Tatame escrita por PaolaPS


Capítulo 5
Cinco


Notas iniciais do capítulo

Vocês querem me matar com essas recomendações e comentários, né?! Alexis R, quanto amor em uma recomendação! Juro, eu não esperava uma resposta tão positiva quanto a que eu estou tendo. Eu não tenho nem palavras pra agradecer a cada um de vocês que está aqui, lendo Tatame. Obrigada!



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Cinco

A garota hesitava entre os túmulos. A única vez que ela tinha estado naquele cemitério foi no enterro da mãe, dezessete anos atrás.

Inicialmente ela não sabia se conseguiria encontrar o lugar exato, mas assim que colocou os pés naquele terreno, ela se lembrou claramente de onde Ana estava enterrada.

–Por que a mamãe não acorda? –A garotinha de três anos perguntava assustada.

Ela havia tentado fazer a mãe despertar de todas as formas possíveis, até que o pai a pegou no colo tentando acalmá-la.

–Bi, você lembra do que o papai te falou no hospital? –O mestre perguntou e ela assentiu.

–A mamãe é um anjinho agora. –Ela se lembrou.

–Então, minha princesa, como a mamãe virou um anjinho, ela não vai mais estar conosco.

–Por quê? –A criança perguntou confusa.

–Bi, algumas coisas o papai não vai conseguir te explicar. –Ele disse emocionado. –Mas a mamãe sempre vai estar com você aqui, ó, dentro do seu coração.

A menina não entendeu, mas não insistiu. Ela deitou a cabeça no ombro do pai e ficou observando o enorme salgueiro que fazia sombra sobre eles.

–Papai, Bi e K. –Ela murmurou pouco antes de dormir.

Aos pés do salgueiro, a atriz olhou em volta, até encontrar a lápide conhecida.

Ana Duarte,

Esposa e mãe amada.

“A despedida é uma dor tão suave, que te daria boa noite até o amanhecer.”

–Oi, mãe. Acho que eu devia ter trago flores, mas eu… A verdade é que eu não sei quais são as suas flores favoritas. -Bianca começou hesitante, sentindo os olhos se enchendo de lágrimas. -Tem muitas coisas sobre você que eu nunca vou saber, não é?!

Ela se sentou na grama, ao lado da lápide e analisou o buquê colorido que estava ali.

–O papai esteve aqui hoje, né?! -Ela perguntou com um sorriso. -Ele sente a sua falta. O mestre Gael se faz de durão, mas foi só agora, depois de quase 17 anos, que ele se permitiu gostar de outra mulher. E a Dandara é incrível, mãe! Pode ter certeza que o coração dele está em boas mãos. Até a K, que morre de ciúmes do papai, gosta da Dandara.

Ela fez uma pausa e ficou pensativa por um tempo. A forma como o vento balançava as folhas do salgueiro, para ela, soava como um sinal de que estava sendo ouvida.

Era reconfortador.

–A Karina se tornou uma pessoa maravilhosa, mãe, - por dentro e por fora. Eu tenho certeza que você teria muito orgulho dela. -Bianca contou sorrindo. -Ela se parece muito com o papai, ela é tão teimosa e durona quanto ele, além de ser uma excelente lutadora. O papai, quando não está se preocupando com os possíveis machucados, morre de orgulho das habilidades dela.

Outra pausa.

Bianca se perdeu nas memórias, se lembrando das brigas constantes entre Gael e Karina por causa do muay-thai, das intermináveis discussões sobre a forma como o mestre tratava as suas filhas, além das brigas bobas que acontecem em todas as famílias.

–Ai mãe, foi tudo tão mais difícil sem você aqui. A K é tão diferente de mim, tão insegura, tão fechada. Eu tento entender e ajudar, mas não é fácil. -Bianca suspirou. -Eu acho que sempre estive tão preocupada em preencher o vazio que você deixou, que acabei perdida entre o papel de mãe e o de irmã. E no fundo, eu nunca consegui ser boa o suficiente em nenhuma das duas funções.

O nó na garganta se tornou insuportável.

A atriz abaixou a cabeça e se permitiu chorar como nunca havia chorado. Naquele momento ela não precisava fingir que era madura, para que o pai não se preocupasse e ela não precisava conter o choro e a saudade que sentia da mãe, para que a irmã não se sentisse culpada.

Ela podia ser só ela. Sem expectativas.

Bianca Duarte era apenas uma garota que ainda chorava pela morte prematura da mãe.

E ela chorou.

Soluçou.

Até que só sobraram lágrimas continuas e silenciosas.

–Teve muitas vezes que eu achei que nós não conseguiríamos. -Ela disse de repente, com a voz rouca. -O papai sempre se desdobrou pra garantir que nada nos faltasse, e conseguiu. Ele se esforçava na cozinha tentando fazer refeições saudáveis, se esforçava nas coisas simples e tentava trançar o meu cabelo como você fazia, se esforçava pra entender o universo feminino pra tentar me explicar todas as coisas de garotas, e, principalmente, se esforçava para que eu e a Karina sempre nos sentíssemos amadas. O mestre Gael é o melhor pai que você podia ter escolhido pra criar as suas filhas.

Bianca sorriu, orgulhosa por ser filha de quem era.

–Com o passar do tempo as coisas melhoraram. Eu aprendi a cozinhar e nos livrei de vários X-Gael; eu aprendi a fazer tranças, embora a Karina nunca deixasse o cabelo crescer o suficiente; eu aprendi as coisas de garotas e quando a K ficou menstruada pela primeira vez, ela não teve que ouvir o papai gaguejando e tentando explicar o assunto. Eu e o papai conseguímos nos virar bem, mãe, e você pode ter certeza que a K teve tudo o que você me proporcionou quando estava conosco. Bom, quase tudo, né?! O mais importante ela não teve. Você. -A atriz deu um sorriso triste. -O meu relacionamento com a Karina nunca foi fácil. Ela nunca aceitou ser tratada como criança pela irmã que nem era tão mais velha assim, por isso ela sempre me deixava de fora. Mas de uns tempos pra cá, as coisas melhoraram gradativamente. A K começou a conversar comigo de verdade. Nós conversávamos sobre os nossos sonhos, medos, alegrias, inseguranças e tudo o que desse vontade. Eu acho que esses eram um dos poucos momentos em que nós fomos apenas irmãs. Mas eu estraguei tudo.

–Eu fui tão estúpida, tão inconsequente, mãe. A Karina não olha na minha cara, mal fala comigo, evita até o ar que eu respiro. Ela me odeia. -Bianca desabafou. -Eu sei que o que eu fiz foi extremamente errado, mas eu queria que ela soubesse que a minha intenção nunca foi magoá-la. Eu queria que ela ficasse bem, só isso.

–Você deve estar se perguntando que tipo de filha você colocou no mundo, não é?! Comprar um namorado para a própria irmã… E o pior é que eu não conseguia ver problema algum nisso. Eu só conseguia enxergar dois adolescentes teimosos, mas extremamente apaixonados. -A atriz suspirou. -Eu só quero que a Karina saiba o quanto eu me arrependo…

Bianca se deitou na grama, ao lado da lápide da mãe, e ficou observando o céu. Ela tentava pensar no que Ana diria se estivesse viva.

Será que ela diria pra filha mais velha dar tempo ao tempo, como várias pessoas disseram? Será que ela a ajudaria a se acertar com a irmã? Ou será que ela ia preferir não intervir?

–Eu nunca vou saber, não é?! Nunca vou conseguir adivinhar o que você diria pra mim agora, mãe. Mas eu te prometo uma coisa: eu vou consertar tudo. Se eu fui capaz de fazer essa grande merda, eu vou ter que ser capaz de limpá-la. -Bianca disse determinada, se sentando de repente. -E hoje a Karina vai me escutar, mãe.

A garota se levantou rapidamente, se apressando até a saída do cemitério.

Ela já havia esperado demais, agora era a hora de corrigir o estrago feito.



–Ai Karina, pra mim já deu. -Cobra disse. -Você não está cansada?

Cobreloa tinha aproveitado o pouco movimento no QG para treinar com a amiga.

–Nem um pouquinho. Por mim, eu continuava treinando até amanhã. -Ela disse rindo.

–Mas eu não tenho a vida ganha, diferente de você. Chegou um monte de mercadoria aqui e eu preciso organizar tudo, já que o infeliz do Thawik está de folga.

–Poxa, mas quem vai treinar comigo?

–Sei lá, arruma outro pobre coitado pra alugar, loirinha. Aposto que na academia está cheio de lutadores que morrem de medo de dizer não pra você. -Cobra debochou.

–Esse é o seu jeito sutil de me expulsar do QG? -Ela perguntou.

–Pra bom entendedor, meia palavra basta.

Uma figura magricela interrompeu a conversa se sentando em frente a um dos computadores.

–Eu vou seguir a sua dica e ir pra outro lugar. -Karina disse olhando com desdém para o recém chegado.

–Oi pra você também, esquentadinha. -João disse.

A loira teve que respirar fundo para não enfiar um soco na cara do nerd.

–Eu te vejo mais tarde, Cobra. -Ela disse pegando a mochila.

Assim que a garota saiu do estabelecimento, o lutador se aproximou do recém chegado apertando-lhe os ombros.

–Você tem que provocar, né?!

–É mais forte do que eu.

–Forte vai ser o soco que a Karina ainda vai te dar. Aí não vai ter mamãezinha que conserte a sua cara feia.

–Nossa Cobra, pra quê tanto ódio no coração? -O nerd debochou.

–Foca aí no seu jogo, que eu tenho mais o que fazer aqui, viciadinho.

–Boa ideia, Cobrinha.



Karina entrou na academia irritada, dando de cara com o pai.

–Opa, opa, aonde você vai com tanta pressa? -Ele perguntou.

–Eu vou socar uns sacos antes que eu soque um nerd insuportável. -Ela respondeu pegando as ataduras.

Gael suspirou.

–O que o João fez agora?

–Ele nasceu, foi isso que ele fez. -Ela respondeu. -Cadê todo mundo?

Foi só então que Karina percebeu que a academia estava vazia, exceto por Gael e Wallace, que juntava as coisas.

–Já são quase sete horas, a academia já está fechando. Você estava no colégio até agora?

–Eu não estava com cabeça pra ir pra escola, pai. -Ela preferiu não mentir. -Fiquei no QG treinando com o Cobra.

O mestre suspirou mais uma vez, tentando conter a irritação.

–Eu vou dar um desconto porque hoje é o seu aniversário, mas nunca mais faça esse tipo de coisa sem me avisar, decorou?

–Sim, senhor. -Ela bateu continência sorrindo. -Quer treinar comigo, mestre?

–Qualé, K, eu ralei tanto pra colocar as coisas no lugar e você já vai bagunçar tudo? -Wallace perguntou se intrometendo na conversa. -Assim você enfraquece a nossa amizade.

–O Wallace está certo, Karina. Vamos pra casa, amanhã você treina. -O pai sugeriu.

–Ah não, pai. Deixa eu treinar só mais um pouquinho. Eu juro que coloco tudo no lugar e fecho a academia direitinho. -Ela pediu. -Pelo meu aniversário, vai?!

Como já era de se esperar, o mestre cedeu ao apelo da filha. Karina costumava dizer que o pai só cedia aos apelos da irmã, mas a verdade é que Gael não conseguia resistir ao charme de ambas as filhas. A diferença é que Bianca sabia disso e usava a seu favor, já a caçula não gostava de suplicar.

–Wallace, você está dispensado. -O mestre disse.

–Valeu, mestre. -O rapaz agradeceu.

Karina terminou de colocar as ataduras e logo pegou as luvas.

–Vai treinar comigo, mestre Gael? -Ela perguntou.

–Não, eu vou pra casa ajudar a Dandara com os preparativos do seu jantar. E eu quero você em casa antes das oito, ok?!

–Ah, o jantar. -A garota fez uma cara de tédio.

–Filha, é o seu jantar de aniversário. A Dandara está preparando tudo com muito carinho, a sua irmã fez o bolo que você adora, então será que dá pra ficar mais animada?

–Será que a princesinha não envenenou o bolo? -A lutadora resmungou pra si, mas foi ouvida pelo pai.

Gael pegou a filha pelo braço e a fez se virar para ele.

–Karina, por favor, será que dá pra você ser um pouco menos teimosa? A sua irmã está se esforçando muito pra tentar compensar os erros dela, mas você não dá nenhuma brecha!

–Não vai ser fazendo bolinho que a Bianca vai corrigir a merda que ela fez, pai. Ela sempre se meteu na minha vida mais do que devia, mas dessa vez não dá pra fingir que nada aconteceu.

–Filha, desde que você nasceu, a única coisa que a sua irmã sabe fazer é te mimar. Você sabe o tanto que ela se importa com você. Sempre foi assim.

–Mas o que ela fez ultrapassa todos os limites do aceitável. Não tem perdão.

–Olha K, eu não vou defender a sua irmã. Ela errou feio sim. A Bianca tem a mania de querer controlar tudo e essa não foi a primeira vez que ela meteu os pés pelas mãos... -Gael suspirou. -Mas será que isso anula todas as coisas boas que ela já fez por você?

Karina não respondeu. Ela apenas deu as costas e começou a socar o primeiro saco que viu.

–Esteja em casa antes das oito. -O mestre disse saindo da academia.

A lutadora não respondeu. Ela ainda estava pensando no que o pai havia dito.

É verdade que a Bianca já tinha feito muito por ela, e no fundo, a esquentadinha reconhecia que a irmã era a única referência maternal que ela teve. E bem lá no fundo, Karina sabia que o acordo com Pedro, não anulava o resto.

Não anulava as várias noites em que ela tinha pesadelos, e a irmã pulava pra cama dela e ficava fazendo cafuné até que ela dormisse. Não anulava as vezes que a irmã ameaçou as meninas nojentas que eram da sala da caçula e viviam implicando com o “cabelo de menino” dela. E principalmente, não anulava as várias vezes em que Bianca tentou fazer o famoso bolo de chocolate da Ana, porque a irmã precisava saber como era o gosto da melhor receita da mãe.

Mas Karina nunca admitiria isso.

A lutadora foi tirada dos seus pensamentos pela chegada de alguém.

–Eu não estou com um relógio, mas tenho certeza que ainda não são oito horas, pai. -Ela disse, ainda focada no saco de pancadas.

–Karina, a gente precisa conversar.

E foi só então que ela percebeu que a pessoa que havia chegado não era o pai.

Era Bianca.


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Notas finais do capítulo

Primeiramente, peço desculpas pela demora pra postar. A minha rotina está exaustiva e eu só tenho conseguido mexer no computador nos finais de semana.
E tenho que acrescentar que esse é o penúltimo capítulo de Tatame. Já estou saudosa, KKKK.
Mas me digam, o que acharam do capítulo?



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