You Only Live Once escrita por Vero Almeida


Capítulo 14
Recolhendo os cacos


Notas iniciais do capítulo

Meus costumeiros agradecimentos: Muito obrigada Dreams por comentar a fic, bem vinda! Espero que continue gostando. ;D E muito obrigada patipavao pela recomendação.

E claro, Thays, que me acompanha sempre e me cobra sempre também. Ela não tem a mínima noção do quanto isso me incentiva!

Todos vocês são demais, e me fazem cada vez mais feliz!

Espero que gostem meus amores! Beijos.



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PDV da Marie

A reunião tinha sido proveitosa, os professores definiram os alunos que ficariam responsáveis pelos desenhos de cenário e figurino, e aprovaram o roteiro feito por uma aluna do curso de Literatura. Ana recebeu vários roteiros, ela e os outros professores fizeram uma pré-seleção e então escolheram 3 que foram pra votação, o que ganhou tinha um toque mais moderno, não fugia muito da história original mas tinha toques diferenciados. Não sei o que as pessoas tem contra os clássicos. Ah, essa não é a pior parte, eles resolveram que vão remixar as músicas do ABBA. Isso é um sacrilégio!

Mas enfim, a parte que me interessa: O teste foi confirmado pra esse sábado, e eu fiz minha inscrição!

Voltei saltitando pra casa ao fim da reunião, o teatro era sempre um santo remédio pra todas as minhas dores. No momento, não me doía tanto que Noah não me quisesse, sempre tem aquele nó no estômago quando penso no assunto, mas no momento meu entusiasmo é maior. Tenho um teste no sábado, e tenho um admirador secreto! (Que pode ser um psicopata, mas diz que vai me provar que não é.)

... Mas também, de quê isso me adianta se eu quero o Noah?

Ah não, não, não não, eu não vou ficar triste, tenho muito trabalho pra fazer.

Segui meu rumo até a república perdida em meus pensamentos, organizando minha rotina. Eu tinha que ver Mamma Mia! em filme, e também as gravações de espetáculos que a Ana ficou de me passar (Deixem em off). Estabelecer uma nova rotina de exercícios pra me manter em forma, treinar a parte do roteiro que me foi designada para o teste. E a música. Ainda tem o teste de canto, e o de dança.

Graças a Deus eu tinha muita coisa com o que me ocupar.

Quando finalmente cheguei à república, dei de cara com Adam deitado no sofá, lendo mais um dos livros extremamente complexos que tanto ama. A casa estava silenciosa, não devia ter mais ninguém por lá.

– Heey, veja se não é o calouro mais gato de todos! – Brinquei, me sentando na outra extremidade do sofá onde estava – E aí, como estão suas aulas?

– Bem... – Respondeu, sem tirar os olhos do livro, devia estar mesmo bem interessante. – Estou escrevendo uma crônica sobre as estrelas, mas quero fazer isso do ponto de vista de um astrônomo... Ou quase astrônomo.

– Parece difícil... Boa sorte. Eu quero ler depois.

– Eu te mostro. – Sorriu, simpático, ainda sem olhar pra mim. – Hey, chegou uma encomenda pra você, eu coloquei na mesa da cozinha.

– Sério? – Levantei-me num pulo. – O que é?

– Vai lá ver, acho que vai gostar.

E assim eu fiz, corri pra cozinha que nem uma criança que vai ganhar doce, curiosíssima por sinal. Ao chegar lá, me deparei com um lindo buquê de margaridas amarelas, bem no meio da mesa. Era difícil decidir o que era mais lindo, as flores ou o arranjo do buquê. Ele estava envolto num papel bem fininho e transparente, a textura parecida com a de um plástico, todinho desenhado com corações. Uma fita vermelha amarrava o caule das flores, mantendo-as juntinhas.

Peguei o arranjo nos braços, aproximando imediatamente as flores do nariz. Eu amo margaridas!

Peguei o pequeno cartãozinho vermelho preso entre as flores, sorrindo bobamente. Era uma surpresa linda!

Oi princesa, sou eu de novo.

Aproveite as flores, sei que são suas favoritas. E aguarde notícias minhas, essa é apenas uma parte da surpresa.

Boa tarde.

Eu experimentava um misto de sensações nesse momento. Estava absolutamente derretida e encantada pelo gesto tão singelo e doce, mas ao mesmo tempo aquele nó no estômago voltou a apertar. Sentia vontade de rir e chorar, faz sentido? Queria saber quem era aquela pessoa, e ao mesmo tempo sabia que não importa quão fofo e romântico ele possa ser, não vai adiantar. Eu quero o Noah.

É, o engraçadinho, nada sensível e completamente sem noção, Noah. Eu gosto da maneira como seus olhos brilham o tempo inteiro, até nos momentos obscuros. Gosto quando ri dos próprios problemas, faz piada deles. Acho até mesmo que gosto do seu jeito bruto de brincar, e das vezes que fala as coisas sem pensar e deixa os outros (incluindo eu) extremamente constrangidos. Gosto inclusive do seu descaso com a moda, da bermuda sempre larga acompanhada da camiseta de gola V e os chinelos de dedo.

Você percebe que ta ferrada quando se vê encantada principalmente pelos defeitos de alguém.

Voltei para a sala com o buquê em mãos, na estante tinha uns vasos simples que ninguém usava, já que eu era a única pessoa ali com paciência para cuidar de plantas. Peguei um deles, retirando cuidadosamente os enfeites e o papel que envolvia as flores, acomodando-as no vaso.

– Quem será que mandou? – Perguntei, retoricamente.

Adam, que continuava sentado no mesmo lugar, ergueu os olhos do livro apenas pra franzir as sobrancelhas pra mim.

– Jura que você não sabe? Nem desconfia? – Parecia incrédulo, e isso me irritou um pouco. Não respondi. – Bom, se você não percebeu ainda, Marie, não sou eu quem vai te contar.

Fechou o livro, colocando-o na mesinha de canto. Piscou pra mim.

– Tenho uma pesquisa de campo pra fazer, vou te largar aí com seus fantasmas. Te vejo depois. – Permaneci quieta enquanto ele veio até mim e me deu um beijo carinhoso na testa. – A pessoa que te mandou isso te conhece tão bem quanto eu... Não existem muitas opções mais, existem? Pare de se atormentar, as vezes as coisas são exatamente como a gente quer.

Piscou de novo, sorrindo pra mim e sumindo porta afora. E eu fiquei ali, parada, sem saber exatamente o que ele quis dizer.

_/_/_

PDV do Ryan

Quando entrei em casa completamente desolado e humilhado, encontrei uma cena curiosa. Alícia pegava pratos de cima de uma pilha colocada em cima da mesa de jantar, e jogava-os no chão, com a expressão cheia de ira e a respiração pesada de nervoso. A seu lado, meu pai gritava em concordância, incentivando.

– Aquela BISCATE! – Gritava ela, pegando mais um pobre prato da pilha e espatifando-o na parede. – Sujando a imagem da minha mãe!

Olhei para meu pai, que apenas deu de ombros como quem diz “São só alguns pratos, nada demais.”

– Era isso ou a casa inteira... – Riu ele. Não parecia nem um pouco preocupado, pelo contrário, achava divertido.

Os dois interromperam momentaneamente a brincadeira conforme me aproximava, os 2 pares de olhos focavam em mim como quem analisa um doente. Meu pai mantinha o sorriso divertido, mas eu via preocupação em seus olhos. Eu nada disse, apenas atravessei o cômodo rumo a pilha de pratos e peguei um em mãos.

– Funciona mesmo? – Olhei para Alícia, e pelo olhar que me deu em resposta, eu sabia que devia estar um caco.

– Funciona que é uma beleza. – Respondeu, sorrindo solidariamente.

Olhei para o prato mais alguns segundos, e então o joguei. Observei-o se espatifar no chão quase em câmera lenta, o som enchia meus ouvidos e me dava um certo alívio. Alguma coisa se partia além do meu coração.

Bastou o primeiro prato para que um impulso quase insano me invadisse, eu precisava quebrar mais. Logo meus braços funcionavam quase sem comando, e gritos roucos deixavam meus lábios enquanto o som do vidro quebrando enchia meus ouvidos.

Acho que não existe nem palavras pra definir o quão trouxa eu sou. Eu fiz de tudo por essa garota, o que pude, e até mesmo o que não pude, pra ela desprezar meu amor como se fosse qualquer merda e ainda esfregar na minha cara que me traía bem embaixo do meu nariz. Eu me sentia burro, idiota, e sem qualquer perspectiva de melhora. A suspensão não vai durar pra sempre, ela vai voltar e eu vou ter que olhar pra cara dela todos os dias e lembrar do quanto eu a amei, e de como fui totalmente insignificante pra ela e nem percebi.

Eu queria me enfiar em um buraco e sumir.

A raiva crescia dentro de mim de maneira devastadora, eu mal reconhecia minha casa ou Alícia e meu pai. Mal pude perceber quando ela recuou deixando todos os pratos pra mim, a única coisa que eu sabia é que a raiva estava se tornando insuportável.

Eu chorava, e isso só fazia com que me sentisse pior. Deixei que Stella fizesse seu jogo mais uma vez, tirei-a da banda e da minha vida, mas ainda assim ela dera um jeito de me deixar na pior. Eu chorava de raiva, pura raiva, uma raiva tão intensa quanto um dia havia sido o amor.

Quando os pratos acabaram, foi como se tivesse despertado de um transe. Podia focalizar meu pai e Alícia me fitando preocupadamente de um canto da sala de jantar, mas minha respiração estava totalmente descompassada, e ainda doía... Deus, parecia que nunca ia parar de doer.

As lágrimas ainda caíam, teimosas, mas ali eu tinha tomado minha decisão, e estava encerrando um ciclo em minha vida: Nunca mais ia ser trouxa na vida, nem por ela nem por ninguém, e eu ia manter minha cabeça erguida, não importa quanto doa. E isso começa aqui.

Me deixei chorar por mais alguns minutos, deixei que as lágrimas lavassem minha alma sabendo que assim que elas cessassem, eu nunca mais choraria por ela.

Alícia se aproximou de mim, sendo discreta uma vez na vida. Se limitou a apertar meu ombro de leve, demonstrando apoio. Mesmo não tendendo a discrições, ela tinha um tato sensacional, sabia como confortar qualquer pessoa do jeito certo. Era um dom, um dom incrível.

Eu a puxei para um abraço, apertando-a como um urso. Ela quase sumia em meus braços de tão pequenininha, mas seu abraço era tão firme quanto o meu.

Ela manteve o silêncio quando nos soltamos, mas não é preciso falar quando se tem olhos tão expressivos como aqueles. Eu sabia que ela estaria lá pra mim, assim como estive pra ela hoje, e estarei sempre. Agora éramos amigos, acima de tudo, contra tudo e todos se fosse necessário.

Sorri em agradecimento, um sorriso que deve ter soado um tanto quanto miserável, mas era o melhor que podia fazer no momento, e enxuguei minhas lágrimas com as palmas das mãos.

– Pai... – Eu disse, com a voz meio trêmula. – Pode pedir pra alguém pegar as coisas daquela infeliz e levar lá fora pra ela? Ela não bota mais os pés aqui.

Os olhos dele perderam o foco, meio confusos. Coitado, mal podia perceber o que acontecia, e gostava dela. Apesar disso, não discutiu, acenou em afirmação.

– Obrigado, depois te explico tudo.

Acenou mais uma vez, rumando para cima sem titubear.

– Vamos. – Sussurrei para Alícia. – Daqui a pouco eu tenho aula, e você tem uma apresentação pra preparar.

– Tenho é? – Sorriu, debochada.

– Claro que tem, você vai se apresentar na praça. Talvez nesse fim de semana, talvez no próximo, vai depender do seu desempenho.

– Eu? – Ela gargalhou. – Sozinha? Você deve ter bebido.

– Não... Você nasceu pra ser solista, e quer ser solista. Então vai tirar essa bunda gorda da cadeira e trabalhar isso, seu talento é incrível, só precisa perder o medo.

Sabia que parte desse interesse em ajudá-la se devia ao fato de eu querer ocupar minha cabeça e tempo ao máximo, mas a grande maioria ainda era puramente vontade de ajudá-la. Não sabia tudo, nem ao menos achava que sabia muito, mas eu sabia como fazê-la perder o medo do público, e de se arriscar.

Quem sabe pensando menos sobre isso, a dor não diminuísse?

– Ryan...

– Vamos lá... Me dê duas semanas. Prometo que vou te convencer a ir.

Ela me olhou pensativa, mas logo acabou consentindo, sem muita segurança.

– Ok.. – Deu um soco no meu ombro de leve. – Mas vai ter que me contar o que raios aconteceu lá fora.

Olhei para o chão, mantendo meu sorriso tristonho.

– Eu perdi a paciência com ela, e contei que queríamos que saísse da banda... E então ela resolveu trazer a tona um assunto que não tinha nada a ver com isso... – Suspirei, não era algo fácil de se dizer em voz alta, mas Alícia me confiara sua vida toda, suas dores e cicatrizes, seu medo, seu passado, não era justo que lhe negasse a resposta de uma simples pergunta como essa. - Lembra daquele cara que te enganou aquele dia? Matthew Harrison?

Ela acenou afirmativamente.

– Eles são amigos de longa data, ele já a conhecia bem antes de eu aparecer, e eu sempre achei que a amizade que eles tinham estava acima de qualquer suspeita. Eram cúmplices, quase como Adam e Marie, só que mais inconseqüentes. – Cerrei os olhos, buscando as palavras certas. Não sabia como dizer aquilo de maneira a soar menos patético do que realmente era. – Mas eles... saíam juntos, e nem posso dizer que era pelas minhas costas, porque eu simplesmente deixava ela ir.

Eu ri, porque era engraçado. Eu confiava cegamente em uma pessoa que não fizera nada além de mentir e desmerecer essa confiança. Claro que ia acabar chifrado.

– E agora eu sei, sei porque ela gritou isso na minha cara e pra quem mais passasse na rua.

Alícia levou as duas mãos à boca, o queixo da garota quase veio ao chão.

– Eu não acredito que aquela cretina fez isso... Eu não sei o que dizer, ela é muito BURRA.

Eu ri diante da indignação dela. Stella acabara de ofender a mãe dela de todas as maneiras possíveis, e ela estava preocupada com o meu chifre. Essa garota não existe.

Passei o braço pelos ombros dela, beijando-lhe a testa. Tentei sorrir, demonstrar otimismo, mas não sabia se era tão bom atuando como era tocando.

– Não importa. – Eu disse, sabendo que era a mentira mais deslavada que já contara na vida. – Agora bola pra frente.

Não pareceu muito convencida, mas resolveu não insistir.

– Vamos, tenho uma aula pra ir, uma banda pra reestruturar, e depois eu vou te ensinar a usar seu talento. – Toquei-lhe a ponta do nariz. – Tchau Pai!

Gritei, já saindo pela porta.

_/_/_

PDV do Adam

Cheguei ao prédio de Astronomia no horário marcado, mas Aaron ainda não estava pronto. O Sr. Hagias me ofereceu um suco de laranja e eu fui até a sala dele, esperar.

Me sentei em um sofá estofado no canto da sala, bebericando o suco lentamente. Quando acabasse a educação me obrigaria a puxar assunto com aquele homem, e ele me dava calafrios. Eu sei, é ridículo, mas eu tenho medo de Faros Hagias. Sei lá, ele parece tão cheio de autoridade e tão sério... Não gosto de estar sozinho com ele.

Estava no meio de um gole quando senti seu olhar pensativo sobre mim, engoli em seco.

– Hey garoto... – Me chamou, virei a cabeça em direção a ele. – Como anda a Kailis?

Perguntou. Tentou desviar o olhar de mim, focalizando na enorme pilha de papéis a sua frente. Tentava a qualquer preço disfarçar o interesse e fazia um excelente trabalho. Se não tivesse visto a maneira como olha pra ela, até acreditaria que ele não se importa.

– Bom, não mudou muita coisa desde ontem à noite quando saímos daqui. – Respondi, mesmo achando que era uma pergunta óbvia. Hagias revirou os olhos, impaciente.

– Quero dizer ultimamente. O que tem feito?

Ele realmente era muito bom em esconder emoções, longe dela parecia um robô, incapaz de se preocupar com nada a não ser o trabalho, mas perto dela era outra história. Perto dela, por mais que tentasse disfarçar, eu via algo naquela implicância toda. E algo bilateral.

– Ela vai dirigir a nova peça da universidade, está bastante atarefada com isso.

– Ahh. – Murmurou, pensativamente. – Entendo.

– Quer que eu mande algum recado? – Perguntei, cordialmente. Arqueei a sobrancelha fitando as feições do homem que ainda não ousava tirar os olhos do trabalho.

– Só diga a ela que mandei lembranças.

Acenei afirmativamente. Ah sim, claro! Ela vai adorar!

Nada mais foi dito depois disso, o silêncio era rompido apenas pelo barulho das teclas do computador, e o ruído da caneta dele.

Aaron apareceu cerca de quinze minutos depois, enfiou a cabeça pra dentro da sala, acenando pra que eu o seguisse. Cumprimentou Sr. Hagias com um aceno de cabeça e logo saiu, mas o homem o chamou de volta.

– Harrison. – Chamou, no mesmo tom imperativo de sempre. – O que é isso no seu rosto?

Aaron voltou, revirando os olhos e bufando. Ri do seu jeito mal humorado, mas logo assumi uma postura mais séria. Ele tinha um hematoma em volta do olho direito, bem feio por sinal. O que será que era aquilo?

– Eu caí e bati o olho, só isso. – Respondeu, irritadiço.

Faros franziu a testa, visivelmente desconfiado.

– Que seja então... – Ainda olhava pra Aaron. – Podem ir.

Aaron deu de ombros, saindo imediatamente da sala, e eu o segui.

Estava tão carrancudo e mau humorado que me arrependi de ter marcado de novo com ele, devia estar abusando da sua boa vontade. Ontem também não fora exatamente a criatura mais simpática do mundo no começo, mas demonstrou boa vontade em me ajudar, hoje parecia não ter vontade pra nada além de bufar e reclamar.

Praticamente corria pelos corredores, e eu tentava acompanhá-lo.

Mal adentramos o observatório a trancos e barrancos e ele já rumara lá pra dentro do depósito em busca daquele mapa gigantesco de novo, mal sabia ele que minha ideia para hoje era outra, e devido ao mau humor do rapaz, eu sabia que seria bem mais difícil.

Logo saiu do depósito com o mapa já em mãos, trouxe-o para a mesa de madeira e o abriu. Não conseguia tirar o olho do hematoma, parecia bem feio. Me perguntei que raio de queda poderia causar um ferimento como aquele, e achei melhor não perguntar.

– Então, o que vai ser hoje? – Perguntou, sem rodeios. Não foi rude na maneira com que se dirigiu a mim, mas estava mais do que claro seu desconforto.

– Hoje eu quero saber de você. – Respondi, dando de ombros. Aaron se espantou, pude ver seu semblante confuso. – O meu objetivo é escrever uma crônica sobre as estrelas, do ponto de vista de alguém que entenda e ame o assunto. Um astrônomo, ou quase astrônomo. Preciso pensar como você.

– Vai precisar de uns neurônios a mais pra isso.

Revirei os olhos.

– Só algumas perguntas, por favor. Não vou tomar muito do seu tempo.

Ele suspirou, levando a mão direita aos cachos e brincando com um deles.

– Ok.

Aceitou, ótimo. Eu precisava mesmo pensar como ele, era esse meu intuito, mas pensava em usar essa situação para descobrir o que raios acontecia com ele. Esse hematoma não é um hematoma de quem caiu, e sim de quem apanhou. Talvez seja esse o motivo do mau humor.

– Obrigado. – Sorri de lado, levei minha mão ao bolso traseiro da minha calça, tirando de lá um gravador. – Se importa se eu gravar?

– Não, pode gravar. Por que ta falando comigo que nem um atendente de telemarketing? – Olhei para ele confuso, ele deu de ombros. – Cerimônia em excesso. Se usasse gerúndio seria um atendente perfeito. Vou ter que assinar um termo sobre o gravador também?

Não parecia fazer piada, mas eu tive que rir. Ele tinha a língua afiada, o sarcasmo lhe caía bem.

– Você é engraçado.

Manteve a carranca intacta, piscando os olhos algumas vezes.

– Legal, agora vamos, me faça suas perguntas.

Ajeitei o gravador em cima da mesa, ele batia os dedos na mesma num sinal claro de impaciência.

– Por que você gosta de observar as estrelas? – Perguntei. Apoiei meus cotovelos na mesa e juntei as mãos, apoiando o queixo sob as mãos. Observava-o, esperando uma resposta. Ele demorou um pouco pra responder, e eu entendia o por que. Se me perguntassem por que gosto de escrever me viriam tantas coisas na cabeça que eu precisaria de tempo para ajeitá-las em uma frase.

– Eu as entendo. – Respondeu, simplesmente. Um sorriso mínimo se formou no canto de seus lábios e seus olhos brilhavam. – E elas me entendem. Elas sabem que as vezes ficar sozinho é um remédio, e que nesse imenso cenário de ignorantes, poucas companhias são melhores que a solidão.

Acenei afirmativamente, eu entendia o que ele queria dizer. A maior parte do tempo eu não me sentia a vontade perto das pessoas, e escrever é meu refúgio como as estrelas são o dele.

– Elas guardam segredos... – Continuou, justo quando achei que tinha concluído sua resposta. – Conhecem cada pedaço da minha vida, como um diário projetado no céu. – Era incrível observar como a carranca tão típica dele se dissolvia quando falava de sua paixão pelo céu, seu sorriso se alargava a medida que falava, e o meu também, era uma conseqüência. – E presenciaram todas as etapas da Terra, os avanços e retrocessos da humanidade, os grandes heróis da história. Elas me fascinam e me intrigam.

– Uau. – Exclamei, impressionado. – Bela resposta.

– Próxima. – Pediu. A carranca não voltara a se formar, mas a melhora de humor foi muito remota. De qualquer maneira pela minha experiência de ontem e hoje, eu descobri que fazê-lo falar sobre sua vocação melhora consideravelmente seu estado de espírito, seja apático como estava ontem ou irritadiço como está hoje.

Sabia que quando chegasse a hora de fazer perguntas pessoais (e ela chegaria), não seria tão fácil obter uma resposta, mas tudo faz parte da construção do personagem. Nem só de estudo vive o homem. Eu precisava saber mais, e parte de mim queria saber mais, embora eu estivesse em uma tentativa árdua de me convencer do contrário.

– Quando você começou a admirar o céu? Com que idade mais ou menos? – Perguntei, mantendo meus olhos atentos às expressões que fazia. Por elas eu podia saber o que achava da pergunta, se estava atingindo um limite ou podia ir mais fundo, isso era importante. Ele arqueou a sobrancelha, mas parecia mais pensativo do que incomodado.

– Com 6 anos. – Respondeu simplesmente.

– Se lembra o que foi que chamou sua atenção?

– Eu tinha um único amigo na escola nessa época, e eu sabia que ele era diferente, mas não sabia o que era. Ele não tinha cabelos como as outras crianças, e as professoras sempre tomavam um cuidado extra com ele, ele tomava remédios e até sua alimentação era controlada. – Fez uma pausa, sua expressão era leve. Essa história tinha tudo pra ser uma lembrança ruim, mas não parecia. Não era algo traumático pra ele, era algo bom de se lembrar. – Ele tinha um tipo raro de Leucemia, mas eu só fui entender isso muito tempo depois, na época em que ele morreu uma das professoras me contou a velha história de “ir morar no céu”. Só que eu levei bem ao pé da letra. – Agora sorria abertamente, e até soltou uma risada descontraída. – Por causa dessa explicação simples e inocente, as estrelas se tornaram meu refúgio. Não tinha mais ninguém pra conversar, então conversava com elas. Pra mim era o mesmo que conversar com ele. Esse foi o começo de tudo, depois nunca mais parei.

Acenei afirmativamente, sem saber o que dizer. Era uma história tocante.

– Eu comecei a escrever por causa de uma amiga também. – Disse por fim, desejando ter pensado em algo melhor pra dizer, afinal, minha amiga ainda estava viva. – Mas não é nada muito poético. Ela ficou triste porque não conseguiu um papel legal na peça da escola e eu escrevi uma peça só pra ela, que ficou uma bela porcaria por sinal.

Oh, eu era um troglodita insensível, aqui tagarelando sobre minha melhor amiga viva depois de ele ter me contado uma história triste dessas.

– É um belo gesto. – Comentou, ao invés de me dar uma resposta atravessada, que era o que eu merecia.

– Você acredita nisso? Que as estrelas tem alma, e que as pessoas que amamos permanecem em algum lugar nos observando?

Ele riu levemente.

– Você está falando com um amante da ciência, sabia?

– Eu sei, mas é inimaginável pra mim alguém observar essa beleza de céu todas as noites e não acreditar que exista vida por detrás disso, alguma coisa mística...

– Um poeta é sempre um poeta... Mesmo num santuário da ciência. – Brincou, sorrindo de canto. – Mas você tem razão... Que Faros não me ouça agora, mas eu acredito que exista algo sim, algo nas coisas que a ciência não consegue explicar. Faros diz que todos os pontos de interrogação possuem uma resposta que pode ser cientificamente provada, mas alguns deles nós somos ignorantes demais pra resolver por enquanto.

– Eu gosto mais da sua teoria. – Mantinha meus olhos nele de maneira curiosa. A forma como o humor dele oscilava em um espaço curto de tempo com certeza era um caso a ser estudado. Me perguntei como uma pessoa tão inteligente e agradável (apesar dos momentos rabugentos) pode gostar tanto de solidão. – O que você faz quando não está estudando ou ajudando estudantes de Literatura?

– Durmo, visito a família ocasionalmente, discuto com meu irmão. A maior parte do tempo eu estudo e ajudo um estudante folgado de literatura também.

– Obrigado pela parte que me toca. – Brinquei, fazendo cara de ofendido. Algo me ocorreu naquele momento, e tinha mais uma pergunta que eu queria fazer, mas tinha medo da reação dele. – Aaron...

Chamei, ele ergueu os olhos pra mim como quem diz “estou ouvindo”.

– Você discute muito com seu irmão? – O fato de ele ter colocado esse detalhe em pauta me fez lembrar de outras coisas. O irmão dele era Matthew Harrison, o amigo covarde da Stella que deixou Alícia pelada no segundo dia dela aqui. Ele mesmo me confessara isso na noite de ontem. Um cara que é capaz de deixar uma garota nua no meio de uma praça é capaz de causar um hematoma daqueles no olho de alguém.

Aaron se incomodou com a pergunta, suspirou longamente e franziu as sobrancelhas, mas eu já tinha ido até ali e iria até o final.

– Não curto muito falar sobre o meu irmão...

– Ele te socou o olho?

Pigarreou e coçou a garganta. Levantou-se vagarosamente da mesa.

– Acho que já vimos o bastante por hoje, me dá seu celular pra eu gravar meu número, você me liga se precisar de mais alguma coisa.

Resolvi não insistir, acho que ele já tinha respondido minha pergunta mesmo sem a intenção. Suspirei, e entreguei-lhe meu aparelho.

Matthew me intrigava. Nunca o tinha visto, só ouvia falar dele, além disso nunca ouvi seu nome associado a nada de bom. Todas as vezes que era citado era relacionado a algo ruim. Quem seria essa pessoa? Eu tinha curiosidade pra saber.


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Notas finais do capítulo

Gostaram? Não gostaram? Opinem meus amores!

Beijos! Até o próximo.



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