre eles mesmos?

O tamanho do poder beligerante das comunidades a assustava. Cautelosa como sempre fora, apesar de um pouco mais esperançosa do que outrora, Lizzy preferia manter um pé atrás em relação às lideranças que tocavam a Aliança. Será que com uma fábrica de balas em constante evolução, e sem um inimigo em comum, o futuro seria justamente o prosseguimento de um combate por território, envolvendo agora os próprios membros de compilado?

Sem ter respostas concretas para esses questionamentos, escolheria o que no momento era o mais acertado para a sua própria proteção. Lutaria ao lado daqueles homens, ajudaria a derrubar o império dos Salvadores. Afinal de contas, Negan e seus milicianos desolaram suas terras antes mesmo de chegarem a Alexandria. Era mais do que justo que o Garden atacasse com toda a força e fúria para exterminá-los.

Mas para isso precisariam vencer. E ao sair da casa em que se hospedara brevemente, Penn sentira ferroadas na coluna ao alcançar a triste conclusão de que seria bem mais difícil do que imaginara, e que talvez novas vidas precisassem ser sacrificadas.

O cenário parecia ter saído de um filme de guerra. Mas não um filme B, com chroma keys vagabundos e efeitos de GC de qualidade duvidosa. Estava mais para um super lançamento de Hollywood, com direito a grandes astros e estúdios caríssimos.

A fumaça e a poeira seguiam rondando-os, os lembrando ainda mais do quanto tudo fora ferrado por Negan. As lascas de madeira e pedaços de entulho espalhavam-se pelo asfalto, também tomado por algumas crateras que se formaram após as explosões. Era possível ver manchas de sangue por todos os lados.

Um enterro coletivo iria ocorrer em breves minutos. Ironicamente, o cemitério fora um dos poucos lugares que permaneceram cem por cento intacto após o atentado. Os mortos seriam abençoados pelo padre local, e após terem o seu rest in peace oficializado, seriam abandonados pelos vivos, que partiriam rumo ao Alto do Morro. Um comportamento estranho à primeira vista, mas totalmente compreensível.

Era preciso seguir em frente, por mais cruel que pudesse parecer. Em tempos de guerra, o luto deveria ser adiado ao máximo.

E não precisava ir muito longe para comprovar essa teoria. Ali mesmo em Alexandria, diante dos seus olhos, a hipótese se tornava empírica instantaneamente.

A menina Fisher, tão bem quista por Vincent Hall, aparentemente havia passado por mais um horrendo momento de perda, ocasionado pela guerra sem fim. Tom Price, um dos soldados tombados em combate, tinha o seu corpo – enrolado em um lençol branco – transportado em direção ao cemitério, um terreno de gramado verde, localizado na zona mais segura da zona segura.

Lizzy testemunhara o desespero de Leah, ao não conseguir reanimá-lo, depois que três homens desconhecidos haviam retirado o seu corpo dos escombros. Rosita e Carson, que a essa altura já se encontrava na comunidade, foram os arautos que trouxeram à realidade aquela jovem menina. Ele estava morto.

Não tivera coragem de dar o golpe final ao falecido, impedindo que pudesse voltar como uma das criaturas desmortas. Coubera então a Michonne esse trabalho.

Nos primeiros minutos após o ocorrido, a garota, que como agravante ainda carregava uma criança em seu ventre, parecia extremamente desolada e desamparada, envolta em por um profundo mar de dor. Parecia frágil, destroçada. Como uma peça de porcelana que cai da estante. O choque com o solo trás danos sempre irreparáveis.

Mas o que Penn atestava agora com os olhos, algumas horas após a poeira baixar, fazia com que pensasse que os cacos que testemunhara outrora, haviam sido colados de volta, mesmo que de forma torta e sem jeito. A menina Fisher estava de pé, firme, acompanhando o cortejo de queixo erguido, enquanto carregava a lápide de madeira, feita às pressas por um dos moradores.

Leah vestia uma camiseta regata com o dobro do seu tamanho. O tecido largo escondia a gravidez já proeminente, que provavelmente já começava a afetar a coluna da adolescente. Notara a rusticidade do traje, provavelmente masculino, provavelmente do finado Price. O seu rosto estava livre de sentimentos, enxuto de lágrimas, apesar de avermelhado pelo choro seco.

Engolira o próprio luto, e já se preparava para seguir em frente. Mais uma vez seguir em frente.

Elizabeth Penn tomara o caminho contrário, dirigindo-se até onde se encontravam os veículos da Aliança. Os ônibus escolares, as SUVs e camionetes começavam pouco a pouco a receber as bagagens dos viajantes. A mudança seria lenta, provavelmente levando o restante do dia e noite. Mas Lizzy tinha algo a fazer, não podia esperar.

— Tá pronta? – Indagara Hanso, abrindo a porta do caminhão assim que Penn se aproximara.

Arrumando a mochila nas costas, Lizzy estendera os braços, recebendo ajuda do austríaco para subir no veículo.

— Ela vai mesmo ficar?

O corpulento lenhador apenas meneara a cabeça.

Elizabeth afivelara o cinto, aprumando-se no assento.

Vambora... Temos trabalho a fazer.

 

*****

 

— Está se sentindo bem? – Indagara Andrea enquanto dobrava as duas últimas peças de roupas, colocando-as em seguida no interior de sua mala.

Rick levara a mão esquerda sobre a testa, ainda sentindo-se tonto. Dormira por mais de três horas, depois de desmaiar no meio da rua, logo após o fim dos bombardeios. Foram tantas explosões ao seu redor, que o xerife acabara tendo uma concussão leve, mas o suficiente para lhe apagar.

Fora medicado por Carson, e aparentemente estava tudo bem.

Bom, pelo menos externamente.

— Estou sim, e você?

A loira abrira um meio sorriso.

— Não fui eu quem desmaiou no meio da rua, se lembra?

O policial também tentara sorrir, mas parecia estar tomado pela pior ressaca de toda a sua vida.

— Você falou que nem o Carl agora. – Colocara a mochila nas costas, caminhando até o armário para retirar os últimos pertences – Está tudo bem para o Glenn se todos nós voltarmos com ele? Há lugar para tanta gente no Hill Top?

Grimes ainda estava se atualizando. Andrea, que tomara todas as decisões e encaminhara os procedimentos da mudança em massa, fora quem ficara responsável pela comunidade durante sua ausência. Confiava em suas decisões, e não contestaria nenhuma delas. Provavelmente fora até mais sensata do que ele seria.

— Sim. – Respondera, ainda focando na arrumação das bagagens. Levariam o essencial – Há vários trailers montados, e também há vagas nas casas. – Cerrara o zíper, colocando a sua mochila logo em seguida. Pusera as mãos na cintura, mordendo levemente os lábios enquanto verificava com os olhos se nada havia sido esquecido – Bom, estou pronta.

Grimes também estava, mas ao abrir a última porta do guarda-roupa, paralisara por alguns segundos.

Sentira um choque lhe subir por todo o corpo. Uma sensação agridoce extremamente desagradável. Não estava pronto para ficar cara a cara com o passado outra vez.

O telefone vermelho que encontrara em uma velha cabana – utilizada de morada junto a Carl após a queda da prisão – ainda estava ali. Tomado por uma camada de poeira que cobria o antigo disco, o aparelho que fomentara sua loucura, lhe fazendo passar horas a fio em conversas imaginárias com a lembrança viva de Lori, parecia querer lembrar-lhe do fracasso que o perseguia.

A mesma derrota que tivera ao ver diversos amigos sendo mortos pelo Governador, se repetira mais uma vez. Um ciclo do qual estava desesperadamente tentando se livrar. Precisava seguir em frente. Precisava superar.

— O que foi, esqueceu alguma coisa? – Indagara a sardenta inocentemente.

Rick fechara a porta do armário com força. Estava na hora de deixar o passado no passado.

— Não. – Dissera – Já tenho tudo o que preciso.

Os dois então saíram, partindo lado a lado em direção a um dos ônibus escolares.

Grimes olhara para trás, gravando em seus olhos a última imagem que teria de Alexandria. O lugar que assumira e fizera crescer. Toda a sua determinação e força estavam cravadas em cada grão de areia do lugar.

Não seria nada fácil.

 

[...]

 

— Estivemos lutando tanto que eu não pude parar de pensar... É como se estivéssemos em guerra desde o princípio não é? Há tantas coisas ruins acontecendo por aí... Pelo que estamos lutando afinal?

Magna mantinha o olhar perdido. Fixava-se na janela de vidro, embaçada pela poeira oriunda dos confrontos. Estava tão machucada que mal podia se mexer. Mas suas cicatrizes mais profundas e dolorosas não podiam ser cobertas por nenhuma bandagem. Sangrariam até que a hemorragia estancasse. O que só ocorreria com o tempo.

Ainda podia sentir a perna arrancada brutalmente à força pela explosão de uma granada. Os dedos formigavam no membro fantasma, e ela podia apostar que os estava mexendo naquele mesmo momento. O cérebro ainda tentava se adaptar a sua nova condição. E o mesmo deveria ser feito por ela, assim que conseguisse entender e aceitar tudo o que havia acontecido.

A vida sem Yumiko. A vida sem a mulher que jurara proteger, que jurara passar o resto da vida ao seu lado. Ainda havia vida?

— Eu me sinto estúpida para caralho! – Estava sem forças para esbravejar, mas conseguira soltar uma exclamação com o mínimo de entonação em sua voz – Eu sinto tanto... Sinto tanto por tudo... – A garganta estava seca, os lábios pálidos. Perdera tanto sangue que era difícil até mesmo juntar energia para derramar lágrimas. O que não significava que o seu interior não estivesse devastado.

— Independente pelo que estamos lutando, eu só queria que tivéssemos ignorado tudo isso... Queria ter passado mais tempo ao lado dela. Poderíamos ter sido felizes por mais alguns instantes, mas... – Cerrara os olhos, sentindo um ardume ao contato direto com as pálpebras – Eu não sei se eu vou conseguir sem ela, eu não sei...

Sentira sua mão ser envolvida. O toque carinhoso e intenso, que tentava também ser reconfortante, viera da latina que permanecera junto ao seu leito desde que despertara, um pouco mais de três horas após o fim do ataque dos Salvadores.

Uma amiga que zelara por ela, e que vivenciara os últimos suspiros de vida de Yumi.

— Você vai conseguir! – Rosita erguera o rosto de Magna, fazendo com que a encarasse – Yumiko se foi, mas isso não significa que você esteja sozinha. Você me entendeu? – Enfatizara – Estamos do seu lado. Estamos com você!

Não importava o quanto se esforçasse, um sorriso não brotaria em nenhuma hipótese. De qualquer forma, a mulher de volumosos cabelos castanhos respondera ao aperto de mão de Ezpinoza, sinalizando que pelo menos tentaria acreditar em suas palavras.

Apesar de não conseguir mais enxergar muito sentido nas coisas.

— É por isso que eu estou aqui, Magna. – Rosita erguera-se da cama, caminhando até a saída do pequeno quarto improvisado como leito. Abrira a porta e empurrara para o lado de dentro do cômodo uma antiga cadeira de rodas.

Engolira a seco ao se deparar com o famigerado objeto. Até então não havia mensurado as limitações que aquela tragédia iria lhe impor a partir de agora. Estar diante de uma ferramenta tão opressora, um verdadeiro símbolo de sua nova realidade motora, não era nada fácil.

Só aumentava a sua angústia e lhe tirava ainda mais o sentido de estar viva. Valia mesmo a pena ainda estar viva?

— Estamos nos mudamos para o Hill Top. – Rosita expressava-se com delicadeza, demonstrando extremo cuidado a cada palavra – Não há mais condições de continuarmos por aqui, então... Temos uma longa viagem pela frente, minha amiga. Não será fácil, mas estaremos ao seu lado.

Magna meneara a cabeça. Estava em negação total. Não queria aceitar o seu destino, não conseguia suportar a ideia de que estaria incapacitada pelo resto da vida.

Ainda não estava pronta para seguir o caminho que o mundo escolhera para ela.

Desviara o olhar da cadeira, tentando ao máximo evitar o inevitável. Já não bastava ter perdido Yumiko, as pancadas seguiam ferindo-a, tão intensas e ininterruptas que pareciam ter o objetivo de destruí-la por completo.

Poeira e ossos era o que havia restado.

Entendera então finalmente o sentido de “estaremos”, quando um homem de pouco mais de quarenta anos adentrara o pequeno quarto. Vestia um jaleco branco por cima de uma camisa de linho, os cabelos negros, lisos e curtos sobre algumas rugas que se formavam em sua testa.

— Esse é o Doutor Carson. – Afirmara Rosita, apresentando o até então desconhecido sujeito. O homem sorrira de soslaio, mantendo as mãos nos grandes bolsos de sua fardeta – Ele veio do Hill Top e está nos ajudando com os feridos – Seguira – Inclusive foi ele que terminou a sua sutura.

A maldita perna. Queria se esquecer de que havia perdido-a.

— Eu sei que é complicado – Manifestara-se Carson. A voz empostada e a postura típica de agentes de saúde –, mas não será permanente. Com o tempo você poderá usar muletas e posteriormente até mesmo uma prótese, mas agora, precisamos que venha conosco. O caminho até o Alto do Morro será longo e cansativo.

Magna seguira balançando a cabeça em negativa, desviando o olhar das pessoas no quarto. Só queria que aquele pesadelo cessasse, e que finalmente pudesse acordar ao lado de Yumi, aliviada após o sonho ruim.

Com a ajuda do homem, Espinoza a tomara no colo, ao mesmo tempo em que a mulher de cabelos castanhos mexia os lábios na tentativa de produzir sonoros “nãos”. Em vão, quando se dera conta, já havia sido posta sentada na aflitiva cadeira de rodas.

Chorara copiosamente assim que começara a ser empurrada para fora do quarto.

 

[...]

 

— Guarda de trânsito? Ok. Deixa eu pensar então... Guarda florestal? Hein? Não? Bom... Guarda metropolitana?

Os pés que delicadamente pisavam sobre as folhas caídas das árvores do bosque, cessaram imediatamente. Levada por seu instinto notara que havia uma aproximação hostil há poucos metros. Fizera então sinal de silêncio com o indicador ao questionador, que arregalara os olhos, selando os lábios no mesmo instante.

Dito e feito. Demorara apenas três segundos para que um caminhante desgarrado alcançasse à dupla. A criatura estava tão decomposta, que até mesmo as camadas mais profundas de pele e gordura encontravam-se dependuradas sobre os ossos. O resquício do que um dia fora um ser humano, mas que no momento não passava de um pedaço pútrido e fétido de carne.

Puxara uma faca da cintura, deslocando-se com habilidade em direção ao desmorto. Já fora mais rápida, o joelho esquerdo detonado após uma queda de três metros durante uma missão de busca fracassada, ainda doía bastante toda vez que muito exigido. Ficara levemente manca, o que não inutilizara totalmente a sua destreza.

Cravara a arma branca na têmpora do errante, com força suficiente para achatar o crânio molenga. Puxara a faca, limpando-a na barra da blusa enquanto assistia o corpo inerte ir ao solo, completamente sem vida.

— Eu servi ao exército ucraniano. – Respondera finalmente Olga, guardando a faca na bainha. Olhara para o horizonte, deixando que o instinto de sobrevivente lhe dissesse o que fazer – Desertei depois do fracasso em uma missão em Belarus. Teria sido presa, mas... Bom, eu fugi para a Bósnia-Herzegovina, me alistei a um grupo de milicianos.

O garoto de claros cabelos que a acompanhava, ouvia atônito as suas palavras.

— Não havia trabalho e nem comida... – Ela começara a caminhar, sacando uma pistola 9mm do coldre na cintura – Sobrevivi a alguns bombardeios... – Abrira um sorriso instintivamente. A lembrança era realmente irônica – Não era muito diferente do que faço hoje. O resto foi só progresso.

O garoto soltara um wow assim que Olga terminara de falar. Parecia bastante impressionado com sua breve história.

— Conta mais, dona. Tipo... Como eram essas guerras? Você matou muita gente por lá?

A ucraniana girara nos calcanhares, olhando fixamente para o garoto que a seguia.

Moleque, por que você está aqui?

Ela franzira a testa, olhando firmemente para ele. O seu sotaque sempre se evidenciava ainda mais quando ficava nervosa ou irritadiça.

Esperava intimidar o menino com sua atitude, mas contraditoriamente o jovem parecera ainda mais instigado. Tinha algo preso em seu peito que precisava ser posto para fora. Então, finalmente desabafara.

— O homem que matou o meu pai está caminhando livremente pelas ruas de Alexandria. Está sendo tratado como um herói, e todo mundo está apertando a mão dele, como se esquecessem do que ele fez! – Seu olhar se voltara para o solo, os punhos fecharam-se – Eu não posso aceitar isso. Não posso...

Olga baixara a guarda. Sentira verdade nas palavras do pequeno, apenas um adolescente de treze, talvez quatorze anos. Já havia visto aquele olhar antes. Dor, ressentimento, vingança. Ela mesma já se sentira daquela forma em seu duro passado como combatente. Um passado que se estendera por todo o seu presente e provável futuro.

A ucraniana havia nascido para lutar. E enxergara um pouco de si nas atitudes do moleque falastrão.

— Eu não vou te levar de volta. – Dissera, baixando a tonalidade de sua voz em uma oitava – Se você morrer no meio do caminho, não irei me responsabilizar. É preciso que você entenda que essa pode ser uma missão suicida.

O garoto erguera os olhos, fitando-a. Parecia seguro de si, realmente decidido a prosseguir.

— Se eu morrer, irei ver o meu pai outra vez. Mas se eu conseguir ir até o final, tenho certeza que ele sentirá muito orgulho de mim!

A mulher de curtos cabelos negros sorrira, aprovando a resposta recebida. Recebera o gene militar desde muito nova, basicamente na mesma idade do pequeno. Herdara da família, sempre beligerante, ligada totalmente ao exército ucraniano.

Sabia é claro, que muito provavelmente o jovem ainda não estava pronto para o que enfrentariam, mas podia de forma alguma suplantar o desejo que ele aparentava nutrir em seu interior. Ele poderia se tornar alguém mais forte após enfrentar tais provações, ou morrer tentando. De qualquer maneira, isso era única e exclusivamente escolha dele.

— Tenho certeza que você teria adorado conhecer o meu pai, ele era gente boa, se dava bem com quase todos os moradores de Alexandria... – Seguira falando o menino, diminuindo o tom de voz após a sinalização da ucraniana – O nome dele era Nicholas... Ah, e o meu é Mikey.

Olga permanecera calada.

— Mas, dona... – O garoto seguia colado nela, acompanhando de perto os seus passos, enquanto que a ucraniana observava todos os detalhes das árvores e do solo, tentando encontrar um caminho mais seguro, longe da presença dos caminhantes – É... – Ele coçara a cabeça – Para onde estamos indo mesmo?

A combatente meneara a cabeça em negativa. Mikey, que a seguira desde pouco depois que deixara a comunidade, parecia decidido a realizar uma tarefa que sequer tinha ideia do que se tratava. A fuga que provavelmente se dera em um impulso o levaria agora ao inimaginável. Olga sabia que era arriscado, mas não podia mais refutar.

— A esposa do xerife da sua comunidade disse que não há nada o que possamos fazer em relação ao sumiço do cientista que está fabricando munições para a Aliança. Bom, minha Imperatriz discorda bastante desses argumentos. – Ela se virara em direção ao jovem – Estamos em uma missão de resgate. Invadiremos o Santuário e retiraremos de lá todos os reféns. Simples assim.

Notara o medo surgindo em Mikey, os olhos esbugalhando e a garganta engolindo com dificuldade a própria saliva.

Mas agora era tarde demais para recuarem.

 

*****

 

Acordara com um balde d’água no rosto.

Abrira os olhos, piscando ininterruptamente enquanto puxava fôlego em meio a um acesso de tosse. Assim que suas pupilas encontraram a normalidade da definição, entendera exatamente onde estava e tudo o que havia acontecido nas últimas horas.

Os lábios estavam inchados, com o dobro do tamanho normal. O olho direito cerrara-se por completo, arroxeado, totalmente dolorido. As mãos amarradas tão firmes na cadeira em que se encontrava, que a circulação sanguínea chegava a ser interrompida. Sentia formigamentos nas extremidades, e uma dor que se espalhava por todo o corpo.

Mas o pior de tudo era o que seus olhos podiam enxergar. Do lado direito estava Dwight, olhando-o por alto, o rosto deformado pela queimadura triangular o impedindo de demonstrar qualquer emoção. Do lado esquerdo um desconhecido homem esguio, de cabelos negros e óculos, não tinha pinta de ser um dos Salvadores, mas parecia ocupar algum cargo de importância dentro do lugar.

E ao centro, o encarando com o taco em mãos e um sorriso no rosto, estava Negan. Sem a tradicional jaqueta de couro, os braços fortes ainda mais evidenciados em uma apertada camiseta cinza.

Se pudesse, Eugene arrancaria a jugular daquele homem com as próprias mãos. Queria que ele sucumbisse lentamente, pagando em dobro por todo o sofrimento que impetrara aos seus amigos. Por todas as vidas inocentes que retirara.

— Está aproveitando bem a estadia?

O psicótico líder o puxara pelos cabelos, obrigando o professor de Ciências a olhá-lo nos olhos.

— Fui informado de que o seu pessoal está arrumando as trouxas para deixarem aquele lugarzinho de merda que vocês chamavam de casa. Não sei se eles vão conseguir revender todos aqueles imóveis depois da pequena bagunça que eu e homens fizemos por lá! – Ironizara – Soube que o preço de mercado caiu fodasticamente foda nas últimas horas!

— Já pegamos toda a munição que vocês produziram. Não foi difícil descobrir o que vocês estavam fazendo por lá, então saiba que já sabemos que aquela merda era uma fábrica de balas. – Eugene suspirara, desviando o olhar. Nem sequer suportava a ideia de estar tão próximo a um sujeito tão repugnante – Você e o seu pessoal voltarão ao trabalho e fabricarão mais dessas porras para a gente, fechado?

O professor tomara fôlego. Erguera a cabeça, juntando todas as forças para uma única exclamação.

— Não! Eu... Não... Vou!

Negan balançara a cabeça algumas vezes, achegando-se ainda mais próximo de seu refém. Levara a mão direita até a própria genitália, segurando-a em cheio enquanto fechava os olhos, como se estivesse buscando concentração.

— Meu grande amigo filho da puta, deixe-me ver o seu futuro nas minhas bolas de cristal! Eu me vejo matando todos os seus amigos... – O desgraçado seguia de olhos fechados, troçando, fomentando um horrendo espetáculo de humilhação, aproximando-se ainda mais de Eugene, praticamente esfregando-se no professor – Eu me vejo explodindo a cabeça deles, um por um, bem na sua frente.

— Vejo toda essa sua pompa de merda se esvaindo conforme eles forem morrendo. – Franzira agora o cenho – Mas também vejo outras possibilidades... Me vejo queimando a sua cara com um ferro quente... – O líder voltara-se em direção a Dwight, que seguira inexpressivo e quieto – Não seria a primeira vez, então meio que faz sentido.

— E se nenhuma dessas merdas funcionarem, passarei então a cortar alguns pedaços. Deixe-me ver... – Suas mãos seguiam segurando a genitália. Desde que o patético show se iniciara, Eugene evitara totalmente olhar para o assassino, tentando não demonstrar medo para não fomentá-lo – Eu me vejo começando com o pedaço que você menos preza, e que mesmo perdendo não vai te impedir de fazer o seu trabalho!

Ele novamente puxara Eugene pelos cabelos.

— É isso mesmo, seu gordo escroto do caralho. Estou falando desse seu pau pequeno e murcho! Esse é o seu destino. Para evitar que tudo isso ocorra, basta que você coopere comigo! – Ele erguera o taco, posicionando a poucos centímetros do rosto do professor – E espero realmente que você coopere, pois Lucille está sempre sedenta. Eu não quero me sujar de sangue ao menos que seja extremamente necessário. E eu não quero ter que cortar o seu pau fora. Não é nada elegante, entende?

— Se bem que... – Finalizara – Eu faço coisas deselegantes a porra do tempo inteiro, não é mesmo?

Eugene esticara o corpo o máximo que conseguira, aproximando-se de Negan, que tentava de todas as maneiras intimidá-lo. Semicerrara os olhos, fitando-o sem medo, sem receio algum do que poderia ocorrer consigo. Estava lutando por algo muito maior, não podia desistir. Por mais que as consequências fossem graves, tudo valeria a pena no final.

— A Aliança está trabalhando para construir uma vida melhor para todos nós. Isso é grande, e é muito especial. E não, eu não farei nada para comprometer isso! Independente de quantos pênis você me ampute!

O mandatário revirara os olhos, soltando um muxoxo de desdém. Dera as costas, recostando sua Lucille em um dos ombros enquanto se direcionara para deixar a saleta onde Eugene encontrava-se preso.

— Dwight, Carson... Vamos deixar esse gordo de merda sozinho com os seus pensamentos e o seu pau... Enquanto ele ainda tem um! – Olhara pra trás uma última vez – Dwight, dê uma olhada nos outros quartos depois que trancar esse, ateste-se de que os demais não farão nenhuma besteira! – Erguera os braços, como se estivesse espreguiçando-se – Ah... Se eu não der uma metida em uma das minhas esposas antes da meia noite, vou acabar virando a porra de uma abóbora!

Saíra então da sala, caminhando a passos tranquilos.

— Bem, eu... – O homem esguio arrumara os óculos, caminhando também em direção à saída – Boa noite, Dwight.

O arqueiro apenas meneara a cabeça.

Saíra por último, fechando a porta de metal e deixando Eugene trancado no escuro. O professor sabia que seria torturado de todas as formas, mas sabia também que precisava agora ser mais forte do que nunca. Estava disposto a arriscar a própria vida, a morrer se fosse necessário, para impedir que Negan seguisse espalhando suas sombras de horror. Não poderia ceder àqueles homens.

Mas para a sua surpresa, poucos segundos depois, a porta fora novamente aberta.

Era Dwight, retornando enquanto olhava para os lados, atestando se não havia mais ninguém por perto.

— E então? Já parou de fingir que não está se borrando de medo? – Indagara.

Eugene cerrara os dentes.

— Não estou fingindo!

O portador da balestra agachara-se a sua frente.

Beleza, tanto faz. – Continuara – Pelo visto Rick não te contou, mas eu provavelmente devo ser o cara que mais quer ver o Negan morto nesse mundo! Estou fazendo tudo o que posso para ajudar a Aliança, então, só te peço que não faça nenhuma besteira que acabe te matando. Acho que consigo tirar você e o seu pessoal daqui.

Eugene não conseguia acreditar.

— Assim como você fez com a Holly?

Dwight retesara o corpo, gesticulando com as mãos.

— Olha só cara, eu até que tentei, mas não tive nenhuma oportunidade!

O professor franzira ainda mais o cenho.

— Assim como não teve nenhuma oportunidade de enfiar uma faca na garganta do Negan enquanto ele dorme? Se você estivesse mesmo do nosso lado, essa guerra já teria acabado! No máximo você está se fazendo de agente duplo, para ver quem vence no final!

O arqueiro parecera irritar-se com os dizeres de Eugene, tanto que até mesmo ampliara o tom de voz.

— Eu não estou dizendo que sou o mocinho ou que me arrependo das merdas que eu fiz. Só estou dizendo que no momento estou do mesmo lado que vocês! Só passei aqui para te alertar, para que você fique esperto! E acredite em mim quando digo... Se eu pudesse enfiar uma faca na cara do Negan, já teria feito. Eu mataria aquele filho da puta hoje, se não acreditasse que os outros me matariam por conta disso! Eu...

Fora só naquele momento que os dois perceberam a presença de uma terceira pessoa no local. Carson, estacionado em frente à porta, ouvira todo o conteúdo da conversa entre e Eugene e Dwight.

— Só quero te fazer uma pergunta, Dwight. – Dissera Carson, antes mesmo que o arqueiro pudesse se manifestar – Eu posso ajudar nisso que você está fazendo? – A indagação tomara todos de surpresa – Eu quero ter a chance de ser dono do meu próprio nariz, quero poder ver o meu irmão outra vez, quero uma vida em que eu não tenha que me preocupar em ter o meu rosto queimado por um ferro...

— Eu quero participar! E tenho certeza que posso trazer outros comigo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E então, o que acharam?

Tivemos finalmente o reencontro de Goodwin e Susie, mas talvez o desfecho não tenha sido como alguns esperavam... Olga e Mikey em missão de resgate, Carson se juntando aos traidores de Negan...

Quero saber a opinião de vocês sobre tudo!

No próximo capítulo teremos os primeiros combates já no Hill Top, então se preparem...

Abraços! Nos vemos nos comentários!

Moi moi.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "All Out War" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.