Let It Snow - Natal das Sagas escrita por River Herondale


Capítulo 9
Jogos Vorazes


Notas iniciais do capítulo

Natal passou, mas o conto continua! Amanhã postarei o último, mimimi, mas foi ótima a experiência.
Esse conto eu escrevi com muito carinho e achei ele bem intenso, até perdendo o clima natalino e tal.
Passa por volta do epílogo, ok? Enjoy!



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Fantasmas do Passado


Acordo com bracinhos gorduchos puxando meu cabelo e uma risadinha fofa de bebê. Levanto meus olhos e vejo olhos os olhos cinzentos de meu filho me encarando e um sorriso estampado na boca sem dentes. Peeta está carregando-o e noto que ele também está sorrindo. Com força eu decido sorrir também, porque minha família está feliz.

– Feliz Natal, meu amor. – diz Peeta para mim enquanto segura nosso filho. Noto que ele está de avental, provavelmente fazendo cookies para o café da manhã. – Nosso pequeno decidiu acordar antes da hora e então ficou me vendo enquanto eu fazia biscoitinhos de natal para nós.

– Feliz Natal – respondo sonolenta e imagino que deve ser umas oito horas da manhã, já que nosso bebê sempre acordava mais cedo que isso. – Eu poderia ter te ajudado a preparar a mesa de natal. – retruco, me sentindo uma preguiçosa.

– Cozinha você deixa comigo. Vamos tomar café? – ele me pergunta enquanto sacode nosso filho nos braços. O bebê faz gracinhas com a mão e então levanto, por mais que no Natal especialmente eu me sinta triste.

Me sinto triste porque me lembra quem eu amava e já se foi. Prim é meu primeiro pensamento, que sempre amou a data de Natal e a hora de abrir os presentes que nem sempre eram bons. Lembro de Annie com seu filho e lembro quando o garoto pediu de presente de natal seu pai. Lembro de Rue, de todas as crianças que morreram por minha causa e tiveram as famílias devastadas e penso em como nenhum natal foi o mesmo para suas famílias depois de suas mortes. Por fim lembro de Gale que, onde quer que ele esteja, sei que seu Natal não será melhor que o meu, pois esses remorsos que tenho eu sei que ele também tem.

Faço uma trança rápida no meu cabelo bagunçado e visto uma roupa quente. O cheiro de café inunda a casa e decido acordar minha filha e primogênita. Chacoalho seu ombro e ajudo-a a se vestir com um suéter natalino e faço duas tranças em seus cabelos castanhos como o meu. A semelhança facial dela com o Peeta é assustadora e ao mesmo tempo bela. Peeta é lindo. Nossa filha também.

Na cozinha vejo que Peeta fez além de biscoito, muitos waffles, panquecas e um bolo com canela pelo cheiro. Me sento ao seu lado e nos servimos com a comida deliciosa feita pelas mãos talentosas de Peeta.

Meu corpo está presente, mas minha mente está distante. Tento sorrir as crianças e mostrar confiança e alegria, por mais que meu senso de espírito diga outra coisa. Peeta me entende e me respeita, pois sabe o que eu sinto do natal. Por isso em todos os momentos tenta entreter as crianças e mantê-las longe da minha tristeza.

– Será que Papai Noel decidiu trazer seu presente? – pergunta Peeta a nossa filha. Vejo entusiasmo nos olhos dela e ela responde com um sim animado feito com a cabeça. Peeta ri. – Você foi boazinha. Vamos terminar de comer e ver se embaixo da nossa árvore tem presentes.

Às vezes me pergunto porque Peeta ainda me ama. Juro por Deus que falo essas perguntas a mim todos os dias. Peeta é o que dá estabilidade a família, sempre. Peeta é quem mais fala e entende nossos filhos, Peeta é o que cozinha e os alimenta enquanto eu apenas caço e isso não significa que comemos o que eu caço. Não precisamos disso mas continuo a caçar. Peeta é quem me comunica as notícias que as pessoas consideram “difíceis” e Peeta é quem me mantem longe de pesadelos me abraçando enquanto durmo. Sinto que nunca serei o suficiente para ele, que nunca o recompensarei por tanto que ele me faz. Sou um fardo, por mais que ele negue. A única coisa descente que fiz por nós dois foi ter tido nossos filhos que são nossas maiores alegrias. Lembrar os olhos brilhantes de excitação de Peeta quando soube que seria pai me recompensa e me faz reforçar de que estou fazendo o certo.

– Mamãe. – ouço minha filha dizer em tom baixinho. – Por que está chorando?

Noto então que há lágrimas escorrendo de meus olhos e limpo-as apressadamente. Odeio chorar e chorar na frente de meus filhos é mil vezes pior.

– Não é nada, querida. Mamãe apenas estava lembrando de coisas. – digo gaguejando porque nunca fui boa com palavras.

– Lembrando de quê? – ela questiona e dessa vez não sei o que responder.

Mas Peeta responde.

– A mamãe nessa data lembra de seus natais quando mais nova. Lembra do natal com seu pai, sua mãe, sua irmãzinha. Mas agora ela cresceu e lembrar disso dói porque está distante. – Peeta responde com suavidade e não omite a verdade, apenas a deixa mais leve. Peeta sempre é assim em relação as crianças: nunca omite a verdade.

Mas ouvir as palavras de Peeta é como um tapa na minha cara. Imagino que quando nossa filha tiver idade o suficiente para entender tudo o que aconteceu ela me achará louca. Decido ignorar, mas não consigo. Levanto imediatamente da mesa e vou até o quarto e me tranco.

Sei que piorei as coisas, mas é horrível. Eu queria ser mais forte em relação aos meus sentimentos porque quando mais nova, esconder sentimentos era uma atividade relativamente fácil e útil. Quem não sente não sofre.

Ouço batidas na porta. Decido ignorar. Mas Peeta diz para mim:

– Katniss, as crianças irão abrir seus presentes e eu sei que você gostaria de estar presente neste momento. Por favor.

E realmente quero estar presente. Quero que esses pensamentos alegres sejam minhas memórias do natal.

Me levanto e vejo que Peeta ajuda nosso bebê a abrir seu pacote. Nossa filha está chacoalhando o dela tentando adivinhar e por fim também abre. Eles têm brinquedos na infância, não arma como eu. Quero que isso mantenha assim.

Então ouço a porta da frente ser sacudida. Peeta olha para mim e eu digo:

– Eu abro.

– Não. Fique com ele e eu abro. – disse Peeta me entregando o bebê e indo até a porta para abrir.

Uma grande quantidade de neve entra junto com Haymitch e um saco grande e vermelho nas costas. Haymitch diz com a voz embargada de bebida:

– Ho-Ho-Ho crianças! Feliz Natal!

E minha filha se levanta alegre e corre até ele para abraçá-lo. Haymitch nunca mostra afeto a ninguém, a não ser por ela.

–Tio Haymitch, que bom te ver. – ela diz enquanto soltava do abraço.

– Olhe só para você, cada vez que te vejo está maior! – Haymitch disse alto demais e espanou o cabelo dela para tirar neve. – Te deixei toda cheia de neve.

E ouvi ela rindo e se limpando apressadamente.

Haymitch se sentou no sofá e colocou seu saco no chão. Eu decidi também sentar no outro sofá enquanto chacoalhava meu filho mais novo que parecia inquieto, provavelmente pela alegre presença de Haymitch. Peeta havia ido buscar biscoitos para Haymitch.

– Ele parece com a Prim. – disse Haymitch.

– O quê? – pergunto, minha voz saindo como um ruído

– O bebê. Lembra muito a sua irmã.

Balanço mais o bebê porque eu não gostava de admitir, mas a Prim era exatamente como ele quando bebê. Os cabelos loiros, o formato da boca, a curva no nariz, o jeitinho que a sobrancelha era. Não dava para negar que não eram parecidíssimos.

Haymitch faz um som de impaciência com a boca depois de minha demora para achar alguma resposta. Peeta volta para a sala e entrega ao Haymitch um copo de leite e biscoitos recém-enfeitados

– Eu amo seus filhos Peeta. – diz Haymitch depois de terminar o leite. – E eu queria presenteá-las por serem tão encantadoras.

Peeta dá um largo sorriso quando responde:

– Obrigado, Haymitch. As crianças também o amam.

Haymitch então abre seu saco e tira de lá dois pacotes grandes. Deu um para a menina e outro para o menino que agora estava no colo de Peeta.

Com sue modo atencioso, Peeta ajudou nosso bebê a abrir o pacote. Era lindo. Dentro havia um tipo de caminhãzinho colorido e peças para encaixar. Pela expressão de Peeta pude ver que ele estava tão agradecido quanto nosso filho.

– É incrível, Haymitch. Obrigado.

– Eu precisava comprar algo bom para esse loirinho. Um ótimo artesão de fora do Distrito 12 me fez isso sob encomenda e estou muito satisfeito.

Minha filha estava com um livro na mão. Era grande e provavelmente pesado. Devia ter bastante figuras porque as cores que estampavam o livro eram infantis.

– Esse livro eu encontrei em uma loja com coisas antigas. Coisas de antes da guerra do Tordo, sabe. – Haymitch disse em tom provocativo, mas decidi ignorar. – É antigo, mas muito bem conservado. Como eu sei que ela está aprendendo a ler eu achei que um livro de contos de fadas seria perfeito.

Minha filha então levantou do tapete e foi se sentar ao meu lado, carregando o livro.

– Me ajuda a ler? – ela perguntou e eu vi a capa. Eu já havia visto aquele livro antes.

– Claro. – respondi trêmula com essa minha impressão de conhecer esse livro. – Vamos começar abrindo a primeira página.

E então na primeira página estava uma dedicatória com uma caligrafia perfeita. As palavras eram:

Para minhas duas lindas filhas Katniss e Primrose.

Espero que achem um refúgio nos Contos de Fadas.

Com carinho,

Papai.”

E foi como uma apunhalada na barriga ler aquilo porque definitivamente eu conhecia aquele livro.

Antes que pudesse pensar eu estava correndo. Não me lembro como saí de casa. Não me lembro da reação de Peeta ou Haymitch. Apenas me lembro de estar correndo em direção a floresta, lágrimas furtivas escorrendo e alguns soluços que insistiam em vir.

Peguei meu arco e flecha na árvore em que eu sempre deixava e tentei respirar calmamente o ar da natureza. Mas às vezes respirar é uma tarefa que necessita de habilidade, por mais natural que isso possa ser.

Estranhamente para mim, respirar era uma tarefa difícil. Mas caçar não. Caçar era tão natural quanto. Meu coração disparou ao ouvir som de passos pesados. De algum veado ou cervo, ou algo do tipo. Consegui decifrar de onde vinha o som e armei meu arco. Estava calma e esperei o animal se aproximar. Mas não. O som se distanciou e decidi seguir ele porque era isso que eu sabia fazer afinal: matar.

Cheguei até perto de um lago e o som cessou. Então de trás de uma árvore imensa surgiu o que eu estava tentando caçar.

Não era um cervo.

Nem era animal.

Era humano.

Era Gale.

O choque de ver Gale Hawthorne, meu melhor amigo quando jovem foi demais para mim. Pensei na probabilidade de ser uma alucinação. Pensei que a dor estava me fazendo ver coisas improváveis, mas a voz grave dele fez eu ter certeza de que tudo era real.

– Ei, Catnip.

Sua expressão era dura. Ele parecia mais velho do que realmente era, provavelmente em razão ao sofrimento e solidão. Raramente alguém me trazia notícias vazias dele, como por exemplo eu sabia que ele havia se envolvido com algumas mulheres, mas nunca chegou a namorar sério nem sequer ter filhos. Também sabia que às vezes ele sumia do mapa e ficava vagando por aí sozinho e com seus demônios internos. Mas algo mais em sua expressão me dizia que ele estava desesperado.

– Você estava chorando? – ele pergunta, provavelmente vendo meu rosto inchado.

– O que você está fazendo aqui? – pergunto para desviar seu comentário anterior.

– Vagando. É natal e essa data é difícil para mim. Vagando para esquecer.

– Então somos dois. – digo de modo duro.

– Mas então você aparece e junto trás todas minhas lembranças.

– Não é fácil para mim também, acredite. – digo porque é verdade. Sempre achei que quando encontrasse Gale eu o abraçaria muito e diria o quanto sinto sua falta. Mas não faço. Não faço porque nosso encontro não foi programado e consequentemente não foi agradável. Era natal e nenhum de nós estava espirituosamente feliz.

– Aconteceu algo? – ele me perguntou, claramente se importando com o que havia acontecido. Eu sabia que o que quer que eu fale, Gale ouvirá. Então decidi contar.

– Haymitch levou presente às crianças, mas o da menina era um livro que ele havia comprado em uma loja de antiguidades. Era um livro de... era um livro que meu pai havia dado a mim e minha irmã quando pequenas, mas minha mãe vendeu para conseguir dinheiro. Prim amava aquele livro. Então eu fugi.

Gale assentia sem expressão. Depois de um longo suspiro ele disse:

– É estranho.

– O quê?

– Você. Nós. Você tem dois filhos que eu nunca vi e nunca acreditei que um dia você teria. Você continua aqui, no doze. Eu fico vagando. Nada progrediu para mim. Não vejo meus irmãos e meus sobrinhos. Não vejo paz mesmo que tudo esteja em paz. Não vejo esperança, apenas sufoco. Não vejo lugar para mim em nenhum lugar porque eu mesmo não me aguento

Eu senti remorso nesse momento. A culpa me atingiu porque eu desamparei Gale enquanto deveria ter ajudado. Se bem que nem eu mesma conseguia cuidar de mim. Mas tive ajuda. Gale não.

– Vem pra minha casa. – digo sem pensar. – Preciso voltar antes do almoço para que ninguém se preocupe.

– Não posso.

– Claro que pode! Quero que conheça minha família.

– Mas esse é o problema. É sua família, não minha.

E sinto uma pontada no estomago. Me levando e arrumo o arco na minha costa.

– Eu devo insistir.

– Não, Catnip. Volte para seus filhos, ok? Quem sabe não nos vemos mais para a frente.

Ele também se levantou e caminhou em minha direção, depositando um beijo quente em minha testa congelada. Então ele se distanciou como um viajante misterioso entre as árvores e esperei ele sair do meu campo de visão para voltar.

Ele não se virou uma vez sequer para ver se eu continuava atrás.

Voltei para casa mais calma. Estava trêmula, pois depois da adrenalina eu havia notado como estava frio. Haymitch havia ido embora e Peeta preparava o almoço na cozinha. Ele não questionou nada comigo sobre onde eu estava. Essa era uma das coisas que eu amava nele. Então vi que na sala, minha filha segurava meu filho no colo e juntos eles folheavam o livro de contos de fadas exatamente como eu fazia para a Prim.


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Notas finais do capítulo

O que acharam? Espero que tenham gostado, hein?