You Only Live Once escrita por Vero Almeida


Capítulo 33
Colocando as cartas na mesa


Notas iniciais do capítulo

Preparem os coraçõezinhos, esse capítulo promete.

Espero que gostem, meus amores. Leiam, leiam leiam!



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PDV da Marie

Minha mãe olhava para Noah como se fosse devorá-lo inteirinho com um único bote. Não esperava que fosse gostar dele, tinha uma coisa que importava mais pra ela do que toda a grana que a família dele tinha, ou até mesmo a pessoa que ele era: O que as pessoas pensariam. Noah pertencia a uma família tradicional e muito rica, mas nunca ligou pra nenhuma das convenções desse mundo luxuoso, e ao contrário de mim, nunca foi obrigado a segui-las. E quer saber? Acho que a simplicidade explícita principalmente na sua maneira de olhar, falar e vestir, foi essencial para que eu me apaixonasse por ele.

Eu podia visualizar nós dois juntos em uma casa simples e confortável vivendo longe de todo esse mundo odioso pro resto da vida. Todas as casas em que morei eram grandes demais pra minha família, nos víamos apenas nas refeições, eu via mais meus professores de etiqueta e balé do que meus próprios pais. Quero construir um futuro diferente.

Tanta gente por aí almejando o dinheiro como se fosse uma dádiva, mal sabem eles que o preço a se pagar é alto demais.

– Vamos até o seu quarto, vou tirar suas medidas. – Sibilou minha mãe. Ela falava comigo mas seu olhar não desgrudava de Noah, e ele respondia à altura. Não daria a ela o gostinho de vê-lo baixar os olhos, ele a encararia até o último segundo. ( O conheço o bastante pra saber que se nada quebrasse essa troca de olhares fulminante, ele começaria a debochar dela. Coisas como sobrancelhas arqueadas e sorrisos cínicos, Noah era muito bom em provocar pessoas sem pronunciar uma única palavra. E eu sei disso muito bem, já que sou sua vítima preferida.)

Se não quisesse começar uma segunda guerra fria bem ali, devia dar um jeito nesses dois.

– Já volto. – Disse a ele, me colocando a sua frente e beijando-lhe a face. Se o beijasse nos lábios em frente à minha mãe ela provavelmente faria um escândalo e diria que demonstrações desse tipo não devem ser feitas em público. Ela nem sonha com os beijos calorosos que trocamos na balada ontem antes do sumiço de Alícia.

– Por que eu não posso ir? – Protestou.

– Ela vai tirar as roupas. – Minha mãe respondeu por mim, num tom agudo, quase ultrajado. – Você não vai ver minha filha em roupas íntimas.

Ele riu debochado, e era um sorriso tão, mas tão cafajeste que eu tive certeza de que ele tinha uma resposta na ponta da língua.

Dei graças a Deus quando optou por ficar quieto e se jogou no sofá da sala, se esticando até a mesa de centro pra pegar o controle remoto.

– Foi um prazer conhecer você, Sra. Etienne. – Cínico.

Ela não respondeu, apenas deu as costas e seguiu pelo corredor rumo ao meu quarto. Corri até ele, e dei-lhe um tapa bem dado nas costas.

– Palhaço! Não precisa piorar as coisas. – Ralhei, antes de seguir os passos de minha mãe corredor adentro.

Quando alcancei meu quarto ela já parecia perfeitamente acomodada, sentada em minha cama enquanto retirava suas coisas da bolsa com uma casualidade assustadora. Por um momento pensei que fosse ignorar ter conhecido Noah, (Ela já o tinha visto diversas vezes, mas não é o tipo de pessoa que perde tempo cumprimentando pessoas que nem conhece. A etiqueta dela se restringe a quem acha que merece.) mas no momento seguinte já estava de pé, andando em minha direção e me encurralando contra a parede do meu próprio quarto.

– Você faz de propósito não faz? Gosta de me provocar, não existe outra explicação para aquilo! – Enfatizou a última palavra.

– Noah não é aquilo, É uma pessoa.

– Um maltrapilho, Marie! Ele usa chinelos, chinelos! E bermudas vagabundas. Sem falar naquela camiseta surrada. – Estava histérica, gesticulava muito. Ansiava por me fazer ouvir a voz da razão, mal sabia que a única equivocada da história era ela.

– A camiseta não é surrada, o modelo dela é assim mesmo. Ele adora essas camisetas, deixe-o se vestir como quiser! – Eu estava indignada e boquiaberta com tanto preconceito. Não esperava nada diferente vindo dela, mas me magoava que desprezasse Noah dessa maneira.

– Como você vai levá-lo às festas dos sócios do seu pai, ou às reuniões lá em casa? Vestido daquele jeito?

– Se for assim que quiser ir, sim. Mas sinceramente duvido que ele queira freqüentar esse tipo de festa. Eu também não iria se não fosse obrigada.

– Já chega! – Deu as costas pra mim, alisando as têmporas. Era um gesto comum, adorava usar suas crises de enxaqueca como desculpa para encerrar as discussões sempre que eu a contrariava. – Tire as roupas e suba nessa maldita balança, eu quero sair daqui o mais rápido possível.

Demorei para cumprir a ordem dessa vez. Parte de mim queria gritar que não queria mais me submeter àquilo, que eu tenho o direito de decidir o que fazer com a minha vida, e o direito de amar quem eu quiser. Claro que meu ímpeto de coragem passou tão rápido quanto veio, e apesar de estar vermelha de nervoso, a obedeci.

Me despi vagarosamente e subi na balança, extremamente contrariada. Minha mãe observou o número indicado pelo visor digital e torceu o nariz em desagrado.

– É, pelo menos não engordou, mas ainda não perdeu aquele peso extra que ganhou nas férias, mocinha. – Suspirou, rumando teatralmente até a janela do quarto e fingindo olhar qualquer coisa no exterior do aposento. – Eu não sei aonde errei com você, está sempre fazendo as escolhas erradas.

Aquelas palavras doeram em mim, doeram muito. Eu me esforcei demais por mais da metade da minha vida para ser uma boa filha. Não era justo.

– Não são escolhas erradas, mamãe... Só são escolhas diferentes. Talvez eu simplesmente não tenha o perfil de uma bailaria profissional. – Era o meu jeito sutil de dizer que não queria ser bailarina profissional, mesmo adorando balé.

– Você dança como um anjo, e eu estou nesse ramo praticamente desde que nasci, sei do que estou falando. – Por mais que as palavras fossem elogiosas, tinha uma crítica implícita ali. – Se ao menos você se esforçasse, se treinasse mais, se fizesse uma dieta pra perder esses malditos quilos, se parasse de perder tempo com essa droga de teatro!

Pensei em contar a ela que tinha conseguido o papel de protagonista, esfregar na cara dela que eu era boa atuando de uma forma que nunca seria dançando, mas minhas afrontas sempre ficavam só na imaginação. Eu não tinha coragem de peitá-la, mas essa frustração estava tomando conta de tudo o que eu faço ou penso. Eu não como mais nada sem imaginar quantas calorias existem naquele alimento, não consigo deitar minha cabeça no travesseiro e dormir se não tiver corrido pelo menos 5 km durante o dia, e sobretudo, não posso em absoluto passar um único dia sem treinar balé.

Tenho as aulas da faculdade, a aula de balé, corrida, ensaio da peça. O dia inteiro esse maldito fantasma me acompanha, mesmo quando não está ali, de alguma forma está zunindo no meu ouvido.

Os únicos momentos em que não penso nela, acontecem quando estou com Noah.

– Vai querer tirar as medidas? – Perguntei, tentando a todo custo conter a vontade que sentia de correr dali, me esconder e sumir.

– Sabe que não vale a pena perder tempo com isso, pelo menos enquanto não perder esses quilos.

Acenei afirmativamente, abraçando meu próprio corpo. Um suspiro derrotado escapou por meus lábios, me amaldiçoei por isso.

– Então se me dá licença, vou seguir com a minha vida patética cheia de decisões erradas. – Me vesti o mais rápido que pude, e a deixei sozinha no quarto, batendo a porta ao sair. Queria poder ignorar as palavras dela com a mesma facilidade com que a deixei ali, fechar uma porta na minha cabeça e deixar esses pensamentos pra trás.

Gorda, fracassada, inútil.

Ela deveria ser a pessoa a me dizer justamente o contrário, ao invés de botar essas caraminholas na minha cabeça.

_/_/_

PDV do Faros

As coisas estavam um tanto quanto calmas no prédio de Astronomia, nenhum fenômeno estava previsto para os próximos dias, então eu passava grande parte das noites ensinando meus truques a alunos promissores.

As aulas práticas sempre aconteciam no período noturno, eu ensinava cada uma de minhas turmas regulares e ficava de olho nos alunos. Numa universidade do nível da Calloun não existiam alunos ruins, só que ser bom não era o suficiente para mim, eu queria os melhores.

Harisson me ajudava sempre, eu o colocava para auxiliar alunos do primeiro ano, mas só aqueles que eu julgava merecedores de tudo o que Aaron sabia, afinal fui eu que ensinei a ele pessoalmente, cada mísero detalhe.

Claro que o garoto nunca será tão bom quanto eu, mas certamente chegará bem perto.

Gosto de comparar Astronomia com o trabalho de um artesão. É trabalhosa, demorada, mas magnífica. É uma arte, um segundo de distração pode acarretar a perda de um registro único, e conseqüentemente um atraso de anos em sua pesquisa, as vezes até mesmo décadas, depende do tempo que levaria até aquele fenômeno acontecer novamente.

Um bom artesão sempre tem um aprendiz, alguém para continuar seu legado.

O meu alguém é o Harisson, sem dúvida nenhuma. Eu certamente nunca direi isso a ele, o ego do garoto já é bastante grande sem minha contribuição.

Aquela noite eu o estava observando ajustar seu telescópio e todos os aparelhos auxiliares que improvisou com perfeição. Nunca permiti que utilizasse os que tínhamos ali, tirando raras exceções, quando algo muito raro acontecia nos céus. Ele achava completamente injusto de minha parte, mas graças a essa prática o garoto aprendera a improvisar em todas as situações, e mesmo que não tivesse nada tecnológico, saberia registrar qualquer coisa usando apenas um telescópio e um pedaço de papel.

Em momentos como aquele, observando-o trabalhar, todo sério e focado, eu era forçado a admitir que talvez ele viesse mesmo a me superar. Isso me dava orgulho tanto quanto feria meu ego.

Depois de montar seu equipamento, e checar cada detalhe por mais vezes do que tive paciência pra contar, ele debruçou-se sobre o telescópio e se pôs a observar. Fiquei curioso pra saber em que trabalhava numa noite tão calma como aquela, então me aproximei sorrateiramente a fim de checar.

O garoto estava imerso nos próprios pensamentos, os olhos focavam no telescópio por minutos e minutos a fio, então voltava-se para o caderno e rabiscava qualquer coisa ali, e por último checava o mapa aberto à sua frente.

Estava bem atrás dele, tentando decifrar suas anotações estranhas. Aaron ainda não tinha notado minha presença.

– Em que está trabalhando? – Perguntei, desistindo por fim de entender os rabiscos do caderno.

Ele ergueu os olhos em minha direção, surpreso em me ver ali. Deu de ombros e apontou para alguns números rabiscados na folha pautada.

– Nada de mais, estou monitorando estrelas cadentes. Quando aparecem, eu anoto o horário e a direção em que seguem. Também estou tentando localizar uma estrela sem nome.

– Algum motivo específico? – Sorri de maneira debochada, olhando-o de maneira sugestiva. – Se quer minha opinião, você é inteligente demais pra aquele moleque.

– A maior parte do tempo eu também acho que sim, mas precisa vê-lo falar sobre literatura, história e essas coisas. – Ele suspirou longamente, seguindo com suas anotações. Eu nunca consegui me concentrar e conversar ao mesmo tempo, mas ele conseguia. – Ele é tão inteligente e apaixonado quanto nós, só que por palavras, frases e seus significados, e por algum motivo não consegue mostrar essa paixão. Adam não gosta de ser notado. – Fez uma pausa dramática, enquanto suas mãos trabalhavam. Sua expressão estava serena, como se estivéssemos falando do tempo e não de um coração tão difícil de penetrar como o do garoto à minha frente, sendo invadido por um outro garoto que estava fazendo uma série de escolhas erradas, e magoando o primeiro garoto em questão. – Ele foi criado de maneira diferente de mim, eu não devia esperar que encarasse tudo isso com a mesma naturalidade que eu. Minha família nunca me aprovou, pra mim não fazia diferença o que iam pensar. Eu acho que sempre souberam, antes mesmo que eu descobrisse. Só quero tornar as coisas mais fáceis pra ele, tentar uma abordagem diferente.

Não disse nada, apenas acenei afirmativamente, quase ao mesmo tempo em que o celular do garoto emitiu um som estridente.

Revirei os olhos e dei-lhe um puxão na orelha.

– Disciplina, Harisson. – Repreendi, entre dentes. – O observatório é um santuário, no mínimo coloque o celular no silencioso.

O garoto ignorou meus protestos e pegou o celular no bolso da calça. Uma ruga de preocupação surgiu em sua testa assim que checou o motivo pelo qual o celular tocara.

– Uma mensagem do Adam. – Explicou. – Uma das alunas da república sumiu, sua namorada deve estar desesperada.

Grunhi

– Ela. Não. É. Minha. Namorada. – O fuzilei com os olhos.

– Que seja, acha que devemos ligar pra ela? – Deu de ombros, debochando descaradamente.

Esse garoto nem imagina a vontade que eu tenho de arrancar cada unha dos seus dez dedos sem anestesia quando ele me dirige a palavra desse jeito petulante. “Que seja” me dá a impressão de desdém, indiferença ao que foi dito.

E essa criança que nem saiu das fraldas não pode achar nada do que eu digo indiferente.

– Harisson, parece que você esqueceu com quem está falando. – Toquei-lhe o ombro de maneira cordial. – Acho que não vai achar interessante se eu tiver que te lembrar. – Sussurrei ao seu ouvido,

Ele não respondeu, mas sabia que tinha entendido bem o recado. Costumo me entender bem com esse garoto justamente por isso, não preciso ser repetitivo com ele.

Poucas coisas me irritam tanto quanto repetir.

– Não vamos ligar pra ela. – Eu disse, simplesmente, dando-lhe as costas e saindo pelo caminho por onde entrara.

O conteúdo da mensagem era de fato preocupante. Conhecia Kailis o suficiente para saber que provavelmente estava se descabelando, gritando, e fazendo qualquer pobre coitado que atravessar seu caminho de saco de pancadas verbalmente.

Ela tem essa condenável mania de tratar esses garotos como família, se apegando a eles, acho que a maluca manda cartões de natal a todos que já passaram por aquela república até hoje.

Eu não dou tamanha intimidade a ninguém, nem mesmo ao Harisson, mas Ana não seria Ana se não fizesse isso. Um sorriso involuntário surgiu no canto da minha boca, e eu tratei de espantá-lo o mais rápido que pude.

Passei o resto da noite na minha sala, pensando. Queria ir até aquela república e lhe oferecer apoio, mas não podia. Isso não era do meu feitio, ainda mais quando saí de lá rechaçado da última vez.

Nunca podia seguir meus instintos quando se tratava de Ana, ou certamente acabaria me atracando com ela em algum lugar.

De qualquer maneira, no dia seguinte acabei cedendo e fui até a República. Claro que eu jamais diria o real motivo de estar ali, mas certamente arranjaria uma boa desculpa para que abrisse a porta pra mim. Queria olhar pra ela, ver como estava.

Assim, cerca de duas horas da tarde, lá estava eu tocando a campainha do casarão de madeira, desta vez preparado para o caso de tentar me rechaçar de novo.

Faros Hagias não é escorraçado de lugar nenhum duas vezes.

_/_/_

PDV da Alícia

O caminho até a casa do meu pai foi longo e estranho. Eu não conseguia olhar pro Ryan, ainda podia sentir a sensação de meus dedos tocando-lhe a face quente, e o calor do seu corpo embalando meu sono durante a noite. Isso me fazia ruborizar.

Ele me olhava pelo canto do olho hora ou outra, estava preocupado, sabia que eu estava diferente.

Eu me sentia segura estando com ele, tanta coisa me aconteceu desde que cheguei, no entanto nada nunca me ocorreu estando perto dele. Ryan me colocou embaixo das suas asas mesmo sem ter obrigação nenhuma de fazê-lo, e droga, eu queria muito acreditar que todo esse turbilhão de sentimentos que me atormenta é apenas gratidão, respeito, carinho.

... Mas é mais que isso, e eu não consigo mais mentir pra mim mesma.

O pior é pensar que no momento que ele me deixar naquela casa, eu estarei sozinha. Fora do campus, exatamente como aqueles malditos querem, mas sozinha. Ninguém os impediria de fazer qualquer coisa comigo se quisessem, pra aquela família, quanto mais cedo eu sumir, melhor.

Podia sentir meus dedos tremerem ao pensamento, o arrepio frio e constante não me abandonaria tão cedo pelo visto.

Quando estacionou o Volvo em frente a enorme casa da minha pseudo família, Ryan tirou a chave da ignição, mas não abriu as portas. Ficou um tempo ali, me encarando com os olhos castanhos brilhando de preocupação, e alguma outra coisa que eu não conseguia identificar.

– Eu... Eu já vou. – A pressão que aqueles olhos exerciam sobre mim, tornava tudo mais difícil. Falar, respirar, me mover.

– Não tem que ir. – Sussurrou. Segurou minha mão entre seus dedos num gesto rápido, o que só piorou a minha situação. Agora além de todas as anteriores, eu mal conseguia pensar. – Tem tantas pessoas que gostam de você, não tem que ficar com essa gente.

Eu já não absorvia mais o que dizia, o toque de suas mãos e o calor daquele olhar tomava todo o ambiente. Eu nunca conseguiria sair daquele carro se não o fizesse de uma vez.

Não é uma despedida, o campus é só há umas duas horas daqui, ele pode vir me visitar, todos eles podem.

Mesmo assim, doía como se fosse. E droga, eu estava chorando, porque raios eu estava chorando?

Fechei meus olhos, tentando controlar as lágrimas, mas no segundo seguinte senti uma mão enorme e carinhosa secando meu rosto com o polegar. Mas que droga, garoto, eu preciso que você deixe suas mãos longe de mim, não entende isso?

– Ryan, eu quero que faça um favor pra mim. – Pedi, minha voz estava trêmula.

– Qualquer coisa.

Abri os olhos, sabendo que encontraria o par de olhos castanhos ainda focados em mim. Por mais difícil que fosse precisava olhar pra ele, precisava fazê-lo entender.

– Conheça outras pessoas. Procure alguém que te faça bem, e te complete, ao invés de sugar toda a sua energia. Sei que não vai me entender agora, mas o seu relacionamento com Stella não é amor, o amor não destrói. Ele constrói. – Tentei sorrir. – Pede pra Marie juntar minhas coisas, e pode mandá-las pelo correio...

– Eu vou trazer todas elas até aqui. – Me interrompeu. – Assim aproveito e dou um jeito de te levar de volta.

– Vê se aparece pra me visitar... – Continuei, como se não houvesse interrupção. – E por favor, tente esquecer a enorme estupidez que eu estou prestes a fazer, ok?

– Estupidez? – Perguntou, a expressão confusa o deixou ainda mais fofo, e eu sorri em resposta, levando minhas duas mãos ao seu rosto.

– É, e bota estupidez nisso.

Puxei seu rosto pra mais perto e colei meus lábios aos dele, sem me dar muito tempo pra pensar. Eu precisava daquele toque, daquela lembrança, uma coisa mais forte pra me agarrar quando o medo ficasse insuportável.

Ele estava duro, completamente paralisado pela surpresa, mas eu não me importava. Podia sentir seu corpo quente e seus lábios macios, e isso me bastava. Não esperava que correspondesse de qualquer jeito.

O selinho foi mais longo do que deveria, mas era muito difícil me afastar. Quando finalmente consegui, meu peito parecia estar prestes a explodir, e eu não sabia se era um sentimento bom ou ruim. Não sabia quando o veria de novo quando descesse daquele carro, e queria beijá-lo de novo.

Afastei-me um pouco, pronta para me recompor no banco do passageiro e então finalmente sair dali, mas antes que tivesse oportunidade de fazer qualquer uma dessas coisas, o senti me puxar de volta, seus lábios atacaram o meu com voracidade, e o que era pra ser um simples selinho inocente logo se transformou num beijão de cinema.

Eu o puxei pra mais perto pela gola da camisa, e grudei meus dedos em seus cabelos. O beijo não era nada calmo, mas ainda era doce à medida do possível. Minhas pernas tremiam que nem vara verde, e todos os meus órgãos internos pareciam se revirar. Eu sentia tanta coisa que mal sabia diferenciar, tudo o que eu sabia é que não queria sair dali nunca mais.

Ele me agarrou pela cintura e me puxou pro seu colo. Sentia suas mãos apertarem minhas costas, enquanto eu puxava seus cabelos de leve, rezando pra que aquele beijo durasse pra sempre.

Nos interrompíamos hora ou outra em busca de ar, mas não conseguíamos nos separar por completo. Quando nossos olhos se encontravam, era tudo o que bastava para nos beijarmos de novo, e de novo, e tantas vezes que eu até perdi a conta.

Mas tinha a seita, Stella, o medo, tantas coisas que não podiam ser ignoradas!

Afastei nossos rostos, abaixando o olhar imediatamente. Sabia que se olhasse pra ele nunca conseguiria quebrar aquele beijo eterno, e era algo que eu precisava fazer.

– Não podemos fazer isso. – Murmurei.

– Não, não podemos. – A respiração dele estava tão ofegante quanto a minha, as mãos ainda repousavam gentilmente às minhas costas, e eu tinha plena consciência de suas pernas embaixo das minhas. Eu ainda estava em seu colo, e ainda estava perigosamente perto. – Mas queremos, isso não basta? – Mordiscou meu lábio inferior para reforçar seu argumento, e eu quase cedi. Tinha que me manter firme.

– Eu queria que bastasse. – Suspirei. – Tem a seita, e tem a Stella... Você tem sentimentos por ela. Eu não tenho sangue frio pra competir com isso.

– Eu não sei mais disso, não sei mais de nada. – Ele roçou seu nariz ao meu. – Eu sei que adorei cantar com você, dormir do seu lado, e desde então tenho passado a maior parte do tempo tentando não beijar você.

– Por favor Ryan, vai embora. Não podemos, nenhum de nós dois sabe o que quer. – Eu sabia. Sabia muito bem o que queria, mas isso não quer dizer que esteja desimpedida de ceder aos meus desejos. Aceitar a proximidade dele, seria colocá-lo na linha de fogo junto comigo.

– E daí? Sabemos que gostamos de beijar. – Beijou meus lábios novamente, um selinho doce e rápido. – Somos amigos, amigos podem beijar. Nós fazemos nossas regras.

Eu ri entre seus lábios, estapeando seus ombros desajeitadamente.

– Esse jeito cafajeste não combina com você. – Brinquei.

– Não combina mesmo, não sou um cafajeste. Só quero ficar perto de você, preciso disso, e se não é possível pelos meios tradicionais, temos que achar outras formas.

– Quer ficar perto de mim até Stella decidir que quer te conquistar de volta. – Abaixei os olhos novamente, frustrada pelo efeito que essa sombra negra tinha sobre a vida dele, e consequentemente sobre a minha também.

– Você sabe que não é assim. – Levou uma das mãos ao meu queixo e ergueu-o, forçando-me a encará-lo. – Eu adoro você, você mexe comigo de maneiras que eu ainda não consigo compreender. Não estou te usando, jamais faria isso.

– Eu sei! – Praticamente gritei. – Sei disso, mas nada disso torna as coisas mais fáceis. Eu acredito que goste de mim, Ryan, mas eu não quero aquela louca como fantasma. Por favor... – Brinquei com alguns fios de seu cabelo entre meus dedos. – Por favor, não torna tudo mais difícil. Vá embora, a gente se vê depois.

Desci de seu colo e voltei ao banco do passageiro. Ele me encarava de um jeito engraçado, ria da situação, e ao mesmo tempo parecia tão cheio de conflitos quanto eu.

– Eu vou. – Ele tinha um sorriso maroto nos lábios, e piscou pra mim de maneira convencida. – Mas volto. E vou levar você comigo.

Eu ri, dando-lhe outro tapa no ombro, apenas pra não perder o costume.

– Vai, abre as portas, idiota! – Brinquei. Ele hesitou por um momento, me encarando de maneira suplicante. Mantive minha postura irredutível, então finalmente cedeu e destravou as trancas.

– Sabe que não precisa tolerar essa gente.

– E você sabe que é o primeiro número da minha lista de emergências, se eu precisar, vou te chamar. – Pisquei pra ele.

– Pode chamar sem precisar também.

Eu sorri, e acenei afirmativamente. Dei-lhe um último beijo demorado na bochecha, e então saí do carro, sabendo que agora definitivamente não tinha mais volta.

Eu estava definitivamente apaixonada por ele, e tinha colocado todas as cartas na mesa. E agora tinha uma certa esperança de que um dia ele me correspondesse, uma esperança perigosa, mas eu não conseguia mais evitar.


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