Fox odiava sempre ter que dar a volta em Andrômeda, seria mais fácil se pudesse simplesmente passar por dentro da cidade, mas sabia que era impossível, especialmente levando um cadáver consigo.

Enquanto subia a colina para a Casa Principal pôde ver Li pulando do telhado. Teria um recepção bem calorosa pelo visto. Voltou à forma humana antes de chegar para não assustar as crianças de Marin.

Como sempre, parou na frente da construção e se encostou na corroça acendendo um novo cigarro. Alguns segundos depois viu uma garota de cabelos cor de mel abrir a porta com um rosto de puro sofrimento e correr em sua direção começar a chorar ao ver o corpo.

Talvez não fossem mais crianças afinal.

Logo, mais adolescentes apareceram correndo indo em direção ao cadáver enquanto ela inspirava a fumaça que havia baforado. Ninguém ligava para a mulher de regata e cabelos brancos e era interessante não ser o centro das atenções.

– Fox? - parou de olhar os jovens ao ver Seth a chamar na porta e fazer um sinal para ela chegar mais perto.

– Oi mestre G. - ela disse subindo as escadas com as mãos nos bolsos, o cigarro entre os dentes. - Se estabeleceram mesmo aqui então.

– Sim. - ele disse observando a Sexta Geração chorar a morte de mais um. - Entre.

– E-entrar? - ela gaguejou na soleira da porta quando ele já tinha dado alguns passos pelo saguão.

– É... Algum problema?

– Eu... Nunca entro... Olha, é melhor eu ir, pode aparecer algum serviço e...

– Que serviço? - perguntou Marin descendo as escadas acompanhada por Li. - Estamos todos aqui, Fox. Não vai aparecer trabalho. - Fox procurou o que dizer, mas acabou se rendendo e andou se aproximando dos mestres, seus pés tocando o chão frio da mansão. - Ótimo. - disse com um leve sorriso. - Li, pode levar o corpo?

– Sim, senhora. - disse a pálida esvoaçando seu leve vestido enquanto corria para fora.

Fox parou para observar os mestres. Aqueles dois adultos com rostos cansados, ele com a barba por fazer, ela sem seu costumeiro rabo de cavalo, não se pareciam com as crianças desastradas que ela havia conhecido há tempos.

– Como vão? - ela perguntou enquanto Li passava carregando Carter, envolto em panos.

– Intensificando o treinamento deles... Ficando preocupados... - falou Seth.

– E você? Alguma notícia? - perguntou Marin.

– Theo está muito feliz, os demônios praticamente desapareceram. - ela disse. - E... - se interrompeu quando os jovens entraram. Lena chorando enquanto as amigas tentavam consolá-la. Os seis pararam ao ver os mestres e Fox lançou um olhar furtivo para estes.

– Venham, - disse Seth interrompendo o silêncio constrangedor que se estabelecera. - vamos voltar para a lição, para nos distrairmos e não pensarmos nisso até a hora certa. - completou levando os jovens embora dali.

– Pode continuar agora. - disse Marin.

– Antes de ir pegar o Carter... - continuou devagar. - Eu estava no Templo dos Astros.

– E...?

– Eduardo quer ver você. - Marin arregalou os olhos.

– Por que?

– Acha mesmo que ele me disse?! - a mestra levou as mãos ao rosto. - E a Mia também.

– O que...? - Fox deu de ombros. - Deve ser algo realmente importante....

– Isso eu não sei.

–Tudo bem... - a cabeça de Marin parecia prestes a explodir.

– E não para por ai. - disse a mais magra puxando pelo nariz a fumaça que saía de seu cigarro. - Theo vai dar um baile, e pelo que sei vocês serão convidados, logo um mensageiro deve vir aqui.

– Eu odeio Theodore com todas as minhas forças... - suspirou colocando as mãos entre os cabelos soltos. - Mas... Me dê uma notícia boa, você conseguiu achar? - Fox arqueou a sobrancelha um segundo antes de lembrar do que se tratava.

– Sim, um conhecido meu está trazendo o violoncelo de Charles pra cá. Estava em uma aldeia nas montanhas, não me lembro do nome. - contemplou a ponta fumegante nas ervas envoltas em papel que segurava. - Vai chegar logo e você vai poder colocar junto com o corpo dele, não se preocupe.

– Obrigada. - abriu um sorriso de agradecimento. - Bem... Você pode ficar em um dos quartos de hóspedes, agora tenho que continuar com a aula também, mas podemos conversar mais no jantar. - completou virando-se de costas com a mão na testa.

– Ficar...? - Fox parou. - Como assim?

– Bem... Você vai precisar de mais ervas logo então vai economizar tempo se ficar, se estamos todos aqui então há trabalho a ser feito e podemos achar uma tarefa para você se ocupar logo mais.

– Marin... - ela hesitou baixando os olhos. - Não sei se aqui é meu lugar... - a mestra da Classe Hélio tomou uma posição séria de repente, quase com raiva.

– Tenho certeza que seu lugar não é aqui Fox. - isso fez a outra olha-la diretamente.

– Seu lugar é com Marcos, Roy, Odrey e Aaron. Na linha de frente os ajudando nesta luta!

– Por favor não começa...

– Você é uma lutadora Fox, não um carro fúnebre ou uma garota de recados...

– Tudo bem! - respondeu um pouco alto demais, exaltada. - Eu fico. - finalizou mais calma e Marin também se acalmou.

– Osíris vai lhe mostrar seu quarto. - finalizou.

– Quem?

– Eu, madame. - disse o gato angorá ao pé da escada. Fox não pareceu se surpreender muito com aquilo e Marin passou pelo felino murmurando um xingamento para este. - Me acompanhe, por favor. - completou com uma mesura.

A de cabelos opacos deu de ombros e seguiu o gato escada acima.

~*~

Naquela noite, o jantar estava mais triste que o habitual. Apesar da mesa cheia ninguém se animava em comer e um silêncio pairava enquanto Lena limpava algumas lágrimas que ainda caiam por suas bochechas.

– Bem. - disse Marin quebrando o silêncio e deixando seus talheres na mesa. - Recebemos algumas notícias além do falecimento de Carter. - fez uma pausa. - Conversei com Seth e o sepultamento será adiado, já que eu e Mia vamos ter que ir ao Templo dos Astros amanhã e Li não vai terminar de consertar o corpo tão rápido.

– Mia arregalou os olhos enquanto todos olhavam para ela, com exceção da mulher de cabelos opacos sentada ao lado de Marin, que parecia muito entretida em mexer com as ervilhas em seu purê de batatas.

– Mas mestra, - engasgou a morena. - Por que eu?

– Bem, sua presença foi exigida.

– Mas o que os videntes querem comigo? - indagou. - Achei que só podíamos conhecê-los depois de nos graduarmos.

– E é realmente assim que funciona, mas ao que parece vamos ter que quebrar uma regra. Esteja pronta amanhã cedo, sim?

– Sim, mestra... - murmurou voltando-se para seu prato.

– Isso parece um coelhinho ou um alce pra você? - perguntou Fox, quase deitada em sua cadeira para Osíris, enrolado em seu pescoço, se referindo ao desenho que acabara de fazer em seu prato com o molho de sua carne.

~*~

– O que será que querem com você? - indagou Drica, ainda de camisola em sua cama, vendo Mia se aprontar para sair. Lena penteava os cabelos sentada ao lado da ruiva, os meninos haviam se mudado para outro quarto há alguns anos e agora o dividiam com Derek.

– Contanto que não seja um mal presságio... - disse Mia colocando sua blusa e depois suas botas. - Já tem coisa ruim demais acontecendo...

– Nem me diga. - murmurou a de cabelos cor de mel.

– Lena, eu também estou triste com a morte do Carter, mas você precisa superar. - falou Drica ficando de pé.

– Drica, ele apareceu morto ontem! - falou Lena um pouco indignada.

– Eu sei disso, mas não é algo que dê pra mudar, e não adianta sofre tudo de uma vez, assim você só vai se sentir pior!

– Se vocês forem brigar assim quando eu estiver fora, - se intrometeu a morena enquanto colocava sua nova aljava que parecia um cinto em sua cintura. - por favor evitem quebrar minhas coisas. Eu odiaria voltar e ter que ensinar uma lição pra vocês.

– Tomara que eles digam que você vai ficar careca. - disse a ruiva com a cara fechada.

– Um doce como sempre, Drica. - finalizou Mia colocando sua bolsa e seu arco em seu ombro, estava pronta. - Vejo vocês em breve. - despediu-se dando um beijo na testa de cada uma antes de sair do quarto. No caminho da escada encontrou Caleb parado no corredor. - E aí, campeão.

– Vim só desejar boa viagem e dizer pra ter cuidado. - disse ele um pouco sério. - Está perigoso lá fora.

– Eu vou com a mestra, ela pode dar conta de tudo que acontecer.

– Mesmo assim, evita se meter em encrenca.

– Para de ser tão mandão. - disse tentando quebrar o clima sério da conversa.

– Só não morre tá, eu odiaria perder minha arqueira.

– Pode deixar, senhor. - finalizou com um aceno de mão continuando seu caminho.

Mia estava ansiosa por conhecer os videntes, mas acima de tudo estava com medo, e tentava disfarçar com brincadeiras, mas ela não achava que teria notícias boas chegando ao seu destino.

Passou os dedos por seu velho lenço, agora preso em seu pulso e desceu as escadas.