Epitáfio escrita por Ana Carol M
Thomas me levou direto a uma loja de roupas e naquele momento senti que ele havia tido filhos. Porque era exatamente assim que me tratava, como sua filha. Ele não se importou de ficar horas dentro das lojas me ajudando a aparecer com alguém normal, e tendo coisas necessárias como escova de dentes e sapatos.
– Você tinha filhos, não tinha? – minha sensibilidade era igualada a de uma porta.
– Sim, dois. Ângela e James.
– O que acontece se eles verem você?
– Eles podem notar alguma leve semelhança, mas nós mudamos. Nossa aparência não é mais a mesma, Alicia.
Foi nessa hora que finalmente me olhei no espelho. Minha pele era clara e rosada, eu tinha olhos escuros como a noite e meus cabelos caiam em ondulações cor de café até a cintura. Eu não era alta, no máximo 1,65 de altura e tinha braços alongados. Eu não sabia a minha idade. Mas gostei do que vi no espelho e minha boca cor de vinho se abriu em um sorrido branco.
– Como você descobriu quem era?
– Ao contrário de algumas garotas perdidas – ele riu – meu nome estava lá, naquele lugar. Thomas Barduchine. Eu apenas diminuí meu sobrenome.
– Você já viu sua família?
– Já. Fingi ser um vendedor de TV a cabo. Eu vi as crianças, minha ex-mulher Mirian. E apesar de sentir carinho por eles, já não pertencia mais a aquele lugar. Eu não me lembrava de amá-los, eu mal sabia quem eles eram e eles também não sabiam quem eu era.
No fundo eu senti que isso causava muita dor a Thomas. E eu quis sentir aquilo, por mais louco que parecesse, eu queria sentir alguma coisa. Queria saber quem eu era, quem eu havia sido e como fui morta. Eu apenas queria me sentir humana de novo, mesmo não lembrando de como era ser um.
Mais tarde, com o carro mais cheio do que eu achei que era possível, pois Thomas insistiu em comprar decorações para meu quarto, voltamos ao meu cemitério. O guia diurno chamado Jorge, não fazia ideia de como eu havia sido enterrada.
– O último enterro que houve aqui foi semana passada, de uma idosa chamada Eva. E no lado direito do cemitério. Pelo o que você disse ela estava no lado esquerdo.
Nós fomos até meu túmulo e lá estava uma coroa de flores com uma foto pendurada. A foto era de uma garota, do qual eu sabia que era eu. Nós usávamos o mesmo colar. Mas ao contrário de mim e eu notei isso de primeira, ela estava cheia de vida, a morte havia passado por meu corpo e isso mudava tudo. Eu era selvagem agora, e tinha certeza de que a garota sorridente na foto sentiria medo de mim.
O guia quase foi agredido por Thomas, pois ele também não sabia como aquelas flores haviam parado lá.
Eu me limitei a guardar a foto e agradecer mentalmente para a pessoa que havia se lembrado de mim.
Já começava a anoitecer quando na outra extremidade do cemitério avistei o primeiro humano, havia certa luminosidade a sua volta. E ele me dava fome, o que era terrivelmente estranho.
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A capa da história foi alterada.