Keane parecia melhor depois de dar seu presente. Ele deve ter tirado um peso das costas. Lily estava ligando extensões para conseguir ligar seu amplificador, com ajuda de um funcionário do cemitério.

Eu respirei fundo e comecei a falar. Confesso que olhei ao redor, procurando por Claire. Como se quisesse ter certeza de que ela ouviria.

– Claire, sentirei muito sua falta. Você sempre me inspirou a pintar. E eu já te dei alguns desenhos e um quadro, mas esse é feito só para você. – Respirei fundo, descobrindo a tela.

Trabalhei firme e aquele era meu melhor trabalho. Era um retrato de Claire, sentada na beirada de uma nuvem, nos observando. Pintei quem tinha alguma relação com ela: Lily, eu, Derek, Keane, Carly, Michael.

Ela nos olhava, sorrindo. Sem cicatrizes, sem machucados, nada. Livre. Feliz.

– Eu acredito que minha arte nunca mais vai ser a mesma. – Falei, respirando fundo. – Só não vai. Você fazia parte de todos, de um jeito ou de outro. Como eu vou pintar sem inspiração?

Ri. Sozinha. A verdade é que minha consciência me fazia sonhar com Claire. Sobre o quanto ela sofria, ou até sobre salvá-la. Eu não ia parar de pintar, mas não seria mais a mesma coisa.

– Bem, obrigada por me ajudar. Obrigada pelo pincel, pela inspiração. Espero que goste de ver o presente. – Falei, segurando a moldura. – Vou pedir para colarem o quadro em cima da pedra que usarem pra te cobrir. Ai todo mundo vai ver como você cuida da gente.

Deixei as lágrimas caírem, porque não ia mais falar nada. Fui para trás de Lily, respirando fundo. Ela me estendeu a mão e sorriu fraco, segurando o braço da guitarra. Sorri de volta.

Olhe ao redor mais uma vez. Nada. Mesmo assim, eu sabia que ela estava por perto. Ela não sairia de perto de mim, até que eu entregasse a carta de Derek. Eu ia fazê-lo, no fim do enterro.

Cruzei os braços e caminhei até ele. Sem falar nada, dei um abraço nele. Ele me apertou, fungando.

Eu achava aquilo doloroso, podia imaginar como era para ele. Derek era um herói para mim. Forte feito um, ao menos. Como alguém vê a melhor amiga se matar e ainda consegue suportar ser o carteiro de cartas de despedida.

Não era o melhor a se pensar, mas eu me preocupava com qual seria sua próxima decisão. Eu esperava que ele continuasse forte como estava sendo.

– Ficou lindo. – Ele falou entre os soluços.

– Obrigada. Espero que ela tenha gostado.

– Ela amava seus quadros. – Ele respondeu. – Obrigado por se dar ao trabalho.

Não respondi. Não fora trabalho. Fora uma tentativa de me libertar. Eu devia ter esperado aquilo de Claire, mas ainda era difícil de aceitar. E com aquele último presente, era o que eu buscava: aceitar.

Não adiantava mais nada. Só que eu sabia que ela estava bem. Eu conversara com ela. Não era difícil para ela. Era para mim. Eu não ia mais chegar na escola e vê-la calada com os fones, ou conversando com Derek, ou atrasada machucada.

E aquilo era de fato bom.

Menos a parte de não vê-la mais.

Tem gente que acha que suicídio é uma atitude egoísta. Eu acho que é egoísmo de quem fica, querer que a pessoa sofra para deixar os outros felizes.

Como eu poderia querer que ela estivesse ali se eu sabia que ela estava mais feliz agora?

– Eu preciso falar com você depois. – Falei para Derek, ouvindo-o concordar em resposta.

Lily arrumava o amplificador e seu computador. Percebi que Jehra tinha um papel amassado na mão.

Todo mundo queria se despedir dela. Sorri fraco. Soltei-me de Derek e fui até Michael, parando ao seu lado.

– Devia ler. – Sussurrei, fazendo-o desviar o olhar de cima do caixão. – Todo mundo está dizendo adeus. Você devia fazê-lo também.

– Eu vou...ler. – Ele pegou a folha com mais cuidado. – Não queria ter feito isso.

– Tudo bem. – Dei de ombros, me afastando. Voltei para perto de Lily.

Era estranho vê-la naquele estado. Quero dizer, eu já tinha visto como ela ficava triste quando brigava com a mãe, e irritada com o pai. Só que ali ela parecia não saber o que sentir.

Ela respirou fundo e afinou a guitarra, olhando para mim. Parecia pedir autorização. Não seria eu quem ia impedi-la de descarregar o que for que ela sentisse. Assenti com a cabeça.

“Ela vai gostar.” Falei sem fazer som. Lily concordou e parou para mexer no notebook.

Eu sabia que Claire ia gostar. Ela gostava de cantar. Acho que a fazia se sentir mais leve, de alguma maneira verbalizava seus sentimentos. Se aquilo tivesse sido suficiente...

Olhei mais uma vez ao redor. Os outros podiam até não acreditar, mas dessa vez consegui vê-la sentada na raiz perto da cova. Olhava direto para mim, sorrindo.

Voltei a chorar, cobrindo a boca. Ela sorriu mais ainda e passou a olhar para Lily.

“Adeus, Claire” foi o que eu consegui pensar, soluçando.