Colorful escrita por Isabelle


Capítulo 20
Capitulo 19 - Noah


Notas iniciais do capítulo

E nós estávamos em chamas
Eu precisava, precisava que você
Corresse por minhas veias
Como doença, doença
— Daughter



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Eu jurava que eles tinham nos deixado a merce da morte quando tivemos que virar em um caminho de terra, e já eram quase onze da noite, para chegar em nossa cabana em Patrocínio. Quando me disseram que ficaríamos em uma casa de campo esperava algo sofisticado, mas passando por aquela estrada, só parecia que estávamos indo a caminho de uma casa de horror daquelas dos filmes de terror. A própria Sally olhava para os lados assustada ao ver toda aquela paisagem escura, e medonha que nos seguia pela frente. O carro fazia alguns barulhos estranhos ao passar por aquela pista horrível, o que deixava tudo 100 vezes mais mórbido do que estava, e isso porque eu não estava contando o som dos animais que ali viviam.

Parei o carro em uma curva que se abria em duas estradas, e fiquei meia hora tentando escolher a que parecia menos mórbida, mas por algum acaso, como a vida é linda e bela, a estrada em que deveríamos entrar era a mais escura por conta das árvores que se dobravam, e tampavam a claridade da lua.

― Você te certeza que sabe pra onde está indo? ― Sally sussurrou.

― Sally, eu sou um ótimo motoristas, vocês mulheres não entendem de percepção geográfica. ― Eu disse, brincando, não era um desses machistas.― Nem de carros.

― Não sou eu que faço as coisas sem pensar. ― Ela disse e olhou para o vidro.

― Você nunca vai me desculpar, né? ― Perguntei, quando conseguia ver um barraquinho de longe.

― Talvez. ― Ela disse, e sorriu de lado.

Parei o carro em um lugar que parecia ser uma garagem ao ar livre, mas o teto que sustentava parecia estar prestes a desabar o que me deixou cada vez mais animado com aquela viagem.

Descemos do carro e adentramos a cabana que por uma querida sorte, não tinha energia. Sally olhou para mim brava pelos cantos dos olhos, e eu apenas continuei seguindo em frente, não querendo sofrer de seu olhar mortífero. Não estava tão destruída. Era uma boa cabana. Havia dois cômodos, um para o banheiro (que não tinha chuveiro), e o outro para o quarto, onde havia uma cama de casal. Nós andamos e percebemos que a lateral da cabana era feita de vidro, e tudo lá fora estava bem escuro, junto a escuridão da casa, o que deixava tudo mais sinistro e perigoso.

― Imagina se tiver algum bicho aqui. ― Eu disse, sem pensar.

Sally olhou para mim, e depois disso não sossegou mais. Toda hora ela pensava que algo tinha agarrado seu pé, mas eram sempre coisas vagas, como sacolas, ou cordas.

― Isso parece aqueles filmes de terror, sabe? ― Ela disse olhando para os lados. ― Que as pessoas vão acampar e acabam encontrando alguma coisa, ou alguém que mata eles.

― Bem reconfortante, Sally. ― Eu disse. ― Vamos nos divertir, tá bom? Eu vou pegar a nossa bagagem, e enquanto isso, você vai tirando aquela do quarto e tudo mais.

― E se tiver uma cobra lá?

― Bem, ela vai te picar, mas não se preocupe… ― Eu joguei um olhar malicioso para ela, e ela bufou.

Caminhei novamente na escuridão até o carro, e escutei os barulhos que a natureza a nossa volta fazia. Eu sabia que eram somente alguns animais, que não devia me preocupar, mas parecia que tudo no escuro ficava mais apavorante. Peguei as roupas de cama, a mochila de Sally e a minha mala. Não tínhamos trago nada de comida, pois compraríamos ou comeríamos na cidade, então não nos preocupamos em trazer nada. Um grande erro. Tentei encontrar minha lanterna dentro do carro, e depois de meia hora consegui encontrá-la jogada bem escondida no banco traseiro.

Voltei para dentro da cabana, e Sally de alguma forma, que eu até hoje me pergunto como. Tinha acendido uma vela, com o que eu não sei, e nem tinha feito questão de perguntar, pois estava carregando cerca de mil coisas. Ela me ajudou a pegar as coisas, e começou a arrumar o coxão velho, e poeirento, com a roupa de cama que eu havia trago.

― Acho que seu chefe não gosta de você. ― Ela disse, e soltou um sorriso de canto de boca.

― Claro que ele gosta, só temos um orçamento baixo para hotel. ― Eu disse, achando que era aquilo.

― É confortável, mas é escura, poeirenta, não tem chuveiro, nem energia. ― Ela ficou me olhando pasma. ― Como diabos vamos tomar banho?

― Podemos tomar em, sei lá, no laguinho que tem ali em frente? ― Eu sugeri.

― Sim, claro, e ai podemos juntar vários gravetos e fazer uma fogueira, jogar nossas roupas fora, tampar a gente com umas folhas, sair para caçar animais e frutas, e sair gritando. ― Ela disse brava, conseguia ver a veia da testa saltando de seu rosto.

― Esse é o esteriótipo que você tem um índio? ― Eu perguntei, e analisando o que ela disse. ― Mas gostei bastante da parte de jogar nossas roupas foras.

― Noah, não podemos ficar aqui, estamos no meio do nada, é perigoso. ― Ela disse, e eu sabia que estava certa.

― Tudo bem, amanhã de manhã podemos procurar por um hotel. ― Eu sorri para ela, e ela sorriu de volta.

― Ótimo, agora saia daqui, vou por um pijama. ― Ela disse.

― Sério? ― Eu ergui a sobrancelha. ― Já te vi seminua não acho que…

― Número um: isso nunca aconteceu, tudo bem? Fomos imprudentes, não pensamos, estávamos sobrecarregados por hormônios. ― Ela disse convicta. ― Número dois: isso não é um assunto que você precisa trazer a tona, simplesmente vamos esquecer.

― Não quero esquecer, Sally, puta que pariu, seu corpo…

― Noah, estou pedindo do fundo do meu coração, nós superamos isso… ― Ela me olhou tão firme, que senti minha pele arrepiar.

― Eu não.. ― Eu disse.

― Bem, eu sim, então supere. ― Ela disse e saiu andando segurando sua bolsa, e a vela.

Tirei a blusa, e a calça, e coloquei uma bermuda azul e uma blusa branca. Fiquei sentado na cama me recordando em suas palavras e nos seus olhos. Ela parecia tão convicta que deveríamos esquecer aquilo. Não sabia o que estava acontecendo. Sally era uma melodia. Uma difícil e tão complicada que nem o melhor compositor conseguiria a desvendar. Eu mesmo tinha dito que não queria um relacionamento, mas toda vez que eu ficava perto dela. Somente dela. Sem mais ninguém, era tão mais fácil. Era fácil ser eu mesmo em frente a ela. Mas aquela situação já estava resolvida.

Ela voltou usando minha camiseta, que eu tinha lhe emprestado, mas, na verdade, ela tinha roubado sem mais, nem menos. Os seus cabelos estavam presos em um coque, e eu sabia que seria uma longa noite, com aquela menina bem ali ao meu lado.

Fechei meus olhos e coloquei o cobertor por cima do meu corpo. Sally se deitou depois de alguns minutos, e eu senti o calor que seu corpo transmitia ao meu. Ela puxou a coberta também, e fez com que ela escapasse de mim. Puxei-a de volta, e ela também. Ficamos naquela brigada em silencio, mas no final eu cansei, e me levantei.

― Olha aqui, mulher, temos uma coberta, eu estou com frio, você está com frio, a solução é nos abraçarmos. ― Eu disse sério, e ela começou a gargalhar de minha cara.

Olhei para ela ainda sério sem entender, e a sua crise de riso continuou por alguns minutos.

― Tudo bem, macho men, pode se deitar aqui. ― Ela continuava rindo, e eu ainda sério.

― Para de rir de mim. ― Eu deitei, e ela passou a mão pela minha cintura. ― Ei, ei, ei, por que você está de conchinha em mim?

― Pelo simples fatos de que eu não vou deixar você me encochar. ― Seu braços estavam firmes em mim, e eu não queria mais reclamar. Queria apenas grudar minha boca na dela como daquela vez. Queria ela bem ali, e agora. Mas ao invés disso, fechei os olhos, e dormi.

✿ ✿ ✿

O sol não me nocauteou aquela manhã, pelo simples fato do quarto ser o cômodo mais escuro de toda a cabana. Mas ao contrário, Sally me jogara um grande balde de água gelada, e isso fez com que eu acordasse mais rápido do que com o sol queimando meu rosto.

― Você é drogada? ― Eu gritei, com raiva.

Ela apenas continuava rindo de mim, como na noite passada, seu riso era tão bonito. Suas covinhas.

Foco, Noah.

Foco.

― Eu vou te matar. ― Eu disse, e me levantei.

― Olha só, adiantei sua pele para a água do lago. ― Ela disse, e naquele instante percebi que seus cabelos estavam molhados, e ela tinha mesmo um cheiro bom.

― Você se lavou com sabonete em um lago? ― Eu perguntei descrente.

― Claro que sim, achou que eu ia ficar suja? ― Ela revirou os olhos. ― E a água é tão limpinha, tipo é muito clara.

― Então, você gostou daqui? ― Perguntei sorrindo de lado.

― Ainda acho que devemos procurar um hotel, e comida, então vai tomar seu banho, para a gente ir comprar as coisas, e ir na delegacia.

― Já vou, mãe, espera só eu separar a minha roupa. ― Me virei, e antes a vi revirando os olhos.

Fui até esse lago, que era até bem distante, e tomei meu banho. A água era realmente bem límpida, e parecia ser bem desconhecido. As coisas nunca permanecem limpas quando um ser humano decide possuí-la.

Voltei para a cabana, e Sally e eu fomos até um supermercado. Compramos bastante coisas, e até tomamos café da manhã bem ali mesmo. Depois de setenta anos, quando Sally finalmente havia se cansado, e comprado tudo que parecíamos precisar conseguimos ir até a delegacia.

― Se por algum acaso achássemos um apartamento para alugar, ― disse a ela ― eu vou esfregar sua cara no asfalto, por me fazer gastar aquele dinheiro em vão.

― Não é em vão, quem sabe com esses produtos você crie vergonha na cara, e limpe seu apartamento.

― Epa, epa, não vamos ultrapassar os limites. ― Eu sorri e ela riu.

Chegamos na delegacia depois de alguns minutos conversando. Desta vez não afirmei que Sally era minha parceira, mas disse que ela era a responsável pelo desenho e que precisava dela comigo. Todos assentiram sem pestanejar, e me deram alguns pontos de referencia, onde os policiais daquela área não estavam procurando. Estava cansado de sempre ser jogado nessas referencias, onde eu tinha certeza que não encontraríamos nada. Como em Uberaba.

Pensei em meu chefe, tinha certeza que ele me achava competente, mas me mandando para essas viagens, onde ele sabia que outros superiores me jogariam em um cargo menosprezado, acabei cogitando o que Sally havia me dito na noite passada, e aquilo realmente era uma decepção. Sempre pensara que me destacara, mas, na verdade, estava apenas sendo mandado para missões inúteis.

Sorri para ele, e assenti que iriamos viajar aquela área na próxima noite, ele pareceu satisfeito, mas não me sentia assim, apenas me sentia jogado de lado. Um policial que não tinha importância.

Depois da delegacia fomos até o centro em busca de alguns hotéis, a maioria com preços que não eram viáveis para nenhum de nós, que não sabíamos ao certo a quantidade de dias que iriamos passar ali. Encontramos um barato mais para fora do centro, mas além dele parecer pior que nossa cabana no meio do nada, ele já estava lotado, então nos conformamos e voltamos para nosso aconchego.

Sally percebeu minha quietude no caminho de volta para cabana. Realmente. Não havia feito nenhuma piada sobre a estrada, ou sobre a cabana, nem mesmo havia trocado uma palavra sequer com ela. Estava tão frustrado que preferi ficar em total silêncio.

― Você tá bem? ― Ela disse quando entramos na cabana, trazendo todas as coisas que havíamos comprado.

Não tinha sido muita coisa, mas trouxemos alguns produtos de limpeza, por que ninguém merecia viver naquelas condições. Soterrados por uma poeira espessa que se acumulava por todos os cantos da casa.

― Eu só estava pensando. ― Eu disse. ― Essa é a cozinha menos elaborada de todas. ― Olhei para a cozinha que tinha uma pia que servia para juntar poeira pois não saia água, havia um freezer que por algum milagre pegava normalmente, e nem estava tão sujo, o que parecia que uma pessoa tinha o posto ali recentemente. Um armário com algumas peças necessárias, e um fogão.

― Podemos buscar água no lago, e fazer uma faxina breve.

― Tudo bem, eu busco a água, e você vai tirando a poeira. ― Eu disse, e ela afirmou.

Em menos de duas horas a cabana tinha cheiro de produtos de limpeza, e nenhum vestígio de terra. Enquanto eu fora buscar a água, Sally conseguira varrer metade da poeira que grudava no chão de madeira, e limpar alguns moveis também. Jogamos água e rapamos rapidamente, e depois de toda a exaustidão, sentamos na escadinha, que agora estava sentável, e ficamos conversando.

Fizemos o almoço, e não tinha ideia de como Sally era boa em cozinhar. Em menos de uma hora, ela fizera nosso almoço, coisas básicas, como arroz, feijão (que ela havia cozinhado na hora), carne, e uma salada. Mas mesmo assim, ela tinha uma mão para comida como a de Will, simplesmente divina.

Depois de algumas horas, Sally resolvera tomar um banho, antes de irmos investigar sem ser nos lugares em que o chefe da polícia havia me indicado. Eu sabia que podia encontrar esse cara se ele estivesse ali, e não deixaria uma pessoa me menosprezar. Sally fora descendo a trilhinha e nem percebera que o tempo todo eu a estava seguindo com o maior cuidado para não ser descoberto. Ela tirara toda a sua roupa, mas neste momento eu me virara, pois sabia que se ela soubesse que eu a vi nua, iria me matar, duas vezes. Esperei com que ela estivesse de costas, e peguei todas as suas roupas, deixando apenas uma calcinha para ela.

Sai gargalhando, era uma vingança pelo balde de água que ela havia jogado em mim aquela manhã. Sabia que ela ficaria tão brava que iria me matar no momento em que descobrisse, mas ela foi merecedora daquela pegadinha. Iria faze-la sossegar por um tempo.

Quinze minutos depois ouvi seus passos pela casa, ela fora até o banheiro, pegara uma toalha, enrolara em si mesma, e depois fora até o quarto. A veia de seu rosto havia criado vida própria e estava quase saltando em mim para me bater. Me controlei para não rir, enquanto ela estava parada com o cabelo molhado e escorrido, com aquela toalha mal enrolada no corpo.

― E ai, Sally, quais são as novidades? ― Eu perguntei, com o sorriso prestes a me denunciar.

― Eu quero que você vá se foder! ― Ela gritou, e virou as costas pegando a bolsa, e assim que ela o fez eu pude me acabar de tanto rir.

― Não taque mais água em mim.

― Vou fazer a mesma coisa com você. ― Ela disse de onde estava.

― Você acha mesmo que eu ligo de sair no meio do nada com os meus documentos ao ar livre, sentindo a brisa?

― Que desnecessário! ― Ela exclamou.

Ela aceitara a brincadeira numa boa, mas de vez em quando fingia estar muito brava comigo, mas logo após eu falava algo e ela ria.

Fomos procurar num lado diferente da floresta, onde parecia haver um bom lugar para um assassino, ou vários assassinos se esconderem. Mas a área era muito extensa, e tinha certeza que não conseguiríamos encontrar nada naquele espaço gigante.

― Podemos nos dividir. ― Ela afirmou.

― Nada de dividir, você não ve filmes de terror? ― Eu questionei. ― Dividir não é bom.

― Sim, eu sei que você vai se sentir desprotegido sem a Sally para te defender, mas tudo bem, você supera. ― Ela disse convencida, e nem mesmo assim eu mudei minha ideia. ― Qual é Noah, a gente precisa encontrar esse cara, sabe que a melhor opção é se dividir.

― Não, não é. ― Eu neguei.

― Você sabe que sim, e vamos fazer assim, não vou muito longe e se ver alguma coisa, faço sinal para você vir me buscar, tudo bem? ― Ela disse, mudando um pouco minha ideia. ― Por favor.

― Tudo bem. ― Eu disse um pouco irritado.

Fui até o carro, e peguei num lugar ao fundo do porta-malas, uma arma. Não era muita coisa, e machucava raramente, e entreguei a ela.

― Não tinha nada mais para servir de sinalizador, então isso terá que servir. ― Eu sorri.

― Tudo bem. ― Ela disse. ― Toma cuidado, o.k?

― Vou tomar, você também tome.

― Tomarei. ― Ela me deu um beijo na bochecha e se virou. Senti meu sangue gelar. Queria tanto puxar seu braço, e a abraçar evitando-a de toda maldade do mundo, mas apenas me virei, e comecei a andar esperando que alguma coisa me ajudasse a colocar a mão nesse idiota.




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Notas finais do capítulo

Desculpem a demora gent, tava enrolada com prova e tudo mais, vou responder os comentários, e espero que estejam gostando. s2



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