Kuro Contos escrita por Tai Bluerose


Capítulo 2
O Conto da Moça e a Serpente


Notas iniciais do capítulo

Aqui está o segundo conto. acho que é um tipo de contos de fadas. Espero que gostem.
Boa leitura ^^



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O Conto da Moça e a Serpente

Em um pequeno vilarejo próximo a fronteira com a Irlanda, morava uma mulher pobre, cujo nome já havia se perdido no tempo. Seu marido morrera de febre e a deixara grávida e endividada. Sem dinheiro para pagar a pensão onde morava, teve que ir para as ruas. Sua filha veio ao mundo em uma esquina qualquer, ajudada por uma parteira que se apiedou dela, mas que não tinha como lhe ajudar mais. Sentia muita fome, seu peito já não produzia mais o leite necessário para alimentar sua pequena filhinha. Andava de rua em rua, de porta em porta, oferecendo-se para qualquer serviço em troca de comida, mas ninguém queria ajudar uma mulher tão imunda e de aspecto tão doentio. Estendia a mão pedindo ajuda, jogando toda a sua dignidade no lixo, mas ninguém se dignificava a, pelo menos, olhar-lhe nos olhos.

Depois de algum tempo virando-se como podia, sentiu que a febre tinha a apanhado também. Temendo pela vida de sua filha, decidiu fazer o que nenhuma mãe gostaria de fazer. Andou pela aldeia, observando as casas e as famílias, até encontrar uma que julgou ser adequada. Era uma casa razoavelmente abastada e aconchegante; ali morava um casal jovem e sem filhos, e ambos pareciam ser generosos com todos. Foi com aquela família que decidiu deixar sua filha.

Naquela mesma noite, agasalhou bem o pequeno bebê e o deixou em frente à porta daquela casa com um bilhete. Deu um beijo na pequena e gelada bochecha, deixando uma lágrima cair no rosto, e afastou-se com o coração em pedaços.

Quando a dona da casa foi ver quem batia, surpreendeu-se ao notar que haviam abandonado uma criança ali. O bilhete pedia apenas que cuidasse da pequenina com todo o amor e dizia que ela se chamava Gwendolyn.

A mãe da pequena Gwendolyn ficou feliz ao ver que a mulher adotou sua filha como se fosse dela mesma. Seu coração ficou profundamente aliviado. Uns cinco dias depois, ela morreu de febre na noite mais fria do ano.

A dona da casa, por não ter filhos, amou o pequeno presente que ganhou e passou a tratar a pequenina como se fosse uma boneca. Mas cinco anos depois, ela ficou grávida e teve sua própria e legítima filha. Pode-se imaginar o que aconteceu. Com o passar do tempo, a mulher começou a desprezar a pequena Gwen. A pobre órfã que fora recebida como uma filha foi se tornando como uma escrava para aquela família.

Doce e gentil, Gwendolyn sentia-se grata pela benevolência da senhora que a acolhera, a inocente nem desconfiava que era pura falsidade, e cumpria a todas as tarefas sem reclamar. Seu trabalho era cansativo e por vezes chorava sozinha, mas nunca contestava nada, pois achava que era a melhor maneira de mostrar gratidão; se não tivesse aquela casa para morar, morreria de fome e de frio.

A pequena herdeira da família era criada com todos os mimos de uma princesa e Gwen cobria-se com trapos puídos, recebendo mais tarefas do que conseguia cumprir. Gwen amava a pequena senhorita como se fosse uma irmã, mas a pequena não demorou a copiar o desprezo que a mãe destinava a jovem empregada. Gwendolyn sentia-se muito triste, pois tudo o que queria era que alguém a amasse.

Mas os anos da maturidade chegaram mais cedo para Gwen e o amargor da vida fez sua inocência morrer aos poucos, abrindo seus olhos até que ela notasse que seus bondosos senhores não eram tão benevolentes quanto ela pensava. Mas o que podia ela fazer? Quem haveria de querer ajudar uma moça em trajes tão medíocres, que mal sabia falar com as pessoas? Seus dezesseis anos de vida, que deveriam trazer-lhe alguma vaidade, traziam-lhe apenas vergonha de si mesma.

A senhora da casa mandava Gwendolyn ir pegar água numa fonte que ficava na parte mais distante do terreno, adentrando a floresta, saindo dos limites da aldeia. Era uma longa e perigosa caminhada para uma moça fazer sozinha, mas Gwendolyn sempre o fazia, três vezes por semana. Não havia necessidade para tal tarefa, havia um poço na casa; mas a senhora dissera que a água daquela fonte tinha propriedades benéficas; esse boato realmente existia, mas na verdade ela só queria ver-se livre da presença da jovem maltrapilha.

Certo dia, enquanto enchia os potes com água, Gwendolyn sentiu-se tão triste que começou a chorar. Suas lágrimas caiam e sumiam na escuridão do poço.

– Não chore; bela jovem.

Gwen assustou-se e olhou em volta para ver quem falara, mas não conseguiu ver ninguém.

– Quem está aí?

– Por favor, não se assuste. Só quero alguém para conversar. As pessoas costumavam vir aqui, mas deixaram de aparecer. Estou sempre tão sozinho. Você sempre vem aqui; eu a via, mas tinha coragem de falar. Por que estava chorando?

– Eu não vejo você – Gwen corria os olhos pelas árvores ao redor do poço.

– Eu estou aqui.

A jovem assustou-se novamente ao ver uma serpente branca aparecer ao lado da gangorra do poço. Deslizando sinuosamente até parar diante da jovem, erguendo a parte dianteira de seu corpo fino e movendo a cabeça como se a cumprimentasse.

– Você é uma serpente!

– Não se vá. Snake não lhe fará mal. Já disse, quero apenas alguém para conversar.

– Não, sei não. A última moça que deu ouvidos a uma serpente desgraçou toda a humanidade.

– Mas não sou como aquela serpente, lhe garanto. Pode me chamar de Snake – sua voz sibilava com o mistério de sua espécie e seus olhinhos amarelos brilhavam como duas gotas de âmbar. – Como eu chamo você?

– Meu nome é Gwendolyn, mas pode me chamar de Gwen.

– Sempre que você vem aqui, me encanto com sua cantoria alegre. Diga-me Gwen, por que estava a chorar?

– Por nada. Só estava me sentindo sozinha, não tenho ninguém para me acolher e me escutar. Nenhum amigo neste mundo.

– Agora tem.

Gwen passou a conversar com Snake todas as vezes que em ia até a fonte pegar água. A serpente só lhe pediu uma coisa em troca, que ela nunca contasse a ninguém sobre sua existência. Os dois se tornaram bons amigos. Snake era muito gentil e fazia Gwen se sentir especial, como ninguém mais fazia. A amizade dos dois se tornou tão forte que a moça ficava contando as horas para que sua senhora a mandasse até a fonte pegar água. Gwen contava sua vida, seus sonhos e suas tristezas; Snake a ouvia, a confortava e a fazia rir. Para uma serpente, Snake era razoavelmente ingênuo e amável.

Algumas vezes, Snake tentava fazer Gwen perceber que sua senhora era má e que ela deveria deixar aquela casa, que ali não haveria um futuro para ela.

– Mas para onde haveria de ir? Além disso, não posso abandoná-los assim, eles me acolheram e me deram um lar. Devo muito a eles.

– Você já pagou por tudo, Gwen. Não vê que para eles você é apenas uma empregada que eles não precisam pagar? Tem que sair de lá. Se quiser ser feliz. Você merece muito mais.

– Mas para onde eu iria?

– Poderia morar Snake. Se quisesse.

– E onde você mora serpente?

– Aqui, no fundo do poço.

– Mas eu não sou uma serpente como você, Snake.

– Poderia ser. Se casasse comigo. Gwen casaria com Snake?

Gwen ficou surpresa com o repentino pedido de casamento. Ela gostava muito de Snake, mas não podia casar com uma serpente, era absurdo. Nas vezes seguintes, Snake tornou a fazer o pedido de casamento, mas Gwendolyn tentava fazê-lo entender que era impossível que uma humana se casasse com uma serpente, nunca daria certo. Mas Snake sempre dizia que bastava ela aceitar e ela se transformaria em uma e os dois poderiam ficar juntos.

Gwendolyn realmente amava Snake, e sentia-se tão sozinha e infeliz na casa em que morava, que começou a achar que não seria uma má ideia virar uma serpente. Não estaria só, teria Snake ao seu lado.

Um dia antes de voltar até a fonte, Gwen criou coragem e foi pedir um conselho a sua senhora. E contou-lhe sobre a serpente que encontrara na fonte e que ela lhe pedira em casamento. A mulher achou que a jovem tinha finalmente ficado louca, e tentando fazer troça da cara dela, falou:

– Da próxima vez que for falar com a serpente e ela lhe pedir em casamento, aceite! Oh, sim. Ouvi dizer que serpentes dão ótimos maridos. Que melhor pretendente uma menina pobre e sem instrução poderia encontrar? Não espera que nós a criemos para sempre, não é? Uma hora a mulher tem que casar e ter sua própria família.

Convencida pela mulher, Gwendoly foi até a fonte, decidida que estava fazendo a escolha certa. Afinal, amava Snake e ele sempre lhe tratara com muito carinho. Assim que chegou a fonte, o chamou, e logo a serpente branca apareceu ao lado do poço, surpreso com a visita em dia inesperado.

– Eu aceito ser sua esposa, Snake.

– Tens certeza disso? Passará o resto da vida como uma serpente e viverá dentro de um poço.

– Você é o único que me ama de verdade, e eu o amo também. É o que basta.

– Para ser esposa de Snake, basta que entre no poço – disse a serpente cautelosamente.

Gwendolyn passou as duas pernas para dentro do poço e segurando-se na corda do balde, foi descendo devagar. Até que a luz se tornasse sombra, até que o calor do sol se tornasse no frio, até seus pés mergulharem na água gélida.

– Cheguei ao fundo, Snake; mas não vejo nada.

– Agora eu sei que você me ama de verdade. Vir até aqui por causa de Snake, que loucura!

A voz ecoava nas paredes de tijolos.

– Feche os olhos, Gwen. Você aceita ser minha esposa?

– Sim.

Ela respondeu tremendo de frio. Sentiu lábios tocarem os seus. Fechou os olhos quando braços envolveram o seu corpo e quando os abriu novamente, viu a sua frente um jovem bonito de cabelos brancos como a neve e pele escamosa como a de uma serpente. Sorria para ela.

– Snake?!

– O próprio. Veja; sua nova casa – Snake falou. Gwendolyn virou-se e viu que não estava mais dentro do poço, mas no pátio de uma grande mansão. – Aqui você não precisará servir ninguém.

– O quê? Como?

– Eu queria encontrar alguém que me amasse pelo que eu sou. Que não se importasse com minha aparência, que não ligasse para o que eu possuía. Você é gentil, humilde e verdadeira. Você merece ser feliz, Gwen.

Três dias depois, vendo que a jovem não voltava para casa, a senhora resolveu ir até a fonte para ver que fim levara a jovem. Esperava encontrar seu corpo estendido ao lado da fonte ou afogada no poço, mas encontrou uma grande mansão com guardas no portão.

– De quem é esta casa? – a mulher perguntou a um do guarda de vigia.

O homem contou muito entusiasmado a história do jovem Lord que havia sido amaldiçoado por uma bruxa e se transformara em serpente, o símbolo de sua família. E que quebrara o encanto ao encontrar uma jovem que o amava de verdade. Falara também como Lady Gwendolyn estava feliz, e que nenhum dos moradores daquela mansão conhecera jovem tão meiga e gentil como ela.

Lady Gwendolyn. Ora, vejam só!

A mulher ficou indignada ao saber de toda a riqueza que Gwendolyn havia ganhado; a mansão, o dinheiro, os empregados, e o marido gentil. Se uma órfã imunda como Gwen tinha conseguido aquilo tudo, sua filha merecia mais. Muito mais.

Tomada pela inveja, mandou seus criados capturarem todas as serpentes que encontrassem perto da fonte, principalmente se fossem falantes, e trancou sua filha em um quarto com todas elas, dizendo que ela só poderia sair quando conseguisse se casar com uma delas. Todos disseram que aquilo era loucura, mas a mulher insistia em repetir a história que o guarda havia lhe contado. Ambicioso, o marido concordou com a ideia após ver a imensa e luxuosa mansão que havia aparecido nas proximidades. A filha deles ficou no quarto tentando falar com as serpentes, esperançosa de que uma delas pudesse lhe fazer rica. Os pais ficaram em frente ao quarto esperando que acontecesse algo mágico. Imaginavam o que fariam com todo o dinheiro que ganhariam caso a filha casasse com um Lord tão rico quanto o marido de Gwendolyn.

A loucura dos dois só passou quando, ao abrirem a porta do quarto no dia seguinte, encontraram a filha morta; envenenada por várias picadas de cobra.


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Notas finais do capítulo

Conto baseado no Snake. Vale comentário?
Críticas, dúvidas, não tenham medo, podem falar.
Próximo conto baseado no Pluto. Até lá.
Beijos.
Tai Bluerose.