Kate demorou para dormir, lembrando dos momentos que passaram juntos naqueles anos em que a presença do outro tinha virado rotina. Kate não sabia definir se aquilo era uma parceria, uma amizade ou algo mais. Só sabia que havia se acostumado com ele sentado à sua frente, com aquele sorriso sempre sedutor, exaltando suas teorias malucas ou consolando-a quando o caso de sua mãe dava voltas e não chegava a lugar nenhum. Não importava a situação, ele estava com ela. Sempre.

Esposito: Bom dia.

Kate: Bom dia – ela disse meio desanimada, indo em direção à sua mesa.

Esposito: Chegou cedo.

Kate: Tenho muita coisa para fazer.

Kate sabia que era mentira. No fundo ela ainda tinha esperanças de que ele aparecesse ali, como Ryan havia sugerido. Talvez Castle não conseguisse viver sem aquelas aventuras, como ele chamava. Ou talvez ele tivesse mesmo procurado novas aventuras... Kate divagava em pensamentos quando ouviu seu nome. Era uma entrega dos correios. Ela recebeu a caixa e se sentou. Havia um envelope colado em cima, que ela abriu e começou a ler.

Kate,

Não posso deixar de agradecer todo o tempo em que você me aturou. Sei que algumas vezes te irritei, te provoquei e até mesmo te magoei. Me perdoe por ser assim. Você me ensinou muitas coisas nesses quatro anos de parceria (você não se importa de eu chamar assim, não é? Nós dois sabemos que nunca foi uma mera pesquisa), mas a mais importante delas foi a sua persistência. E é por causa dela que eu tenho certeza de que um dia você conseguirá as respostas que tanto procura. E eu espero, de todo o meu coração, que nesse dia você possa ser feliz. Você merece ser feliz.

Com carinho, Castle.

Kate sentiu os olhos marejados, mas segurou. Leu o bilhete mais duas vezes ainda. Por que ele fazia isso? Primeiro saía sem se despedir, depois mandava um bilhete que a fazia querer chorar. Quatro anos e Kate não conseguia entender aquele homem. Não sabia se ele era uma criança mimada que ela tinha que puxar a orelha, ou um homem maduro que ela queria amar. Castle tinha atitudes de ambos, e talvez fosse isso que o fazia tão irresistível.

Kate lembrou-se do embrulho, e o abriu. Se o bilhete lhe causara surpresa, o conteúdo do embrulho mais ainda. Kate tirou com cuidado um caderno com aspecto antigo. Na primeira página havia dois títulos riscados, e depois embaixo em letras maiúsculas “Flowers to your grave”.

Kate folheou. A letra de Castle havia preenchido o caderno todo. Capítulos inteiros estavam ali, com palavras escritas e depois riscadas, substituídas por outras, e até mesmo um desenho simulando a cena do crime. Kate sabia que Castle havia escrito “Flowers to your grave” ainda na faculdade.

“Você é maluco, Castle? Me dar um original seu?” – ela pensou, e um bilhete pregado com um clipe na capa do caderno respondia à sua indagação:

KB

Ele sempre irá me lembrar você.

RC.

Quatro anos – Kate pensou – Quatro anos ele tinha estado ali, bem à frente dela. Quatro anos a seduzindo, e pelos quatro anos ela fugiu. Agora era ele quem fugira dela.

Kate pegou o caderno e o bilhete, correu para o banheiro e chorou discretamente.

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Martha: Um bilhete?

Castle: Mãe...

Martha: Um bilhete, Richard? Você se despediu dela por um bilhete?

Castle: Você não entende...

Martha: Não entendo mesmo! O mínimo que você devia fazer era conversar com ela!

Castle: Eu não consigo, está bem? Eu não consigo olhar nos olhos dela e dizer adeus. Pensar já é dolorido demais.

Martha: Richard... fugir desse sentimento não vai adiantar...

Castle: Ela não me ama.

Martha: Você não sabe.

Castle: Eu sei sim. Se ela nunca disse nada esse tempo todo é porque nunca sentiu o mesmo que eu, e não queria atrapalhar a nossa amizade.

Martha: Só que você não quer continuar só na amizade... – Martha concluiu.

Castle: Não.

Castle tinha os olhos triste, e Martha podia jurar nunca ter visto o filho daquele jeito.

Castle: É difícil demais vê-la com outros homens.

Martha: E isso ia acontecer, mais cedo ou mais tarde.

Castle: É por isso que eu saí de lá. Você entende agora?

Martha: Sim, eu entendo. Mas ainda acho que você devia ter ao menos se despedido dela.

Castle: Eu me despedi da forma que encontrei.

Castle viajou em pensamentos e nem percebeu quando sua mãe deixou o escritório. Kate era algo tão presente em sua vida que parecia impossível simplesmente fingir que ela não existia mais. Castle precisava reaprender a viver sem pensar nela o tempo todo, e ele sabia que isso seria muito difícil. Teria que se esforçar, mas já sabia como começar.

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Lanie leu o bilhete por uma segunda vez, inacreditando. Era horário de almoço e Esposito e Ryan já haviam saído quando ela chegou. Veio correndo, atendendo ao pedido da amiga, que a tinha ligado com a voz embargada.

Lanie: Eu sinto muito, amiga.

Kate: Uma hora ele iria cansar, não é? A gente já sabia disso.

Lanie nunca tinha visto Kate tão triste.

Lanie: Kate, ele não cansou de você.

Kate: Você mesma disse que ele tinha cansado de esperar.

Lanie: Cansado de esperar talvez, mas não cansado de você.

Kate: É a mesma coisa.

Lanie: Não, não é.

Kate tirou o caderno da caixa e mostrou à Lanie.

Kate: E ainda me deu isso.

Lanie folheou o caderno boquiaberta. Ela sabia da importância daquele livro, afinal, fora por ele que Kate havia contatado Castle e toda a história deles havia começado.

Kate: Não sei porque ele me deu isso. Quer dizer, eu sei que tem um significado pra gente, marcou o início da nossa história, mas... ele é maluco. Um original de seus livros? Foi um dos seus primeiros livros, é o início de sua carreira, de sua história... ele não devia ter feito isso. Entregar uma coisa tão importante a uma pessoa qualquer.

Lanie: Ele ainda te ama.

Lanie falou ainda com os olhos no caderno, e Kate teve a impressão que a amiga nem ouvia o que ela falava.

Kate: Lanie... ele foi embora.

Lanie: Sim, porque ele te ama.

Kate: Depois de tudo que passamos ele nem teve a capacidade de se despedir de mim!

Lanie: Claro que ele não teve. Você não enxerga, Kate? Não é porque ele não se importa. É porque seria difícil demais!

Lanie encarou a amiga, que tinha lágrima nos olhos, mas enxugou.

Lanie: Kate... você deveria dizer o que sente.

Kate: E levar um “Não, você perdeu a sua chance”?

Lanie: Quem foi que disse que você vai levar um “não”?

Kate: Eu já venho levando... Ele já tem saído com outras, você sabe.

Lanie: Eu só sei de uma aeromoça que eu tenho certeza que ele usou para te fazer ciúme.

Kate encarou a amiga, mas não disse nada.

Lanie: Kate, me escuta. Ainda dá tempo. Liga pra ele, agradeça o presente e diz que sente falta, que vocês podiam se encontrar e...

Kate: Eu não vou fazer isso – ela interrompeu.

Lanie: Ah, claro. Seu orgulho não permite. Então ta, tudo bem, é a sua decisão. Mas saiba que todas as vezes em que você se perguntar “E se... eu tivesse falado... e se eu tivesse tentado... e se tivesse dado certo...” eu jogarei na sua cara que você não teve coragem.

Kate encarou a amiga, que estava brava. Lanie se levantou, guardou o livro na caixa e o bilhete também. Nesse mesmo momento Esposito e Ryan chegaram e se aproximaram delas.

Esposito: Lanie, que bom que está aqui. Tenho um convite para você.

Lanie: Nem vem que depois da última vez eu jurei que não saio com você nunca mais.

Ryan: O que aconteceu da última vez?

Esposito: O convite não é meu, querida.

Lanie o encarou.

Esposito abriu um envelope pardo e tirou vários convites de dentro.

Esposito: O correio deixou na recepção hoje mais cedo. São os convites da festa de lançamento de “Frozen Heat”, endereçados a cada um de nós.

Esposito falou e foi entregando.

Ryan: Uau, vai ser no hall do Palace? Você tem mesmo rendido dinheiro ao escritor, ham?

Kate deu um sorriso sem graça a Ryan.

Ryan: Jenny vai adorar.

Esposito: E eu também. Essas festas costumam ser cheias de modelos gatas.

Lanie: Até parece que alguma delas vai dar bola pra você.

Esposito: Não duvide do meu poder de sedução, Lanie.

Lanie: Não estou duvidando, estou constatando um fato.

Esposito: Pois eu te garanto que eu saio de lá com a mais gata da festa.

Lanie: To pagando pra ver.

Ryan: Eu quero entrar nessa também. E você, Kate? O que acha?

Kate: Oi? – ela desviou os olhos do convite.

Ryan: Espo consegue ou não sair de lá com uma modelo gata?

Kate: Se ela estiver bêbada o suficiente...

Esposito: Muito engraçado vocês. Pois se preparem para ver, eu vou provar na frente de vocês todos que Javier Esposito tem muito charme.

Ryan riu e Lanie revirou os olhos. Numa situação normal Kate faria alguma piada com aquilo, mas ela estava ainda abalada com tudo e apenas saiu da roda de amigos, indo em direção à sala do café. Lanie a seguiu.

Lanie: Se você estava procurando uma oportunidade, eis que ela surgiu.

Kate: Eu não vou à festa.

Lanie: Como não vai?

Kate: Espo tem razão. Essas festas são cheias de modelos e talvez eu não queira ver Castle com alguma delas. Ou... algumas.

Lanie: Lá vai você se esconder de novo. Quem foi que disse que ele vai sair de lá com alguma modelo? Que eu me lembre ele não fez isso nos últimos lançamentos.

Kate: Agora é diferente.

Lanie: É verdade, agora é diferente. Agora você vai dizer que o ama. E eu aposto que ele vai sair daquela festa é com você.

Kate: Lanie...

Lanie: Katherine Beckett, eu vou te levar a essa festa nem que seja a última coisa que eu faça na vida. Passo na sua casa hoje às 20h para irmos ao shopping procurar um vestido.

Lanie piscou para a amiga e saiu antes que ela pudesse argumentar algo em contrário.

Kate voltou para sua mesa e olhou para dentro da caixa mais uma vez, só que agora em cima do caderno havia um bilhete com a letra de Lanie:

Você não é e nunca foi uma pessoa qualquer ;)

Kate sorriu e foi tomada por um espírito de coragem. Castle já tinha se declarado uma vez, agora era a vez dela. Sim, ela podia fazer aquilo. E ela faria no lançamento de “Frozen Heat”.