You Only Live Once escrita por Vero Almeida


Capítulo 4
Domingo preguiçoso? Não pra nós Baby!


Notas iniciais do capítulo

Voooltei! Fiz as mudanças de POV em português porque a Aylla di angelo pediu. Aliás, queria agradecer muito, do fundo do meu heart pelos comentários perfeitos que ela deixou pra mim, me deu um novo ânimo para escrever. Obrigada Flor



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PDV do Ryan

Eu não queria voltar pra república. Não queria de jeito nenhum. Já tinha comprado a camiseta, rodado a maioria das lojas dali, babado numa loja de instrumentos de 3 andares por mais de uma hora, levado meu carro pro lava rápido, batido um rango lá numa lanchonete de esquina, e voltado pra loja de instrumentos pra comprar um violão pelo qual eu tinha me apaixonado na primeira visita. E agora estava ali, encostado no carro, tocando coisas aleatórias depois de ter afinado minha mais nova princesa. Coleciono instrumentos de corda desde que comecei a levar a música a sério. A maioria são violões, 5, contando com minha mais nova aquisição. Mas tenho também duas guitarras e um baixo.

Eu não queria voltar por duas razões bem simples. A Stella podia estar lá. A Stella podia não estar lá. Se ela estivesse lá, eu seria recebido com um abajur no meio da testa, milhares de xingamentos, eu me irritaria, quebraríamos metade da casa, diríamos barbaridades, e aí eu sairia pra me embebedar e ela quebraria a outra metade da casa.

Se ela não estivesse lá, eu ficaria dividido entre sentir raiva ou preocupação, discutiria internamente comigo mesmo por cerca de 15 minutos, tentaria ligar pra ela, e se ela não respondesse, eu pegaria o carro e iria atrás dela.

Por onde será que ela anda? O que será que andou fazendo? Será que nem solteiro eu ia deixar de me preocupar? Isso não é mais problema meu...

… Mas eu morreria de remorso se algo acontecesse a ela.

Eu não queria voltar, mas queria saber dela. Coloquei Petúnia ( Sim, meu violão se chama Petúnia. Alguma coisa contra?) no banco traseiro do meu carro e tirei meu celular do bolso. Sabe com que nome o número dela estava salvo no meu celular? Headache. (N/A: Dor de cabeça em inglês) Irônico não? Costumava ser um apelido carinhoso, mas agora parecia assustadoramente apropriado.

Observei o nome na agenda, dividido entre ligar ou não. Desde as 10 horas da manhã, quando a inquietude do Noah me incomodou tanto que eu tive que levantar, eu já recebera umas 10 mensagens dos caras da banda, perguntando o que raio tinha acontecido com a Stella e se nós tocaríamos hoje na praça.

Bem, eu não poderia responder a essa pergunta enquanto não falasse com aquela louca.

Não Ryan, você não vai ligar, para de arranjar pretexto pra isso.

Dane-se, apertei o botão da discagem rápida e levei o celular ao ouvido. Parte de mim rezava pra que ela não atendesse, mas eu a conheca o suficiente pra saber que atenderia. E seria particularmente insuportável. Era assim que as coisas funcionavam pra ela.

– Hey Docinho! - Eu podia sentir a acidez em suas palavras. Como previsto, ela atendera por um unico motivo: Esfregar essa ligação na minha cara pelo resto dos meus dias. - Deu saudade foi? Não consegue ficar sem meu corpinho sexy, é?

Além da acidez, tinha outra coisa que eu notava em sua voz. Cara, era inacreditável, nunca vi tanta irresponsabilidade em uma pessoa só.

– Stella, você bebeu?

– E você não, baby? - Ela riu. Se estivesse na minha frente eu a atropelaria com meu carro. Juro que sim. - Ah é mesmo, eu esqueci, você quase não bebe, não é mesmo?

– Eu bebo em casa! Ou na praça! Não no meio da rua. Você tem noção de quantas coisas ruins poderiam ter te acontecido? Aliás, voltando ao real motivo desta ligação: Aonde você está sua retardada?

– Porque eu deveria te dizer? - Ela falava baixo, num tom indiferente e extremamente irritante. Eu não sabia onde estava e não podia dizer com certeza, mas podia apostar que ela estava sentada em algum lugar, encostada, uma mão segurava o celular e a outra brincava com os fios avermelhados, um sorriso sarcástico no rosto. - Ta com saudade é? Compra uma boneca inflável, a minha cara você não vai ver tão cedo.

– Deixa de ser infantil, por mim você que se exploda. - Mentira, mas ela não precisava saber. - Desde que você apareça na praça pra cantar, não me importa o que você fizer com o resto do seu tempo.

– Ah não conte com isso, baby. - Ela disse, simplesmente. Como se jogar fora todo o esforço, os ensaios, e o tempo gastos não fosse nada demais.

Fechei meus olhos, contando até 10. Não grita, cara. Não perca sua paciência. Sugar o ar pelo nariz, soltar o ar pela boca, não era isso que ensinavam naquelas aulas de relaxamento?

– Tudo bem. - Disse, fazendo um esforço tremendo pra não jogar meu celular no chão e pisar nele até não poder mais. - Não quer ir, não vai. Mas eu não vou deixar que você jogue todo nosso trabalho fora, que fique claro.

Desliguei o telefone. Mal tinha finalizado a ligação e já digitava freneticamente o número de Kyle.

– Hey cara! - Ele atendeu. - Achou a maluquete?

– Ela não vai dar as caras. - Disse, praticamente cuspindo as palavras. - Mas nós vamos.

–/-/-

PDV da Marie

– Vamos, levante-se daí! - Alícia entrou no quarto, se jogando sobre mim e quase quebrando meus ossos. Sabe, meio que me assusta ela ter tanta intimidade comigo ( e com todos ao seu redor) estando na república a cerca de 2 dias. Acho que se fosse qualquer outra pessoa, seria hiper estranho. Mas com ela era natural, era o jeito dela, simplesmente se intrometia nos assuntos alheios e ninguém se incomodava porque eram evidentes suas boas intenções. Era fácil confiar nela.

– Noah ficou feliz, Allie, gostou de me ver com outro. Me disse que estava feliz por eu ter encontrado alguém e não estar mais sozinha. – Eu odiava essas palavras, e mesmo assim tinha passado grande parte da manhã de moletom revivendo-as na minha cabeça. Eu, de moletom. É o apocalipse.

– Meu Deus, garota. Você não enxerga um palmo diante do seu nariz, não é? - Ela saiu de cima de mim e se ajoelhou ao lado da cama, olhando nos meus olhos de maneira tão séria que chegava a ser perturbadora. - Homens são orgulhosos, caramba! Você beijou um cara na frente dele. Achou realmente que ele demonstraria o ciúme dele pra você?

– Não tem ciúme nenhum... – Disse, suspirando.

– Eu vi vocês dois juntos. E sei bem o que eu vi. – Ela colocou a mão em meu ombro gentilmente. – Agora levanta, vamos! Nós vamos pra praça. Noah me disse que o Ryan vai cantar hoje e eu não posso perder isso!

Ela quase cantarolava, saltitando pelo quarto. Não pude deixar de sorrir.

– Aliás... – Parou de repente – Como será que Noah consegue tocar bateria?

Meu sorriso se alargou, balancei a cabeça negativamente, olhando para o chão.

– Ele já me respondeu essa pergunta. – Seus olhos se voltaram atentamente para mim assim que disse isso. – Me disse que sempre esteve em contato com a música, ele sabe tocar teclado, violão, mas sempre preferiu a bateria. A maioria das partituras ele já sabe de cor, e as que não sabe, ele sente. Nós estávamos na praça, logo nos meus primeiros dias. Ele estava montando-a no coreto, e então quando fiz a pergunta ele levou minha mão até um dos pratos e bateu com a baqueta nele, fraco, só pra demonstrar mesmo. Eu senti o prato vibrar sob meus dedos, e ele me disse que era assim que escutava. Sentia o instrumento vibrar sob seus pés, e através da baqueta. Claro que precisa de ajuda pra algumas coisas, mas se vira muito bem com a bateria. Deus, eu tenho tanto orgulho dele...

– Eu sei. – Ela me olhava com aquela cara fofa de quem viu um filhote fofo numa vitrine, e então eu percebi que devia estar com cara de imbecil de novo. – Pare de jogar com ele... Diga logo como você se sente.

– Não posso. Isso só ia nos afastar.

– Eu acho isso uma bobagem sem tamanho, mas não vou insistir. Agora levante-se e vamos. Você vai comigo! – Suas mãos agarraram a minha, me puxando para fora da cama.

–/-/-

PDV da Stella

Eu tinha uma visão privilegiada, sentada em um cantinho deserto da praça atrás do quiosque de lanches naturais onde ninguém nunca aparecia, exceto aquelas loiras anoréxicas, Tinha tentado o banheiro feminino, mas ficar sentada nas divisórias dos boxes dói a bunda pra caralho.

Eu não pretendia aparecer naquela praça, não mesmo, mas o infeliz do Ryan veio me dar lição de moral dizendo que não ia deixar que eu estragasse os esforços da banda. Não que eu dê a mínima pra lições de moral, mas que raios ele pensa que vai fazer? São meus amigos, a minha banda, e ele só está lá porque eu o coloquei lá. Ele não é louco de ousar tocar sem mim, ahh mas não é mesmo.

Olhei para o relógio, 14:30. O microfone estava aberto há cerca de meia hora, o horário era diferente aos domingos. Olhei em volta, nem sinal de Kyle, Ryan, ou Nathan. Noah também não estava lá, lógico. Nem gêmeos siameses se grudam tanto quanto esses dois. Parecem duas biscatinhas!

Bom, eu estou cansando de brincar de me esconder, e minha barriga está roncando! Quando eu perder minha paciência essa palhaçada vai acabar rapidinho.

–/-/-

PDV do Ryan

Eu tenho uma coleção razoavelmente grande de instrumentos, mas Charlotte é com certeza minha preciosidade suprema. Meu pai me deu quando troquei a faculdade de Biologia pela Música. Ele me levou até um velho amigo dele, especialista em guitarras, e eu bolei Charlotte junto com ele. Bom, quem colocou a mão na massa efetivamente não fui eu, mas eu disse a ele como eu imaginava a guitarra ideal, e ele fez pra mim, exatamente como eu queria.

Ela era raramente usada fora da segurança absoluta do meu quarto, mas eu simplesmente achei que aquele dia pedia um toque especial. Ela nunca tinha sido usada em uma apresentação, e nós nunca tínhamos tocado sem a Stella. Talvez a combinação desse sorte.

Tirei Charlotte da capa, passando sua alça pelo meu pescoço. Encostei em qualquer muro ali e comecei a afinar as cordas.

– Wow, finalmente tirou essa belezinha da caixa huh? - Nathan ergueu a mão para encostar na guitarra, fuzilei-o com o olhar. Ele recuou rapidamente. - Ok, entendi. É a sua garota.

Acenei afirmativamente, ainda afinando as cordas.

– Cara, comeram sua lingua? Faz mais de meia hora que não te escuto falar.

Sorri meio de lado, sem tirar os olhos das cordas. - To só tentando manter o foco. E acho que vou precisar de fôlego extra, caso Stella tente me enforcar.

– Ah, bobagem. Stella nunca te enforcaria. Ela deve ter um dispositivo de bombas instalado embaixo do coreto, pronto pra explodir assim que pisarmos nele. - Finalmente tirei os olhos de Charlotte, tirando-a do meu pescoço e encostando-a no muro MUITO cuidadosamente. Fixei meus olhos em um ponto vago. Eu acho que ela seria perfeitamente capaz de colocar uma bomba embaixo do coreto. Quase que lendo meus pensamentos, ele acrescentou: - Relaxa, ela não vai dar as caras aqui hoje.

E isso podia ser um alívio por um lado, mas era muito preocupante por outro.

– Essas pessoas que sempre nos ouvem nos fins de semana, não querem me ouvir cantar. Elas querem que eu toque, e ela cante.

Ele arqueou uma sobrancelha, abrindo um sorriso debochado. - Ta me zuando né? Você não vai ter uma crise de mulherzinha agora.

Dei de ombros, indiferentemente.

– Não to tendo crise nenhuma, só to constatando um fato.

– Mano, larga de bichisse, vai lá e canta essa merda. A música é sua, ninguém vai cantar isso melhor do que você.

Stella iria, com certeza. Ela pode não saber tocar, ou compor, mas ela tem um dom. E eu sempre me apaixono por ela toda vez que a ouço cantar.

Tanto faz, ela não estava ali, e eu tinha uma banda pra salvar da irresponsabilidade da vocalista doidinha. .Eu sabia que era a coisa certa a fazer.

Coloquei Charlotte novamente nos ombros.

– Já afinou esse baixo? - Nathan acenou afirmativamente. - Tudo certo na Batera? - Noah acenou de cima do coreto, Eu respirei fundo. - Então vamos nessa.

Subi, um degrau, depois o outro, vagarosamente. Tudo parecia ocorrer em câmera lenta. Eu subi, nos apresentei, e meus olhos vasculhavam as pessoas em busca de Stella, mesmo sabendo que ela não estaria lá, o que era meio preocupante porque ela sempre fazia o que todo mundo pensava que ela não fosse fazer.

E então, a partir do momento em que eu toquei o primeiro acorde, o tempo pareceu voar.

Eu nunca tinha cantado pra um público, e mesmo que esse público seja um grupo de cerca de 200 jovens universitários se embebedando com cerveja, era bom, era muito bom. Eu passei os últimos anos da minha vida tocando e fazendo apresentações pequenas como essa, mas nunca nos holofortes. Eu nunca tinha sido aquele em quem todos prestam atenção, eu nunca tinha sido a voz que dá sentido as palavras, e eu definitivamente não era a voz que aquelas pessoas esperavam ouvir essa noite. Mas eu espero algo dessa apresentação. Espero que alguém escute essas palavras, qualquer pessoa. Quero que de alguma forma a minha música toque alguém essa noite, que essa pessoa me escute sussurrando pra ela, e saiba que de alguma forma estar ali fazia parte do seu destino, porque nas linhas da canção estão as respostas de que ela precisa. Quero que essa pessoa encontre na minha música o que ela vem buscando, e nunca encontrou, e espero do fundo da minha alma que isso lhe abra uma porta, um novo horizonte. É por isso que eu faço minhas músicas, e pensando nisso, eu cantei as cinco músicas planejadas, uma após a outra, sabendo que eu nunca seria tão bom quanto Stella, mas ainda seria bom o suficiente pra alguém.

… E se eu puder alcançar ao menos uma pessoa, uma que seja, vou saber que meu trabalho foi bem feito, e valeu a pena.

Quando finalmente paramos de tocar, eu respirei fundo, e ali estava novamente a maldita câmera lenta. O silêncio que se seguiu me pareceu uma eternidade, e eu vasculhava o rosto das pessoas buscando qualquer sinal de aprovação, ou não. Eu olhava tão atentamente para as pessoas que hoje não sei dizer como pude não ter visto de onde surgiu a primeira palma, mas depois dela várias outras se seguiram, acompanhadas de gritos, e até alguns pulos de aprovação.

Eu ri, ri que nem retardado. Juro que tentei me conter, mas era um sentimento que não cabia dentro de mim. Joguei uma garrafinha de água sobre a minha cara, ainda rindo, e então meus companheiros de banda já estavam a minha volta, me cumprimentando.

Mas mesmo que tudo parecesse um sonho naquele momento, ainda era a minha vida, então eu deveria saber que alguma merda aconteceria para por tudo a perder. Eu deveria até mesmo saber que essa merda tinha um nome. Um nome, cabelo vermelho, e um bastão de beisebol no meio das pernas.

Sim, no meio das pernas, as mãos estavam ocupadas aplaudindo cinicamente. E lá estava Stella, parada bem em frente ao coreto.

Os caras já estavam saindo com seus instrumentos, eu tirei Charlotte dos ombros e desci as escadas do coreto, Noah estava me esperando logo embaixo, com a capa da guitarra.

– Hey! Cara, isso foi incrível, você não tem noção dos coment...

– Ela está aqui. - Não deixei ele terminar. - Ela está aqui. Depois de me dizer que não viria, e ela tem UM BASTÃO DE BEISEBOL!

– E ela vai acertar sua cara, seu corno mal amado! - Ela estapeou meu ombro, e automaticamente minha mão migrou para o local, tentei não dar muita atenção pra isso uma vez que ela era louca o suficiente para desferir o próximo golpe com o maldito bastão.

– É a MINHA banda! São os MEUS amigos! E já eram meus antes de você aparecer. Quem você pensa que é pra tocar sem mim? Eu devia ter subido lá, devia ter acabado com essa putaria, mas eu queria ver até onde você iria com esse seu showzinho patético!

– Patético? Parece que eles não pensam assim. - Eu respondi, calmamente, apontando pra Kyle e Nathan, que falavam com algumas pessoas. Noah lançou para mim um olhar de solidariedade, antes de subir de volta ao coreto provavelmente para desmontar a bateria.

– FODA-SE, nós somos um time, não podiam ter tocado sem mim, e eu sei que a ideia foi sua!

– Você sumiu por mais de 24 horas, não quis tocar ontem e não deu nenhum sinal de vida durante o dia todo. A gente ensaia cara, a gente dá duro, e não é uma garotinha mimada que sempre teve tudo fácil que vai arruinar isso.

– Você melhor do que ninguém devia saber que eu não tive tudo o que eu quis, muito menos fácil. Olha pro seu umbigo, se não é o cara que ganhou uma guitarra exclusiva do papai e pensa que por isso tem algum talento pra música. Acorda! EU tenho o talento. EU coloquei você aqui, e EU posso tirar você a hora que eu quiser.

Ela arrancou Charlotte das minhas mãos, e foi um gesto tão inesperado e repentino que eu nem mesmo relutei, quando me dei conta do gesto dela, a guitarra já estava em suas mãos.

– Não ouse estragar essa guitarra, Stella Windsor.

Sua boca se abriu em um enorme “o”, e então minha guitarra foi ao chão, e eu juro que posso escutar o barulho que se seguiu até hoje na minha cabeça.

– Nunca me desafie... Já devia ter aprendido essa lição.

– Você vai pagar por isso. - Peguei-a pelos joelhos, jogando-a sobre meu ombro. Suas mãos me batiam e me socavam, e cara, doía pra caramba, mas eu não ia soltá-la. - Você simplesmente some, e então aparece dizendo que a minha música não presta e que eu só estou aqui graças a você, e como se não bastasse você simplesmente joga minha preciosidade suprema no chão. Ah, é melhor você torcer pra que os riscos não sejam muitos, porque você vai pagar por cada um deles. KYLE! - Me virei para ele, ainda com Stella sobre os ombros, tentando ignorar seus tapas e socos. - Guarda a Charlotte pra mim, eu tenho contas pra acertar com esse macaco aqui.

– MACACO É A MÃE! - Ela gritou, ainda se debatendo, tentando se soltar. - Ah é, eu esqueci! Você não sabe quem é sua mãe, ela largou seu pai por um bateristazinho de merda quando você era um bebê.

Fechei os olhos, disposto a não me deixar abalar pelo jogo sujo de uma garotinha mimada que se recusava a crescer. Mantive meu foco, e a levei até a fonte central da praça. Atirei-a lá dentro.

– Eu tenho uma mãe, mesmo que não seja aquela que me pariu. E ela soube me dar limites, educação, princípios. Seus pais nunca estiveram lá pra te ensinar isso, não é? São ocupados, entre uma reunião e outra eles arrumam tempo pra pagar seus cartões de crédito e te enviar dinheiro. Mas nunca tiveram tempo pra te ensinar nada. Quer saber? Você vai aprender uma coisinha ou duas comigo.

Olhei para ela, encharcada, na frente de centenas de pessoas. Eu sabia que tinha atingido seu ponto fraco, quando ela ergueu os olhos para mim, eu pude enxergar isso. A máscara caiu por alguns segundos, mas eu sabia que logo voltaria. Ela não se deixaria abater. Continuei olhando para ela, e sabe que ali, naquele momento, eu podia enxergar a mulher que eu amava, e que eu sabia que estava por baixo da máscara o tempo todo. A garota que tinha um enorme vazio dentro dela e o preenchia diariamente, cada dia com coisas diferentes. Mas tentava insistentemente disfarçar esse vazio, escondê-lo, sem se dar conta da beleza contida naquele espaço. Todo espaço que temos é lindo, porque podemos preenchê-lo da maneira como quisermos, e reinventá-lo constantemente.

… E por tanto tempo, eu fiz de tudo pra preencher esse vazio, pra fazê-la tirar a máscara, pra fazê-la ser a minha Stella. Mas ela preferiu ser o trem desgovernado que sai por aí atropelando a tudo e a todos.

Eu virei as costas e saí andando, não queria olhar para a cara dela, eu sabia que a máscara estaria lá novamente.

– Você não passa de um merda, Ryan! Eu sei disso, você sabe disso.

Eu parei, e me virei pra ela, olhando para o chão. - Eu queria saber exatamente em que ponto foi que nós erramos, quando o nosso amor virou uma guerra de “Quem machuca mais.” Eu juro que queria saber.

E então eu fui embora. Eu tinha uma guitarra pra arrumar e uma garota pra esquecer.

–/-/-

PDV da Marie

Estou na praça, de moletom. Minha reputação vai pelo ralo depois disso, e Alícia me paga.

Chegamos em cima da hora, e mal tivemos tempo de pegar as bebidas antes da Banda dos garotos começar a tocar. A argentina hiperativa ficou inacreditavelmente quieta durante toda a apresentação, os olhos atentos ao coreto.

Eles eram bons, com ou sem a Stella. E parte dessa magia era o Ryan, com certeza. Eu quase podia ver suas feridas enquanto cantava, quase podia sentir sua dor. E tinha certeza que Alícia também. Eu podia ver um sorriso mínimo no canto de seus lábios.

A apresentação já estava no fim quando ela finalmente se voltou novamente pra mim.

– Puxa, ele é incrível! A música dele fala com as pessoas.

Eu acenei afirmativamente, bebendo os últimos vestígios do meu suco e estendendo-a o copo dela cheio e quente. Torceu o nariz para o copo e pegou-o da minha mão. Esvaziou-o na lixeira mais próxima.

– Eu vou pegar umas fritas e um suco gelado. Ta afim de alguma coisa?

Balancei a cabeça negativamente e ela saiu, toda saltitante. E aí eu fiquei sozinha, sentada com o meu moletom horrível. Pelo menos eu tava de rímel. Ta vendo? É sempre útil o habito de passar rímel cada vez que se lava o rosto.

– Fala grilo feliz!

Dei um pulinho ridículo de susto, em seguida me virei para Noah e bati freneticamente nele.

– Seu... Seu... BOBO! Quer me matar do coração?

Ele agia como se meus tapas mal fizessem cócegas, fazia caretas engraçadas e nem ao menos se dava ao trabalho de desviar das minhas mãos. Eu não ia rir, ele tinha me assustado e eu estava irritada com ele.

– Bobo, Etienne? Sério? - Ele sentou-se na mureta de um canteiro de flores bem a minha frente. - Nossa, desculpa, mas depois dessa eu precisava até sentar pra me recuperar. Isso dói sabia? nunca me senti tão ofendido em toda a minha vida.

Direcionei a ele meu melhor olhar de desprezo, enquanto tentava não rir. Eu adorava esse conflito de sensações que ele causava em mim. Eu tinha vontade de matá-lo, agarrá-lo, de rir dele, de bater nele, tudo ao mesmo tempo. Dentre tantas vontades, optei pela última, mirando um soco bem no ombro dele, que aparentemente não fez nem cócegas.

– Isso é por dizer meu sobrenome em público!

– O que tem? Francês ta na moda! Porque você acha que eu ando com você? - Ele sorria, tão abertamente que eu quase esqueci que era a minha vez de dizer algo. Era a ordem natural das coisas desde que o mundo é mundo. Alguém fala, você fala em seguida. Precisei me concentrar um pouquinho para me lembrar de falar algo.

– Cuidado com esse seu gosto repentino pela moda. Vai acabar largando a música e indo fazer moda por aí.

– Cala a boca, Etienne. Um músico nunca é um bom músico se não souber as tendências ou manter bons contatos, Bee. - Ele disse isso ao melhor estilo “queria ser gay mas papai não deixa!” E eu tive que rir, foi mais forte que eu,

– Mas você não anda comigo por isso, baby. Você anda comigo porque eu sou linda, loira e absoluta.

– Pode apostar, gata. - Ele deu um soquinho de leve no meu ombro e eu mantive meus olhos grudados nele por um tempo, quase o mesmo tempo em que ele manteve os olhos em mim, antes de eu sacudir a cabeça algumas vezes tentando não pensar em quanto eu devo ter parecido patética. Eu sei que ele precisa me olhar para entender o que digo, mas admito que ter o olhar dele fixo em mim, ainda que eu saiba que é exclusivamente por isso, é meio desconcertante pra mim. - Você esqueceu de acrescentar modesta nessa sua lista.

– Talvez. - Disse, sorrindo. Mas a atenção de Noah já não estava em mim, observei seus olhos fixos em algum ponto atrás de mim, e me virei pra ver do que se tratava.

A cena que eu vi era bem inusitada. Observei boquiaberta enquanto Ryan carregava Stella nos ombros e ia rumo a fonte central da praça. Fiquei duplamente boquiaberta quando ele jogou a garota lá dentro. Noah levantou-se da mureta nessa hora.

– Ele enlouqueceu !? - Exclamou, tão chocado quanto eu. - Eu acabei de falar com ele, não faz 10 minutos. Quanto tempo leva até uma pessoa perder a sanidade?

Observamos Ryan dar as costas pra Stella e atravessar a praça, indo em direção ao seu Volvo estacionado perto da barraca de crepe.

– Você devia ir atrás dele. - Coloquei a mão sob o ombro de Noah pra que ele voltasse sua atenção pra mim, enquanto falava.

– Não, não devia. Ele não vai querer companhia.

Dei de ombros, novamente. Ele me imitou, fingindo jogar o cabelo para trás enquanto isso.

– Cuidado, isso vai virar um tique. - O sorriso voltou ao seu rosto, e eu meti-lhe um tapa nas costas, que claro, nem fez cócegas.

Nós ficamos ali, conversando e nos batendo por cerca de 10 minutos, e nada de Alícia aparecer. A essa altura tinha até esquecido que ela existia. Mas pra compensar, apareceu uma pessoinha que eu não imaginaria que apareceria.

Quando Adam apareceu acompanhado de Lyla, aquilo me chocou um pouco. A última vez que a vi, estava no ensino médio. Ela conseguiu uma bolsa para estudar na Europa e se mudou pra lá, Adam ficou arrasado. Ele sempre levou uns cascudos dos outros irmãos, e ela como única irmã, sempre o defendia. Eles acabaram ficando tão grudados quanto mãe e filho. Os braços dela estavam em torno da cintura dele, e ele bagunçava os cabelos dela. Ambos tão sorridentes e felizes que, apesar da minha vontade de agarrá-la também, eu decidi não atrapalhar.

Ela estava ainda mais bonita que antes. Os fios louro-escuros estavam presos em um rabo de cavalo alto, e os fios ondulados caíam por sobre o ombro. Me imaginei até onde esse cabelo iria se estivesse solto. Os olhos eram verdes, e tão profundos quanto os de Adam, mas fora os olhos e os cabelos, ninguém dizia que eram irmãos.

Noah ficou ligeiramente boquiaberto com a cena, levantou-se novamente da mureta e foi o primeiro a estender a mão pra Adam, mas tinha um olhar estranho, estava com o pé atrás em relação ao Adam, por algum motivo.

– E aí cara? - Noah disse, cautelosamente, ainda com o olhar indagador. - Engraçado, eu lembro que ontem você estava nessa mesma praça com uma garota bem diferente desta.

Prendi a respiração, olhando de Noah pra Adam, e de Adam pra Lyla, que olhava para Noah com um ponto de interrogação no rosto. Merda, Marie, olha em que situação você se enfiou.

– O que? - Adam disse, confuso. Claro que ele estava confuso, ele não estava com garota nenhuma ontem, tinha sido uma farsa. E também não estava com garota nenhuma hoje, pelo menos não da maneira que Noah sugerira. Arranhei minha garganta discretamente, e ele pareceu ter entendido o recado, se recompôs rapidamente. - Ah, aquilo! Ah, cara, sei lá, foi coisa de momento, nada importante.

Me parecia uma boa resposta, que resolveria todos os problemas e encerraria o assunto, mas então Noah soltou uma risada sarcástica e acertou um belo de um soco na cara do Adam.

Levei minhas duas mãos a boca e corri em direção ao pobre Adam caído ao chão.

– Você bebeu, seu idiota? - Gritei, pegando lenços de papel na minha bolsa e limpando o nariz sangrento do garoto. Parabéns, Marie. O premio de idiota do ano é todo seu.

– Ele estava com você noite passada, aparece aqui abraçado com outra um dia depois, dizendo que estar com você não foi nada importante. E EU É QUE BEBI? Eu não vou deixar ninguém tratar você desse jeito!

Eu acho que meu coração parou de bater por 5 segundos. Ele não é um idiota, eu é que sou uma idiota. Não vou mentir, eu adorei escutar essas palavras, muito, muito mesmo. Mas eu tava cansada de vê-lo me tratar como uma irmã mais nova. Isso doía. Pra mim era mais uma evidência de que ele nunca me veria como mulher.

– Você é retardado?? – Lyla gritou, empurrando Noah. Era de se esperar, se ela não deixava a própria família bater nele, estranhos muito menos. – Ele é meu...

– Hey. – Cortou Adam, enquanto eu o ajudava a se colocar de pé. – Não devemos satisfação pra ele, vamos embora.

Acenei afirmativamente, colocando minha mão sobre o ombro de Lyla e puxando-a para longe de Noah gentilmente, e então me aproximei dele. Eu tinha que concertar esse novelo de lã logo antes que ficasse pior.


– Eu vou levar ele pra república, quando você voltar pra lá me procura, preciso te explicar umas coisas. - Dei um sorriso mínimo pra ele e saí com Adam e Lyla, rumo ao buggie do outro lado da praça.

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PDV da Alícia

Sabe, eu realmente preciso me benzer. De verdade, alguém jogou uma praga muito pesada em cima de mim, só pode. Alguém pode me explicar como uma pessoa sai por 15 minutos para comprar um lanche, e quando volta acaba sozinha e sem carona? Pois é. Era assim que eu tinha acabado. Graças a bondade Divina, eu achei Noah sentado num canto pensativo depois de andar um tempo procurando um daqueles buggies pra surrupiar de alguém.

– Você sabe que é só ir no orelhão, discar o ramal da portaria e pedir um desses né? – Ele me disse, enquanto íamos até o carrinho em que ele viera.

– Se eu soubesse, não estaria andando por aí que nem tonta né querido? – Sua boca se abriu em um enorme O enquanto seus olhos liam meus lábios, e um riso travesso surgiu em seu rosto.

– uuuh alguém está estressada hoje... – Fez uma pausa. Ainda não tínhamos saído do lugar uma vez que a comunicação ficaria impossível assim que ele colocasse os olhos na pequena estrada. – Não é pra menos. Seus dias aqui não estão sendo fáceis né? Ainda te enchem pela foto?

Dei de ombros, voltando meus olhos para minhas mãos em meu colo.

– Um pouco, mas isso eu tiro de letra. Daqui a pouco a rádio corredor encontra outra coisa pra falar. Só que se essa guria for sempre me atacar a toa, uma hora eu vou me irritar e a coisa vai ficar preta.

Ele acenou afirmativamente, repousando a mão gentilmente em meu ombro, apertando-o de leve.

– Olha, se quiser dar uns cascudos nela eu te dou o maior apoio, vai na fé, to contigo.

Eu não pude deixar de rir, apesar de sentir o meu humor ainda presente. Noah tinha o dom de fazer as palavras soarem engraçadas, era reconfortante estar perto dele.

– Ah, quanto a Marie... – Começou, levando a mão direita à nuca. Observei-o corar levemente. – Ela não quis deixar você sozinha, ela teve que acompanhar Adam e uma garota lá até a república porque, bem, porque eu soquei ele.

– Noah... – Tirei os olhos do meu colo finalmente encarando-o diretamente. – Você está com ciúmes!

– O quê? Não, de jeito nenhum. – Apressou-se a dizer, enquanto seu rosto se contorcia em uma careta. – Ele estava com ela ontem, você viu! E apareceu com outra na frente dela hoje. Eu faria a mesma coisa se fosse com você.

– Eu duvido muito... – Suspirei. – Vocês são dois tontos, e ainda vão me enlouquecer

Ele sorriu de lado e voltou seus olhos para frente, dando a conversa por encerrada. Bem conveniente ser surdo nessas horas, adoraria poder encerrar conversas sempre que quisesse.

– Vamos, temos que voltar pra casa. – Disse simplesmente, virando a chave na ignição.

Na volta para casa, 20 minutos de silêncio. Noah estava pensativo, por vezes seus lábios se moviam involuntariamente, como se falasse consigo mesmo, mas voz nenhuma saía. Resolvi não interromper.

Estava uma noite bonita, céu estrelado, lua minguante. Adorava a lua assim, era quase como se o céu sorrisse pra mim. O campus da Calloun era maravilhoso, arborizado, cheio de verde e flores, e numa noite como essa era especialmente magnífico. Mas será que eu deveria estar ali?

Deixei minha família materna na Argentina meses depois da morte da minha mãe pra descobrir minhas origens, encontrar meu pai, e saber se ele ainda era o homem que eu me recordava de encontrar em casa aos 4 anos de idade. E agora estava morando numa república, mais afastada dele do que nunca, e me arriscando a fazer exatamente o que ele detesta que eu faça.

Sinceramente, não sei porque é tão importante pra mim ter o afeto de uma pessoa que me abandonou. Um homem que não pôde agüentar as conseqüências de sua traição e simplesmente me baniu da sua vida, como se eu nunca tivesse existido. Mas é importante, pra mim importa mais do que qualquer coisa. Ele me vê como o fruto indesejável de uma traição que quase arruinou seu casamento, e eu quero que ele me veja como filha, olhe para mim exatamente como olha para as gêmeas, filhas da esposa.

Nunca teve espaço pra homem nenhum na vida de minha mãe, não depois dele. Eu nunca tive um pai, e essa falta é como uma peça de quebra cabeça faltando em mim, como um buraco. E dói.

Por outro lado, se eu simplesmente voltasse para a casa dele e esquecesse da música, outro buraco se abriria.

E então quando percebi estava imersa em pensamentos assim como Noah, e a viagem me pareceu mais curta do que das outras vezes. Logo o velho buggie parou ao lado do Volvo de Ryan, e saltamos ainda em silêncio.

– Ah, graças a Deus você chegou! – Marie desceu os degraus da varanda, já em seu pijama lilás com ursinhos azuis e a pantufa do Pikachu. Antes que me desse conta, seus braços já estavam em volta do meu pescoço.

– Hey! – Murmurei, surpresa. Essa era uma reação bem característica da minha pessoa, mas não dela. Marie nunca tinha me abraçado tão espontaneamente e meu coração se aqueceu por um momento. Acho que estávamos nos tornando amigas. – Não se preocupe, Noah me disse o que aconteceu. Como Adam está?

– Bem, o nariz sangrou mas não quebrou, está tudo bem, mas não importa agora. – Sua voz soava preocupada, e então um arrepio percorreu minha espinha. Alguma coisa estava errada. Se Adam estava bem, o que a estava preocupando? – Isso estava em cima da sua cama.

Ela me estendeu uma rosa vermelha, decorada com um laço de fita preta, exatamente como a outra. Minhas mãos tremiam quando as estendi para pegá-la. Que raio era aquilo? Um admirador? Ou talvez Ryan tivesse razão... Nããão, uma seita anti-bolsistas era paranóia demais até pra uma pessoa doida como eu.

– E tem mais... – Ela estalava os dedos das mãos, provavelmente pelo nervosismo. – As portas, cada quarto tem uma pequena placa com o nome dos alunos que ali dormem, e um espaço para a correspondência logo embaixo.

– Sim, o que tem? – Perguntei, já adivinhando o que viria a seguir.

– Arrancaram o seu nome, Alícia.


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Notas finais do capítulo

Ta aí, divirtam-se e me façam um agradinho ok?
Beeijos, até o próximo.