We Both Changed escrita por MsNise


Capítulo 20
Tentando sobreviver


Notas iniciais do capítulo

Heeey, guys!
Mais um capítulo de WBC! Ansiosos para saber como a vida prosseguiu depois da partida da Sunny? (Ai, credo, falando assim parece tão cruel ;-;) Querem saber a reação do Kyle, da Jodi e de toda essa cambada?
Bora ler então :3



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Eu não pude suportar toda a dor a que fui submetido. Eu tinha perdido Sunny. Tinha perdido mais um amor. Não achei que pudesse suportar mais alguma perda.

Aquela não era a solução que eu procurava. Retirar Sunny não era uma alternativa que tinha sido cogitada; pelo contrário, era a que eu mais evitava. Mas, como ela mesma tinha dito, aquela decisão era somente dela e eu não poderia intervir. Quem poderia saber o quanto ela estava sofrendo ao dividir a mente com Jodi?

Contudo, eu era egoísta e somente conseguia pensar na minha dor. Na minha terrível dor.

Meu tempo com Jodi tinha acabado anos antes. Ele tinha acabado muito antes dela ter sido capturada, muito antes de eu imaginar que poderia acabar. E Sunny… meu tempo com ela era eterno. Eu sabia que nunca acabaria; eu sentia no meu coração que era infinito, que era real.

Mas ele chegou ao fim.

E não pude me contentar quando vi sua figura no fim do corredor, porque sabia que não era ela. Era Jodi. Aquela que eu tinha perdido para sempre. Aquela que não fazia mais meu coração acelerar. Aquela com quem o meu tempo tinha acabado.

— Kyle? — ela chamou com a voz colorida de esperança. Não era o mesmo tom de Sunny. Era um tom rude e indelicado, um tom que eu certamente não gostaria de ouvir. — Estou aqui, Kyle! Não há mais ninguém entre nós.

Ela começou a avançar, mas Ian se levantou para interceptá-la. Permaneci imóvel abraçado a Susi.

— Jodi — ele cumprimentou polidamente.

— Ian — ela sorriu e abraçou sua cintura, sendo correspondida sem hesitação. — Quanto tempo! — ela suspirou. — Senti tanto a sua falta, Ian.

— Eu também, Jodi… E eu… sinto muito por não ter te salvado naquela noite — ele murmurou com uma porção discreta de desespero em sua voz. — Perdão. Eu tentei, mas…

— Shh. Tudo bem — ela sussurrou, tentando tranquilizá-lo. — Você tinha salvar a Kyle, não a mim. Eu entendo, Ian. Entendo e te perdoo — vi que ela sorriu um pouquinho. — Não cabia a você me salvar. E sei que tentou. Sei o quão valente era… e ainda é. Não pense que eu te culpo por isso.

Ele soltou um suspiro aliviado e também sorriu um pouquinho.

— Obrigado, Jodi.

Desconfiei que Ian necessitasse daquele perdão desde o dia em que Jodi tinha sido capturada e aquilo o corroera por dentro através dos anos. E ele finalmente tinha conseguido o seu perdão. No fundo de meu âmago, contentei-me pelo meu irmão mais novo.

Eles permaneceram abraçados por um longo tempo, matando as saudades, tentando compensar todo o tempo perdido. Nenhum tempo perdido poderia ser recuperado; e eu sabia daquilo do fundo do meu coração. Mas eles permaneceram unidos, tentando voltar no tempo e consertar todas as sucessões de erros.

Jodi, por fim, tentou se desvencilhar do abraço e avançar para mim, mas Ian segurou firmemente em seus ombros.

— Não hoje, Jodi — sussurrou.

— Como assim “não hoje”? — ela protestou, aumentando o tom imediatamente.. — Olha, eu sei que ele até simpatizou com aquela alma insuportável, mas aqui estou eu! A Jodi que ele tanto quis de volta por anos! — ela olhou para mim. — Eu te perdoo por tudo o que disse a Sunny, Kyle. Sei que foi impensado e que você já não acreditava mais que eu pudesse voltar. Entendo que tenha tentado gostar dela… mas sei, é claro que sei, que não é possível. Humanos não podem simpatizar com alienígenas.

— Não tenho tanta certeza de que não é possível — Ian retrucou com a voz fria, diferente de minutos antes, fazendo-a voltar seu olhar para ele. — Eu amo Peg e ela é uma alma.

— Você ama o corpo.

— Não — ele balançou a cabeça negativamente. — Peg nem sempre esteve naquele corpo. Eu amo ela, a alienígena, nada além disso.

Jodi balançou a cabeça negativamente de modo cético.

— Se quer acreditar nisso, pode acreditar — ela disse. — Mas aquele outro corpo em que ela foi colocada é bonito. Você se apaixonou pelo corpo mais uma vez, Ian.

— Jodi… — Ian rosnou.

— Tudo bem — ela sorriu para tranquilizá-lo mais uma vez. — Pode se iludir, mas não é possível esse relacionamento entre duas espécies diferentes. Essa é a minha opinião e nada a mudará. Não importa o quanto insista. Não importa quantas provas me mostre; eu não acreditarei nelas. Desista, Ian — ela suspirou e passou a mão pelo rosto dele, mudando de assunto repentinamente para melhorar o clima. — Quando o vi pela última vez, era tão menino. Como você e Kyle mudaram!

— É isso que o tempo faz com as pessoas — Ian murmurou com um sorriso forçado. — Você também mudou bastante, Jodi.

— Eu sei! Quando me vi no espelho depois de todos esses anos até me assustei com a minha aparência.

— Nove anos de evolução.

— Nove anos desde a última vez que me vi — ela concordou com um tom melancólico.

Ambos permaneceram em silêncio por um tempo, cada qual com seus próprios questionamentos, até que Ian resolveu quebrá-lo com um assunto banal que os afastasse daquele lugar.

— Então… o que acha de irmos? Não está com fome?

— Mas… e Kyle?

Ian olhou para mim por sobre o ombro uma única vez. O suficiente para perceber o meu estado deplorável e reforçar sua decisão.

— Depois, Jodi — e a empurrou adiante, com um pouco mais de força quando ela relutou. — Depois vocês poderão conversar.

Mesmo que contrária à decisão, virou-se para mim uma última vez e sorriu um pouquinho.

— Até depois, Kyle. Eu não vou escapar dessa vez.

Depois que eles se foram, Susi permaneceu abraçada a mim por mais algum tempo. Era estranho ser consolado por uma garota de quase dezessete anos quando se tem trinta; mesmo assim, não parecia errado. Éramos irmãos — e irmãos são os pilares quando tudo sai do lugar.

— Ela deve estar em um criotanque — Susi murmurou subitamente.

— Ahn?

— Sunny — ela sussurrou, olhando-me atentamente. — Você não precisa ficar tão longe dela.

Hesitei.

— Mas eu quero ela em um corpo, para que possamos conversar.

— Por enquanto, você pode conversar com ela através do criotanque — ela respirou fundo. — Pelo que sei da história de vocês dois, não seria a primeira vez.

Certamente não. Logo que Sunny foi retirada para que fosse possível reanimar Jodi, eu arrastava seu criotanque para todos os cantos. Sentia-me em dívida com ela e sabia que precisava cuidar daquela pequena criatura que poderia me devolver a vida. Ela era tão frágil… e, ao mesmo tempo, a mais forte.

— Ela me prometeu que nunca desistiria de mim — sussurrei, olhando algum ponto distante e indiscernível. — E ainda disse que não importava o que acontecesse.

— Kyle…

— Eu sei — fechei meus olhos. — As promessas têm prazo de validade…

— E você nunca sabe o que pode acontecer que te impeça de cumpri-las.

Susi fez carinho em meu cabelo. Era reconfortante, mas não o suficiente para que eu me sentisse seguro. Eu, um homem de 30 anos, sentia-me ridiculamente dependente de uma alienígena. Ela fazia eu me sentir seguro; Sunny era a minha estabilidade e, quando o mundo todo parecia errado, ela era um ponto certo e estável no vazio. Sunny não estava cicatrizada. Esbanjava alegria e bondade, sempre tendo um sorriso pronto. Ela me completava.

Queria tanto que ela estivesse comigo para eu poder fazê-la sorrir daquele seu jeito gentil e delicado.

— Isso dói tanto — murmurei com a voz embargada. — Não pode acontecer de novo…

— Nós vamos dar um jeito, Kyle — interrompeu-me Susi com a voz angustiada.

— Dar um jeito? — exclamei, sentando-me e enxugando meu rosto. — Não tem mais o que fazer. Jodi permanecerá aqui… e Sunny permanecerá no vazio. E é tão injusto com as duas.

— Jodi tem que entender que…

— Ela não é… exatamente compreensiva. Acho que deu para perceber pela conversa que teve com Ian há pouco.

— Ela pode não ser compreensiva, mas não pode ser cega. Qualquer um consegue enxergar o que você sente por Sunny.

Levantei-me e tentei me controlar. Eu precisava manter o controle. Precisava de forças para levar aquilo adiante. Fechei minhas mãos em punho.

Eu mesmo tinha sido extremamente cego para enxergar a obviedade daquilo que sentia por Sunny. Por que Jodi, então, teria a obrigação de ver?

— Nós somente enxergamos aquilo que nos convêm — murmurei. — Nesse momento, me convém enxergar Sunny através daquele criotanque estúpido. Você pode… manter as pessoas longe do consultório? Eu quero um pouco de privacidade.

Susi se levantou e afagou meu braço.

— Não se preocupe. Terá a noite toda para senti-la. Não acha que ela está aqui com você?

Fechei meus olhos e balancei a cabeça.

— Não acredito nessas coisas — hesitei. — Ela não está aqui. Não tem nenhum espírito dela me vigiando e cuidando de mim. Isso não existe.

Susi suspirou.

— Você é um cético — e afagou a minha barba. — Como pode ser cético depois de uma invasão alienígena? Como pode ser cético depois de se apaixonar por uma alma?

Franzi meu cenho e comecei a me afastar em passos arrastados.

— Ela se foi, Susi. E, a menos que seja colocada em outro corpo, não retornará. Ela não está entre nós.

— Mas você pode senti-la, não pode? — ela se apressou em dizer, tentando acompanhar meus passos. — Ninguém morre enquanto ainda existe alguém pensando sobre essa pessoa. Li isso em um livro — quando, por fim, me alcançou, senti sua mão cair pesadamente sobre meu coração. Interrompi meus passos. — Você a sente aqui, não é?

Senti um aperto no meu coração. Um aperto tão grande. Uma dor tão absurda. Coloquei minha mão sobre a de Susi e forcei um sorriso. Sim, eu a sentia. Eu senti quando ela deixou o corpo. Eu sentia sua presença e sua ausência. Quando amamos, a conexão é tão grande que os sentimentos do outro viram nossos… e, como numa inserção, viramos somente um.

— Não, Susi — murmurei, apesar de tudo. — Não tente me provar que ela ainda está em algum lugar. A presença dela não está aqui.

— Mas a sua alma, sim.

E aquilo eu não poderia contestar.

— Obrigado por ter ficado comigo — puxei sua mão até a minha boca e depositei nela um beijo melancólico e suave. — Mas receio que isso não tenha apaziguado a minha dor.

— Vai ficar tudo bem — Susi sussurrou mais uma vez. — Acredite.

— Como você mesma disse… — afastei-me lentamente e soltei sua mão — eu sou um cético — coloquei então minhas mãos nos bolsos e parti definitivamente, seguindo em direção ao consultório de Doc. Já tinha escurecido e poucas pessoas transitavam os corredores da caverna, seguindo em direção à cozinha. Se o mundo ainda estivesse nos eixos, eu também estaria me dirigindo àquele lugar. E escutaria a noite toda relatos de Sunny e Peg, divertindo-me com histórias alienígenas.

Mas o mundo não estava mais nos eixos.

Doc se assustou quando cheguei ao seu consultório. Ele recuou alguns passos com o cenho franzido.

— Kyle, e-eu não…

— Não vou te machucar, Doc — disse com a voz cansada, erguendo minhas mãos no alto da cabeça em um ato de redenção. — Eu sei que você não tinha o poder de impedi-la. Eu sei que a decisão era somente dela.

Ele afastou-se mais ainda quando ameacei avançar alguns passos.

— Então o que faz aqui?

— Vim… ver como está Sunny — sussurrei, percebendo minha voz embargar assim que vi o criotanque com a luz vermelha colocado cuidadosamente sobre a escrivaninha de Doc.

Com as mãos trêmulas, cortei o pequeno espaço que nos separava e ameacei pegar o objeto, mas Doc foi mais rápido e o tirou do caminho antes que eu pudesse tocá-lo.

— Doc? — pedi com a voz preenchida de sofrimento.

— Kyle, desde quando você é tão… maleável? — sua expressão era puro ceticismo ao ver a minha situação deplorável.

Engoli em seco e estendi minhas mãos, pedindo pelo criotanque.

— Desde que essa pequena criatura dentro do criotanque me devolveu a vida — murmurei. — Prometo que não vou sair correndo com ela. Prometo que não farei nada que possa machucá-la. Eu só quero… segurar. Por favor, Doc.

Imaginei que ele estivesse tão comovido com toda a situação que não ofereceu resistência. Com movimentos medidos, entregou-me o criotanque. O peso e a textura eram familiares. Mesmo que houvesse anos que eu não segurasse um, lembrava-me exatamente da sensação. Da última vez tinha segurado o criotanque esperando que Jodi retornasse; segurá-lo renovava minhas esperanças. Daquela vez, segurava-o apenas para me sentir mais próximo de Sunny, sem esperança nenhuma de conseguir trazê-la novamente para mim. Porque não havia forma justa de ficar com ela e continuar com Jodi nas cavernas.

Deitei-me em um dos catres, ainda segurando o criotanque, e fechei meus olhos. Eu só conseguiria dormir na companhia de Sunny.

— Quer… passar a noite aqui, Kyle? — Doc perguntou timidamente.

— Por favor.

— Então… eu vou para a sala de jogos, tudo bem? Posso confiar em você? Se me trair… cortarão minha cabeça fora.

— Eu não vou fugir — até mesmo porque não tinha lugar algum para ir. — Pode ficar tranquilo que permanecerá com sua cabeça por um longo tempo.

Ele hesitou um momento. Eu estava virado para o outro lado, portanto não podia ver sua expressão.

— Boa noite, Kyle.

Não respondi.

Ouvi seus passos se afastando lentamente e acariciei o criotanque onde estava Sunny. Mais do que nunca, a sentia extremamente perto de mim. Quase como se fosse uma parte minha. E ela era. Eu sabia que sim.

— Ei — sussurrei, apertando os lábios no metal e sentindo minhas lágrimas salgadas e silenciosas escorrendo pelo meu rosto. — Eu te amo, sabia? Mais do que jamais amei alguém. Nós vamos dar um jeito, tudo bem? Eu consertarei tudo.

E aquela foi a primeira noite que passei ao lado de um criotanque.

A primeira de muitas.


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Notas finais do capítulo

Gente, eu amei escrever aquela última cena :( Mostra tanto o amor do Kyle pela Sunny :(
Mas digam-me suas opiniões! Eu adoro saber o que vocês gostaram ou não do capítulo :3
Ainda tem mais água pra rolar por baixo da ponte, não se esqueçam disso.
Até semana que vem ♥