Mais que o sol escrita por Ys Wanderer


Capítulo 23
Castigo


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente! Então, estou tentando ir mais rápido dessa vez. Gostaria de pedir aos fantasminhas que aparecessem enquanto ainda há tempo, eu gostaria muito de saber quem anda lendo a minha fic kkkkkk.
Enfim, boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/554998/chapter/23

Samantha

Sam, chegamos! — a voz de firme de Cal me acordou e ao abrir lentamente os olhos percebi que o sol já estava baixo, provavelmente perto do crepúsculo. Minhas costas doíam por causa do banco do carro e eu não reconheci onde estávamos, a cidade parecia ser grande demais e com muitos prédios altos. Por sorte tudo estava vazio nos arredores, pois senti a mesma sensação que deveria ser sentida quando se está trancado em um lugar fechado, a agonia me fazendo perder o ar e acelerar a respiração. Fique calma — ele afirmou quando viu o meu estado. — Espero que não seja tão ruim quanto na última vez — Cal falou agora para si mesmo, tentando se reconfortar.

A última vez tinha sido há poucos dias e não estávamos passando por toda essa revolução. Como as coisas podem sair dos eixos em tão pouco tempo?

— Por que paramos aqui? — questionei olhando de um lado para o outro. Estávamos no que parecia ser o estacionamento de um hotel não tão pequeno.

— Olhe para nós. Parecemos fazer parte da civilização?

Realmente estávamos em pedaços, com uma aparência completamente perdida. Lembrei que a última vez que havíamos dormido em uma cama fora num hotel logo após a captura de Nate, mas aquelas poucas horas nem poderiam ser consideradas. Nós havíamos fugido durante a madrugada e dirigido feito loucos para voltar às cavernas, e após falarmos com os outros tínhamos retornado para fora na mesma noite, sem descanso. Tudo isso estava refletido nas profundas olheiras abaixo dos meus olhos e meus músculos mal tinham forças para carregar minha mochila. Porém, Cal parecia estar mil vezes pior do que eu, a incerteza da morte de seu melhor amigo era esmagadora.

— Sei que estamos mal, mas eu não vou entrar em um hotel novamente, Cal.

— Fique tranquila, esta nem é a cidade onde tudo aconteceu. Precisamos primeiro descansar e formar um plano. Ou você pretende que entremos numa instalação de cura sujos do jeito que estamos perguntando se Nate está vivo ou morto? — ele foi mudando o tom de voz ao longo do que dizia, de cansado para zangado. — Nem sabemos o que fazer ainda.

— Sei disso. Mas aquele buscador te conhece e pode ter alertado a todos. E se eles estiverem procurando por você? — questionei.

— Não é como no mundo dos humanos, não temos prisão ou procurados. Eles provavelmente nem desconfiam que voltaremos lá.

— Cal... — criei coragem para me aproximar um pouco dele —, eu não tenho medo por mim, mas por Adam, eu não suportaria vê-lo tomado mais uma vez. Você não faz ideia do que foi saber que ele não estava mais lá e que tinha morrido. Quando fiz a alma... — parei de falar e Cal me entendeu, por isso fiquei em silêncio um tempo. Ele então me olhou de forma branda e pude continuar — Adam demorou sete dias para acordar. Prefiro morrer a passar por isso novamente. Se também formos pegos não haverá chance.

Eu não me orgulhava de como tinha feito a alma em Adam ser retirada, pois para isso eu tinha inventado uma história e no final acabado com a vida de um curandeiro. Fiquei com medo de Cal perguntar como eu havia conseguido libertar meu irmão, pois eu não saberia como contar para ele. Se antes eu me culpava por cada alma que eu havia precisado... contornar, depois de conhecê-lo lembrar de cada uma delas parecia insuportável. Tentei segurar as lágrimas, mas a nova Samantha não era tão forte quanto antes.

Chorei de culpa, de medo e de dor, uma mistura indefinida de todas essas coisas.

— Ei — ele disse me abraçando e passando a mão repetidas vezes pelos meus cabelos —, tudo bem, já passou. Eu prometo que nada de mal vai acontecer conosco. Confie em mim.

Eu estava cansada de fugir e principalmente de fingir ser forte, e precisava pôr pra fora todas as coisas presas há tanto tempo. Fora Adam, fazia uns seis anos que eu não era abraçada por outra pessoa e a sensação me pareceu ao mesmo tempo acolhedora e assustadora. Repensei toda a minha vida e a jornada até aquele exato momento e voltei a chorar, as lágrimas agora se transformando em soluços altos. Nós ficamos ali naquele espaço apertado do carro por um bom tempo e Cal me amparou até minha lágrimas secarem.

— Me desculpe. Eu era quem devia estar te confortando — falei depois de um tempo. Seus braços estavam ao redor do meu corpo e que desejei que não fosse necessário sair dali.

— Tudo bem — ele acariciou o meu rosto. — Sei que apesar dessa nova realidade, dessa “aceitação” que tivemos que aprender, nós, humanos e almas, ainda temos feridas que precisam ser cicatrizadas. Mas o tempo vai nos ajudar, Sam, e quem sabe um dia a gente não precise mais se esconder.

— Você acredita mesmo nisso? — perguntei olhando em seus olhos. — Que um dia eu e você seremos livres?

— Eu e você não — ele disse encostando a testa na minha. — Mas eu acredito que algum dia uma alma e um humano poderão dividir o mundo sem temer um ao outro. E, quem sabe, poderão até...

— Ficar juntos — eu completei e ele sorriu. Eu estava apavorada, mas aquele pequeno instante de calmaria foi o suficiente para renovar as minhas forças. Então, antes mesmo que eu pensasse, nós estávamos nos beijando novamente. Não tão intensamente como havia sido nas cavernas, mas forte o suficiente para me fazer entender que agora havia muito mais a perder. Perguntei a mim mesma como era possível isso estar acontecendo, humanos e almas se unindo.

Lutando.

Agradeci silenciosamente por Cal ter vindo comigo, pois eu não sabia onde estava com a cabeça quando tive a ideia de vir sozinha. Do jeito que eu estava acabaria colocando os pés por entre as mãos e fazendo a coisa errada e, do jeito que as coisas andavam, me parecer com uma alma não era mais garantia de segurança. Cal era a calmaria que eu precisava em meio a toda essa tempestade, o pilar que me sustentaria até tudo passar.

E eu não deixaria que nada tirasse de mim aqueles que eu havia aprendido a amar, fossem eles humanos ou não.

.

— O que você pretende fazer? — ele perguntou enquanto eu fechava as cortinas do quarto. Não que isso garantisse a segurança, mas velhos hábitos sempre permanecem.

— Perguntar. Uma captura como essa provavelmente gerou histórias e elas nos dirão o que houve com Nate — eu então pausei e o olhei nos olhos. — Se ele estiver realmente morto, eu peço que me perdoe.

Eu tinha que dizer isso, pois imaginei como seria se tudo isso fosse em vão e Nate agora fosse apenas uma lembrança. Mas eu não podia viver com a insegurança de que a qualquer momento buscadores batessem a nossa porta e levassem todas aquelas pessoas, levassem Adam. Era um pensamento egoísta, humano, no entanto eu também estava fazendo isso por Cal. Ele merecia saber a verdade e ter a chance de salvar seu amigo, pois se não fosse por Nate provavelmente nós dois não estaríamos ali.

— Não precisa pedir perdão — ele respondeu baixinho. — Eu tenho plena certeza que acabaria voltando para tirar essa dúvida também. Nate é meu melhor amigo e a razão para eu estar aqui com você — Cal falou ainda mais baixo e me surpreendi por ele dizer palavras iguais a que eu havia pensado.

— Vamos descansar então, temos até amanhã para isso. Depois voltaremos até o lugar onde tudo aconteceu. Estamos longe? — eu quis saber, pois não estávamos na mesma cidade.

— Não muito. Chegamos lá em cerca de três hora de carro.

Tentei de todas as formas me acalmar e acreditar em suas palavras, acreditar que não havia chance de estarmos sendo procurados. Dali para a frente só nos restava ter fé e torcer para que as coisas caminhassem de modo a no final cada momento ruim não passar de lembranças obscuras.

Quando saí do banho Cal já dormia profundamente, suas respiração estava descompassada e ele parecia inquieto. Observei-o com calma e pensei em toda a trajetória que havia me colocado ali, até aquele exato momento. O que eu estaria fazendo se nada tivesse mudado?

Provavelmente estaria em algum lugar isolado, olhando as estrelas e sentindo saudades de tudo. Estaria contando histórias sobre os humanos a Adam, falando sobre coisas as quais nossos pais gostavam ou simplesmente estaríamos enlouquecendo juntos. Então, drasticamente nós havíamos encontrado outros humanos e o que era para ser uma visita acabou se tornando uma lar. Quanto tempo fazia desde que tínhamos deixado a floresta? Meses já haviam passado... quantos eu acho que nem conseguiria contar. A vida agora não tinha mais essa urgência em cronometrar o tempo.

Cal ressonou baixinho, me fazendo prestar atenção nele novamente, e suspirei bem devagar, tentando digerir os últimos dias. A confirmação de que eu tinha sentimentos por ele se dava toda vez que ele falava comigo ou me tocava, pois esses eram os raros momentos que me faziam sentir-me viva. Uma alma, quem diria. Que espécie de castigo era esse? Lembrei então de uma conversa que eu havia tido há algumas semanas com Ian, enquanto fazíamos pão na cozinha.

Ian amassava o pão com delicadeza, algo que não combinava com ele. A cena parecia fora da realidade, como se um elefante estivesse vestido de bailarina. Comecei a rir dele.

— O que foi? — ele perguntou. Havia farinha nas suas roupas e no seu rosto.

—Nada — eu menti. — Senti vontade de rir apenas.

— Isso é raro, já que você está sempre com uma carranca — Ian falou e eu joguei um pouco de farinha nele.

—Por favor, não sujem a cozinha! — Sunny exclamou exasperada e me admirei ao ouvir sua voz em notas tão altas.

— Me desculpe, Sunny — Ian se desculpou. Ele então me olhou divertido até que eu também cedesse.

— Me desculpe — eu o imitei e a alma sorriu docemente. Ela então saiu, quase saltitante, e eu revirei os olhos. — Satisfeito?

— Ser um pouco mais educada e sociável não dói — ele riu.

— Acho que as almas fosse um pouco mais agressivas eu teria mais respeito. Como perdemos o mundo para essas criaturinhas hippies?

— Para você ver que nem tudo é como a gente imagina, Sam. Quando criança eu imaginava que o fim do mundo seria hostil, com a terra se transformando num lugar árido ou todos sendo comidos por zumbis transformados através de algum vírus mortal. E, se caso fosse aliens, eles também nos comeriam — Ian disse sério e eu não segurei o riso. — Então fomos pegos de surpresa por algo que jamais imaginaríamos sequer ser verdade... — ele parou um pouco e ficou pensativo, mas não havia raiva em seus olhos.

— Como foi para você? Quando descobriu o que havia? — eu perguntei.

— Ah, sei lá. Acho que senti de tudo um pouco. Eu fiquei com tanta raiva das almas que acabei fazendo muita besteira. Fico feliz que Peg tenha me perdoado.

— Como você se apaixonou por ela? Isso me parece tão surreal — quis sanar minha curiosidade e aproveitei o momento.

— Isso eu não posso explicar. Se eu tivesse me apaixonado por uma garota humana teria sido do mesmo jeito. Só sei que... aconteceu.

— E a Melanie? Você não se importou com a troca de corpos?

— Claro que não — Ian abanou as mãos como se eu tivesse dito uma enorme bobagem. — Eu amo a Peg. Jamais ia querer um corpo sem ela.

Eu fiquei pensativa com a sua resposta. Ele amava a criaturinha diminuta, a alma prateada, e não se importou com a troca de hospedeiras. Lembrei da premissa “beleza interior” e esta nunca me pareceu tão verdadeira nesse caso.

— Você então nunca se importou com o corpo — eu conclui. — Mas e Kyle? Como foi para ele?

— Nesse caso foi mais doloroso, Sam. Basicamente o que você passou com a Grace — eu recuei ao nome dela. — Desculpe-me, Sam, eu não...

— Tudo bem — cortei. — Sem problemas. Então? — disse para fazê-lo continuar.

— Kyle queria a Jodi, mas como ela não acordou ele mandou reinserir a Sunny. Kyle não suportaria ver o corpo dela morrer, então fez isso mais por egoísmo mesmo. Mas como o tempo ele aprendeu a separar as duas e agora está apaixonada por ela. Pela alma. Embora o corpo seja o mesmo as duas são diferentes e o amor que ele aprendeu a cultivar também.

— Isso porque ele odeia almas — eu gracejei e Ian riu alto. — E você também, pelo que me contaram.

— Não odeio mais, acho que fizemos por merecer esse destino. E mesmo sendo quem somos elas aprenderam a viver conosco, perdoando nossas fraquezas e nos aceitando. Agradeço a Deus todo dia por não termos conseguido fazer mal a Peg no início.

— Com assim?

— Eu tentei matá-la. E Kyle também. E estivemos muito próximos de ter conseguido — Ian foi diminuindo o volume de sua voz, como se o fato de lembrar disso fosse algo muito doloroso. Ele então se recompôs — é como aquela velha história sobre carma: tudo tem volta, principalmente para aqueles que são mais teimosos. Acho que é uma espécie de castigo, uma brincadeira do destino: tente matar uma alma e inevitavelmente você se apaixonará por uma.

“Tente matar uma alma e inevitavelmente você se apaixonará por uma.”

“Inevitavelmente você se apaixonará.”

Se essa teoria estivesse correta, mais uma vez isso estaria acontecendo. Mas no meu caso era diferente do que os irmãos O’Shea haviam vivido. Eu não havia conhecio Cal em outro corpo, como Ian e Peg, muito menos havia conhecido o seu hospedeiro, como Kyle e Sunny. Fitei o corpo humano, de braços fortes e cabelos ruivos e cheguei a conclusão de que gostava dele, gostava até demais. No entanto, se talvez eu tivesse conhecido apenas o humano ruivo, cujo o nome eu não sabia, provavelmente não iria ser a mesma coisa. Eu queria as duas coisas juntas, o pacote completo. Para mim era impossível separar.

.

Rolei em minha cama por um bom tempo, mas apesar de exausta o sono simplesmente havia fugido de mim. Levantei diversas vezes para verificar a janela, com medo de estarmos sendo perseguidos e sermos encurralados.

— Você ainda não dormiu? — Cal perguntou quando me viu sentada em minha cama com os olhos mais fundos do que antes.

— Impossível — eu respondi com a voz engrolada. Sinto com se fosse ser atacada a qualquer instante. Por dentro e por fora — pensei.

— Venha para cá, você precisa dormir. Deixa que eu vigio — ele ofereceu um espaço ao seu lado no colchão e hesitei. E embora eu soubesse que havia algo indefinido entre nós esse seu pedido havia sido inocente e sem interesses. Pensei bem e cheguei a conclusão de que se eu não dormisse não adiantaria de nada ter saído das cavernas com tanta pressa, qualquer alma que olhasse para mim veria que eu não pertencia àquela realidade.

Joguei todos os meus pensamentos tortos para longe e aceitei o convite. Cal não fez nada, apenas ficou me olhando enquanto eu me acomodava, como se estivesse com receio de me tocar. Eu sabia que ele estava me protegendo e pela primeira vez em anos pude sentir novamente como era essa sensação de segurança. Percebi que já era a terceira vez que dormiríamos juntos e quando seus braços me rodearam tive certeza de que eu gostaria de sentir essa sensação mais vezes. Torci para que no dia seguinte tudo em nossas vidas se normalizassem, seja com Nate morto ou vivo.

No entanto, a minha vida jamais seria a mesma depois daquele dia.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Bom, pessoal, por hoje é só, mas farei o possível para postar outro ainda essa semana. Agradeço a quem leu e, por favor, não esqueça de comentar kkkk.
Bjos, hosters



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Mais que o sol" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.