We Both Changed escrita por MsNise


Capítulo 19
Perdendo


Notas iniciais do capítulo

Heeey! Tudo bem com vocês?
Aqui está mais um capítulo quentinho, saindo do forno pra vocês ♥
Leiam ouvindo: https://www.youtube.com/watch?v=EoaPhxNubL0
Boa leitura :3



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— Ian, eu falhei com as duas — comentei enquanto arava o solo duro das cavernas.

Naquele dia, trabalhávamos Ian, Susi e eu. Eu tinha pegado o trabalho mais pesado de triturar a terra endurecida, enquanto Susi soltava e revirava os torrões e Ian esmagava-os para tornar o solo utilizável para plantação. O meu trabalho era o que mais exigia, mas era uma boa distração. Suor escorria pelo meu corpo.

— O que quer dizer? — ele perguntou.

Suspirei.

— Eu fiz uma promessa a Jodi — interrompi meu trabalho por alguns segundos. — E, aparentemente, não a cumpri.

— Qual promessa? — Susi perguntou suavemente.

— Um dia eu prometi que, caso ela fosse capturada e eu tivesse contato com a alienígena que controlasse seu corpo, não viraria amigo dela ou coisa parecida — engoli em seco. — E acho que fiz pior que isso.

Susi puxou o ar por entre os dentes. Ian ficou parado por alguns segundos absorvendo minhas palavras. Voltei a trabalhar até que eles entendessem a informação.

— Você não sabia — Ian disse, por fim. — Não sabia que havia almas que poderiam se render. Não sabia o que o seu futuro reservava…

— Mas eu prometi. E não tinha me lembrado de tal promessa até então.

— Promessas tem prazo de validade — Susi murmurou. — Você nunca sabe o que pode acontecer no próximo dia que te impeça de cumprir.

— Mas…

— Você não sabia que ela seria capturada — Ian interrompeu-me. — Você não sabia que encontraríamos uma caverna. Não sabia que existiria Peg, que eu me apaixonaria por ela, que ela te traria esperança. Não sabia que encontraria Sunny, que Jodi não voltaria e que, na verdade, Sunny era uma boa pessoa para amar. Era um contexto diferente, Kyle. Naquele momento, você podia fazer a promessa, mas não podia prever o seu futuro.

— Eu não devia ter feito uma promessa que não poderia cumprir.

— Só que você não sabia que não poderia cumprir! — Susi exclamou.

Respirei fundo.

— Certo. Mas isso não pode mais ser mudado — Ian replicou. — Então você tem que seguir em frente e parar de se torturar, Kyle.

— Como? — minha voz ainda estava com seu tom derrotado habitual. — Não tem como seguir em frente. Estava insuportável longe de Sunny, mas perto dela está pior. Eu vejo seu olhar distante, seu sofrimento e sei que não posso consertar. E sei que sou a causa.

Susi franziu seu cenho.

— Ah, Kyle — ela lamentou, afagando meu braço. Não havia como me consolar ou como mudar aquela realidade. Era impossível. — Tudo vai dar certo.

— Você sabe que esse clichê não se aplica ao fim do mundo — retruquei com a voz embargada.

— Nós vamos achar uma solução — Ian insistiu, com sua fé inabalável. A minha já havia sido destruída anos antes. — Sempre tem uma. Não viu comigo e com Peg como… — ele interrompeu-se no meio da frase enquanto seus olhos se arregalavam. — Kyle, e se Sunny arranjasse outro corpo? Seria perfeito! Jodi continuaria viva e você poderia viver feliz ao lado de Sunny…

— A custo da tristeza de Jodi? — interrompi-o. — Eu ainda me importo com ela. Eu me importo com as duas e sei o quanto isso seria cruel. Sunny não conseguiria viver pressionada pela tristeza de Jodi, tampouco eu. Não seria certo — pressionei meus olhos com as pontas dos dedos. — Não tem solução. Acredite, eu já considerei tudo. Mas também não consigo suportar o fato de Sunny e Jodi dividirem a mesma mente por muito mais tempo; é tão cruel com as duas…

— Kyle — Susi murmurou. — Se você tentar evitar o sofrimento de todos, nunca vai conseguir nada. Alguém sempre vai sofrer com alguma decisão tomada. Nós já não estamos habituados a isso? Não tente poupar o sofrimento de todos. Apenas de quem mais importa pra você.

— O que quer dizer?

— Talvez alguém precise sofrer para se libertar. Não tente salvar a todos. Você não tem esse poder. Faça aquilo que te faz bem.

— Isso é meio egoísta.

— E desde quando você é altruísta? — Ian retrucou.

A resposta era simples, óbvia e libertadora. Um feto de sorriso apareceu em meu rosto. Foi breve, mas foi real. E aquilo importava.

— Desde que aprendi a amar.

Susi suspirou e largou sua ferramenta, abraçando a minha cintura. Lembrei-me de quando eu tive que consolá-la pela perda de Jamie. Nem mesmo fazia tanto tempo, no entanto para mim pareciam eras passadas.

— Você me ensinou a ser forte, Kyle — ela sussurrou. — Uma vez, me disse: “Você é forte. Conseguiu uma vez; vai conseguir mais um milhão de vezes se for necessário” — ela sorriu um pouco quando levantou sua cabeça para mim. — Você também já conseguiu uma vez. Acha que não pode vencer essa batalha?

— É a pior a que fui submetido — murmurei. — E realmente parece impossível.

— Você sabe que não é — disse Ian com um sorriso cansado. — Já descobriu isso outras vezes, Kyle.

Fechei meus olhos e suspirei, apoiando a minha cabeça na de Susi.

— Não me lembrava do quanto era insuportável.

— Você vai achar uma solução — disse Susi, sua voz abafada. — Você sempre consegue.

Eu tinha conseguido tantas vezes. Incontáveis vezes. Por que então o êxito me parecia tão distante e impossível? Por que não conseguia encontrar uma solução? O que realmente me impedia?

Respirei fundo quando a resposta óbvia surgiu em minha mente com um clarão.

O que me impedia de ver a solução era o fato de eu não suportar mais despedidas. Eu não queria dizer adeus nem a Sunny nem a Jodi, resultando em sofrimento para todos os lados.

Eu era egoísta.

E a obviedade da situação me deu uma ideia; não a solução que eu tanto queria, mas talvez um começo.

Afastei Susi o mais delicadamente que pude e comecei a procurar por Sunny. Eu não queria falar com ela exatamente. Naquele momento, precisava falar com Jodi, precisava esclarecer algumas coisas. Eu tinha a ignorado por tempo demais. E aquela era a causa de todo o sofrimento de Sunny.

Eu precisava mostrar para Jodi que ela também me importava por tudo o que tínhamos passado juntos, mesmo que meu coração pertencesse a Sunny. Eu precisava libertá-la.

Encontrei-a fazendo sabão. Estava distraída e longe dos outros humanos que trabalhavam; com uma rápida olhadela, constatei que muitos dos que eram a favor que Sunny fosse embora estavam lá, lançando olhares hostis em sua direção. Meu sangue ferveu.

— Sunny — chamei-a com a voz firme, fazendo alguns humanos se espantarem. Ela olhou para mim assustada também, o que me fez falar em um tom mais brando a próxima frase. — Preciso falar com você.

Sem questionamentos, Sunny largou seu trabalho e seguiu até mim de modo aliviado. Tive vontade de bater em cada humano que a tivesse feito se sentir tão mal ao ponto dela se aproximar aliviada de mim. Eu não deveria ser um alívio para ela. Era mais uma parte da tortura, apenas.

Segurei em sua pequena mão de modo gentil e antes de sair do local lancei um olhar severo para todos os humanos no lugar. Fiquei com náuseas ao lembrar que eu já tinha sido um deles, principalmente com Peg. Eles nunca entenderiam que as almas que tinham se rendido não eram monstros terríveis; eram anjos para iluminar nossas vidas. Lamentei que eu mesmo tivesse demorado para descobrir aquilo.

— Kyle? — Sunny me chamou com a voz fraca.

Engoli em seco ao ver seus olhos atentos esquadrinhando minha expressão.

— Vamos lá — murmurei e comecei a puxá-la pela caverna.

A maioria dos lugares estavam ocupados, deixando-nos poucas opções. Eu precisava de privacidade.

— O que quer, Kyle?

— Um lugar onde tenhamos privacidade.

Senti sua mão pressionar a minha de modo suave.

— A área de depósito — ela sussurrou. — Não deve ter ninguém por lá.

Assenti e a conduzi através dos corredores, não conseguindo me esquecer da vez em que tinha ido para aquele lugar a fim de matar Peg. Se não estivesse em uma situação tão terrível, teria sorrido ao pensar nas ironias do destino. Justo a alienígena que eu tentara matar tão bravamente tinha me devolvido a vida.

Encaminhamo-nos para o fim do corredor, perto do buraco onde Peg tinha ficado, e sentamos por entre as caixas empilhadas. Elas já estavam diminuindo. Em breve, precisaríamos fazer uma nova incursão. Suspirei e tentei me acomodar melhor.

— Por que quis algum lugar onde tivéssemos privacidade, Kyle? — Sunny murmurou.

Odiei-me pelo que falaria a seguir, mas não poderia mais adiar. Era demasiadamente cruel.

— Porque eu precisava falar com Jodi — minha voz estava baixa.

— Ah.

Respirei fundo e tentei me concentrar para pensar em uma boa pergunta.

— Ela ficou feliz com isso — Sunny disse; apesar da felicidade de Jodi, suas feições eram tristes.

Foi naquele momento que entendi que nunca poderia consertar tudo e manter as duas felizes. A felicidade de uma simplesmente destruía a outra. Não como se uma ficasse contente com a tristeza daquela com quem dividia a cabeça; apenas porque cada uma possuía um motivo de felicidade diferente.

Eu não tinha o poder de consertar tudo e fazer todos felizes ao mesmo tempo, assim como Susi tinha dito. E perceber que aquilo era uma verdade incontestável me fez vacilar.

— Kyle, o que quer perguntar?

— Eu não sei — sussurrei, cobrindo meu rosto com as mãos. — Eu não sei mais o que falar.

Sunny hesitou.

— Por que decidiu, então, falar com Jodi?

— Porque… porque eu queria consertar pelo menos um pouco dessa situação de merda. Porque eu queria deixar todos felizes e satisfeitos.

— Você não pode deixar todos felizes, Kyle.

— Eu sei, Sunny — suspirei derrotado. — Eu sei.

Ficamos algum tempo envolvidos pelo silêncio. Considerei todas as opções novamente, mas não fui capaz de encontrar algum modo de libertar Sunny e Jodi. Elas continuariam presas uma a outra, mesmo que em corpos diferentes.

— Jodi quer saber… por que você se importa tanto comigo — Sunny perguntou em um murmúrio. — E por que você não ficou feliz com sua volta.

Não tinha nenhuma interferência naquele momento. Mas eu não conseguia falar.

— Kyle? — quase pude sentir o cheiro das lágrimas que escorriam pelo rosto das duas mulheres que tinham mudado minha vida.

Fechei meus olhos e permiti que minhas próprias lágrimas escorressem pelo meu rosto. Senti-me um garotinho que não conseguia controlar seus sentimentos.

— Eu te queria tanto, Jodi — sussurrei. — Você não sabe o quanto. Não sabe o quanto eu sofri por seis anos de espera e não sabe o quanto eu sofri quando você simplesmente… não acordou — funguei. — Mas me permiti dar uma chance a Sunny. Eu estava te esperando ainda, pensando que você acordaria a qualquer momento e então Sunny iria embora… — abaixei minha cabeça em vergonha e não pude prosseguir. Eu tinha sido tão cruel; considerava Sunny um mero objeto que poderia ser deixado de lado assim que Jodi retornasse. Naquela época em momento algum considerei os sentimentos de Sunny.

— E agora ela voltou — percebi que o tom chateado pertencia a Sunny.

Estávamos em uma conversa com diversas dimensões.

— E agora o tempo passou — retruquei, abrindo meus olhos. Estava escuro; não conseguia enxergá-las. — E eu aprendi a amar Sunny, ano após ano, reconhecendo tudo o que ela era. Eu não podia ficar de luto o resto da minha vida. Eu tinha que me dar uma nova chance, Jodi.

Por alguns segundos simplesmente ouvi os soluços contidos de Sunny e de Jodi.

— Ela disse… que você prometeu.

— Promessas tem prazo de validade — retruquei. — Eu não sabia o que o futuro me aguardava. Se nove anos atrás me dissessem que eu encontraria uma caverna, conheceria uma alienígena que me daria esperança e ainda me apaixonaria por aquela que estivesse no corpo da mulher que eu amava, eu teria gargalhado na cara da pessoa. O tempo passa, as coisas mudam. Aquela promessa se quebrou em algum momento, inevitavelmente.

Sunny parou de tentar conter seus soluços. Todos eles dilaceravam uma parte de meu coração. Tentei abraçá-la, mas fui rechaçado violentamente. Eu não as merecia. Nenhuma delas.

— Ela disse… e eu também… para você parar — a voz continha um desespero que me paralisou. O que eu tinha feito? — Por favor, Kyle. Pare de falar essas coisas. Você sabe o quanto eu te amo, mas eu não posso mais… Justamente por te amar tanto que eu não posso mais — ouvi seus ruídos enquanto ela se levantava. — Você sabe que mentiu e que está enganando a si mesmo. É absurdo. Impossível. Você não pode amar a mim, a alienígena que está no corpo da mulher que você buscou por tantos anos. Não pode. Você não me ama, não de verdade. Eu sim… eu… você não pode evitar o sofrimento de todos o tempo todo. E eu entendo isso. E é por isso que estou indo…

— O quê? — ofeguei, surpreso. — Não, Sunny, não, escuta…

Ouvi seus passos e me deitei no chão, conseguindo segurar seu tornozelo. Ela se agachou e segurou com sua mão fria e trêmula meu braço. Imaginei se aquilo seria um afago ou um pedido.

— Eu te amo, Kyle — ela sussurrou. — E não posso suportar ver o seu sofrimento e o de Jodi. Vocês foram um casal e continuarão sendo — ela soluçou. — Para sempre.

Ela tentou se soltar do aperto, mas não permiti. Ela não me deixaria. Eu não era capaz de permitir aquilo. Depois de algum tempo de luta sem sucesso, ela começou a gritar por ajuda. Era um jogo baixo, mas reconheci que era a única forma. Continuei segurando em seu tornozelo.

Logo reforços apareceram. Eles usaram lanternas comuns e varreram todo o ambiente com a luz, paralisando ao perceber a cena: eu deitado segurando no tornozelo de Sunny e ela tentando se soltar. Ambos com lágrimas pelo rosto.

Jared e Aaron correram rapidamente até nós, conseguindo soltar meus dedos e me segurar enquanto eu me debatia violentamente. Ian ficou paralisado no fim do corredor, olhando-me com os olhos arregalados. Com a luz da lanterna fui capaz de ver todo o sofrimento no olhar de Sunny. Melanie se aproximou e tentou conduzi-la para longe de mim, no entanto ela ficou no lugar, encarando-me.

Sua boca formou palavras que fui incapaz de escutar — elas não sobrepuseram meus gritos desesperados —, mas pude entender: “Sinto muito, Kyle”. Ela então cortou a distância que nos separava e segurou em meu rosto, fazendo eu me calar subitamente. O lugar todo estava silencioso.

Li o sofrimento de seus olhos por alguns segundos antes dela fechá-los e depositar um beijo gentil em meus lábios. Um beijo de despedida. Eu senti na intenção de seus movimentos.

— Seja feliz — ela sussurrou. — Estou fazendo isso porque te amo e porque quero que você pare de sofrer. Você já não tem mais tanto fôlego para isso, Kyle — ela forçou um sorriso e afagou meu rosto, limpando as novas lágrimas que insistiam em escorrer. — Você sabe que não há outra forma. Eu vou descansar em paz sabendo que você será feliz e que fiz a coisa certa — novas lágrimas escorreram por seu rosto e ela encostou nossos lábios mais uma vez por um momento demasiadamente breve. — Adeus.

E então saiu correndo pelo corredor, deixando-me incapacitado por mais braços que me seguravam. Tentei lutar, mas não fui capaz de vencer. Eu já não podia mais vencer. Como a própria Sunny tinha dito, não tinha mais fôlego para aquilo.

Lembrei-me do que Susi tinha me dito pouco antes: Não tente poupar o sofrimento de todos. Apenas de quem mais importa pra você. Entendi que a pessoa que mais importava para mim era Sunny e que, se eu tivesse que escolher alguém para ser feliz, seria ela.

Percebi tarde demais.

Ela se foi para evitar o meu sofrimento, mal sabendo que a única forma de fazê-lo era ficando comigo.

Sem forças para continuar lutando, deixei-me cair no chão. Já tinha se passado um bom tempo. Eu sabia que não dava mais tempo; quase fui capaz de sentir quando Sunny deixou o corpo. Os homens me soltaram respeitosamente, deixando que Susi e Ian tomassem seus lugares para me consolar.

Deitei a cabeça no colo de Susi e me permiti chorar como uma criança que perde seu pai no meio de uma multidão. Tentaram me consolar, mas já não era mais possível.

Eu estava morto em vida.

E esse é o pior tipo de morte que existe.


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Notas finais do capítulo

NÃO ME MATEM.
Eu sei que fui cruel, eu sei que fiz a Sunny ir embora, eu sei, eu sei, mas ainda tem água pra rolar por baixo da ponte, então eu realmente espero que vocês estejam aqui na próxima sexta :3
Ah, e não se esqueçam de opinar sobre esse capítulo sofrido porque eu realmente quero saber o que vocês acharam :3
Até sexta ♥