Fire & Desires escrita por Pear Phone


Capítulo 11
Feelings of paper


Notas iniciais do capítulo

Se entenderem a metáfora, vão entender o título. Esse capítulo é mesmo bem sentimental porque eu quis que fosse. Porque merece partes sentimentais.

Mas, antes de qualquer outra coisa, quero dizer o quanto vocês são incríveis. Incríveis porque num piscar de olhos eu ganhei duas recomendações, de "Traumada em Chaverroni" e "Milena Rodrigues", ambas com boas críticas a respeito da estória. Esse capítulo de hoje é totalmente dedicado às coisas lindas que li sobre o que escrevo, que me fazem seguir em frente sempre.

O capítulo também é dedicado a JessInCurdles pelas "leis físicas" e a Beatriz Cunha, por ter comentado em grande parte dos capítulos. E também aos novos leitores, não se esquecendo. E também a todos vocês.

Queiram perdoar meus erros.



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Nós dois ficamos em silêncio, eu me sentei numa mesa qualquer que — segundo meu pensamento — era a que ele usava pra jantar, ou que usava em alguma refeição que ele fazia no dia, e então ficamos nos encarando até parecer constrangedor. E não foi preciso muito tempo para que nos sentíssemos constrangidos demais.

Cruzei minhas pernas em cima daquela mesa e ela parecia ser resistente ao ponto de não desabar enquanto eu me sentava de pernas cruzadas nela. E aí Freddie me olhou daquela maneira que me fazia sentir que tudo estava meio que diferente. E eu queria que ele continuasse ali, só me olhando, que não tivéssemos de começar um diálogo a mais por causa do que ele tinha me dito. Ou por causa daquele papel. Ou porque ele queria começar.

— Isso é um telefone? — disse segurando o objeto que estava ao meu lado nas mãos. Ele assentiu. — E funciona? — Ele assentiu de novo.

— Eu consertei — respondeu. E depois virou o rosto para encarar qualquer outra coisa que não se chamasse Samantha Puckett. Eu sabia por quê.

Eu dei a desculpa idiota de que precisava tomar um ar lá fora, mas na verdade só voltei pra perto do túmulo dos meus pais e voltei a dizer algumas coisas sem ser muito sugestiva — ainda os considerava como humanos, por incrível que pareça a ideia de considerar cadáveres como seres carregados de opinião ou de qualquer outra característica humana. Eles eram importantes, mesmo que estivessem debaixo da terra, e ainda que estivessem debaixo da terra, eram meus pais e estavam comigo. Acho que já disse muitas vezes pra mim mesma que eles estão comigo a todo momento — tinha dito isso pra mim mesma ainda naquele dia, claro. Não é todo dia que temos a liberdade de confessar nossas paixões para nossa "família" que acidentalmente foi morta num incêndio, mas eu estava fazendo sem me importar tanto.

Também ficava olhando pros lados o tempo todo pra saber se Freddie tinha ido me espiar por entre os arbustos, roseiras, ou sei lá. Isso me preocupava tanto quanto preocupa uma criança brincando de esconde-esconde; pensar que ele podia mesmo estar vigiando tudo que eu dizia sobre ele mesmo. Deveria ser horrível passar por essa situação sendo qualquer um de nós dois, então eu evitei ao máximo. E o tempo passou daquele jeito, mas não me senti confortável o bastante para me abrir com meus pais em relação a tudo, então resolvi escolher a opção de interagir com a minha própria mente: comecei a pensar no que eu estava sentindo, afinal.

As pessoas costumavam dizer que sentimentos como amor, atração e desejo podiam ser facilmente confundidos e que também podiam ser classificados, quando comparados, de uma maneira um tanto incerta. Então eu fiquei muito intrigada, como se as pessoas realmente tivessem algum poder de influenciar a minha mente no final das contas, mas não parei de pensar na possibilidade de estar mesmo apaixonada. Eu não queria estar. Não queria mesmo. Fazia de tudo pra relacionar o que eu estava sentindo com qualquer outra possível emoção que não fosse relacionada nem um tiquinho com amor. A palavra amor chegava a ser coisa demais, estar apaixonado não é amar, eu achava. Mas na verdade amar é bem complexo quando não se é um filósofo ou algo diferente de uma pessoa racionalmente normal: coisa que eu nunca fui. Mas não desisti de achar que o que eu estava sentindo era só algo parecido com desejo, talvez, por nunca ter sido claramente aceita na minha forma original e tradicional por sequer pessoa antes; talvez estivesse sendo enganada pelo Universo que existe dentro de mim. Mas eu ainda achava que o Universo não poderia estar em algum lugar, senão distribuído pela Via Láctea, assim como sempre foi. Eu não sabia que o mundo girava o tempo todo e que até mesmo a camada de ozônio sofria alterações a todo instante. As coisas estavam mudando dentro de mim como naturalmente mudariam em todo organismo existente em qualquer parte da imensidão do que conhecemos como vida.

E ela também estava ali para ser vivida. Em cada parte de sua imensidão haveria algo novo a se formar e algo novo a se descobrir. Mas, porra, eu já disse que não estava ligando. Só queria não estar apaixonada e parar de usar metáforas astronômicas ou científicas pra tentar classificar o meu sentimento, mas demorou pra eu perceber que eu estava apaixonada sim. É, estava agindo que nem os outros jovens da idade contemporânea e nada mudaria isso.

Senti quando o pianista surgiu por trás de mim — eu estava praticamente caminhando em círculos.

— E aí? Respirou?

Tomei um susto mesmo já sabendo que ele estava ali.

— Desculpa se te assustei.

— Não, imagina. — Tentei ser irônica mas logo vi que não deu tão certo.

Ele ficou me olhando — de um jeito diferente do jeito de antes — e ele era bom em me deixar vermelha quando fazia isso. Era por isso que preferia passar o dia inteiro o vendo só através da minha visão periférica, porque vê-lo diretamente era difícil demais. Transparecer que eu não estava pelo menos "a fim" dele era um desafio às leis da física. Mas eu me sacrificava.

— No que estava pensando?

— Em você. — Eu não posso ter dito isso... Céus!

— Tá falando sério?

— E você estava falando sério quando disse que se apaixonou por mim?

— Me responde primeiro.

— Você responde primeiro.

Ouvi quando ele murmurou quase que para si mesmo que nunca tinha conhecido uma menina tão boa em usar termos críticos, politicamente incorreta, linda e gostosa — tirando a parte do gostosa — do que eu, e foi como um vento nada além de suave invadindo meus ouvidos, tal como numa brisa tranquila de primavera. Mas acho ainda que Shakespeare iria usar melhor suas palavras para descrever o que Freddie disse sem que eu parecesse uma drogada, ainda que eu só o conheça por causa de uma aula entediante de Literatura, das bem entediantes mesmo. Sei que qualquer organismo em todo o Universo usaria melhor suas palavras do que eu, e especificamente, naquele momento eu fiquei meio que sem palavras. Mas ainda não queria dar uma de romântica.

— Eu não mentiria.

Pausa.

— Acho que estou mesmo apaixonado por alguém. Esse alguém só pode ser você.

Shakespeare fica com a próxima conclusão.

E mais uma pausa. Eu queria mostrar pra ele o quanto eu era politicamente incorreta, porque ele merecia. Se merecia. Eu transaria com ele pelo resto das horas diárias depois disso, sei lá, só estava feliz.

Mas por algum motivo não queria perder minha virgindade num cemitério.

— Também estava falando sério quando disse que estava pensando em você, pra ser clara, sabe? Não é todo dia que um pianista vem me dizer que está apaixonado por mim.

— Então Samantha Joy Puckett gosta que pianistas estejam apaixonados por ela? — Ele tinha mesmo descoberto meu nome completo.

— Me parece uma boa ideia.

— Pois então vamos voltar lá pra dentro.

— Também me parece uma boa ideia.

Mas nós não voltamos. Me veio a incrível ideia de nos agarrarmos ali mesmo.

Fiquei admirando aqueles olhos castanhos, já que estávamos próximos demais, e ele virou seu rosto antes que eu o beijasse de surpresa meio que de surpresa mesmo. Só queria dar ênfase à ideia de que foi mesmo um beijo surpresa, porque foi. Então ele não demorou muito para me envolver nos seus braços de forma que fosse possível continuar aquilo de um jeito mais intenso do que seria caso ele não me envolvesse, e nossos lábios começaram a abrir espaços e deslizar uns sobre os outros de uma forma completamente rápida, porque qualquer atraso de tempo seria simplesmente intolerável. Eu sentia suas mãos alisarem o meu corpo desesperadamente e isso me deixava excitada. Nada me deixava mais excitada do que ele.

Ficamos explorando um ao outro por um bom tempo enquanto meu corpo estava contra uma das grades do cemitério. Seus lábios desceram para o meu pescoço devagar até encontrá-lo, e quando o encontraram eu inclinei minha cabeça um pouco para trás. Num movimento rápido, senti minhas costas batendo de encontro com uma daquelas grades e quis não me importar com o incômodo, mas tive que me afastar por causa dele.

— Vai com calma, Freddie — disse e me distanciei da grade. — Estamos num cemitério.

— Me desculpa. De qualquer forma teríamos que parar por aqui.

— Mas por quê?

— Porque eu preciso te propor uma coisa importante.

Pensei que ele estivesse pensando na ideia de me pedir em namoro. Na verdade era meio que óbvio.

— Eu aceito.

— Como aceita se nem pedi ainda?

— Eu quero ser sua namorada sim, idiota.

Silêncio. Ele deu um sorriso torto.

— Como sabia que ia te pedir em namoro?

— Sei porque quis ser inteligente de uns dias pra cá. E eu percebo as coisas.

Ele sorriu de novo. Do mesmo jeito.

— Não me subestime, pianista.

— Não subestimo minha namorada.

Aquela vontade de fazer amor tinha voltado. Na verdade tinha voltado há muito tempo.

E pretendíamos nos agarrar de novo, mas um zelador resolveu aparecer no cemitério. Ele nos olhava sorrateiramente, por isso fingimos seguir rumos diferentes.

Eu atravessei o portão para não desconfiá-lo, e em seguida percebi que o homem não era bem um "zelador", porque logo o vi sair também. Fiquei pensando se ele não estava traficando nem nada, mas entrei logo na "casa" do meu mais novo namorado e sentei novamente naquela mesa.

Tornei a pensar sobre em que momento do caminho me tornei o tipo de ser traumatizado que aceita um pedido de namoro na primeira oportunidade, mas eu estava mesmo apaixonada. E eram só encontros às escondidas em cenários ligeiramente fúnebres, nada mais. Nada de mais. A não ser que eu estivesse mesmo apaixonada por ele. E eu estava mesmo apaixonada por ele. Antes eu estava só apaixonada, mas de repente fiquei apaixonada MESMO por ele.

Estranho demais.

Me veio na cabeça, por um instante, a metáfora dos barquinhos de papel — metáfora que eu tinha criado quando tinha uns seis anos e nem sabia o que significava metáfora. Eu descontei minhas habilidades manuais de criança num barquinho de papel e logo o coloquei a flutuar pelo canal que tinha meio que em frente da "mansão" em que eu morava com minha medíocre tia-avó, depois do incêndio. Eu estava triste e magoada, provavelmente estava confusa por ser a mais recente órfã daquela cidadezinha e, o pior, ainda não tinha me acostumado com isso. Então lá estava o meu barco de papel.

No início, tudo certo: ele flutuava tranquilo se distanciando cada vez mais da borda do canal, onde eu estava assentada. Mas depois a água invadiu o papel e ele se desmanchou. Como os meus sonhos se desmancharam. Mas meus sonhos não podiam se desmanchar tão rápido quanto o barquinho se desmanchou: meus sonhos me iludiam por um momento, e só depois provavam ser impossíveis. Já o barquinho não esperou para ser desmanchado. Ele simplesmente acabou. Mas ainda não pode-se dizer que ele nunca existiu, porque eu o vi naquele dia, flutuando naquele canal.

Mas, pela primeira vez, me lembrei de verdade dessa metáfora. Pela primeira vez eu preferia me magoar a ser instantaneamente desmanchada por um sentimento.

[...]

Depois de conversar por horas com Freddie sobre o que tinha acontecido na clínica, hospital, ou sei lá, finalmente paramos de conversar. Exigi que ele disesse algumas coisas sobre ele, exceto o fato de que era um adolescente de dezessete anos órfão e recentemente havia se formado na escola, e também que sofria bullying quando era menor. E que era um pianista. Pensando bem, ele tinha me contado o bastante, mas aproveitei pra pegar o número daquele telefone velho que ele ainda usava depois de consertar. Provavelmente ele foi usado por outros antes do cemitério ser parcialmente — mais pra totalmente — abandonado. Mas seria uma boa conversar com ele em casa. Ou ligar pra ele e ouvir a voz dele quando eu quisesse.

Então Freddie me levou, como sempre levava, até minha casa quando a noite chegou, e decidimos marcar de voltar ao hospital no outro dia de novo, pra tirar satisfações com aquela enfermeira nojenta sobre esse estado até então não muito bem definido da Carly. E de novo fiquei pensando se ele e Carly já poderiam ter se falado antes do seu desaparecimento. Porque algo apontava isso. E eu tinha todo o direito de me preocupar.


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Notas finais do capítulo

O que acharam?