ADAM

A tempestade veio logo após o último grito de Lua. Relâmpagos iluminaram o céu escuro e sem estrelas. Alastor estava feito uma estátua. Em pé, com os cabelos negros caindo em fios encaracolados e molhados sobre a testa. A chuva aumentou, encharcando minhas únicas roupas restantes - que estavam sujas de sangue e chamuscadas. Minha mochila com meus itens, assim como a de Dianna e Connor, estava no carro que fora destruído com Gump dentro.

– Alastor, tudo bem. - Ouvi a voz de Lara consolando o garoto. Levantei a cabeça e visualizei ela agachada ao lado do garoto que estava de joelhos, com os olhos saltados.

– Adam. - Ouvi uma voz firme me chamar.

A luz da lua causou uma silhueta sinistra em volta do corpo pequeno e magricelo de Annie. Sua blusa regata amarela estava toda molhada, grudando em sua pele. Os longos cabelos estavam mais bagunçados do que o normal, os fios enrolando uns nos outros devido a chuva.

– Estamos vivos. - Falei, após um minuto constrangedor de silêncio. Notei os olhos cinzentos de Annie lacrimejarem. Ela e Lua eram amigas.

– Ela queria ser uma heroína, só não soube como. - Minha meia-irmã limpou os olhos com as costas da mão, e respirou fundo. - Deu a vida por nós.

– Vou admirar essa atitude dela para sempre. - Respondi, caminhando até a casa, deixando-a para trás. - Venha, vamos ver se os outros estão bem.

Naquele instante, eu soube que deveríamos ser fortes. A briga entre Annie e eu talvez já não existisse. Nossa missão era conseguir semideuses, e estávamos começando a perde-los.

Alastor e Lara apareceram alguns minutos depois de nós. Todos estávamos molhados, exceto Lucy e Connor, que permaneceram em volta da casa, sob a cobertura. Os dois semideuses filhos de Deméter, Grayer e Collin, apareceram na sala de estar com algumas toalhas e cobertores. Após todos se secarem, nos sentamos sobre o sofá antigo com os cobertores e ficamos em volta da lareira, enquanto a chuva batia com violência no vidro da casa, causando um barulho desagradável.

Ninguém comentou a morte de Lua. Apenas Annie, que vez ou outra, deixava algumas lágrimas escaparem.

– Collin poderá emprestar-lhe roupas, não é, querido? - Disse Deméter para mim, logo depois olhando para o garoto que estava sentado ao lado de Dianna. O menino assentiu, com um sorriso singelo. Ele devia ter por volta de 14 anos, e apesar de ser um ano mais novo que eu, tinha o mesmo tipo físico.

Enquanto tomava leite com aveia numa xícara escrita EU AMO CEREAIS, notei Lucy olhando para Alastor, que estava numa poltrona do outro lado da sala, dividindo um cobertor com Lara, que estava em seu colo.

– Quando isso começou? - Perguntou ela, mais para si mesma, do que para mim.

– O que? O romance dos dois? - Sugeri. A garota assentiu. Seus olhos, no momento um cinza e outro preto, encaravam o garoto. - Eu não sei, só tem... o que? Dois dias que eles se conhecem? Olhe, Lara é filha de Afrodite. Não há um tempo certo para o amor nascer quando se trata da filha da deusa do amor.

– O que ela tem que eu não tenho? - Perguntou Lucy, passando as mãos pelos cabelos. Eles eram lisos e compridos, variando de cor conforme o humor da filha de Íris. No momento estavam num tom de castanho escuro com as pontas vermelhas.

Observei bem Lara antes de responder. Eu me perdia muito facilmente lendo livros, alguns inclusive de romances, e costumava me apaixonar por garotas que não existiam. E por incrível que pareça, não reparava muito nas garotas, mesmo numa filha de Afrodite. Lara tinha uma pele meio morena e cabelos negros, apesar de em algum momento ter imaginado-a loira. Li em algum livro que a aparência das filhas de Afrodite podiam variar dependendo da pessoa que a olha. Talvez Lucy a visse como uma garota feia.

– B-bom.. ela é filha de Afrodite, uma das deusas mais bonitas do Olimpo. Isso é o suficiente, não?

– São os meus olhos, não são? - Lucy se aproximou de mim, arregalando os olhos de cores diferentes. - Eles são horríveis, só pode ser isso! Eu queria ser bonita.

– Você é bonita, Lucy. Seus olhos são.. - Eu não soube como terminar. A verdade é que eles eram um tanto estranho, apesar de eu já ter me acostumado com eles.

– Hã-hã. - Graças aos deuses, não precisei terminar a frase. Deméter estava em pé em frente a lareira, chamando nossa atenção. - Estou impressionada com o dom de vocês e muito alegre por terem mandando embora essas criaturas indesejáveis da minha propriedade. - A deusa deu um risinho e olhou para o teto, como se pudesse ver além. - E é claro, satisfeita pela ajuda que Zeus nos deu com essa tempestade. - Ouvi um trovão vindo de fora e soube que o deus havia recebido a mensagem. - E é por isso que irei concede-los uma carona para que possam chegar até a Flórida.

– Se for alguma carroça eu prefiro ir a pé. - Comentou Dianna. Collin deu-lhe uma cotovelada, e por incrível que pareça, a garota não lhe socou. Comecei a suspeitar que novos casais estavam se formando.

– É algo melhor, minha querida. Muito melhor!

Deméter decidiu que nos contaria qual seria nossa carona apenas no dia seguinte, e não hesitamos, pois todos estavam muito cansados. Tinha sido um longo dia. Uma morte após a outra.

Grayer e Collin nos conduziram até o segundo andar da casa, onde havia dois quartos de hóspedes, com quatro camas em cada. Dessa vez dividi o quarto com Alastor, Connor e Dianna. Lucy, Annie e Lara ficaram no quarto ao lado, com uma cama sobrando.

Em poucos minutos adormeci, imaginando qual seria a próxima morte.