Quarta-feira 17 de abril.

Um. Dois. Três toques.

– Chega! Atende logo esse telefone Catherine!

Eu podia estar morrendo de saudades da Raquel, mas ela sabia como me irritar. A gente estava no shopping e o Marcelo não parava de ligar, e mesmo que eu saiba que ele não tenha feito nada, eu não queria atender. A Raquel que até então era a primeira pessoa da família que eu tinha visto desde que cheguei e passou o dia todo no meu apartamento pra gente colocar todos os assuntos em dia, e nas últimas duas horas o assunto foi o mesmo: A última noite. E durante todo esse tempo ela ficou falando que eu era uma péssima amiga, que apesar de ter mudado em todos os aspectos - segundo ela eu tinha engordado, e isso eu até tenho que concordar, não tem como ir ao país do Fast food e não engordar pelo menos um quilinho. E também disse que o meu cabelo estava enorme, que eu tinha crescido horrores, que todas as inúmeras espinhas que habitavam no meu rosto sumiram completamente e que misteriosamente eu estava mais bonita- Eu continuava antipática. Mas ela não iria me convencer. Eu estava mega empolgada com a chegada do casamento do meu pai e ninguém iria atrapalhar.

Durante o meu intercâmbio, meu pai e a Suzana foram diversas vezes me visitar e namorar um pouquinho... O Nicolas foi apenas duas vezes e uma delas ele levou a Samantha, e pelo visto o namoro dos dois era bem sério. E antes de vir ao Brasil eu passei duas semanas com eles em Nova Iorque, ajudando nos últimos preparativos para o casamento e conhecendo um pouco mais a Suzana que até então estava sendo bem mais que uma madrasta e sim uma amiga. Na verdade ela e meu pai se casaram oficialmente no ano passado, uns três meses após assumirem o relacionamento, e de início ambos concordavam em não fazer tal cerimonia, mas com o tempo a Suzana foi mudando de ideia e acabou por convencer o meu pai. Eles começaram a planejar tudo em muito pouco tempo, foi muito de repente, e com toda a correria com os preparativos, eu não os via desde que cheguei. Eles chegaram somente ontem e pelo o que eu sei, estavam apavorados com os últimos detalhes e um monte de problemas que pelo visto tinham deixado para última hora.

Eu estava muito emocionada com tudo acontecendo tão de repente, poxa, meu pai ia se casar... Eu nunca imaginei isso! Nunca! E a minha ficha só iria cair na hora que anunciassem a entrada dos padrinhos e eu fosse a primeira a entrar e... espera ai! O meu par era o Marcelo! Nossa, como eu pude me esquecer disso! Burra, burra,burra, mil vezes burra! Eu tinha mesmo que deixar tudo para a última hora, o primeiro problema já começou hoje com o vestido, que foi um custo achar um que coubesse em toda a minha gordura e quando eu estava quase desistindo de ir nesse casamento entrei na lojinha mais nada a ver e vi alguns que acabei me interessando e quando eu coloquei no corpo... uau! Foi amor a primeira vestida.

Liguei correndo para o Marcelo, pedi desculpas por não ter atendido e inventei uma desculpa qualquer. Ele pareceu meio desconfortável ou talvez era apenas a sua voz ao telefone, eu nunca soube direito decifrar o sentimento das pessoas pelo telefone, prefiro contato pessoal onde dá para ver a expressão que irá se formar em seu rosto e só assim podemos entender se falamos de mais ou de menos. Já pelo telefone não era a mesma coisa. Combinamos de nos encontrar no salão na sexta para passar os passos da valsa dos casais que a Suzana sismou em fazer pois era moda em Nova Iorque. Por sorte ele não entrou em detalhes nem em outros assuntos e o que me deixou mais curiosa foi ele não ter comentado nada sobre o que queria dizer nas últimas ligações.

Quinta passou voando, e como eu acabei ficando sismada com as inúmeras pessoas que falavam que eu tinha engordado, me matriculei na academia mais próxima e passei a manhã por lá. A tarde eu fui com a Suzana ver a prova final do vestido e eu acabei chorando, ela ficou tão linda... A noite eu fiquei assistindo séries e mais séries até que praticamente desmaiei e quando acordei já estava atrasada para ir ao salão. Entrei correndo no banheiro, peguei a primeira roupa que vi dentro da mala e quando assustei já eram quase meio dia!

– Mil desculpas ter feito você esperar! é que ainda não matei a saudade daqui... - Eu disse.

– Já sabia! Você nunca consegue arcar com seus compromissos de manhã... Mas a Night daqui é legal...

– Night? Na verdade eu me atrasei por culpa sua! Se não fosse você enchendo o saco pra mim assistir aquelas séries eu não teria passado a madrugada toda na TV!

–Ah, então a culpa é minha? Pois então eu me desculpo! Agora se desculpe por atrasar!

– Se isso te levar em alguma lanchonete mais próxima daqui e trazer um lanche pra mim... Me desculpe!

Ele riu.

– Falando sério eu estou morta de fome! A gente não pode ir naquele shopping que tem aqui do lado? Eu pago seu cappuccino de chocolate com espuma que eu sei que você adora pra te compensar! E a gente precisa matar a saudade, tem umas boas semanas que eu não encho a sua paciência!

Ele concordou, um pouco mais animado do que aparentava quando eu cheguei e a gente ficou horas conversando sobre como aqui tudo era bem diferente e ao mesmo tempo com aspectos bem iguais aos de Orlando. Mas ai o assunto foi acabando e ele ficou me encarando por uns minutos.

– Desculpa pelo meu primo Katy! Eu não sabia... Eu...

– Relaxa! Uma hora ou outra a gente ia se esbarrar por aí... Eu já espera isso, o que me deixou surpresa foi ele ser seu primo! Esse mundo é tão pequeno!

Eu tentei parecer com mais convincente possível, mas não era verdade. Sim, eu esperava ver ele por aí com alguma outra menina e inclusive vim me preparando psicologicamente para isso desde quando pisei no aeroporto do Acre para a nossa primeira conexão, como se do nada ele fosse aparecer a tantos quilômetros de distância por mera coincidência. Mas alguma coisa me incomodava. Se eu tivesse sido mais esperta... Os dois se parecem tanto! Tem um jeito bem parecido e foi justamente por isso que eu nunca dei a mínima pra Marcelo quando ele tentava algo a mais.

– Marcelo... eu te agradeço muito por ter aceitado ser meu par no casamento, de verdade! E por todo seu esforço de ter chegado cedo pro ensaio enquanto poderia estar curtindo o máximo a sua chegada aqui... Uma pena a gente não ter dado certo, a menina que te conquistar vai ter muita sorte!

Ele corou todinho. ficou paralisado. Arregalou os olhos e ficou imóvel por alguns segundos, o que me fez arrepender de ter dito isso na mesma hora. Eu sabia que entre a gente não ia rolar nada mesmo, e imaginar qualquer coisa a mais entre a gente é tão estranho quanto imaginar eu tendo alguma coisa com o meu irmão... E acho que ele também sentia o mesmo porque ele fez uma cara, provavelmente tentando imaginar o mesmo.

Antes que ele pudesse dizer alguma coisa uma menina histérica chegou ao seu lado aos gritos dizendo que estava morrendo de saudades dele. A Suzana me ligou na hora e eu deixei os dois conversando enquanto atendia o telefone. Quando estava desligando olhei para trás e vi que a menina já tinha ido e ele estava lá me olhando de um jeito tão maravilhado que me fez rir imediatamente. Depois voltamos ao salão e eu tentei ao máximo ensinar a ele como se dançava valsa e para minha surpresa ele era ainda mais duro do que eu já sabia. Tomara que na hora ele consiga enfim me conduzir ou ao menos consiga me acompanhar quando eu tiver que conduzir ele! Foi hilário toda a cena. Depois de um tempo no salão a cerimonialista chegou e junto com ela meu pai para ajudar nos enfeites, era a primeira vez que o Marcelo ia conhecer ele.

– Então é o senhor o autor do ilustre nome da Katy! Prazer, Marcelo!

– Então é você que vai conduzir a minha filha até o altar! sorte sua não ser para casar com ela. Já te dou uma dica, não case! É legal, é divertido, mas eu estou gastando uma fortuna com uma festa que vai durar apenas 6 horas! E quando for casar com ela... Certifique se você está rico o suficiente!

Ele corou todinho. O Marcelo com vergonha era raro. Agora ver ele com vergonha por duas vezes no mesmo dia é épico.

– Sim senhor, nós já estamos juntando dinheiro! - Ele disse me abraçando por trás.

Eu ri horrores com o olhar que meu pai fez. Depois disso repassamos mais uma vez o ensaio e ficamos juntos pelo resto do dia, eu me senti ótima por reviver esses momentos com ele, fazia um tempinho que eu não ria tanto assim. A noite ele foi me levar em casa e eu chamei ele para entrar para ver a Mary que já estava dormindo. Ficamos um tempo vendo seriados e quando eu estava quase apagando de sono deitei no colo dele enquanto ele mexia no meu cabelo. Ficamos grande parte do tempo calados até que ele quebrou o silêncio.

– É... Ahn... Katy, o que você acha de ser minha?

Demorei um pouco para assimilar... o que eu respondia?

– Sua?

– É. Minha, só minha!

– Aaah, Marcelo a gente já tentou tanto em Orlando eu acho que...

– Pois é, a gente tentou eu Orlando, aqui é diferente! Você acha mesmo impossível assim?

Respirei fundo.

– Não... pra mim, é bem possível sim!