Quase três meses com a sua ausência estão enlouquecendo-me aos poucos. Estamos próximos ao meu aniversário e o de Dez, basicamente duas semanas, portanto a única preocupação que devemos ter no momento é como iremos lidar com os pais de Trish e obter sua permissão para a transferência de colégio.

Os pedidos das garotas aumentaram gradativamente desde que nós retornamos para o colégio. Há histórias falsas sobre nós três em todos os lugares por onde passo, sempre há alguém comentando sobre nosso desaparecimento, mesmo após dois meses do ocorrido.

A barriga de Trish já começava a crescer, entretanto ainda não era visível. Ela decidira ocultar a gravidez dos pais, pois já estavam zangados em excesso com as atuais circunstâncias. Desse modo, sua ideia era mudar-se rapidamente para Miami conosco e permanecer sem ver realmente os pais até o fim da gestação.

Despertei de meus pensamentos por alguns segundos, o suficiente para notar que estava virando para justamente o corredor que eu estivera evitando no último mês. Eu precisava apenas seguir a onda de alunos curiosos que seguiam para o auditório, onde anunciariam uma surpresa para o terceiro ano do ensino médio, e não encarar os lados.

Prossegui a passos largos e rápidos, desviando de várias pessoas e enfiando-me no meio de outras, sem levantar a cabeça. Contudo, fui puxado para trás e empurrando contra um conjunto de armário, e senti-me tonto com a surpresa. O golpe em si não fora forte, apenas atordoante. Pela primeira vez, encarei o olhar incondicionalmente frio de minha ex-namorada.

–Austin! - puxei meu braço quando Brooke o pegou. Engoli em seco quando seus olhos pousaram em meu dedo, onde a aliança que eu mantinha estava. A raiva pareceu deixá-la insana, e evitei olhá-la. - Você já está em outro compromisso?! O que você está fazendo?!

–Brooke, por favor, conversaremos em outro lugar e em outra hora. Precisamos ir ao auditório, lembra-se? - pedi discretamente, tentando desviar a sua atenção. Por conta de seu grito estridente e inconformado, uma pequena multidão formava-se atrás de nós, observando nossa discussão.

–Oh, agora está fugindo? Não, Austin, eu quero discutir sobre isso aqui e agora. - avisto e identifico Trish e Kira no meio dos alunos interessados, batalhando para chegar até a primeira fila. - Essa sua namorada é estúpida? Ou ela ainda não sabe sobre a sua má fama?

–Está enganada. - digo rapidamente, tentando forçar passagem, sem sucesso. - Ela é a garota mais inteligente que eu já conheci. E, sim, ela já tem conhecimento sobre a minha "fama". O interrogatório terminou? - faço aspas com os dedos. Seu rosto está vermelho, e eu sinto que pisei em território inimigo. Entretanto, é a minha namorada a quem Brooke está ofendendo.

–Muito inteligente ou muito burra? Você é um cretino, Austin. - suspiro. - Muito provavelmente essa garota é estúpida. - cerro os punhos, encarando a parede atrás dela. Não pretendo retrucar e me meter em confusão. Ally havia me dito para não fazer nada que pudesse colocar-me em problemas. - O que foi? Está admitindo que sua namorada é ruim?

–Não. Apenas não respondo porque é exatamente isso o que você quer que eu faça. - explico simplesmente. Seu rosto torna-se escarlate. - Ally me disse para não meter-me em confusão. Eu estou seguindo conselhos da minha namorada. Ela é a garota mais inteligente e perfeita que eu algum dia já encontrei ou namorei, entende? Não há nada que eu queira fazer para estragar o meu compromisso.

Um silêncio reina. Ninguém está confortável ouvindo o nome de Ally, considerando que a maioria que nos assiste era seu admirador ou amigo. A garota morena era adorada por todos na época em que residia em Nova Iorque. Quando repentinamente partiu para Miami, todos evitavam falar seu nome, pois o acontecimento era muito recente; foi durante esses meses de luto que Brooke entrou no colégio. Desse modo, nunca ouviu falar de Ally.

Subitamente, ouço alguns assobios atrás de nós enquanto me movo da parede para outro local afastado de Brooke. Contudo, apenas vejo-a mover-se agilmente para a minha frente, bloqueando minha passagem. Suspiro irritado.

–Por favor? - ainda assim, sua postura é imóvel como uma estátua. Eu reviro os olhos. - Brooke, nós temos aula. Falaremos sobre isto mais tarde, eu prometo, mas pode ao menos me deixar passar?

–Não sairemos daqui enquanto não resolvermos. - replica. Bufo. - É por causa dela que você terminou comigo? E com todas as outras? Por causa de uma garota tonta como essa tal de Ally? Eu não sei quem é e nem quero conhecê-la; só pode ser muito idiota para namorar com você novamente.

–Eu não acho apropriado que você insulte a minha namorada. Além disso, em grande parte, foi por ela que terminei o meu relacionamento com você. - uma expressão de choque cruzou seu rosto. Senti-me mal por Brooke, porém necessitava deixar tudo às claras. - Mas, principalmente, por outros motivos também. Quanto à outras garotas, eu não acho que você deva interferir. Se as mesmas não vieram me procurar para questionar, tenho certeza de que você não deve. - afirmo.

Alguns comentários iniciam-se, e distinguo alguns zombando de Brooke. Sua respiração agora está alterada, e logo recebo um ataque em meu rosto. O soco arde, mas não há dor. Algumas pessoas vaiam-na em desgosto com sua atitude. Apenas levanto a cabeça e tento passar, porém sou novamente impedido.

–Eu aposto que Ally terá o coração partido por você em mil pedaços.

–Não apostaria nisso. - Trish grita na multidão. Eu rio e faço um sinal positivo a ela, que se lança ao meu lado como um raio. - Austin e Ally já namoraram antes. Ele quebrou o coração dela, sim. Ela o perdoou. Agora, os dois estão maduros. Se a Ally mesma já o desculpou, por que você deveria intrometer-se? - trocamos um high-five discreto. Reprimo o riso quando Brooke parece controlar-se para não estapear Trish.

Automaticamente, puxo minha amiga para trás de mim de um modo protetor. Está grávida, eu havia esquecido-me, se Brooke praticar alguma agressão, pode fazê-la perder o bebê. A mão de Trish sobe para o meu ombro e o aperta, em um óbvio sinal de agradecimento.

–Tem razão. Eu já não tenho mais nada haver com isso. Mas Austin voltará para mim, eu tenho certeza, e esfregarei em seu rosto, Trish. - um sorriso surge. Eu arregalo os olhos, assustado com sua imaginação. - Além disso, Ally é burra. Logo...

Eu a vejo cambalear e cair no chão com o tapa que recebe. Alguns exclamam assustados ou surpresos, como eu e Trish. Outros vaiam positivamente. Sorrio de canto, sentindo-me mal, mas incapaz de não ouvir mais nenhum falatório por sua parte.

Seus olhos vagam pelo corredor, procurando acidamente pelo agressor, até que o encontra. Dou um passo para trás, do mesmo modo que todos os presentes, muito surpreso para dizer algo.

Kira está parada a centímetros do corpo estirado de Brooke, que permanece com uma mão massageando sua têmpora. Os cabelos caem lateralmente e pela frente, ocultando seu rosto por completo. O braço ainda levantado abaixa-se lentamente e logo seu rosto revela-se, e noto os sinais das lágrimas escorrendo.

Todos observam em choque quando Kira começa a correr, abrindo caminho na multidão curiosa de alunos. Troco um olhar simples e rápido com Trish e saio em disparada atrás da garota de saltos.

Mesmo com os sapatos que machucam - acredito eu -, Kira consegue ser muito mais rápida do que eu. Vejo-a ziguezaguear por entre as árvores do pátio, tentando inutilmente despistar-me, seu perseguidor. Conhecendo seu truque, finjo-me de perdido e a observo tombar contra uma árvore e deslizar por seu tronco.

Vou até ela o mais silenciosamente possível. Não quero assustá-la. Seu rosto está enterrado em suas mãos, e encontra-se encolhida segurando os joelhos. A cena é melancólica. Sento-me ao seu lado, cuidadosamente mantendo certa distância entre nós, e permaneço ouvindo seus soluços extremamente audíveis.

–Saia daqui, Austin. Vá embora. - ouço-a murmurar. Não me movo, no entanto. - Vá!

–Não vou deixar você sozinha. - aproximo-me com cautela, pronto para evitar qualquer tentativa de afastamento. Não ocorre, e deixo meu braço em seus ombros, confortando-a. A imagem de Ally invade meus pensamentos. - Ei, Kira, nós éramos amigos. Você ainda sente algum resquício de amizade por mim, por Ally?

–É claro que sim... - sussurra. Pisco algumas vezes; o som é tão baixo que imagino que não estou realmente ouvindo-o. - Principalmente por Ally.

–Por que você mudou tanto? Nós poderíamos ter continuado na mesma, nós poderíamos ter nos apoiado. - argumentei, tentando compreendê-la.

–Austin, não foi fácil, está bem? Primeiramente, minha melhor amiga estava indo embora para uma cidade que eu nem sabia qual era. E em segundo, tudo por conta de um garoto loiro. - ela enxugou uma lágrima e riu amargamente. Eu abaixei a cabeça, sabendo que era verdade.

–Eu sinto muito, Kira. - digo, sinceramente. Pela primeira vez, Kira me encara sem repúdio. Há uma pequena faísca de solidariedade em seu olhar, e ela sorri. Eu retribuo, embora ache o momento estranho. - Eu quero fazer as coisas da maneira certa agora. Não irei, jamais, magoá-la novamente. Eu a amo.

Cubro minha boca, incrédulo. Kira me encara com a boca escancarada, os olhos arregalados com o choque e a surpresa, um reflexo dos meus. Eu havia dito. Pela primeira vez em toda a minha vida, eu havia dito que amava uma mulher que não a minha mãe. A frase pequena que eu tanto quis proclamar em voz alta quando estivesse com Ally estivera ali, sempre, na ponta da língua, e eu havia proferido-a altamente.

–Você... a ama? - sua voz saía em um fiapo. Meu coração estava descompassado.

–Eu a amo. - afirmo, repetindo as palavras em um sussurro para mim mesmo apenas para provar o som. - Eu a amo. - é libertador, é refrescante. - Espere. Kira! Você já tem dezoito anos! - seguro-a pelos ombros, estupefato. Tudo o que mais quero é dizer tudo para Ally, no mesmo momento, e só pessoalmente. - Nós poderíamos ir para Miami atrás de Ally! Você, eu, Trish e Dez! Poderíamos ir até amanhã ou hoje se quiséssemos!

Um olhar hesitante toma conta de Kira. A minha esperança abaixa um pouco.

–Eu... não me entenda mal, Austin, eu amo Ally e é claro que eu quero vê-la novamente. Mas eu tenho uma reputação grandiosa aqui. Eu não posso tentar recomeçar em outro colégio prestes a encerrar o fim do ano com a ameaça de ser uma zero. - tenho uma expressão indignada. Ela não pode estar falando sério. - Me desculpe, Austin.

–Kira, por favor. O que é alguns meses? E mesmo se você for uma ninguém em Miami, você terá a nós! Não somos o suficiente para você?! Ally estará lá conosco também, pediremos transferência daqui para o colégio dela. Viveremos com a permissão dos pais de Trish e Dez com você, e, se você não gostar, pode voltar quando eu fizer dezoito, daqui a duas semanas! Por favor, Kira, pense sobre isso agora. - tento convencê-la. Ela já não parece-me mais decidida. Suas mãos juntam-se abaixo do queixo, em um ato que indica que está pensando sobre o assunto. Eu sorrio e deixo meu braço cair para fora de seus ombros, estendendo minha mão para ajudá-la a levantar-se.

Sinto algo vibrar em meu bolso. Para confirmar, passo a mão sobre o mesmo, já retirando o celular. Ally. Eu sorrio não intencionalmente, e, por alguns milésimos de segundos, consigo esquecer sobre todas as complicações. Ally é a única coisa em minha mente agora, que a ocupa.

–Atenda. Quando você voltar, eu terei a resposta. Mas demore um pouco, por favor. - diz ela. Eu assinto, ainda sorrindo, e a vejo retribuir de uma maneira tensa. De alguma forma, Ally me tem sempre tão enérgico que não consigo pensar em ficar ali por mais tempo.

–Aus? - a voz de Alls inunda a minha mente, fazendo-me relaxar. Meus ombros caem sem tensão. - Eu estou sentindo muito a sua falta!

–Eu me sinto da mesma forma, Alls. - a vontade de abraçá-la cresce, e passo o braço atrás de uma árvore, fingindo ser a garota. Sinto-me envergonhado. - Pode soar muito clichê, mas eu estou passando cada milésimo de segundo pensando em você.

–Soou. - afirma, e posso ouvi-la gargalhar timidamente. Estranho a nossa ligação estar tão boa, porém ignoro o fato. - Mas eu amei. Você realmente tem que ter mais analogias clichês, Aus. E, respondendo, eu também estou pensando em você a cada milésimo de segundo. Eu queria abraçar você agora...

–Não se preocupe; eu estou tentando arranjar um jeito de ir mais rápido a você. Mas não sei se devo ter muitas esperanças. É uma surpresa para você. - falo, e eu a ouço choramingar do outro lado, implorando para lhe contar. - Surpresa é surpresa, Alls. Eu queria ter você aqui comigo agora. Ainda está com a aliança?

–Seria muito meloso se eu dissesse que não a tirei nem para dormir? - arrisca ela. Eu rio, murmurando que não. - Bom, pois é isso que está acontecendo.

–Eu tenho algo para te dizer. Mas quero fazê-lo pessoalmente. - digo. Ally suspira do outro lado e eu sorrio.

–Você sempre diz que tem alguma surpresa, e sempre tem, uh, uma grande quantidade de tempo para acontecer. Não é justo! - emburra ela, fazendo-me gargalhar. - Se vai fazer uma surpresa, não iluda!

–Não chore, noiva. - ela ri comigo. Quase peço para que ria novamente. - Tudo bem, como ficamos, então?

–Bem, é claro. Eu... só queria que você olhasse para trás, por favor, Aus. - intrigado, viro-me rapidamente. Minha respiração falha. Meu coração bate ainda mais rápido.

As minhas pernas já não parecem querer obedecer-me. Estou ofegante, e a sensação que está tomando conta de mim é tão boa que não quero que algo a interrompa. Meus olhos estão arregalados, incrédulos, e tudo o que penso é nela.

Ao lado de uma Kira estupefata e empolgada, há uma Ally brilhante e simplesmente linda. Ela ri e eu corro até ela, puxando-a para um abraço. Passo a mão por seus cabelos, rindo também.

–Podem se beijar, eu não vou olhar, eu prometo! - Kira se diverte. Nós rimos, e eu levanto seu queixo, nos afastando minimamente. Aos poucos, a distância não é mais visível em nenhuma parte.

E em nossa mente, novamente, só há nós dois. Não há espaço para mais ninguém.