Fire & Desires escrita por Pear Phone


Capítulo 9
Memories


Notas iniciais do capítulo

Queria agradecer muito pela recomendação que recebi, de "Jennette Mccurdy". Amo muito todos que acompanham a história e me sinto muito grata por todos os reviews e por toda essa atenção que vocês me dirigem. Obrigada mesmo.
E lá vamos nós.



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Não abri a porta durante todo o tempo em que Freddie reclamou e pediu para que eu abrisse, e eu já tinha certeza de que ele tinha mesmo ido embora. Era mais seguro ser eu mesma longe de tudo e de todos, e essa certeza só me fez querer chorar, nem que fosse só pra mim mesma; chorar e me livrar de toda aquela mágoa infernal que me fazia sentir que havia algo errado.

E não estava chorando por causa do meu primeiro beijo aos dezessete anos, porque lembrei de quando me mutilava ao som de uma rádio ridícula, porque me arrependi de ter o mandado ir embora, porque estava simplesmente no direito de chorar ou porque chorar era a única opção; estava chorando porque tudo isso queria dizer que tudo estava cada vez mais errado. Era uma angústia forte, uma dor, uma sensação que me fazia tão mal, mas eu ainda não sabia por quê. Mas, na realidade, acho que eu deveria saber.

Andei até a porta e a destranquei.

Chorei como nunca chorei antes, deixei que as lágrimas fossem descendo e trilhando um caminho pelas minhas bochechas provavelmente preenchidas por uma tonalidade vermelha demais e passei a mão por uma delas que caiu do meu olho esquerdo, sentindo mais ou menos o molhado que queria dizer que eu deveria voltar atrás, abrir a porta, dizer que tudo estava bem e parar de me fazer de otária. Mas, de quê adiantaria se o passado já tinha passado e a chance que eu tinha de chamá-lo de volta simplesmente sumiu no ar como todas essas tentativas frustradas que a gente vê em filme? Nem tudo era tão ficção assim. E por que eu estava tentando me distrair com a ficção proposta pelas obras propriamente denominadas fictícias que casualmente eram mostradas ao mundo através de monitores refletores de enredos, compostas pela gravação contínua de cenas denominadas, de maneira geral, como filmes? Pois é, eu estava tentando fugir da angústia, mas mesmo que eu estivesse tentando ser otimista pela primeira vez na história do Universo, não deu certo. Eu só chorei mais.

Pensei que não teria como explicar por que fiz isso, por que não disse nada. Por que não consegui ser forte e enfrentar os problemas sem me ferir interna e exteriormente. Por que estava sendo tão ignorante com os outros desde então, quando deveria ser a pessoa mais sensível e delicada do mundo com as pessoas, já que tudo que me restava era ir em busca da maneira mais prática de trancar aquela depressão às sete chaves. Por que eu tinha estendido o sofrimento até hoje, quando podia esquecê-lo por engano na metade do caminho. E a verdade é que realmente, para mim, nada tinha explicação senão a dor. A dor era consequência do fato de um indivíduo como eu nascer destinado a viver a maioria de seus anos de vida sendo órfão e pouco importado pelos demais habitantes do Universo.

— Então, eu posso entrar agora? — Vi um suposto pianista aparecer de repente.

"Eu. Não. Acredito. Que. Ele. Estava. Ali. O. Tempo. Todo."

— Então, você não foi embora?

— Não. Eu sabia que você estava chorando... Não podia ir embora, Sam.

— E como sabia que eu não queria que você fosse embora?

— Sabe, mulheres estão sempre mandando homens irem embora, mas a verdade é que elas estão sempre querendo o contrário e, por mais que você seja melhor do que todas as outras, ainda sei que também não queria que eu fosse.

— Andou pesquisando isso em sites de fofoca ou o quê? — disse na tentativa de deixar o clima menos tenso.

— Não, Sam, eu só passei a tentar entender as pessoas. Como se eu fosse elas por um dia.

Fiquei com medo de pensar que ele já tinha tentado ser eu por um dia. Ele poderia estar sabendo dos meus sentimentos o tempo todo sem que isso fosse relativamente possível.

— Mas... Não pensou em ir embora nem por um instante?

— Estava decidido a não ir embora antes de descobrir o que está te fazendo chorar outra vez.

— É que a pergunta que você fez me pegou de surpresa.

— Mas por quê? Eu não disse nada de mais, que eu saiba.

— Mas disse.

Então nos encaramos por algum tempo e eu pensei em desistir de formular um diálogo decente e mandá-lo sair dali outra vez, mesmo sabendo que ele não iria. De todo jeito, pensei também em me dar por vencida e fazer dele o meu psicólogo por alguns instantes, já que estava mesmo disposto a ser eu por um dia, com tudo aquilo que sufocaria a qualquer ser normal em cerca de segundos:

— É que... Sabe quando eu disse que tinha ido morar com minha tia-avó depois que meus pais tinham morrido?

— Sei.

— Ela me tratava mal, acho que já disse. Se não disse, lá vai: ela me tratava mal.

— Mas... Ela era uma velha psicopata, não? Tinha medo dela quando criança?

— Sim e não. Mas, sim, ela queria que eu sentisse. A questão é que todo esse fato dela me torturar, de me fazer de escrava e outras coisas, só evidenciava ainda mais a possibilidade de eu me tornar uma adolescente depressiva. E foi o que aconteceu.

— Entrou em depressão de verdade por isso? — Ele arregalou os olhos e me olhou de cima a baixo, já que eu estava em pé em sua frente até me sentar ao seu lado.

— Pois é. Mas a minha depressão foi tão... corrosiva.

Eu via os dias como as noites. Minha rotina evoluiu de estranha para macabra e eu fazia tudo em razão da morte; o cemitério era o lugar que eu mais amava. Eu tinha tanto desejo de me fazer sofrer que chegava a esperar ansiosamente pelo momento em que fosse possível pegar um objeto cortante e enfiar sem piedade na minha pele, movimentando os punhos até que o corte fosse profundo o suficiente para originar, no mínimo, uma pequena hemorragia. E estava certo que eu poderia contrair todo tipo de doença e ainda assim morrer tragicamente, mas isso também entrava na minha lista de desejos naquela época. Não eram só roupas pretas carregadas de uma lamentação voraz, era também um ciclo masoquista que eu desenvolvi dentro de mim. E naquele momento, quando eu o descrevia a Freddie, ele ainda estava ali, só que desacordado.

— Então, era isso. Eu ligava o rádio no volume médio em orquestras fúnebres e em seguida me mutilava.

E eu lembrava de tudo nos mínimos detalhes, exatamente como vivi e exatamente como contei. Numa noite, quando eu estava frequentando o psicólogo e tratando da minha depressão, já passava a desenvolver uma mísera piedade de mim mesma, mas tive uma recaída. Saí correndo em busca do rádio e o liguei às pressas no volume, só dessa vez, alto, deixando que toda a pena e raiva se fundissem num sentimento só. Peguei uma faca e pressionei o botão para selecionar a orquestra, dessa vez, e bem no momento em que a lâmina estava escorregando sobre uma parte do meu antebraço, a música finalmente começou, e algo nela me fez olhar para a janela que ficava próxima dali. Eu via a luz vinda da lua naquela distância, e era tão bonita, tão luminosa sem causar danos aos céus. Então, depois do fim daquela noite, eu nunca mais tive coragem de me cortar de novo.

E no quarto tudo que se ouvia era o silêncio mais amplo possível.

Mas ele não disse nada, porque de repente estávamos mais próximos do que estávamos antes, e era possível perceber a tamanha fixação que ele depositava nos meus lábios, mesmo que eu estivesse fazendo o mesmo. A proximidade aumentou de forma que, dessa vez, ele mesmo pôde acabar com ela, só que mais radicalmente. Quer dizer, por que beijar pouco se podemos beijar muito?

E lá se foi o meu segundo beijo, no ritmo lento que me fazia pedir logo por mais, e que dessa vez passou a ser mais intenso do que na outra. Mas a insegurança ainda estava ali, mesmo que fosse quase imperceptível, porque ainda se tratava de beijar uma órfã que provavelmente se feriria com sua primeira decepção amorosa, claro. Ainda tentava entender o que o fazia pensar que tudo aquilo chegaria ao ponto de se transformar em uma decepção, quando estávamos tão perto do contrário. Era confuso. Garanto que, naquele momento, isso era como outro idioma zumbindo na minha mente, porque a outra parte do meu cérebro estava sendo usada pra outra coisa.

Mas ele não quis chegar muito longe — o que pelo menos aliviou mais o meu nervosismo interno — já que estávamos em um cômodo bem... restrito, digamos.

— Por que fez isso? — Quebrei o incrível silêncio e pude ver que ele corou um pouco.

Eu ri, porque sou o tipo de pessoa que ri da desgraça alheia mesmo quando está na mesma situação.

— Não precisa responder, só faça de novo — eu disse e foi o que aconteceu, outra vez.

E eu juro que depois desse parei de contar.

[...]

Levantei de manhã bem cedo depois de poucas horas de sono, com o intuito de visitar Carly no hospital novamente e saber qual era o seu estado nos últimos diagnósticos. Fui sozinha até a clínica e tentei ser discreta o suficiente para não chamar a atenção daquele segurança que deve ter lembrado do incidente do outro dia, mas tudo deu certo.

Cheguei perto da maca de Carly e fiquei um pouco tonta, mas era certo que não era nada de mais ou algo que precisasse de importância. Eu estava numa clínica médica e ali havia mais de mil funcionários que cuidariam caso algo muito grave estivesse acontecendo comigo ou com a minha crítica coordenação motora. Mas eu só cheguei mais perto e segurei as mãos da minha amiga, que ainda estavam pálidas e pouco vitais, e que logo se tornaram trêmulas ao se encontrarem com as minhas. A mágoa que me invadiu era inexplicável, mas eu me segurei.

Segundo o médico estava tudo bem com ela nas últimas horas em que não estive presente, e um certo alívio preencheu o espaço do medo quando o escutei dizer tais palavras, mas vê-la sempre me fazia criar más expectativas. Porque eu lembrava do dia em que a conheci e sentia vontade de voltar no tempo pra que tudo fosse feliz e simples — talvez mais simples do que naquele momento — para nós.

Eu estava assistindo o fim de um filme que tinha assistindo muitas vezes antes. Era surpreendente como eu amava finais de filmes. Porque os fins eram a explicação de tudo que acontecia na decorrência, e não existia nada mais gratificante que saber que em algum lugar do mundo paralelo algo estava se concluindo feliz ou infelizmente e os meus interesses finalmente me eram importados. O fim era a melhor parte depois do início e do meio para mim, e dói tanto saber que hoje eu já não tenho a mesma reflexão... É incrível como as coisas mudam depois do adeus.

Então, nesse mesmo filme que embora seja tão visível a qualquer momento para mim, nunca seja recordável o nome, recebi uma visita indesejada de uma nova vizinha do andar de baixo. Ela era magra, os cabelos — mais longos — estavam certa distância abaixo do colo e ela aparentava ser uma excelente aluna e uma tradicional adolescente americana: fútil e vaidosa demais. Uma expressão alegre que tornava seus olhos maiores, seja lá por quê. Eu não gostava nem um pouco dela, até me dizer seu nome. Carly era o seu nome. O mesmo nome que eu havia dado a uma de minha bonecas quando eu tinha só cinco anos, e mal sabia o que aconteceria semanas depois de ganhá-la.

Ela disse algo como "proposta de divisão temporária de apartamento" quando voltei a prestar atenção em suas palavras e explicou que também morava em outro lugar com seus pais, mas eles tiveram que fazer uma viagem e seu irmão finalmente conseguiu um emprego, o que a tornava completamente no direito de se tornar independente — como se isso fosse MUITO bom — e agora morava no apartamento de baixo. "O problema todo são essas dívidas" — ela continuou, e eu apenas analisei a possibilidade de usá-la para resolver o meu problema financeiro, já que eu estava enrolada com o aluguel há tempos. Sendo isso bom ou não, eu aceitei, mas não de imediato.


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Notas finais do capítulo

Gostaram?

Amo vocês!