Três Corações - o Coração que Me Amou escrita por mariana_cintra


Capítulo 12
Uma Triste Pintura


Notas iniciais do capítulo

Gnt, acho q esse eh o maior até agora...

Espero q gostem

Esse eh dedicado a Mitty, q me acompanha desde o primeiro cap, sem desistir...



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“Quando a felicidade é suprema, é cruel lamentar-se quando o fim anuncia-se. Porém, é impossível não fazer isso. Eu estava com o homem que eu amava, e sabia que ele me amava também. Eu estava vivendo os dias, noites, minutos e segundos mais felizes da minha vida. Não queria que acabasse. Mas nessa vida, tudo parece ter um fim. Inclusive a própria vida. Será possível? Será possível, em sonho, atirar-se do alto da pedra e acordar no paraíso? A sensação de estar caindo é desesperadora, mas eu não pude senti-la. Tive apenas a sensação de estar no chão, depois que visitei o céu. Era desolador. Eu não queria cair. Cair era como perder. Perder era como morrer. Eu não queria perder. Não queria morrer. Não queria perder aquela alegria, aquela felicidade. Não queria que aquele amor morresse. Poderia dizer que morreria para mantê-lo vivo. Diria isso, caso as circunstâncias não fossem o que realmente são. Nesse momento, sentia que meu amor morreria para me manter viva. O vice-versa do destino é terrível, parece estar brincando com os homens. Parece querer nos virar de ponta-cabeça e, depois, chacoalhar pra todos os lados. Segundo os planos, seríamos lançados numa ponte entre dois precipícios, no escuro, tontos, buscando sobreviver. O destino é algo aterrorizador. O destino é o pior de tudo. Não acreditava nele. Mas isso era antes de Dan. Agora, sou forçada a crer nessa coisa toda. E, crendo nisso, sei que contra ele, só podemos contar com o amor... E com a sorte. O problema é que a sorte nunca vem de graça. Sempre pagamos um preço por ela. A sorte é como uma prostituta. E o destino é o cara que para o carro e a convida para entrar. Eles são um casal. Um casal feio. Um casal mafioso. Mas não há escolha contra eles. Nesse instante, estou me arriscando a levar as alianças. A quem devo entregá-las?”

 

 

            Aquele dia ficou pra sempre na minha memória. Jamais poderia esquecer tudo que vi e ouvi. Jamais esqueceria aquele lugar. Era meu lugar preferido, desde o ‘grande dia’.

            Antes de dormir, naquela noite, passei longo tempo pensando no que aconteceu. Repassando tudo na memória, revivi intensamente cada pequeno momento que tive com Dan. Em certo momento, percebi que não tinha certeza da existência de algum outro amor igual ou maior que aquele. Não era possível que houvesse. Maior que aquilo? Sobre-humano. Não existiria mais um amor como o de Lana e Dan. Talvez nem mesmo entre Lana e Dan.

 

 

            Dois dias depois, tomei coragem de ir até a casa de Matt, mas não para vê-lo. Para visitar Dan. Meu namorado. Era cruel pensar assim. Eu havia me tornado uma pessoa cruel por aquele amor. Que mentira! Só porque eu não me importava tanto mais com as outras pessoas e suas respectivas ideias sobre meu relacionamento com o homem da minha vida, não significava que eu havia me tornado cruel com elas. Às vezes me pergunto se sou louca, mas acho que é normal debater minhas próprias ideias comigo mesma. Talvez por isso eu seja louca. Mas, sabe, as melhores pessoas são assim...

 

 

            Após um longo tempo de declarações e conversinhas bobas, sem assunto, imaginando coisas, fantasiando vidas e tudo o mais com o meu namorado maravilhoso que eu amava, saí do quarto de Dan e decidi preparar um lanchinho para nós dois. Já me sentia parte da casa e da vida dele naquele primeiro dia lá. Tomei a liberdade de comandar a cozinha por alguns minutos. Apesar de ter uma empregada para preparar os lanchinhos, tinha em mente a ideia idiota – às vezes psicopata – de querer algo que eu preparasse sendo devorado por Dan. Era doentio, eu sei. Mas era só capricho.

 

 

            Parei no topo da escada. Quando me precipitei para descer, senti pela primeira vez. Uma pontada. No coração. Como se um punhal imaginário estivesse sendo empurrado contra meu peito de forma cruel. Doeu como nada que eu pudesse ter sentido antes. Depois desse primeiro sintoma, uma forte tontura, uma sensação de que eu ia cair. E, então, uma nova pontada. Parecia que eu estava sendo esfaqueada. Meu pescoço pesou, queimou. Meu queixo começou a pesar em direção ao meu colo, como se minha cabeça estivesse sendo atraída para baixo. Minha nuca doeu. Chamei por Dan, em busca de auxílio.

 

 

            - Dan! Dan! Dan! Me ajuda! – A tontura foi mais forte que meu controle. De repente, a casa começou a girar em torno de mim, em todos os sentidos, como um kamikaze, um cataclismo ou qualquer outra coisa. Senti meu corpo sendo atraído em direção ao chão. O pior: faltava chão. Eu me senti caindo na escada, mas logo tive a sensação de parar. Eu estava segura numa onda quente de proteção. Eu estava segura nos braços de alguém. Inalei-lhe o perfume. Conhecia aquele cheiro. Foi Dan que me segurou. Quando levantei a cabeça para ver seu rosto, perdi meu intuito, pois tudo se apagou. Depois daquilo, não senti mais nada.

 

 

­­­­­­­­­­­­­­­­­­_____________________________________________________________________

 

 

“É escuro. É vazio. O chão é úmido. Estou sozinha. Sinto a imensidão daquele lugar desconhecido. Procuro por uma voz que chama incansavelmente dentro da minha cabeça. A voz do meu amor. Tento alcançá-lo, mas tropeço em meus próprios passos, caindo naquela imensidão negra, num chão molhado, que me deu a impressão de ter caído sobre a água sem afundar. Com o rosto molhado, levantei-me e percebi que estava nua. Senti frio. Senti o vazio ao meu redor. Senti o vazio dentro de mim. Onde é que eu estava, afinal? Precisava sair dali, onde quer que fosse ‘ali’. Ou será que era um sonho. Se era um sonho, precisava acordar. Bati em meus próprios braços repetidas vezes, com o intuito de acordar do pesadelo. Não acordei. Que raios de lugar era aquele?! Eu estava nervosa. As lágrimas já escorregavam incontroláveis pelo meus rosto.

Estava entrando em desespero quando ouvi sua voz me chamando outra vez, porém, mais próxima que antes. Tentei segui-la, mas caí novamente. Com esforço, levantei. Segui devagar, tentando não cair. O vi, distante, como se estivesse no horizonte. Andei, andei, andei incansavelmente, mas, a cada passo que dava, ele também ia pra mais longe. Ele estava sempre no horizonte. Quando o horizonte mudava, ele também. Era impossível alcançá-lo. Corri. Escorreguei no chão molhado e caí de costas. Meu cabelo espalhou-se ao redor de minha cabeça, com o efeito da água sob ele. Senti uma leve dormência no corpo todo, portanto, não levantei. Fiquei lá, paralisada, sobre a água fria que arrepiava todo meu corpo nu. Uma lágrima gelada escorreu pelo meu rosto, e lá permaneceu. Fechei os olhos.

Quando tudo parecia perdido e eu senti que ficaria lá para sempre, ouvi passos aproximando-se, e a água sob meu corpo moveu-se um pouco. Abri os olhos. Sobre mim, eu vi seu rosto, me olhando atentamente, porém, sem expressão. Tentei segurar seu braço, mas ele se desfez. Era uma ilusão? Ele desapareceu tão rápido quando chegou. Sentindo meu corpo outra vez, tentei levantar. Foi tarefa difícil. O chão me atraía para si. Ao ficar de pé, a água escorreu lentamente, caindo de meus cabelos, passando pelas costas, pelas pernas e atingindo o chão, arrepiando meu corpo todo. Uma gota de água escorreu por entre meus seios e findou onde crescia minha fertilidade. Imaginei se não poderia ser aquela lágrima, que percebi ter sumido de meu rosto.

Completamente arrepiada e com frio, abracei meu próprio corpo despido. E se alguém me visse daquele jeito, sem roupas? Bom, talvez isso fosse consideravelmente impossível, devido à escuridão. Mas se eu podia ver o rosto de meu amado no escuro, por que alguém não veria meu corpo? Meus seios que apontavam exibidos e delicados à frente, minhas pernas despidas, minha barriga arrepiada, meu traseiro com gotículas de água. E se alguém visse aquilo tudo? E se alguém visse naquele momento tudo aquilo que eu escondia todos os dias? Será possível?

Andei, calmamente, seguindo reto. De repente, apenas alguns metros à minha frente, eu o vi outra vez. Aproximei-me, e desta vez ele não sumiu. Ficou lá até que eu chegasse perto o bastante para tocá-lo. Vi que ele também estava nu, mas não olhei para baixo. Ele estendeu a mão, convidando-me. Segurei-a, e nada se desfez. Delicadamente, puxou minha mão, chamando-me para perto e me envolvendo num abraço. Nossos corpos encaixaram-se perfeitamente, cada curva completando a outra, e ele me abraçou protetoramente. Pronto: o medo e a insegurança haviam acabado. O frio passou, e senti meu corpo queimar entre seus braços. Estremeci, e talvez aquilo tenha mexido com ele, pois ele afastou o rosto e me olhou nos olhos. Desta vez, havia uma expressão neles. Seus lábios quentes tocaram lentamente os meus, antes frios, porém, depois disso, acesos em chamas. Como nossos corpos afastaram-se, meu corpo clamou pelo dele, perdendo o calor. Unimo-nos mais uma vez, ambos acesos, como labaredas incansáveis. Não pedimos por mais nada. Não ansiamos por mais nada. O amor não tinha pressa. Podíamos ficar ali, ambos nus, ardendo em chamas, com nossos corpos clamando um pelo outro, porém, sem pedir nada mais que isso. Permaneceríamos daquela maneira por todo o tempo do mundo, desde que cada curva de nossos corpos estivesse perfeitamente encaixada ao outro. Como um quebra-cabeças sem fim. Sem precisar de mais nada, sem pensar em erotismo ou qualquer outra coisa, mantemo-nos abraçados, queimando como uma chama só, apesar de, originalmente, sermos dois corpos. Eu estava segura em seus braços. Não sentia o chão sob meus pés, nem o ar em torno de mim. Estava tudo bem. Se era um sonho ou não, decididamente não me importava. Eu estava protegida de qualquer coisa, até da realidade.

Porém, num ímpeto, como uma facada dolorosa, algo aconteceu. Teve a duração de apenas alguns segundos, e não pude acompanhar muito bem. Ele soltou-se de mim e olhou para trás. Meu corpo imediatamente esfriou, como se ele fosse o fogo que mantinha o gelo queimando sem derreter. Congelei como antes. Ele afastou-se e me deu às costas. Tentei segurá-lo pelo braço, mas ele novamente desvencilhou-se de mim. Seguiu correndo em uma direção. Persegui-o. Correndo, cuidando para não cair novamente, senti que nunca ia alcançá-lo. Gotas de água atingiram meu rosto. Eu tinha em minha mente a imagem de seus olhos, como um mar de águas profundas, um mar onde nunca pode-se enxergar o fundo. Nadei naquele mar, à procura dele. Corri mais que meus pés podiam, e quando parecia que eu podia segurá-lo, uma forte luz branca ofuscou minha visão. Segui, mesmo sem enxergar, e tentei segurá-lo novamente. Foi inútil. Ele seguiu para aquela luz. Quando tentei fazer o mesmo, caí sobre mim mesma novamente. A luz desaparecera. Tudo voltara a ser escuro, vazio e úmido. Com o rosto afundado no chão, deixei que a imensidão me engolisse. Ele se fora. Nada mais adiantava. Apenas lamentei-me, uma última vez, erguendo minha cabeça alguns centímetros do chão e gritando seu nome:

- Dan!”

 

 

            - Dan! – Abri os olhos. Onde eu estava, afinal?

            - Lana? – Sua voz suave pronunciou meu nome. Uma mão apertou delicadamente a minha. Acostumando meus olhos à luz, enxerguei um teto branco. Já estive em um lugar assim antes, me lembrava bem. A luz era forte, fazia minha cabeça doer. Eu estava tonta, dopada. Tentei virar para olhar pro lado. Meu corpo respondeu de maneira indesejada. Meu braço esquerdo doeu, como se tivesse ficado horas com uma agulha enfiada nele. Meu tórax revirou de dor, e senti uma nova pontada no coração, dessa vez mais leve do que as últimas de que eu me lembrava.

 

            - Fique calma, amor. Isso é um hospital.

            - Hospital... De novo?

            - Você passou mal mais uma vez.

            - Mais uma... vez? – Repetia tudo que ele falava. Parecia débil, mas eu me sentia dopada, portanto, tinha uma justificativa.

            - Passou mal à tarde. Tive que te trazer pra cá. Já fizemos exames e te medicamos, dentro do possível – Dan parecia um médico falando daquele jeito, como se ele tivesse me medicado e feito exames em mim. Ri baixinho, mas isso me fez parecer ainda mais débil.

            - Se soubesse de tudo... Não daria risada... – Ele pareceu lamentar-se, porém, eu não podia ver seu rosto direito, devido à minha incapacidade de me mover.

            - Tudo...? – Indaguei, curiosa.

            - Eu vou chamar meu tio. Fique aqui. – Ele me instruiu, como se eu tivesse outra opção senão ficar ali. Já era difícil mudar de posição na cama, quanto mais sair daquele quarto! Dan às vezes parecia brincar. Logo eu saberia que ia sentir muita falta disso...

 

 

            Alguns minutos depois, Dan voltou ao quarto, desta vez, acompanhado de John.

 

 

            - Hei, garota, você aqui outra vez... Estou vendo que você nunca vai sair daqui. Oh, isso foi uma brincadeira! Espero realmente que não precise voltar, apesar de... Bem, esqueça! – Ele dava as informações em sequência, calando-se quando parecia que ia entregar algo a mais e corrigindo-se logo em seguida.

            - Tio, acho que é melhor contar logo... – Dan falou com a própria voz abafada.

            - Sim...

            - Contar o quê? – Perguntei, ligando todos os pontos e vendo claramente que eles estavam me escondendo algo grave. Mesmo dopada, eu não era assim tão idiota.

 

            - Querida, tente não entrar em desespero. Tente não fazer seu corpo reagir mais que pode. Você não pode exaltar-se.

            - O que é que vai me contar, Doutor John? – Exigi uma resposta, depressa.

            - Bem, pra começo de conversa... Você sabe o que te trouxe aqui da última vez.

            - Um sopro quase insignificante no meu coração. – Interrompi-o, dando-lhe uma resposta que ele desejou que eu tivesse apenas na minha cabeça.

            - Sim. Pois bem... Quando fizemos exames da última vez, achamos que o sopro era insignificante. Mas, perante os últimos acontecimentos, decidimos realizar novos exames, mais completos e complexos.

            - O que foi descoberto?

            - Que esse sopro não é mais insignificante. Ele vem te trazendo complicações, Lana.

            - Que tipo de complicações?

            - Não fique chocada. Vou chegar exatamente onde você quer que eu chegue, com poucas palavras. O fato é: se nada for feito, mais dia, menos dia, esse sopro vai te matar.

 

            Se meu coração não fosse o assunto no momento, teria o sentido parar. De fato, essa foi a sensação que tive. Como assim, meu coração me mataria? Pouco tempo antes ele tinha apenas um sopro insignificante. Então, eu ia morrer?

 

 

            - Como assim? Não pode estar falando sério... É brincadeira...

            - Sinto informar, Lana. Era um sopro insignificante, mas surgiram complicações. Você precisaria de um transplante o mais rápido possível e eu já falei com seu pai, ele até aceitou que se fizesse esse transplante, mas não há doadores, e se você fosse entrar na fila da espera pela doação de órgãos, morreria antes de chegar à metade. Estamos fazendo todo o possível, já fizemos alguns testes até. Não há tratamento para isso. Ou um novo coração ou...

 

            Meu mundo veio abaixo. Eu não imaginava aquilo. Morrer? Como assim ‘morrer’? Eu tinha apenas dezoito anos! Estava começando a viver agora. Tinha sido deixada por minha mãe, vivia sob o teto de um pai que sequer sabia a cor dos meus olhos, passei por algumas coisas que não gostaria de me lembrar, mas... Também tinha outras coisas. Fiz amigos maravilhosos, como Lucy, por exemplo. E também... Eu também tinha Dan... Logo quando eu tinha encontrado o amor e a felicidade, a satisfação e o conhecimento completo de mim mesma. Quando eu estava sendo feliz ao lado da pessoa que eu escolhi, a pessoa que despertou o melhor e mais profundo sentimento do meu coração. Como assim...? Como assim ‘eu ia morrer’? Não... Era pegadinha. Eles queriam me assustar. Não podia ser isso. Morrer, naquele momento, admitia a condição de deixar Dan, de deixar o grande amor da minha vida. Morrer seria como abrir mão de toda a felicidade. Eu não podia morrer. Eu não queria morrer.

 

            - Dan... – Virei-me para ele, que segurava o rosto entre as mãos, dando o indício perfeito de seu desolamento. – Seu tio... Está mentindo, não é?

 

            Seguiu-se um silêncio que pareceu durar horas. John olhou para Dan, e, depois, para mim. Essa cena repetiu-se mais vezes. Então, ele pareceu ter se cansado. Absolutamente calado, deixou o quarto, sem ser seguido por nenhum dos dois pares de olhos que estavam ali.

            O silêncio que preenchia o espaço entre mim e Dan foi cortante. O efeito que causou dentro de mim foi pior do que se vinte multidões estivessem gritando ao mesmo tempo. Se ele tivesse gritado comigo, cuspindo na minha cara a confirmação de que eu ia morrer, talvez fosse melhor. Talvez doesse menos. Mas ele apenas calou-se. E, desde pequena, aprendi que o silêncio doía.

 

            - Dan...

 

            As lágrimas começaram a cair de meus olhos sem controle, enquanto eu suplicava-lhe que me respondesse o que eu já sabia. Na minha cabeça, já havia acomodado a informação de que, dentro em breve, teria que deixá-lo. John disse que o transplante era urgente. Sendo assim, logo, logo eu morreria. Logo, logo deixaria Dan para trás. Isso doía, mas eu já sabia. Só queria ouvir da boca dele. Aquela boca que, por tanto tempo prendeu minha atenção. Aquela boca que me dizia coisas lindas, que me fazia sentir viva. Era essa boca que eu desejei, naquele instante, que se movesse para me dizer tudo que eu já sabia, que ia morrer, ia partir, ia deixar toda uma vida pra trás. Essa boca, que tantas vezes me fez sentir viva, ela devia me dizer que logo eu me sentiria morta. Minha mente é uma oficina para meu masoquismo. Surpreendo-me com meus trocadilhos maldosos que me fazem sofrer.

 

            Apesar de desejar tanto que Dan me dissesse aquilo, que começasse a fazer um discurso que ascenderia minha alma e me daria esperanças... Ele apenas ficou em silêncio, olhando fundo nos meus olhos recobertos por lágrimas. Por um instante, desviou os olhos para a janela fechada atrás de mim. Depois, ao me olhar novamente, uma lágrima que há tempos insistia por cair – eu podia ver isso em seus olhos marejados – fez o que tinha que ser feito: escorregou lentamente por sua face perfeita, com traços bem marcados e pele lisa. Quando desapareceu na curva de seu rosto, eu pude senti-la caindo dentro do meu coração inútil, congelando. Ela ficaria lá para sempre.

 

            - Dan... – Eu tentei falar mais uma vez, dessa vez entre soluços – Dan, me diga o que tem que dizer! O que deve ser dito! Grite comigo, me magoe, me machuque, diga que eu vou morrer! Diga que vai me deixar porque vou morrer! Dan! Por que está calado? Diga que eu vou morrer! Porque eu vou! Eu não quero, mas eu vou, então grite isso para mim! Eu preciso da sua voz me mergulhando na realidade... Grite! – Quem gritava era eu, em meio a um choro repleto de soluços e, pior, muito desespero.

 

            - Lana... – Ele balbuciou, quase inaudível. Em seguida, aproximou-se da cama daquele gélido quarto de hospital onde eu estava afundando meu desespero e, fitando o vazio, sentou-se. Encarei-o. Ele voltou seus olhos completamente marejados para mim. Olhamo-nos intensamente. Duas lágrimas escorreram ao mesmo tempo, mas nenhuma compartilhava o rosto em que a outra caía.

 

            - Diga... – Eu fechei meus olhos e lancei a cabeça para trás, esperando pelo momento em que ele obedeceria meu desejo. – Eu vou...

 

            - Shh...  Vamos viver esse amor. – Ele disse, contrariando todas as ideias da minha cabeça, falando tudo que eu jamais esperei ouvir naquele momento. – Você vai viver o nosso amor.

 

            Abri os olhos e o encarei. Seus olhos me fitavam, ainda marejados, porém, com um brilho que eu não tinha percebido antes.

 

            - Sim, Lana... Porque eu te amo... – Ele falou num tom mais baixo, como se estivesse segredando-me este fato.

 

            - De que adianta o homem que eu amo me amar também... Se eu morrerei tão em breve? De que adianta eu ter tudo pra ser feliz, se me faltará a vida? Eu quero seu amor, mas preciso de uma vida para vivê-lo.

 

            - Você tem uma vida...

 

            - Uma vida que vai acabar...

 

            - Vamos lutar contra isso... Vamos tentar... E amar até quando for possível...

 

            - Nada... Eu não quero isso. Quero você pra sempre, e não só por mais alguns meses, enquanto viver...

 

            - Nosso amor vai viver por toda uma eternidade, o que é que você está falando?

 

            - Dan... – Eu comecei a chorar, outra vez, assustada com todas as ideias recentes. Abracei-me a seu pescoço – Eu... – Tentei falar, mas fui envolta por seus braços fortes, seguros, que me acalantavam e me protegiam – Eu não quero te deixar... Eu... Não quero morrer...

 

            - Eu nunca vou deixar você, Lana...

 

            - Fique comigo até o fim...

 

            - Sempre estarei com você...

 

            - Sempre...? – Questionei a veracidade de sua promessa.

 

            - Sempre... Em qualquer tempo ou espaço... Porque eu te amo. Eu jamais vou te abandonar. Você é tudo pra mim. Não vou te deixar sozinha, não vou te deixar sofrer. Eu te amo, Lana, com todas as minhas forças. Daria minha vida para te proteger. Minha vida.

 

            Afastei meu rosto um pouco de seu peito, olhando em seus olhos.

 

            - Então prometa, Dan... Prometa que ficará comigo até o fim. Que, enquanto eu for viva, terei seu amor, seus abraços e seus beijos. Prometa que ficará vivo para isso – Brinquei com a realidade dos fatos, como se o doente fosse ele, e não eu. – Você fica...

 

            Numa fração de segundo, olhando nos olhos dele, poderia dizer que alguma ideia ocorreu-lhe. Porém, ele logo desfez a expressão, respondendo ao meu pedido de promessa.

 

            - Eu ficarei aqui, Lana. Vivo, feliz... Ficarei... – Ele assegurou-me, e, por um momento, senti-me feliz, tendo em mente a ideia de, ao menos, poder morrer ao lado de quem eu amava. – Ficarei, mas só se você puder ficar.

 

            Minha boca entreabriu-se com as palavras, acompanhando meu pensamento, que não acreditava que Dan pudesse fazer aquilo. Se eu não ficasse viva, bem e feliz... Dan também não ficaria? Ele morreria, ao menos por dentro, se eu morresse?

 

            - Te prometo que fico, se você ficar. Você promete? – Ele me perguntou, com o princípio de um sorriso forçado no canto dos lábios.

 

            - Eu não prometo nada... Eu não sou mais nada... Estou sumindo, desaparecendo... Quando puder me ver, prometo. Você não pode. Estou sumindo... Eu não vou ficar, Dan, mas você vai...

 

            Abracei-o, acabando com todas as suas possibilidades de responder àquilo. Ele me abraçou de volta, e nenhum de nós podia ver o rosto do outro. Ficamos apenas assim: abraçados, dois amantes unindo suas almas numa última prece, gerando esperança... Como numa pintura. Era isso que nós éramos: o quadro da mais pura e bela esperança.  Uma esperança que se transformava em fé. Mas era uma fé diferente. Era uma fé chamada amor.

 

 

 

“A doença que não cura é a que mais te machuca

Não continue carregando essa mancha

Não jogue fora sua razão de viver

Me dê a sua mão!

 

Será que algum dia eu vou te perder?

Pode soltar esse seu sorriso

Porque eu vou te proteger

 

Eu só transmito minha voz a você

E ainda dizem que o vento ajuda a te fazer ouvir...

 

Assim, eu vou te encontrar

 

A doença que não cura é a que mais te machuca

Você não está sorrindo, pois não gosta das pessoas

Não diga essas palavras tão duras

 

Tudo que ocorre, no futuro tem seu significado

Algum dia você entenderá completamente...”

 


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Notas finais do capítulo

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