Fire & Desires escrita por Pear Phone


Capítulo 10
We Are Alive


Notas iniciais do capítulo

Esse título super combinou com o capítulo, mesmo que soe clichê ou sei lá. Esse é o maior capítulo até aqui e isso é meio que surpreendente, acreditem.

Quero agradecer infinitamente pela minha segunda recomendação, de Larissajau. Ela me emocionou de tal forma que eu meio que fiquei super descontrolada e super feliz. Muito mesmo. A recomendação é uma das mais bem escritas que recebi e estou mega agradecida por tudo que vocês fazem em razão da fanfic, e acho perfeito que estejam gostando.

Erros ortográficos são meio que um pesadelo pra mim, mas eu sou meio ruim com hifens e outros do gênero, então provavelmente vocês vão achar um erros pequenos, e se acharem POR FAVOR AVISEM, daí eu edito, ok amores? Obrigada, sei que posso contar com vocês.

Sobre o capítulo, ele é dedicado a Larissajau, de verdade, por ter recomendado a fanfic, e também aos leitores fantasmas que andam lendo e não comentando.



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Eu não aceitei a proposta de Carly logo de imediato porque simplesmente não me vi na necessidade absurda de me expor ao nível de uma patricinha que com certeza absoluta infernizaria o resto dos meus preciosos dias com assuntos fúteis ou no mínimo relacionados aos meus problemas traumáticos. E eu poderia mesmo estar certa, mas talvez não fosse tão ruim, então depois de tanta insistência resolvi dar uma chance pra ela. Uma chance de se mostrar no mínimo digna de convivência.

Foram dois dias de experiência antes de que eu a aprovasse. Eu disse que não queria que ela dirigisse a palavra a mim e que não haveria nenhum contrato ou contato e que não iríamos ao cartório e que nada teria alguma relação com responsabilidade, porque eu não era do tipo responsável. E eu também disse que não havia cozinha lá, mas depois de dizer isso, me calei. Carly tentou puxar assunto várias vezes depois das aulas, e eu simplesmente ignorei. Eu aceitei sua companhia por falta de opção, já que ela não era tão insuportável assim, e percebi que não precisávamos de tanta intimidade para isso. Era um acordo. Nenhuma de nós puxava assunto depois. Era como se estivéssemos sendo obrigadas — e estávamos — a conviver diariamente, como numa rotina severa. E ela estava se encaixando nos padrões da minha vida patética que acabou não mudando drasticamente como eu previa.

Mas, dois meses depois, numa exceção, tivemos nosso primeiro diálogo como duas adolescentes de dezessete anos provavelmente com hormônios aflorando o tempo todo. E não é referência às espinhas nem nada, é só porque foi realmente uma conversa sobre sexo. Eu não me constrangi nem um pouco, só estava copiando uns exercícios dos quais tinha me esquecido propositalmente de fazer, enquanto ela murmurava sobre o incrível fato de ainda ser virgem, e ainda por cima lendo uma revista que apresentava um questionário feminino sobre masturbação. Isso me surpreendeu um pouco em relação a tudo. Quer dizer, a personalidade dela parecia ser daquelas bem meigas e eu pego esse tipo de questionário na cômoda de madeira no centro do apartamento. Mas eu só suspirei e deixei rolar o assunto como se estivesse dando sequer atenção a ele, até que ela viesse com a pergunta fatal. Ela me perguntou se eu era virgem, e eu não sabia o que responder. Porra, é claro que uma adolescente TRAUMÁTICA de dezessete anos que nunca beijou na boca é virgem, mas tudo que eu havia contado sobre o meu passado era o fato de eu nunca ter tido uma família.

O que eu respondi? Não disse nada e acabei naquele mesmo instante com a proximidade que poderia vir a ter com uma pessoa normal. Eu me calei outra vez e joguei a caneta esferográfica num canto do apartamento, sem encontrá-la depois. E a próxima conversa, ou melhor, saudação, aconteceu só dias depois. Então, quase que por impulso, passamos a conversar apenas através de saudações todo os dias.

Até essa promessa idiota de ser mais sutil com as pessoas.

Até ela ser estuprada e eu me sentir severamente culpada.

Eu pensei que aquela conversa um tanto rara poderia ter sido evitada e que eu, mesmo que sem experiência no assunto, poderia dizer à ela que não se preocupasse com nada disso como qualquer adulto sensato faria. E não foi o que eu fiz, porque não sou uma adulta. Eu fui grossa, como sempre. E lá estava ela, estuprada, e internada. E, sobretudo, lá estava ela, desacordada numa maca de hospital.

Eu só apertei a mão de Carly, mas depois soltei, e saí dali o quanto antes. Eu não estava bem com todas aquelas vozes internas ecoando o tempo todo. Mas assim que eu cheguei no corredor, voltei, porque senti que deveria.

— Sam? — ouvi uma voz suave dizer, mas ainda estava rouca. Eu pensei em enxugar meus olhos e ter certeza do que estava vendo antes de respondê-la.

Mas, eu virei para ter certeza, e era verdade. Ela tinha mesmo acordado, e me encarava como sempre me encarou quando eu deixava de dar explicações necessárias ou terminava um diálogo com uma conversa incompleta. Ela estava mesmo ali; era mesmo minha companheira de quarto que há dois meses tinha me dado a missão de entender como é tentar se relacionar com alguém que tem uma noção de vida diferente. Mas eu não entendi, e nem tentei. A verdade é que essa missão não tinha sido completa. Não tinha sido completa até o momento em que podia vê-la com os olhos abertos e com uma expressão vital. O momento de, quem sabe, pedir perdão. Porque a partir daquele momento ela conviveria com um trauma — ela seria como eu, e talvez pudéssemos ser melhores amigas. Acho que o Universo queria isso.

— Sim, Carly.

— Estranho. Eu me lembro do seu nome, mas não me lembro de você. — Cheguei mais perto. Como assim?

— Sou eu, sua companheira de quarto nada sentimental. Samantha Joy Puckett.

Mas ela só ficou paralisada com uma expressão confusa, ainda que finalmente vital. E eu chamei uma enfermeira que logo tentou descomplicar parte das complicações. Ela disse que Carly precisava ser medicada e que passaria por processos ainda considerados complexos para o seu caso, e que a internação continuaria e que ela precisaria dormir por muito mais tempo. Mas, em área reservada, ela tornou a dizer sobre Carly. A enfermeira me dizia as seguintes palavras:

— Carly passará por um período de síndrome amnésica. Ela deve se lembrar de algumas coisas, mas não de tudo, portanto talvez ela não venha a se lembrar de você.

— Mas... Ela vai perder a memória, é isso? — Ela torceu os lábios.

— Ela pode recuperá-la numa sequência, mas vai precisar morar com seus responsáveis desde então.

— Os pais dela estão numa viagem de negócios e o irmão não tem tempo.

— Vamos dar um jeito de tornar tudo possível, e ela pode voltar a dividir apartamento com você, não sei. Assim que a internação acabar, não fale diretamente com ela. Ela precisa de apoio familiar.

— Mas por quê?

— Porque ela não sabe quem você é.

E foi tudo que ela disse antes de sair com sua postura de enfermeira pelos arredores do hospital. No início aquela última frase ainda ficava martelando na minha cabeça continuamente, mas eu segurei meus instintos e tentei não levar pro lado pessoal. E, talvez, a partir daquele dia, eu nunca mais voltasse a me comunicar com aquela irritante companheira domiciliar. Isso passou a ser analisado por mim como um castigo por não ter aproveitado o fato de finalmente ter uma amiga em toda a minha vida de adolescente traumática e excentricamente diferente. Excentricidade não era o tipo de fenômeno que acontecia comigo, se é que isso pode ser definido como fenômeno, mas foi naquele momento que passei a considerá-lo como parte do que restava da minha mísera personalidade de menina órfã; parte do meu vocabulário. Eu era a inocente ali, eu era a que se destacava, e não Carly. Carly nunca desejou ser como eu, e eu já desejei ser como ela.

Fiquei imaginando, acho que eu realmente já quis ser como ela. Talvez o ódio só fosse uma maneira de invejá-la, no fim. Carlotta era bonita, inteligente, gostava de ler livros românticos e documentários ligeiramente obscenos, além do fato de aparentar ser bem mais jovem e delicada do que era. Fiquei pensando se talvez ela estivesse escondendo o jogo com aquilo de ser virgem, porque pretendentes ela tinha, e até muitos. Fiquei me perguntando se eu nunca quis viver na pele dela por alguns segundos. Ser finalmente importada e tratada bem nunca entrou na minha lista de desejos, mas se eu estivesse vivendo como uma Shay, talvez viria a ser menos complicado. Espantei os pensamentos. Porque eu ainda me sentia culpada.

[...]

Eu estava de frente para os únicos que haviam me dado apoio na vida. Meus pais. E ainda que estivessem mortos, estavam ali. Eu sentia que eles estavam ali e que estavam ao meu lado.

— Eu... ando passando por essas mudanças de transição da vida adolescente pra vida adulta, não sei. Tenho aquelas sensações que eu acho que vocês queriam dizer que eu teria, daquelas que não conseguimos explicar direito ou certamente. Mas tudo que eu sei é que se um dia eu for uma adulta saudável, quero ser como vocês. Vocês estavam sempre sorrindo e eu definitivamente sempre quis ter uma vida resumida no simples ato de sorrir pra tudo.

Silêncio. Mas eles estavam me respondendo. Não era um silêncio vago como todos os outros; aquele era exatamente o silêncio que falava.

— Então, acima de tudo, se amavam tanto. E quando digo isso, sei que seria um pecado exagerar, porque vocês se amavam muito. Não sei se tem como acontecer uma paixão no mundo que supere o quanto a paixão de vocês foi intensa, porque eu sei que foi e que em algum lugar da atmosfera infinita ainda é. A verdade não precisa ser bonita ou perfeita pra ser real, e vocês viviam lado a lado com a verdade, e ela sempre esteve entre vocês em qualquer que fosse o momento.

Mais silêncio. Então eu respirei e tomei coragem:

— Eu acho que estou apaixonada. É isso. Só que eu não sabia como dizer.

Então um vento soprou forte naquele fim de tarde, e finalmente se ouvia algo além do silêncio. Era como se finalmente o meu futuro não se resumisse num cemitério abandonado. Havia algo além do silêncio, mas esse algo ainda estava mudo. O silêncio se tornou mais pesado, e eu continuei:

— É, eu me apaixonei, mas não foi voluntário nem nada. Eu juro que não queria. É que finalmente uma pessoa foi capaz racionalmente de entender que um trauma pode ser mais que um problema ou um descontrole mental. O trauma é só um efeito colateral; uma consequência inaceitável de amar algo que se foi, de saber que esse algo pode nunca mais voltar, e finalmente encontrei alguém que se esforça pra entender pela mentade o que significa ter tanto trauma de algo que pouco pode ou deve ser explicado. Eu precisava de alguém que me entendesse sem que fossem precisos muitos conceitos ou muita aprovação e que abrisse a porta antes de bater sobre ela. Ele é tudo isso. Porque, de todo jeito, tudo que eu queria era ser finalmente amada por alguém verdadeiramente. Por alguém que consiga diminuir o efeito desse trauma sobre mim.

Então eu tomei o ar que faltava e me levantei, olhando de relance para o céu e depois para uma roseira que ficava bem ali dentro do terreno, atrás dos túmulos empoeirados. Sorri ao pensar que ele não tinha roubado a rosa numa floricultura, mas que tinha dito isso para me agradar de algum jeito. Ele sempre estava se preocupando nas futuras reações, e fiquei pensando se era realmente o Universo que estava planejando essa aproximação entre nós. Se não era uma outra força querendo me enganar de vez. Mas isso não importou nos próximos minutos que foram se passando.

Ouvi outro barulho que indicava que o portão estava sendo aberto, e em seguida vi Freddie entrar. Ele parou e ficou me observando de longe, e por um momento achei que todo aquele cemitério era só nosso e que poderíamos até, quem sabe, morar ali um dia, porque ninguém se importaria. Um trágico cemitério abandonado nos fundo da cidade, que pertencia a nós dois.

— Pianista — disse quando ele já estava próximo o suficiente.

— O que está fazendo aqui, à essa hora? Posso saber?

— Só falando com meus pais.

— Mas o que aconteceu?

— Nada.

— Mas por que nada? Me diz a verdade.

— Eu só precisava desabafar sobre uma coisa. Você não quer e não vai saber.

— Tudo bem, madame. A escolha de contar ou não contar é exclusivamente sua.

— Ótimo.

Ótimo. Só ótimo.

— Sabe, Sam, eu tenho uma proposta pra te fazer, mas pra isso vou ter que te arrastar até lá.

Ele apontou pra "casa" dele.

— Arrastar coisa nenhuma! Eu que te arrasto, Fredward.

— Tudo bem, então vamos andando, Samantha. — Raiva de ouvir "Samantha" sair da boca dele. E era melhor que eu não ficasse olhando pra boca dele.

E andamos. Mais um pouco. E mais um pouco. E chegamos.

— O que você quer me propor?

— É que... Nós somos amigos, certo?

— Sim. — O tipo de amizade colorida, eu acho. Mas eu concordei com convicção.

— Mas amigos não se beijam.

— Depende.

— Não, Samantha, amigos não se beijam.

— E talvez nunca mais sejamos sequer amigos, porque não quero ouvir você me chamar de Samantha. — Ele revirou os olhos.

— Repetindo: Não, Sam, amigos não se beijam.

— E?

— Fiquei pensando se...

Então ele me entregou um bilhete esquisito e amassado e eu achei que era pra ler, mas não era, porque aquelas eram anotações de escola. E parecia que tinham sido feitas há tempos. Mas eu o virei e vi que a intenção era o que o verso fosse lido.

— O que é isso?

— Leia.

— Mas são anotações de escola e um rascunho estranho no outro lado.

— E você vai ler esse rascunho.

— E se eu não quiser?

— Sei que vai ler.

Então eu li. Ele era bom nisso. E o mais importante, no bilhete estava escrito:

"Eles dizem que eu sou diferente, e eu acho que eu finalmente aceitei isso como evidência de quem eu sou. Eu sou mesmo diferente, eu admito. Mas não sou diferente por completo ou só porque não tenho amigos.

Isso não me importa, porque um dia eu vou ser um pianista profissional, e não mais o nerd da turma. As pessoas não vão me chamar pelo nome, vão me chamar pelo meu dom. E eu acho que, um dia, elas vão se apaixonar pelo que eu faço, e eu vou me apaixonar por elas de volta. E por mais que crianças de doze anos ainda não usem esses termos, eu ainda me sinto exatamente como deveria me sentir."

— Tá. Mas e daí?

— Isso é importante demais, Sam. Você me faz sentir exatamente como eu queria me sentir naquele dia.

— Tá. Mas e daí? — disse só pra disfarçar o quão feliz eu estava.

— E daí, que naquele dia, nesse tal dia que eu escrevi isso, eu estava apaixonado por uma garota lá que não me dava atenção.

— E por que não mandou ela ir se foder?

— Porque o mundo não se resume em mandar os outros irem se foder, mas bem que poderia se resumir. Mas aí ele meio que seria pior do que já é e... Ah, Sam, talvez eu esteja apaixonado por você de forma que não é possível levar em conta essas coisas insensatas que você diz.

Então. Ele. Estava. Apaixonado. Por. Mim.

Isso poderia ser bom se analisado com uma devida intensidade.

— Isso quer dizer que... não podemos ser amigos?

— Não. Porque eu não conseguiria ser SÓ o seu amigo. Porque eu sinto que fui colocado aqui pra ser o seu pianista, e talvez pro resto da vida também.

— E que tal se você fosse o meu empregado, hein? — Virei o rosto depois de rir porque, sim, eu estava vermelha.

— Sam, isso é sério, eu... me apaixonei nesses últimos dias. Se você tivesse noção do quanto a sua capacidade de sedução é elevada não deixaria isso pra lá. Não consigo ser SÓ o seu amigo enquanto o volume das minhas calças aumenta.

Eu estava vermelha de verdade, e senti minhas bochechas arderem muito. Mas também estava lisonjeada, de alguma forma. Era só sarcasmo e não era dos melhores.

— Homens... Todos iguais.

— Não posso dizer o mesmo de você.

Não entendi o que ele quis dizer, mas estava menosprezando a si mesmo de alguma forma. De qualquer jeito, aquilo me fez disparar ainda mais no quesito vergonha. Estava respirando com dificuldade.

E eu também estava apaixonada por ele. Estávamos vivos, mas não estávamos vivendo.


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Notas finais do capítulo

O que acharam do capítulo?
Ansiosos?

Feliz páscoa!