You Only Live Once escrita por Vero Almeida


Capítulo 5
Nada é como parece.


Notas iniciais do capítulo

Voooltei!
Só pra vocês saberem (se por acaso ainda não souberem, não sei se já citei nos caps anteriores) Manson é o sobrenome do Noah, e Dawson é o sobrenome do Ryan. Tem uma parte do Cap em que eles são chamados pelo sobrenome, então eu tinha que deixar isso claro e talz.

Leiam, espero que gostem!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/472379/chapter/5

PDV da Alícia

– Ok, eu preciso descobrir que merda é essa. – Minhas mãos tremiam, eu tinha certa dificuldade para segurar a rosa em minha mão. Marie e Noah me olhavam ambos preocupados, talvez pelo ocorrido, talvez pela minha reação. – Ryan está aí?

Marie balançou a cabeça negativamente, e então uma onda de pânico me atingiu. Ana não estava (Aliás, quando aquela maluca voltaria?), Ryan não estava, e eu duvidava que existisse qualquer outra pessoa naquele lugar que soubesse tanto quanto eles sobre essa hipótese maluca de Seita. Mas, pensando bem, eu poderia tentar uma coisa...

– Então estão todos terminantemente proibidos de contar a ele. Entenderam? – Olhei bem para ambos, me certificando de que tinham entendido o recado. – Eu preciso de respostas, e ele não me deixaria fazer o que eu preciso fazer.

– Mas, Allie, o que você vai...? – Segui meu caminho até a varanda, e então para dentro de casa, e a voz de Marie foi sumindo enquanto me distanciava.

Eu precisava ficar sozinha, pensar, tentar dormir. Um admirador não arrancaria minha caixinha de correspondência, tinha que ter mais alguma coisa nessa história.

Minhas mãos ainda tremiam quando entrei no banheiro. Joguei a rosa na lixeira e abri a torneira, minha vontade era enfiar a cabeça inteira lá dentro mas como não cabia me contentei em lavar o rosto. Quando ergui a cabeça, pude ver minhas pupilas dilatadas através do velho espelho excessivamente limpo.

Suspirei.

Minhas mãos migraram para o bolso da minha calça e retiraram de lá meu velho celular companheiro de guerra. Olhei para ele por alguns minutos, avaliando e reavaliando minha decisão, concluindo por fim que eu não tinha outra opção. Ryan ia me matar, e se ele não matasse, eu morreria de qualquer jeito.

Meus dedos discaram o número de Joshua rapidamente, para que não tivesse tempo de me arrepender. Graças a Deus (ou não), ele atendeu no segundo toque.

– Olha, se não é a gata da lingerie... – Disse, ao invés do tradicional alô. As pessoas subestimam as tradições sabe? Elas existem para que não se cometam idiotices como essa. Automaticamente veio a minha mente o cara coxinha que eu conheci na praça, de camisa social meio aberta e jeans escuros. Era engraçado imaginá-lo dizendo aquilo, contive o riso. – Pensei que não fosse mais ligar.

– Ah, magina, é que eu estive ocupada. – Menti. Ok, não era uma mentira inteira, minha vida tinha sido uma loucura só desde que pisei aqui, mas nada que me impedisse de ligar se eu quisesse. – Escuta, Marie me disse que tem um restaurante perto da ala do curso de direito... - ( Tudo na Calloun é dividido por alas, a de Artes, onde estava agora, Direito, os isolados da astronomia, exatas, humanas, biológicas, etc). - Aliás tudo é sempre privilégio do curso de direito, é impressionante nem fazem questão de disfarçar. – Mencionei que tendo a tagarelar quando fico nervosa? – Enfim, eu pensei que nós podíamos almoçar juntos depois da aula amanhã?

– Almoçar? Claro... Claro! Eu estudo arquitetura, é meio longe dali. Se sair logo no fim da aula devo chegar por volta das 13:30h, tudo bem?

– Perfeito, combinado então. – Fechei os olhos, contendo o aperto que se instalou em meu peito. Essa história toda não fazia sentido, fazia? Quer dizer, provavelmente arrancaram minha caixinha de correspondências por causa da foto que Stella espalhou, algum religioso fanático que me considere uma puta ou aquelas meninas puritanas demais. Talvez um vândalo. Não quer dizer que exista uma Seita, muito menos que Joshua seja parte dela.

Então porque esse aperto não sumia? O que seria isso? Medo, talvez...

– Até mais, Josh. – Murmurei, esperando soar menos miserável do que me sentia.

Desliguei, jogando meu celular novamente no bolso da calça, e retirando-a em seguida. Eu precisava de um banho, um banho longo, colocar as idéias no lugar, e então tentar dormir.

_/_/_

PDV do Ryan

Em um dia normal, a maior parte das pessoas dessa república ainda estaria na praça. Eu teria deixado Noah sozinho e me esgueirado pra algum lugar aleatório (ou não), com Stella, Noah provavelmente iria tomar umas com os caras da Banda, ou ia encher o saco da Marie só pra variar, e os dois nerds que moravam com a gente ano passado estariam aqui, dormindo sob os livros abertos. Em geral, teria sido uma noite boa pra todo mundo.

Mas essa noite não tinha funcionado desse jeito, talvez os calouros tivessem trazido má sorte, ou talvez eu tivesse procurado a má sorte quando resolvi mudar um pouco as coisas. O que infelizmente me leva a pensar que talvez a vida sem a Stella seja mais caótica do que a vida com a Stella. E eu nunca, nunca mesmo, podia imaginar que seria assim.

Adentrei a república por volta das 3 horas da manhã, com Charlotte pendurada nas costas dentro da sua bolsa protetora. O silêncio reinava absoluto. Fui até meu quarto para largar minha carteira e minhas chaves por ali e pegar os produtos que precisava para lustrar minha princesa, já que Stella fez o favor de jogá-la no chão.

Meu quarto estava escuro, e eu não queria acender a luz. Tinha um Noah largado e roncando alto na parte de cima da beliche, e ele tinha demorado bastante pra dormir. Tinha ficado quase duas horas me enchendo por sms, fazendo perguntas como o que tanto Marie queria falar com ele, xingando o calouro Adam, e frisando como as mulheres sempre gostam mais dos caras que as tratam mal... É, as vezes eu acho que ele é mais cego do que surdo, não é possível que não veja o jeito como essa garota o olha, desde sempre.

Enfim, eu não podia acender a luz do quarto, então simplesmente joguei as coisas em cima da cama e abri meu guarda roupa, pegando os lustradores que precisava, um pano, e rumando para o quintal nos fundos da casa.

Atravessei o corredor vagarosamente, sem maiores dificuldades. A luz fica sempre acesa, normas da casa. Passei pelo quarto da Marie, como sempre, a porta aberta. Quando ela era criança o primo mais velho dela colocou uma máscara de monstro ao lado da sua cama, pra tirar sarro do modo como ela dormia, sempre de bruços, olhando pro chão. Quando ela acordou tomou um susto tão grande que nunca mais conseguiu dormir sem uma fresta de luz por perto.

Quando passei pela porta da Stella não pude resistir, enfiei minha cabeça dentro do cômodo, e como previsto não estava lá. Ela nunca vai criar juízo, nunca. Levei uma das minhas mãos à testa, puxando meu cabelo pra trás.

As vezes eu tenho vontade de dar a essa garota a surra que ela merecia e os pais nunca deram.

Quando cheguei ao fim do corredor, o som de um violão encheu meus ouvidos, acompanhado por uma voz doce. Uma voz que não tinha nada de especial, mas era afinada, gostosa de ouvir. Eu queria saber quem era.

E qual foi minha surpresa quando passei pelo aro da cozinha que leva aos fundos e dei de cara com a caloura, Alícia, e seu violão modesto e nada discreto, cheio de adesivos com estrelas fluorescentes. Ela estava sentada no banco do quintal, entretida o bastante para não notar a minha presença ali. Encostei no batente da porta e observei-a tocar, seus dedos já calejados passeavam pelas cordas duras do violão tão naturalmente, que eu arriscaria dizer que ela já nasceu conhecendo cada um desses movimentos. Sua expressão era tão calma que eu senti inveja, muita inveja. Sentia falta dessa serenidade que pra ela parecia tão natural, e pra mim quase inatingível. Quem diria? A caloura canta!

Observei-a tocar a música inteira, atento a suavidade de seus movimentos. Definitivamente tinha talento, mas era um diamante que ainda precisava ser lapidado. Um músico não pode se esconder nas madrugadas para tocar, não pode ter medo da multidão.

Quando ela tocou o último acorde da música, aproximei-me vagarosamente.

– Parece que as pessoas sempre podem surpreender. – Não que eu devesse estar surpreso. Todos sabiam de todo o malabarismo que ela teria que fazer pra manter o curso de direito e ainda aprender tudo o que puder sobre música nas horas vagas, mas sinceramente, ouvindo-a falar, não se pode imaginar que tenha uma voz tão doce e gostosa.

Ela se sobressaltou, e disse baixinho uma série de palavras em espanhol. Xingamentos, aposto.

– Desculpa, não queria te assustar. - Acrescentei. erguendo as mãos em sinal de rendição.

– Ah, cara, assustou bastante! - Ela levou uma das mãos à barriga. - Isso são horas de se andar que nem um zumbi, zumbizando pela casa?

Eu sorri, era engraçado o jeito dela de falar, de andar, e de se vestir. Agora por exemplo, ela estava com um pijama branco, e na ponta das mangas tinha uma espécie de frufru cor de rosa. Os cabelos caiam pelos ombros meio desgrenhados, provavelmente pelo vento. Esse jeito de quem comeu palhacitos no café combinava com ela.

– Eu to sem sono, e preciso tirar esses riscos da minha princesa. - Apontei pra Charlotte, sentando-me no banco e colocando-a no meu colo. Tirei-a da bolsa e coloquei os produtos no parapeito da janela atrás de mim. - Continue, por favor. Se for atrapalhar eu posso ir lá pra dentro...

– Não, relaxa. Eu já ia terminar mesmo. Preciso dormir, mas também não tive muito sucesso nisso. – Um brilho preocupado passou por seus olhos, como um vulto, mas no segundo seguinte não estava mais lá. Arqueei uma sobrancelha, podia farejar coisas erradas a quilômetros de distância. Ela descansou o violão numa mesinha de madeira que tinha entre dois bancos de jardim, diferentes, pra variar. A república inteira parecia uma colcha de retalhos, e o quintal dos fundos não era diferente. E quer saber? Eu adoro ela assim.

– Então, o que fazia tocando escondida no meio da madrugada? - Peguei minha flanela e despejei um pouco do primeiro produto nela, passando vagarosamente nos riscos, sempre no mesmo sentido, como se estivesse tocando num machucado de criança.

– Eu ... me sinto melhor sem uma plateia. - Ela disse, Se aproximou de mim, os olhinhos quase saltando das órbitas de tanta curiosidade. Transparente como uma criança. - O que aconteceu com a guitarra?

Abaixei um pouco a cabeça, mantendo meus olhos nos riscos e nos movimentos de minhas mãos.

– Stella jogou-a no chão.

A boca de Alícia se abriu num enorme “Oh!”.

– Ela tem problemas, sério mesmo. Não, olha essa guitarra! É coisa de primeira linha, nem trabalhando a vida inteira eu compro uma dessas. Foi por isso que você jogou ela na fonte, não foi? Puxa vida, você gosta pra caramba dela não é?

– Hey... - Interrompi. Era indiscreta como uma criança também, mas isso não me incomodava. Não pude deixar de sorrir diante da tagarelice, ainda que não estivesse exatamente feliz com o assunto. - Respira, garota. - Suspirei. - Ela tem problemas mais sérios do que você imagina. E eu joguei-a na fonte por uma série de fatores... Olha, eu realmente não queria falar sobre isso.

Ela sorriu pra mim, e de certa forma eu me senti reconfortado. Eu queria um pouco da paz de espírito daquela garota... Ainda que eu soubesse que alguma coisa no seu interior abalava aquela paz. Ah, eu não nasci ontem menina, logo você vai perceber que não é fácil esconder as coisas de mim. Por enquanto, vou te deixar com seus segredos.

– Não precisa me responder, eu sei. Eu vejo nesses seus olhinhos brilhantes aí. - Ela tocou a ponta do meu nariz.- Tudo acontece por um motivo, Ryan. Nada se vai sem que algo bom apareça no lugar. E quando existe amor, nenhuma separação é permanente. Talvez ela tenha que amadurecer longe de você, talvez isso seja importante pro crescimento dela, e pro seu também. e então, quando estiverem preparados um pro outro, nada vai ser um problema tão grande que vocês não possam superar juntos.

Sorri pra ela. Impressionado, confesso. Como uma pessoa podia estar ali há menos de 3 dias e saber exatamente o que dizer em uma situação que tecnicamente ela conhece tão pouco...

Lembra quando eu disse que os calouros podiam ter trazido má sorte? Agora eu tenho certeza de que estava errado.

– Como você faz isso? É onipresente? Tem visões? - Dei um soquinho no ombro dela.

– Não, só dou aos acontecimentos a devida atenção, atenção que a grande maioria não dá. - Ela deu de ombros, como se isso não fosse nada demais. - As pessoas olham demais para o óbvio, a maioria delas não olha além do que se vê.

Ela tinha razão. Eu não tinha um contra argumento pra isso. Alícia definitivamente é o tipo de pessoa que ninguém nunca ousaria prejudicar. Não sem ficar com um puta remorso depois. Lá estava ela dando conselhos pro namorado da garota que a deixou nua no meio da praça. Hey, isso me lembra uma coisa.

– Hey! Eu tenho uma coisa pra você. - Me levantei, encostando Charlotte no banco em que estava sentado. - Me espera aqui, eu já volto.

Saí correndo pelos corredores de volta ao meu quarto, preocupando-me em fazer o mínimo de barulho possível. Chegando lá, abri a primeira gaveta do meu lado do guarda roupa e retirei o embrulho verde limão com listras roxas. Quando vi, achei bem apropriado.

Corri de volta ao quintal e lhe estendi o pacote. Ela arqueou uma sobrancelha, visivelmente surpresa com o presente.

– Não é meu aniversário. - Pegou o pacote, sorrindo abertamente. As vezes ela me lembra tanto uma criança que é difícil acreditar nas coisas adultas que fala.

– Eu sei, mas tava te devendo isso.

Ela deu de ombros, rasgando o pacote sem dó nem piedade. Seus olhos castanhos quase saltaram das órbitas quando ela viu a camiseta branca com a imagem do Coldplay estampada.

– Foi a mais chamativa que eu achei.

– É linda, perfeita, muito obrigada! - Ela jogou os braços pelos meus ombros e me abraçou antes que eu pudesse me dar conta. Eu não previa essa, de modo que demorei uns 10 segundos pra retribuir o abraço. - E quem foi que te disse que eu só uso neón?

Eu olhei para o pijama branco, com as pontas plumadas de rosa, e o chinelo amarelo neón.

– Só um palpite. -respondi.

Acenou afirmativamente. Presente entregue, eu voltei a cuidar da minha belezinha. Alícia ficou ali por uns minutos, mas logo foi dormir. Ela aparentemente não tinha motivos maiores pra ficar acordada, ao contrário de mim. Aparentemente. Mas minha pulga atrás da orelha me dizia que ela ainda rolaria na cama por muito tempo antes de cair no sono.

_/_/_

PDV do Noah

O céu estava azul, tão azul que era quase difícil de acreditar que o dia de ontem tivesse amanhecido tão cinza. Bonito demais pra uma segunda-feira. Talvez seja um bom sinal, talvez seja um sinal divino de que essa maré de má sorte vai deixar nossa república assim como as nuvens deixaram. Ou não né.

A grama estava ligeiramente molhada, sinal de que Marie já havia levantado e ligado o irrigador por alguns minutos. Eu não me importava com isso, estava deitado sob a grama, sentindo minha camisa molhar aos pouquinhos.

Eu ainda estava com uma vontade tremenda de quebrar a cara daquele imbecil, mas quando eu finalmente voltei pra república na madrugada anterior, ele já estava dormindo tranquilamente no quarto designado a ele, a cama ao lado ocupada pela “amiga” dele, já que veio com ele e não tinha como voltar sem ele. Quando acordei hoje, ambos já tinham se mandado, e Alícia (Com olheiras enormes pela falta de sono) me disse qualquer coisa sobre a garota ter que trabalhar.

Tanto faz, agora eu estou aqui, deitado, pensando o que raios Marie tem para me dizer. Ela precisa mesmo me dizer com todas as letras que ta afim desse cara? Eu já reparei isso. E isso me deixa com mais raiva daquele desgraçado. Porra, se eu tivesse o amor dela, ela seria a única pra mim. Na verdade, mesmo sem ter, ela ainda é, mas enfim. Como ele pode simplesmente aparecer com outra um dia depois de beijá-la? E dizer que não foi nada? Basta um olhar pra ela pra perceber que ela não é o tipo de garota pra aventuras, e eu não vou deixar esse pau no cu brincar com ela.

Eu estava perdido em pensamentos, e em todo esse silêncio que me acompanha em todos os lugares, de modo que fiquei um pouco surpreso quando uma cabeleira loira surgiu acima da minha cabeça, acompanhada de brilhantes olhos azuis, e um sorriso encantador.

– Olá meu anjo da guarda brigão. - Li seus lábios, e não pude deixar de sorrir. Não me levantei.

– Ele mereceu.

Ela manteve o sorriso e se deitou ao meu lado, aparentemente se importando com a grama molhada tanto quanto eu. Mantive meus olhos nela, preocupado em não perder uma palavra que seja de seu discurso. Eu já disse que as vezes, sozinho, eu fico imaginando como será a voz dela? As vezes quando seus lábios se movem, eu imagino uma voz saindo de lá, eu a escuto na minha mente. Mas Deus, como eu queria ouvi-la de verdade.

– Não mereceu não. - Ela disse, acomodando-se de lado e olhando para mim. Ela mantinha seus olhos nos meus, e meus olhos oscilavam entre seus olhos e a boca. - Noah, ele só estava me ajudando, ok? Adam é meu amigo desde que eu me conheço por gente, nunca aconteceria nada entre a gente.

Eu estava a ponto de pedir para ela repetir. De repente eu estava tão retardado que nem leitura labial eu estava conseguindo fazer. Eu não podia ter entendido certo, não faz sentido.

Por outro lado, eu desejava quase desesperadamente que fosse realmente verdade.

– Mas eu vi vocês se beijando, e o vi com outra ontem. Ela suspirou, pegou uma das minhas mãos e passou a brincar com meus dedos. Ela estava evitando olhar pra mim pela primeira vez naquela conversa. Porque será?

– Lyla é irmã dele, Noah… E nunca aconteceu nada entre nós dois. - Ela disse, a voz baixa, ainda sem olhar pra mim. - Eu o beijei porque eu queria chamar a atenção de um outro cara. Um cara que eu to de olho faz um tempinho.

Acenei afirmativamente. Ela não estava mentindo, era uma péssima mentirosa. Estava falando a verdade. Mas como? Como eu nunca percebi que ela estava interessada em outro? Bom, Isso não mudava muito minha situação, mudava? Ela não estava apaixonada por Adam, mas estava por outro. E agora eu ainda devia desculpas a esse cara.

– Entendi. - Murmurei. Não ia perguntar quem era, não me interessava saber. Mas me interessava fazer-lhe um pedido. - Só toma cuidado, ok? Não aceita qualquer coisa, você merece mais que isso. E se precisar que eu quebre umas caras, é só avisar. - Eu olhava pra ela enquanto falava, lutando pra controlar as emoções. Não queria que ela tivesse ciência dos cubos de gelo que desciam pela minha garganta entalando nas laterais. O interesse dela por outra pessoa era dificil de digerir.

Ela riu, e subiu em cima de mim, me agarrando como um urso. Retribui o abraço, enfiando meu nariz sob seus cabelos, sentindo seu cheirinho de erva doce.

– Hey, você viu que a Ana chegou? - Ela saiu do meu abraço, voltando a sua posição inicial, para meu desagrado. Ana. Eu tinha ficado tanto tempo sem ver aquela louca desvairada que quase tinha esquecido que ela existia. Bom, situarei você, caro leitor. Tudo bem, estamos na faculdade, a maioria já é maior de idade e todos somos adultos. Teoricamente. Mas ainda somos irresponsáveis e inconsequentes aos olhos da diretoria, além de é claro, sermos muitos alunos ao todo, de modo que cada uma das repúblicas tem um coordenador docente responsável. Você sabe, pra circunstâncias especiais, pra intermediar essa relação entre aluno e diretoria, enfim, essas coisas que coordenadores fazem, resolver problemas.

Teoricamente, Ana devia ser nossa coordenadora e, você sabe, cuidar da gente. Mas na prática, é quase o contrario. Nós colocamos alarmes no pager dela pra lembrá-la da maioria das coisas que deveria lembrar, e eu tenho certeza que coloquei naquele maldito pager que ela deveria chegar na sexta. Dois dias de atraso é bastante coisa, ela perdeu a reunião de coordenadores, e isso deixou o coordenador chefe nada feliz atrás dela. Eu já comentei que no calor ela vai pra sua linda sala localizada num canto da república, fecha as portas, liga o ar condicionado, e coloca uma placa escrito: “Não entre, estou nua!” Na porta? Ninguém sabe se ela efetivamente fica nua, nunca pagamos pra ver, mas eu posso apostar que sim.

– Não, quando foi isso? - Além de docente ir(responsável) da nossa república, ela dá aula de dança na maioria dos cursos que envolvem dança na faculdade. E cara, ela é a melhor dançarina que eu já vi.

– De manhã bem cedo. Deve ter virado a noite, tava de jeans rasgado nos joelhos e uma camiseta dos Beatles toda amassada. Ela disse que acha que tem um papel pra mim no próximo musical. - O sorriso dela se iluminou, e eu não pude deixar de sorrir também. Fazia tempo que ela queria isso.

– Putz, que ótimo!

– É, mas pra você nem tanto. - Ela mordeu o lábio inferior. - Ela ta muito puta com toda a confusão dos últimos dias e talz, e ela já sabe que você socou o Adam, e que o Ryan jogou a Stella na fonte, e a Stella deixou a Alícia só de Lingerie na frente do banheiro da praça.

– Isso vindo da professora que agarra os alunos de mestrados, doutorados, e aposto que até graduandos nos banheiros desertos do campus! Sem falar da vez que a Stella botou fogo no forno elétrico e aí eu e o Ryan invadimos o quarto dela atrás de ajuda e ela estava com o pai daquele garoto gordinho que morava com a gente! - Marie olhou por sobre o meu ombro mas logo seu olhar se voltou pra mim novamente, parecia apreensiva. - E ela nem ao menos se lembraria dos compromissos dela se não fosse a gente, isso sem falar nas garrafas de Vodka que ela esconde numa geladeira disfarçada de gaveta com tranca no escritório dela. E eu não posso nem socar o cara que eu pensava que tinha usado minha melhor amiga? - Ela fechou os olhos, com cara de “fudeu”. Não entendi porque até sentir uma mão pequena e macia no meu ombro. fechei os olhos, me preparando pra enfrentar a fera de 1,50 cm que com certeza fazia mais estrago que um gigante de 10 m. Não precisava me virar para saber que era ela, os olhos de Marie me diziam isso, e a pressão que os dedos faziam no meu ombro também.

Me virei, e encontrei Ana Kailis, a professora de dança irresponsável, me encarando com a sobrancelha arqueada e um sorriso divertido nos lábios. Mas eu não me deixava enganar pelo sorriso. Sabia que acabaria pagando pelo que tinha dito direta ou indiretamente.

– A questão, Manson... - Li seus lábios, pareciam tranquilos, divertidos. - Não é o que se faz, e sim ser esperto o bastante para não ser pego. E quando for pego, saber reverter a situação a seu favor. Você poderia ter socado Adam num dos banheiros desertos no campus, seria mais inteligente do que fazê-lo no meio da praça lotada. Ou então, provocá-lo a ponto de fazê-lo dar o primeiro soco. - Ela se aproximava de mim a medida que falava, dando suas piruetas e gesticulando hora ou outra para dramatizar a situação. - O fato Noah é que eu posso fazer o que quiser com meus alunos, são todos maiores de idade, e se preciso posso justificar o tempo que passo com eles. Sei lá, um trabalho contra a timidez, descarga de agressividade. Olha minha cara de anjo, quem duvidaria de mim? - Ela piscou os olhinhos pra mim, para reforçar seu argumento. - Por mim, vocês são livres para botar fogo no campus inteiro, desde que façam direito. E não existe regra nenhuma no regulamento da Faculdade que me proíbe de sair com pais de alunos, só pra constar. - Ela ficou em silêncio por 3 segundos, em seguida acrescentou: - E se tudo isso falhar, suborna o cara porra, mas não deixa a merda chegar no diretor!

– Podia dormir sem essa. - Marie comentou, desnecessariamente.

– Passa no meu escritório pra assinar a advertência. E leva o Dawson com você. – Ana piscou para mim, e então seguiu seu caminho rumo à varanda.

– Bom... – Marie levantou-se, e por uns segundos os reflexos solares a envolveram. Era uma visão de tirar o fôlego, tentei não babar. – Eu tenho que ir pra aula...

Acenei afirmativamente, me levantando em seguida. Ela jogou os braços em volta do meu pescoço e eu a abracei forte, levantando-a alguns centímetros acima do chão.

– Eu to aqui pra você... Sempre. – Murmurei, ainda sem desvencilhar-me do abraço.

Senti as mãos dela em meu rosto no segundo em que seus pés voltaram ao chão.

– Eu sei. E eu agradeço por isso. – Beijou minha bochecha demoradamente. – E a recíproca também é verdadeira.

Sorriu para mim, e se afastou saltitante para dentro de casa, provavelmente para trocar a camiseta molhada.

_/_/_

PDV da Ana

– Como é que é? Você nem chegou direito e já tá me suspendendo?! Quem você pensa que é? - Stella estava parada diante da mesa do meu escritório, visivelmente indignada e apontando o dedo na minha cara.

Inspira, expira. Vamos lá Ana, vamos garota. Você já chegou aqui dois dias atrasada, se socar a cara de uma de suas alunas acaba sendo demitida por justa causa mesmo que você dance particularmente para o seu chefe. Contei até 10 mentalmente, e então levei uma das mãos a nuca, massageando a mesma enquanto estalava o pescoço. Deixei meus olhos vagarem pelo cômodo, passando pela estante de Cds e livros, e estacionando no enorme poster do Bono vox (tamanho real, não é tudo? *o*). Hey gatão, me dê forças nessa hora.

Então, controlada a minha vontade de voar no pescoço dela, eu aproximei meu rosto do dela, e comecei meu discurso, da forma mais calma que consegui.

– Eu sou sua coordenadora, a ponte entre você e a diretoria. Você deixou uma aluna pelada em público, Stella. E se não fosse por mim, tinham te expulsado. Então se eu fosse você, eu abaixava bem essas orelhas e ia pra casa sem reclamar. Porque comigo você não vai gritar.

Ela manteve os olhos nos meus e não recuou, nem por um segundo. Se manteve assim por um tempo, e então pegou sua suspensão e assinou.

– Isso não vai ficar assim. Mas não vai mesmo. - Ela disse, entre dentes.

– Seu motorista está te esperando na sala de estar.

– Você chamou meu motorista?! - Elevou novamente o tom de voz. - Quantos anos você acha que eu tenho? 10?

– Você passou a noite inteira sei lá onde, e está até agora com a roupa úmida e amassada. Grita como um criança mimada com qualquer pessoa que te contraria, e faz brincadeiras de mal gosto o tempo inteiro. Quer que eu te trate como?

– ARGHHHH - Ela gritou, e saiu batendo o pé, derrubando meu abajur de canto e socando meu poster do Elvis Presley atrás da porta.

– Hey! Mais respeito com o Rei!

E a porta bateu.

_/_/_

PDV da Stella

– Ah vá, respeito com a puta que pariu. - Murmurei, batendo a porta da sala da vaca da Ana Kailis. Ela é o cúmulo da hipocrisia cara, na moral. Ela tinha que se olhar no espelho antes de me suspender. Se os superiores dela soubessem da metade das coisas que eu sei, ela não seria docente em lugar nenhum da Inglaterra nunca mais!

Cara, sinceramente eu não dou a mínima por ter sido suspensa, eu não preciso de um diploma. Se eu abrir a boca, provo que sei cantar, não preciso disso aqui. Mas eu não quero ir pra casa. Não posso ir, uma semana lá e eu enlouqueceria.

Ahh aquela baixinha imbecil vai me pagar por essa, ahh vai.

Atravessei os corredores socando e chutando paredes, xingando, pensando, pirando. E então, quando cheguei na soleira da porta da sala de estar, observei um gorducho baixinho e muito familiar.

– JOOOOOOOOOOOOOOOE! - Atravessei a sala correndo e me joguei nas costas dele, como faço desde meus cinco anos de idade. Eu podia ser insuportável e grossa com todos, inclusive com o cara que eu amo. Mas eu nunca conseguiria ser assim com ele. Não suportaria atacá-lo sabendo de todas as noites que ele passou em claro enxugando minhas lágrimas e me contando histórias, tentado se fazer ouvir enquanto meus pais gritavam e quebravam o quarto ao lado. Pra ele, eu sempre vou ser aquela garotinha, e pra mim, ele sempre vai ser um anjo protetor. Ainda que eu saiba que não mereço um.

– Hey! - Ele exclamou, me tirando de suas costas e virando-se de frente, para me dar um abraço apertado. - Como anda a minha garotinha? Eu estou morrendo de saudade de você agora mocinha, mas não pense que vai escapar de uma boa conversa mais tarde. E pode me explicar porque suas roupas estão um caco? Você passou a noite com essa blusa molhada, Stella? Não, né?

– Ah Joe paaaaara. Não me aluga não vai? Todo mundo anda fazendo isso ultimamente.

Ele arqueou uma das sobrancelhas, e suspirou fundo. Seus braços se estreitaram ao redor dos meus ombros.

– Eu sei que você entende perfeitamente os absurdos que faz. - Começou ele, não em tom de censura, mas conversando. Simplesmente conversando. E isso era o que eu mais gostava nele. - E também sei que você é uma boa menina. - Seus lábios tocaram minha testa, e seus bigodes grisalhos arranharam um pouco. - Mas quando é que você vai criar juízo hein?

Joe é a pessoa que eu mais amo no mundo, empatado com uma pessoa que eu odeio no momento, mas glicose demais não é pra mim não. Resolvi mudar de assunto.

– Então, e meus pais? Eles tão sabendo da suspensão? - Perguntei, finalmente soltando-o.

– Estão sim, Eleanor recebeu ordens para arrumar seu quarto e eu pra vir te buscar. Foi o único comentário que fizeram sobre o assunto. E claro, tomaram as devidas precauções para que ninguém mais saiba do incidente, embora eu não veja motivos pra sua suspensão interessar pra alguém.

Ah eu vejo. Imagina a filha do grande publicitário James Windsor aparecer nos tablóides sendo suspensa, com os cabelos vermelho vivo, calças rasgadas e bandas de rock estampadas em camisetas pretas? Aonde ele ia enfiar todas as palestras e discursos sobre como ter a família perfeita pode repercutir na carreira de um homem bem sucedido? E o projeto da Biografia dele? E as campanhas publicitárias de manteiga onde uma família linda, loira e normal toma café da manhã feliz da vida?

Uma única foto pode resultar em chantagens, manobras, dinheiro perdido. E eu tinha acabado de ter uma ideia.

– Vou ligar pra eles, Joe.

Peguei meu celular no bolso posterior da calça e digitei o número rapidamente. Esperei alguns segundos, e uma voz feminina atendeu.

– Oi mãe. - Eu disse, educadamente. - Eu fui suspensa.

– Eu sei querida. - Ela respondeu, do outro lado. - Seu quarto já está pronto.

– Não vai ao menos brigar comigo?

– Porque, alguém ficou sabendo? - Sua voz pareceu mais urgente, pela primeira vez na conversa eu soube que sua atenção estava no telefone, e não em qualquer outra coisa que ela estivesse fazendo.

– Não, mas eu estou te dizendo que fui SUSPENSA. No PRIMEIRO DIA DE AULA!

– Ah, não se preocupe querida. Já cuidamos de tudo.

– Você nem ao menos vai querer saber o que houve? - Perguntei, fazendo-me de indignada, como se eu já não estivesse acostumada a esse tipo de coisa. - Pois eu não vou pra casa se nenhum de vocês vier me buscar!

Os olhos de Joe se arregalaram, e suas mãos foram a testa, num gesto involuntário que revelava sua preocupação.

– Então fica aí querida, como quiser. Mas venha na sexta, vai ter um jantar aqui em casa , diretores querendo contratar as palestras do seu pai. Tira esse troço vermelho do seu cabelo, vista o que eu mandar você vestir, e leva seu namoradinho com você. Se puder fazer ele cortar o cabelo, seria legal.

– Mãe, eu não tenho mais ….. - Desligou - Namorado. INFELIZES! Odeio vocês!

Joguei meu celular na poltrona da sala e sai pisando duro, de volta pra sala da Ana. Tinha que conseguir uma foto minha com aquele maldito pedido de suspensão.

– Hey, você e Ryan terminaram? Stella, aonde você vai? Stella?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

É isso, gostaram? Por favor, conversem comigo ç.ç
Sou legal, juro!
Estou pensando em começar uma fic de Harry Potter, mas sei lá, tenho medo de não dar conta de duas fanfics ao mesmo tempo (sim, sou lerda pra escrever, demoro cerca de uma semana pra fazer um cap.)
Bom, espero que tenham gostado! ;D

Beeijos e até a próxima.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "You Only Live Once" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.