Mais que o sol escrita por Ys Wanderer


Capítulo 22
Fogo


Notas iniciais do capítulo

Hello! Consegui postar mais rápido dessa vez e espero que gostem. E o título do capítulo tem tudo a ver com o que vai acontecer kkkk.
Boa leitura!



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Samantha

— Como isso é possível?

— Tem certeza que é real?

— Como aconteceu? Não posso acreditar...

As palavras incrédulas de Doc e Jeb ainda se repetiam em minha mente enquanto eu me perdia nos corredores escuros. Foi estranho lembrar a expressão de Jeb, espantada e boquiaberta ao invés de impassível como sempre. Acho que ver uma humana com olhos prateados, olhos que apareciam e desapareciam, era demais até para ele. Doc repetia as mesmas coisas como um disco arranhado e os dois mal respiravam me fitando como se eu fosse um fantasma.

— Como você conseguiu isso? — Jeb perguntara e eu não consegui responder nada concreto para ele. Na verdade eu mesma nunca soube o que havia acontecido comigo. Talvez eu fosse uma humana excepcional. Talvez eu tivesse algum defeito genético e estivesse faltando alguma coisa essencial no meu cérebro. Quem sabe fosse alguma espécie de mutação não identificada, ou talvez, simplesmente, a minha cabeça fosse tão perturbada ao ponto de nenhum outro ser além de mim conseguir viver dentro dela. Eu não sei a resposta e provavelmente nunca saberei. A única coisa que posso afirmar é que consegui o impossível.

Impossível em doze mundos conhecidos.

Minha cabeça fervilhava com a quantidade de coisas que tinham acontecido em tão pouco tempo e nada mais fazia sentido, se é que era possível. Sempre pensei que se um dia encontrasse outros humanos e eles soubessem da minha condição eu seria vista como uma espécie de esperança e recebida com sorrisos. No entanto, nessa sociedade completamente maluca, eu fui vista como errada por me tomar de volta, como se tivesse feito algo abominável.

Porém, a apunhalada mais dolorosa veio através das palavras de Cal, pois ele se preocupou apenas com o sofrimento da alma, mesmo depois de tudo que eu havia passado. Eu sabia que ele não era humano, mas sim um alienígena, e mesmo assim nutri sentimentos por ele, sentimentos que nunca havia nutrido por ninguém. No entanto, na primeira oportunidade Cal havia ficado ao lado dos seus e eu me senti traída e magoada. Provavelmente nunca mais seríamos amigos e isso partiu meu coração em milhares de pedaços. E por mais que eu quisesse negar, eu iria sentir sua falta.

Muito mesmo. Havia somente dor em toda parte.

Enfim, depois de me perder várias vezes, consegui acertar o caminho e adentrei meu quarto com o rosto banhado em lágrimas. Eu mal tive tempo de enxugá-lo quando meu irmão praticamente se jogou em cima de mim, ofegante e com um semblante muitíssimo preocupado.

— Graças a Deus! — Adam exclamou e me abraçou tão forte que fiquei sem fôlego. — O que diabos está acontecendo aqui nessa caverna? Eu estava no corredor quando Jared passou e me mandou esperar por você. Por que não posso falar com ninguém? — ele questionou rapidamente, ainda agarrado a mim.

— Adam, fique calmo — eu o tranquilizei. — Aconteceram coisas ruins, mas tudo será resolvido logo. Não se desespere.

— O que houve? — ele perguntou ainda assustado.

Contei tudo a ele, desde a captura de Nate e a incerteza de sua morte até o momento que saí do consultório de Doc decidida a partir. Adam escutou com atenção e não disse uma única palavra.

— Eu vou com você — ele anunciou quando acabei. — Já chega de você querer fazer tudo sozinha.

— Não, você não vai. Um humano lá fora é suicídio e as almas daqui serão descobertas assim que a alma em Nate puser os olhos nela. Eu sou uma humana como olhos de alma e Nate não sabe disso. Estarei segura.

— E enquanto isso eu faço o que, Sam?

— Você vai ajudar a manter todos quietos. E caso algo dê errado ajudar a levá-los para o nosso esconderijo.

— Mas você acabou de dizer que estará segura! — ele gritou.

— Sim, mas... Olha, apenas fique alerta e cuide de todos. Confie em mim. Quando foi que eu falhei com você?

— Nunca — ele respondeu já em lágrimas.

— Tenho esperança de que nada vai dar errado e em breve tudo isso vai acabar e poderei voltar para a floresta. Vai ficar tudo bem.

— Mas, Sam, por que ir embora mesmo se nada der errado? — Adam questionou. — Por que você quer ir? Eu não vou voltar com você, Sam. Vou ficar. Não posso mais viver daquele modo.

— Sei disso — eu proferi tristemente. — Mas precisarei ir embora por outros motivos quando tudo acabar. Não posso mais ficar aqui.

— Por causa das almas?

—Em parte sim — suspirei. — Você precisava ver a forma como todos me olharam... Ninguém foi capaz de entender que não fiz nada além de me manter viva. Eles se preocuparam apenas com a alma presa em mim. Ninguém se importa, Adam, aqui todos provavelmente prefeririam que eu tivesse sumido, principalmente a Peg e o Cal. Eu me iludi achando que aqui é o meu lugar. Mas... é o seu, então você pode ficar.

Adam então se aproximou de mim e me deu um abraço demorado. Desabei em seus ombros, chorando como nunca havia chorado, e ele ficou lá, esperando e passando a mão em meus cabelos até eu me acalmar.

— Sam, tente ver pelo lado das almas, tente entender como deve ser estranho isso. É confuso para o Cal da mesma forma que foi confuso para você ver a Grace e descobrir que na verdade era a Peg. E os outros já viveram tantas coisas, tantos eventos confusos e malucos que acabaram dizendo coisas que talvez não são o que você esperava. Fique calma, vamos resolver isso juntos. Agora eu vou buscar algo para você comer, ok? — ele disse e logo após saiu com a sua calma irritantemente natural, com o intuito de me deixar pensativa. Meu irmão sempre fazia isso comigo, dizia algo e depois ia embora.

“Tente ver pelo lado das almas”...

Como eu poderia fazer isso?

.

Comi o que Adam trouxe e depois fui me banhar. A água me fez lembrar o exato dia em que conheci Cal e me senti mal por ter sido uma pessoa tão ruim todo esse tempo. Mas a mágoa também me invadiu por ele ter se preocupado com a alma e não comigo. No entanto tinha tentado impedir-me de sair sozinha. O que raios ele queria?

Quando voltei ao quarto comecei a arrumar minhas coisas para partir. Em pouco tempo, todos estariam dormindo e aproveitaria o momento para que ninguém me visse saindo. Escondi a mochila embaixo de umas roupas quando alguém afastou as cortinas.

— Posso entrar? — a pessoa pediu da entrada do quarto e reconheci a voz. Eu queria evitar aqueles olhos azul-prateados, pois meu coração já estava demasiadamente ferido. Adam, que estava me ajudando, saiu do aposento sem dizer nada.

— O que quer, Cal?

— Saber como você está — ele entrou vagarosamente.

— Estou bem — respondi de costas.

— Eu sinto muito pelo que te disse — ele falou se colocando frente a mim, mas eu continuei a fitar o chão. Cal então pegou em meu queixo carinhosamente e ergueu a minha cabeça, me fazendo olhar para ele. — Na verdade eu escolhi mal as palavras. Não pense que eu não me importo com você, Sam, porque eu me importo. Muito. Mais do que você imagina.

Quis sentir raiva dele, mas não consegui. Meu coração se aquecia todas as vezes que eu olhava para ele e tê-lo ali tão perto de mim fez com que todas as minhas defesas ficassem trincadas.

Seu amigo havia se matado na sua frente e eu tinha enchido a cabeça dele com esperanças vagas. Nate poderia estar vivo, sendo preparado para uma inserção, como também poderia estar morto nesse exato momento. Contudo, mesmo assim Cal estava na minha frente se desculpando e com isso fez eu me sentir a pior pessoa do mundo. Revivi o que tinha pensado nas últimas horas e ao fitá-lo percebi que havia sido injusta. Eu era campeã em fazer isso.

— Não precisa se preocupar — proferi desviando o olhar para um ponto distante e desconexo.

— Preciso me preocupar sim. Sam, agora eu te entendo mais do que nunca, entendo como deve ter sido difícil para você passar por toda essa... situação. E agora que eu tenho tudo isso — ele segurou meu rosto mais firmemente, mas manteve a mão livre atrás das costas — sei que é algo muito precioso para ser perdido.

— Cal... é a pior coisa do mundo você de repente acordar e perceber que não passa de um sopro de consciência na sua própria mente. Eu não tive culpa do que aconteceu a todos e nem tive como evitar as consequências. Eu nem mesmo sei o que fiz, então sinceramente acho que não mereço...

— Eu sei — ele suspirou. — Me desculpe por não ter dito a coisa certa.

— Tudo bem — suavizei. — Eu também te entendo, pois vocês só sentiram o mesmo que nós humanos sentimos em relação à supressão, só que agora de um ângulo diferente.

— Sim... — ele suspirou e tirou a mão do meu rosto. Foi estranha a sensação de vazio que isso me causou. — Eu fiquei abalado, não vou mentir. Mas sinceramente, apesar de tudo, me sinto extremamente feliz por você ter sido forte. Afinal, se você não tivesse sido forte eu jamais teria te conhecido.

O que responder a ele depois de ouvir isso? Os sentimentos eram tão duros, tão ambíguos que eu fiquei sem saber o que dizer por um momento. Havia sinceridade em suas palavras, eu podia sentir, por isso acabei esboçando um sorriso.

— Então pode se considerar um cara sem sorte. Me conhecer não é algo tão prazeroso assim — retruquei e ele sorriu também. Cal então retirou a mão que estava escondida atrás de suas costas e revelou que segurava um vaso bem pequenininho.

— O que faz com isso? — apontei para o objeto minúsculo.

— Você já está aqui há meses... Adam me disse uma vez que você queria ir embora porque sente falta do verde e das plantas. Por isso eu estou querendo te entregar isso há algumas semanas.

— Um cacto?

— É, um cacto — ele riu e fiquei feliz ao vê-lo um pouco melhor. — Pelo menos é verde.

— Você tem cada uma — proferi acanhada pela gentileza fora de hora e também sorri. Nós então ficamos nos olhando por um tempo sem nada para dizer e a expressão de Cal foi ficando triste novamente.

— Por favor, não vá embora — ele suplicou. — Fique aqui conosco. Comigo.

— Eu... eu não posso.

— Por quê? — ele perguntou colocando o vaso em cima de uma bancada.

Porque estou apaixonada por você — eu pensei, mas não disse. Apenas fechei os olhos.

— Sam...

— Cal, uma planta não vai me fazer ficar aqui — eu respondi.

— Eu sei disso — ele disse se aproximando de mim e colocando as duas mãos na minha cintura. — Mas talvez você fique por outro motivo — Cal proferiu antes de me empurrar contra a parede e colar sua boca na minha.

As sensações que me invadiram no momento foram tão intensas que não entendi como consegui me manter de pé. Eu estava surpresa por ele ter tomado uma atitude tão ousada para uma alma, mas naquele momento ele era um homem e sabia muito bem o que estava fazendo. Suas mãos apertaram ávidas a minha cintura e ele usou o seu corpo para me prender contra a parede. Era impossível sair dali.

Mas nem que pudesse sair, eu não sairia. Eu mais do que nunca queria ficar entre os seus braços.

Não me importei com mais nada naquele momento, apenas com os lábios dele se movimentando junto com os meus e com o seu cheiro invadindo meus sentidos e acelerando o meu coração. Era só um beijo, mas esse gesto fora capaz de colocar para fora todos os desejos guardados, todos os sentimentos que eu havia escondido dentro de mim.

Pus as minhas mãos em torno do seu pescoço e me entreguei completamente, sua respiração se misturando a minha, meu corpo perdendo todo o controle que eu tinha sobre ele. Mordi o seu lábio inferior e ele correspondeu subindo as suas mãos, infiltrando-as pela minha blusa e passando-as pelas minhas costas, o que me fez arquejar com o toque de seus dedos sobre a minha pele. Cal era o próprio fogo e naquele momento estávamos incendiando juntos, seu calor derretendo todo o gelo que me moldava por dentro.

— Eu tenho muito medo de que algo aconteça a você, Sam. Eu comecei a viver no dia que te conheci, no dia que te toquei pela primeira vez. Eu soube o que era ser alguém no dia que você sorriu para mim e confiou nas minhas palavras — ele sussurrou de olhos fechados antes de me beijar novamente.

Aquelas palavras destruíram o que restava do muro que me protegia dos sentimentos e eu senti todo o amor que havia sido cultivado durante meses e sem a minha permissão surgindo e fluindo para dentro de mim.

— Cal, por favor — eu me afastei o suficiente apenas para poder respirar. — Eu ainda nem sei o que sinto — menti. Na verdade eu sabia muito bem o que estava sentido, porém, estava com muito medo de tudo isso, com medo de dar nome e dizê-lo em voz alta. — Eu só sei dizer que sinto algo forte por você. Mas agora...

— Eu sou paciente — ele respondeu com a testa colada na minha. — Esperei três mil anos para te conhecer e não me importo de esperar um pouco mais.

— Eu preciso ir atrás de Nate — falei porque não fazia ideia do que responder a ele. Eu estava apaixonada, ferida e confusa. Eu, uma humana, e Cal, uma alma. Nada mais fazia sentido. Eu repudiava as almas lá fora, no entanto estava sentindo coisas muito impróprias por uma delas no momento.

— Eu vou com você — ele respondeu com nossos corpos ainda colados. — E não estou te pedindo isso, estou te comunicando. Vou pegar uns remédios e te vejo em uma hora.

Cal então saiu me deixando completamente atordoada. Tentei pensar em algo racional, mas meu cérebro resolveu desaparecer e no momento eu só conseguia sentir meu coração e seu ritmo acelerado. Os lugares onde ele havia me tocado ainda ardiam e toquei meus lábios tentando assimilar o que tinha acabado de acontecer.

Meu Deus. Eu estou perdida.

.

— Sam, você está bem? — Adam irrompeu quarto adentro algum tempo depois, acabando com minha distração. Havia muito tempo que Cal havia saído, mas eu ainda estava parada e atordoada, tentando assimilar o que havia acontecido nos últimos dias.

— Sim, estou — respondi pegando a minha mochila.

— Você já vai sair?

— Sim, Adam, eu preciso ir o quanto antes.

— Agora? Mas você nem descansou — protestou. — Droga, não gosto de imaginar o que pode te acontecer sozinha. Eu não quero que você se arrisque.

— Eu não vou sozinha, Cal vai comigo. Fique tranquilo que eu volto antes mesmo de você sentir saudade, ok? — tranquilizei meu irmão e ele ficou visivelmente mais aliviado. — Agora nos deseje sorte — falei e o puxei para que ficássemos numa altura a qual eu pudesse beijar sua testa.

— Boa sorte. Eu te amo irmã.

— Também — respondi.

— E a velha Samantha ainda não consegue dizer “eu te amo” para ninguém mesmo no fim do mundo — ele fez aspas com os dedos e sorrimos. — Se cuida — Adam me abraçou e desejei que tudo pudesse dar certo, por ele e por todos. Eu morreria se isso fosse necessário para mantê-lo vivo.

— Eu vou ficar bem. Todo mundo sabe que eu não sou muito fã da ideia de morrer — disse e o abracei novamente. Eu então me esgueirei pelos corredores escuros e o deixei, rezando para que logo tudo não passasse de um pesadelo ruim. Lembrei que Jeb havia me dito em segredo para trazer Nate de volta e que confiava a vida de todos a mim, e eu não o decepcionaria. Cheguei à entrada da caverna e Cal já me esperava. Foi difícil agir naturalmente depois do que havia acontecido, por isso respirei fundo várias vezes até me aproximar.

— Você demorou, Sam.

— Eu estava me despedindo de Adam. Agora podemos ir. Cal... — eu parei um pouco, receosa com efeitos que minhas palavras causariam — esteja preparado para tudo. Você sabe que podemos voltar com ele ou apenas com uma notícia ruim.

— Por isso estou indo com você, não posso ficar com essa dúvida para sempre.

Eu não disse nada e andamos por bastante tempo até ele falar novamente.

— Olha, Sam... queria que soubesse que me preocupo com você de verdade. E a Peg também. Ela só achou que..

— Sei disso, Cal, sei que vocês se preocupam comigo e que só estavam assustados. É por isso que quando tudo isso acabar eu vou libertá-la.

— A alma?

— Sim.

— Sam, não é necessário se você não quiser. Isso te mantém segura.

— Mesmo assim, acho que é o correto a fazer. Se Peg foi capaz de fazer para libertar Melanie, mesmo que isso lhe custasse a vida, eu posso fazê-lo para me libertar. Acho que não aguento mais conviver com isso.

— Isso é muito nobre.

— Isso é o certo, Cal. E farei isso por você também.

Ao chegarmos à caverna que servia de abrigo para os veículos, Cal pegou o mais discreto de todos, todo cuidado agora era pouco. Mas antes de partimos ainda havia coisas mal resolvidas.

— Cal, o maior perigo que podemos enfrentar é se dermos de cara com aquele buscador. Se ele te reconhecer teremos problemas.

— Não se preocupe, Sam. Vai dar tudo certo, tenha confiança.

Ele então pegou na minha mão e naquele instante eu senti que realmente tudo seria relativamente mais simples. Balancei a cabeça confirmando e Cal deu a partida do carro. Rezei para que trouxéssemos boas notícias e que no final tudo pudesse se ajeitar.

E isso incluía a nós dois.


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Notas finais do capítulo

Bom, galera, queria agradecer a todos que leram e aos que comentaram no último capítulo, vcs são um amor! E eu queria pedir, por gentileza, que os fantasminhas possam aparecer, pois eu preciso saber se vocês estão gostando ou não e o que acham da fic. Falar com vocês é a única forma que tenho de me avaliar.
Enfim, valeu e até a próxima!



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