Carson City, Nevada. Dias atuais
No quarto desarrumado da Bandley Road, um despertador era arremessado contra a parede por uma jovem já atrasada para uma das reuniões mais importantes de sua vida. Clarence abriu caminho até o armário, chutando as pilhas de roupa suja e papéis amassados. Antes que pudesse abrir o móvel, sua porta foi socada violentamente pela sua ''mãe'' adotiva.
– Eu ainda não estou surda, sua atrevida! Pare já de destruir minha propriedade!– Brandou ela no corredor sendo ignorada em seguida. Claire prendeu seu cabelo em um coque, se aproximando das últimas imagens que tinha de Gustine, o belo rosto, os cabelos negros. Mas não tinha os olhos dela, os seus olhos eram a cópia dos de um desconhecido.
De uma pilha desordenada, ela retirou sua camisa dos Smiths, machada diversas vezes nos últimos anos por tinta de parede, óleo de motor e molho apimentado. A única coisa que não se perdia naquela confusão era sua mochila, mais pesada do que qualquer bolsa feminina, com seus equipamentos, cadernos, anotações.

Tinha conseguido seu primeiro emprego de verdade há poucos meses, e era o raio de sol que faltava. Foram necessários alguns dias pesquisando classificados de todos os jornais da cidade até encontrar um apartamento de quatro cômodos na parte leste de Carson. Tinha um emprego, tinha seu prórprio dinheiro e só queria dar adeus a vida que levava nos últimos seis anos.
Clarence tinha sido vítima do sistema de adoção, vítima por que não havia como considerar agraciado alguém que foi criado por Imogen e Michael Johnson. Ela tinha quinze anos quando a mãe caiu doente, poucos meses depois ela morreria e Clarence seria entregue a uma família ''especializada''. Em troca de acolherem a menina, os Johnson recebiam uma pensão do governo que deveria garantir a boa criação dela.

Mas esses anos não poderiam ter sido piores. Claire afastou as lembranças enquanto lavava o rosto, vestia seu casaco de lã azul e saía. Um dia mais e ela se mudaria, a maioria das suas coisas já estava empacotada. O hall encardido estava vazio quando ela alcançou a maçaneta da porta da frente e seguiu pulando os degraus da velha varanda.
Em menos de uma hora ela estaria na frente da vice-reitora da universidade local para falar do TINE, um gerador termoelétrico que já era considerado uma obra-prima. Mas, as anotações na mochila não eram sobre o gerador, em sua grande maioria, diziam respeito a um sistema android tão perfeito que poderia ser encarregado de qualquer coisa. Clarence pensou nisso enquanto sacudia no ônibus em direção a parte rica da cidade, sabia que não teria chance de desenvolver esse projeto, já se dava por satisfeita de ter ganho recursos para dar vida ao TINE.
Passou pelo saguão da Universidade, acabando de engolir uma barra de cereal.
– Olá, Oliver, dormindo de novo?– Gritou para o recepcionista distraído e com os pés apoiados na mesa, que reagiu com um pulo.
– Bom dia pra você também Srta. Hummels.– Retrucou.
Dois minutos depois ela estava parada na sala da vice-reitora. A Sra. Weinne não conseguia esconder a felicidade de ter Claire como aluna. No último ano, a menina tinha sido aprovada em cinco das maiores universidades do país, e escolheu a Western Nevada College, não por amor a sua cidade, mas por falta de recursos financeiros para sair dali.

Claire manteve sua atenção na Sra. Weinne e em seu discurso sobre a feira universitária em Reno, e sobre como o TINE tinha ganhado destaque. Vez ou outra misturava as palavras da docente, uma mecha do seu cabelo lhe caindo sobre a testa já era suficiente.
– Então, Srta. Hummels, acha que pode montar uma apresentação escrita do seu projeto para a feira? E claro, viajar até Reno para uma palestra.– Disse, mal contendo o sorriso.
– É uma grande oportunidade, mas...eu estou no meio de uma mudança Sra. Weinne, e sinceramente, tenho economizado tudo que ganho com o trabalho no laboratório da universidade...– Ela começou a explicar.
– Quanto a isso não se preocupe, passagens e instalação estão reservadas e pagas.– Disse, levantando-se pela primeira vez e andando pela sala quase em contemplação. - Imagine só, nosso primeiro projeto na feira nacional, que sonho para o nossos professores, ainda mais com as possibilidades de Tony Stark estar presente. Um feito, sem a menor dúvida.
Clarence sorriu enquanto a professora continuava a ditar os benefícios não só para o curso de física e mecânica, mas para toda a instituição. Quando saiu de lá, seu relógio de pulso marcava dez horas, ela seguiu até o laboratório, onde o protótipo do TINE descansava esperando seu momento de glória na Feira de Reno.

Ela esvaziou sua mochila sobre a mesa e enquanto rabiscava seu outro ambicioso projeto, o cérebro robótico perfeito, ela se esqueceu dos problemas com os pais adotivos, da mudança eminente, da feira, do pai que não conhecia, da saudade que sentia da mãe. As duas horas seguintes foram dedicadas ao projeto ULTRON.