Sora - Reaching For The Sky escrita por Assa-chan


Capítulo 2
Encontros




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Outubro do ano de 2293. Fortaleza 5-B.

Tanto as paredes daquele quarto como os móveis e os lençóis eram brancos. Os objetos que pairavam sem uma ordem precisa sobre a estante e a penteadeira era o que quebrava a monotonia. Por trás das persianas mal fechadas, uma luz resplendia, atrapalhando a garota a dormir. Acordou, mas não queria se levantar. Seus olhos se abriram, encontrando um teto pintado de azul como estes últimos. Espreguiçou-se ainda deitada, tentando jogar fora o ócio que tinha se apoderado dela junto ao sono.

Olhou para o lado, mas seus longos e cacheados cabelos a impediram de ver o relógio – também azul -, sobre o criado mudo branco. Sentou-se obrigada, ainda com a vista ofuscada demais para enxergar alguma coisa. Pegou o objeto em mãos, vendo o horário, acabando por cair da cama com um espanto. Estava com quase meia-hora de atraso para a escola. Abriu o guarda-roupa rapidamente, encontrando jogado sobre seus sapatos o uniforme escolar. O vestiu, em seguida olhou-se no espelho. Seus cabelos estavam rebeldes e embaraçados, o rosto inchado e a gravata torta. Sua pele era quase tão clara quanto a camisa social que trajava, e tanto a gravata azul como a saia de prega da mesma cor parecia combinar com a rara cor de seus brilhantes olhos.

Foi para o banheiro. Enquanto lavava seu rosto e escovava os dentes, encontrava um modo de se pentear. Dez minutos depois já estava do lado de fora de sua casa, com uma maçã numa mão e a mochila na outra. Começou a correr ainda comendo. Logo estava de frente para o prédio da escola, que com aquele ar cinzento e monótono, mais parecia uma agência de advogados. Subiu as escadas no mesmo ritmo, passando pela portaria sem nem se apresentar. Sua classe ficava no terceiro andar e as escadas eram muitas.

Abriu a porta já sem fôlego, deparando-se com olhos curiosos e uma professora totalmente desapontada. Entrou ainda ofegante, jogando sua mochila sobre a terceira mesa da primeira fila, que ficava encostada na parede.

- Perdão, senhorita Jhonson. – desculpou-se, entre um respiro profundo e outro – Mas ontem eu fui dormir mais tarde...

- Nada de desculpas, senhorita Greiner! – disse a mulher imperativa.

Ela aparentava ter mais de quarenta anos, cabelos num tom escuro de castanho, recolhidos em um coque sem nenhum fio fora de lugar. Aquela cor ficava em contraste com a saia e o tailleur grisalhos, da mesma forma que alguns fios da mesma cor pouco acima das orelhas descobertas. Ajustava os óculos compulsivamente, e a voz era fina e estressante, completando o quadro de professora-pesadelo.

– Este já é o terceiro atraso em uma semana! E olha que estamos ainda na quinta-feira! – continuou, aproximando-se da mesa da jovem garota. – Serei obrigada a contatar seu avô hoje à tarde.

- Mas...! – a Greiner tentou se defender, mas logo foi interrompida pela voz da mulher.

- Sem nenhum ‘mas’, Lucy! Você realmente me desapontou. – concluiu, voltando a explicar algo de matemático no quadro negro.

- Dessa vez você exagerou. – Uma garota que estava ao lado de Lucy comentou, sem tirar os olhos da explicação.

- Eu não estava conseguindo dormir, e o despertador desligou sozinho. – A pálida adolescente respondeu, com o mesmo comportamento – Meu avô vai me dar um presente. Eu desconfio que seja um shing, Samantha.

A ruiva olhou a colega de classe com espanto, mas Lucy ainda estava com postura de estudante modelo. – Ficou louca? – sussurrou, tentando não atrair a atenção da senhora Jhonson – Essa coisa que “shing” é uma mera lenda.

- Você vai ver. - terminou a conversa sem mais devaneios.

As cinco aulas seguintes passaram lentamente, e a cada dez minutos em média Lucy olhava para o relógio que ficava por cima do quadro negro. Mesmo estando no século XXIII, aquela classe aparentava ter se prendido ao passado, voltando a métodos antiquados como, obviamente, a lousa.

Qualquer economia de energia era bem-vinda, por vários motivos. O principal era que boa parte dela era utilizada para a iluminação das Cidades-Estado que eram denominadas “Fortalezas”. Eram 15 ao todo. Estas eram subdivididas em A, B e C. As Fortalezas “A” eram as menores, mas provavelmente as com mais importância. Nelas encontravam-se laboratórios repletos de cientistas prontos para achar novas fontes de energia e fábricas. Nas denominas “B” habitavam pessoas e se tinha o comércio. Nas últimas, mas não menos importantes, eram cultivados os vegetais e criados animais. Nada faltava e nada sobrava. Parecia um ciclo perfeito onde cada um tinha seu lugar.

Cada fortaleza podia suportar – levando em conta os três setores -, cerca de dez mil pessoas, mas nenhuma das cinco chegava a este número. Todas elas eram coligadas entre si por trens-bala movidos à energia nuclear.

A terceira guerra mundial teve conseqüências terríveis em toda a Terra. Ela começou em Dezembro do ano de 2020 e durou quinze insensatos anos. A China, que naquela época tinha conquistado o mercado mundial, foi atacada pela Coréia e pelo Japão, pois por motivos desconhecidos não queria comerciar com estes países. Mas aquela batalha começou a se afastar do Oriente, chegando até a Europa, que ainda sofria uma depressão enorme em sua economia. Países como Alemanha e Áustria, obrigados a lutar, pediram ajuda aos EUA, que ainda era tão fraca quanto os últimos. No fim da guerra, todos se sentiam perdedores e a guerra acabou somente com o Tratado de Moscou. Este decidia uma paz temporária entre os governos do afastado Oriente, sendo que deveriam comercializar com todos.

Cerca de cem anos depois, no final do século XXII, tendo a Terra aumentado sua temperatura em 6°C, as calotas polares derreteram completamente durante uma única semana, inundando boa parte da Europa do norte, Estados Unidos, Rússia, praticamente todo o Alasca, Japão, Itália e Canadá.

Perdendo grande parte da população, o hemisfério norte foi obrigado a situar o resto de seus habitantes pra baixo da linha do equador. A falta de alimentos e a quantidade exagerada de pessoas em um único lugar geraram vários conflitos entre Africanos e Europeus, Russos e asiáticos, Americanos e mexicanos. A água potável havia praticamente acabado, e começaram a refinar a água dos oceanos, que ficou com preços elevadíssimos.

A quarta guerra mundial – também chamada de “Apocalipse” - começou em fevereiro de 2201, durando cerca de seis anos. Por isso, morreram mais de três milhões de pessoas e as reservas naturais que foram disputadas entre Austrália, Marrocos e China, acabaram pertencendo a um país que nada tinha a ver com isto: O Japão. Mesmo que duas de suas principais Ilhas tenham sido inundadas, em pouco tempo este país tornou-se uma grande potência mundial, aumentando completamente o preço do petróleo e do gás.

A Coréia, após várias ameaças, acabou cedendo o território que tinha conquistado no sul da China para os nipônicos, onde se estabeleceu a ‘Nova Tóquio’. Os Estados Unidos, enquanto o oriente se destruía conseguiram retomar as forças, propondo num congresso no ano de 2207 em Nova Delhi, a possibilidade de retornar com o hemisfério norte através de duas bombas atômicas. Estas – explodindo no sul da Terra - afastariam o eixo em alguns centímetros, retomando o clima perdido e o buraco iria fazer com que a água não inundasse mais todos aqueles pontos do planeta. Muitos foram contra, mas a grande maioria aceitou o projeto que, em 2215, foi operado. A cientista Margaret Lacolm – que também compareceu ao congresso -, conseguiu juntar vários colegas para tentar remediar em algum modo às conseqüências daquelas bombas, pois tentar se opuser seria perda de tempo.

Em oito anos conseguiram construir várias “vilas” abaixo da Terra, juntando animais, mudas de vegetais e comidas não perecíveis para que os humanos pudessem continuar suas vidas no subsolo. Aquele foi um gesto desesperado, todavia... Acabou dando certo. As vilas pouco a pouco foram juntando-se, formando uma grande sociedade.

Lucy, que já não agüentava mais esperar, foi a primeira a sair da escola assim que o sinal tocou liberando os alunos. Ela ainda tinha que pegar o metrô para a fortaleza 4-A, mas a ansiedade era tanta que saiu correndo até a primeira estação que viu. As viagens eram de graça, a única coisa que pediam era o reconhecimento através do DNA, para saber se tal pessoa podia aderir a uma área ou não. Civis normalmente podiam freqüentar as fortalezas de ciência somente para trabalhar em fábricas, e o mesmo valia para os agricultores ou agropecuários. A Greiner, sendo neta de um dos principais cientistas de todo o setor A, tinha acesso a qualquer local dos mesmos, sem restrição.

Passando pelo controle em menos de dois minutos, entrou na estação procurando com os olhos os painéis com os números dos próximos trens. Naquele horário não eram muito utilizados, portanto teve de esperar alguns minutos até chegar um que a levasse até o destino desejado.

Enquanto esperava impaciente, batendo o pé direito contra o chão freneticamente, uma mulher alta e esbelta pôs-se ao seu lado. Lucy a olhou despistando e acabou se impressionando com a beleza que possuía. Seus cabelos eram lisos, curtos e loiros. Deveria ser ao menos vinte centímetros mais alta do que ela e usava óculos. O reflexo da luz do metrô contra as lentes impedia que a garota descobrisse qual era a cor dos olhos daquela misteriosa mulher. Como se não bastasse, usava um vestido negro até os joelhos, escondido por um casaco igual àquele que seu avô e seus subordinados usam em seus experimentos. Debaixo do braço direito carregava o jornal “Voz do Apocalipse” - que, aliás, era o único publicado - ainda lacrado por plástico.

- O que foi? – a mulher perguntou, olhando para baixo em direção à jovem estudante.

- N-Nada! – Lucy assustou-se com a pergunta, corando. Mesmo assim, não conseguia tirar a atenção daquela mulher, agora podendo ver a cor dos olhos dela: Castanhos.

Não que ela esperasse mais alguém com os olhos azuis. Entretanto uma pequena esperança tinha nascido dentro dela. Ela era a única pessoa que conhecia com aquela cor de olhos. “Azul celeste, como o céu!”, dizia sua mãe. Uma mãe que por algum motivo não via há mais de nove anos.

- Seus olhos são lindos. – a loira continuou, sorrindo. Naquele momento a Greiner percebeu outra característica interessante: O emblema da fábrica de seu avô; “Hades corporation.”

- Obrigada. – disse, sem responder ao sorriso – Você trabalha na Hades Cop?

- Ah, está tão na cara? – Ela tirou um lenço vermelho de dentro de um bolso do casaco, também tirando os óculos do rosto e limpando-os. – Nossa, ainda estou com esta roupa... – Bufou, olhando para baixo.

- Eu também estou indo para lá. – Lucy voltou a olhar para frente, vendo que o trem finalmente tinha chegado. A alta mulher recolocou os óculos e guardou o lenço imediatamente, segurando o jornal agora com a mão esquerda. Entraram no veículo juntas, sentando-se uma do lado da outra, com o resto do vagão vazio.

- Eu nem me apresentei. Me chamo Annalisa Bersezio, prazer. – falou, estendendo a mão. Logo a garota a apertou.

- Eu sou Lucy Greiner. – sorriu, pela primeira vez.

- Então, o que uma garotinha como você está indo fazer na 4-A? – Annalisa indagou, abrindo o plástico do jornal – Você ainda está no colegial, não é mesmo? Por acaso é um pequeno gênio?

- Meu avô é o dono da empresa em que você trabalha. – comentou, como se aquela pergunta fosse freqüente e a resposta repetitiva.

A loira calou-se rapidamente, prestando atenção no sobrenome “Greiner”. O presidente, realmente, só trabalhava com um grupo pré-escolhido de funcionários – ao qual ela não pertencia -, e nos congressos da fábrica costumava mandar um representante. Seu nome poucas vezes foi pronunciado, e o emblema da corporação nada tinha a ver com este.

- Desculpe. – a Bersezio tentou se desculpar, numa forma meio desajeitada. – Eu só estou trabalhando lá há dois anos. Praticamente participo dos projetos já feitos e testados, sendo uma simples funcionária de calão C.

- Sem problemas. – Lucy cruzou as pernas, olhando para o monitor que ficava bem de frente para as duas, que marcava cinco minutos até a chegada. – Meu avô não se pronuncia muito, mesmo!

A conversa sem querer terminou ali. Os minutos passavam rapidamente, enquanto Annalisa lia as monótonas notícias daquele lugar. Já para Lucy, o tempo parecia correr contra sua vontade, somente deixando-a ainda mais ansiosa.

As portas se abriram, e mesmo indo para o mesmo lugar, as duas acabaram se separado, pela pressa de Lucy e a calma de Annalisa.

Mas o que elas não sabiam, é que seus destinos ligar-se-iam mais do que nunca.


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Notas finais do capítulo

Gostaria que dissessem o que acham, onegai.
Aliás, mas de uma review cairia bem, né?
Se não nem fico com vontade de continuar. ._.