Do Lado De Dentro escrita por Mi Freire


Capítulo 19
Revelações


Notas iniciais do capítulo

Mistérios relevados que justificam histórias do passado.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/422544/chapter/19

"Mas uma coisa é certa, você só vai saber quando tentar."

— Hayley querida – ouvi a voz de mamãe me despertar. Havia caído em um sono profundo, verdadeiramente prazeroso e tranquilo. — acorde. O jantar está na mesa.

Lavei o rosto e desci até a sala de jantar. Papai já estava na mesa, mal educado, ele nunca espera ninguém pra começar a comer. Mamãe é diferente, ela não come até se certificar que todos estejam bem e só depois ela pensa em si mesma. Assim, ela coloca minha comida e eu espero.

Engraçado, ela está verdadeiramente se esforçando pra me agradar de todas as formas possíveis. Por quê?

O silêncio entre nós é realmente algo negativo, muitas vezes, mais do que positivo. Não é legal ouvir eles falaram até me cansar, mas também, não é legal observa-los calados sabendo que têm muito a dizer, mas optaram pelo silencio com receio de piorarem ainda mais a situação.

Confesso, sinto falta do internato, apesar de me sentir estranhamente reconfortável em casa outra vez. Sinto falta de Amy, Nath, até mesmo do Eric, Tyler, Jake e Jesse. Mas sinto ainda mais falta do Oliver, meu irmão, que é um membro da minha família, mesmo não agindo como tal.

Mas estou aliviada, pelo menos, estou longe de Alana, suas amiguinhas e de toda a segurança do internato. E sei, Oliver estará aqui em poucos dias, por mais que ele não queira. E Amy e Tyler virão me visitar.

Estou também muito boazinha, até me ofereço para lavar a louça do jantar enquanto papai sai para se encontrar com os amigos e jogar algo ou falar sobre futebol ou beber por aí. Esse é o programinha dele para todas as noites. Mas mamãe não permite que eu lave a louça, o que é estranho, mas é bom, assim não preciso forçar todo o tempo que sou legal.

Saio de casa sem avisar. Ela já está acostumada, apesar de já ser tarde da noite. Já nem faz tanta questão que eu diga aonde vou ou com quem vou. Ela sabe que serão sempre para os mesmos lugares e com as mesmas pessoas. Apesar dela não concordar muito.

Está muito frio do lado de fora. Meus lábios tremem e minhas pernas também. Mesmo estando agasalhada sinto o ar gélido. Enfio as mãos dentro do bolso do casaco grosso de lã azul-marinho.

Preciso rever meu mundo, o qual deixei para trás, quando me mudei para o internato. Preciso rever todos os meus colegas e conhecidos, preciso voltar a frequentar aqueles típicos lugares nos quais eu me sentia incrivelmente bem sendo eu mesma. Preciso fazer de novo o que eu costumava fazer sem temer ser punida por isso.

Caminho apressadamente pelas calçadas vazias do centro da minha pequena cidade. Sinto que estou congelando cada vez mais e quase me arrependo de ter saído do aconchego da minha casa. O que me é estranho, eu geralmente não costumava dar muita importância a minha casa, mas algo mudou. Sinto que sim.

A primeira parada é o um dos meus pubs favoritos no centro perto de um beco sem saída. O nome do estabelecimento é Finnegans e o dono é um velho conhecido meu. Um senhor grisalhos de poucos cabelos, baixo e rechonchudo. Porém com estilo, recobertos por tatuagens significativas e um bigodinho engraçado.

Assim que empurro a grande porta de vidro escuro vejo que todos se viram pra mim. Na esperança que seja um novo cliente. Mas não se decepcionam, após alguns minutos, me reconhecem. Eu praticamente não saia dali e não mudei em nada. Pelo menos não aparentemente. Sou recebida por palmas animadas, sorrisos agradáveis e gestos de carinho.

Gosto de todos os meus velhos conhecidos. Todos.

De repente, é como se nada tivesse me acontecido, como se eu nunca tivesse deixado de estar ali. Sentia-me em casa outra vez, perto dos meus colegas, sendo eu mesma, sem ser repreendida por isso, sem precisar ter vergonha ou me limitar.

O melhor é que, apesar da curiosidade evidente, ninguém ousou a perguntar nada. Nada do que tinha acontecido e o porquê do meu sumiço por quase um ano. E é o que mais gosto desse meu mundinho, pois todos sabem, que normalmente, ninguém é feliz ou perfeito todo o tempo, mas sabem também que certas perguntas não são necessárias.

— Toma uma bebida, Hayley – Matt, um carinha mais ou menos da minha idade me estendeu um copo gelado com cerveja. — Seja bem-vinda outra vez.

Assenti sorridente, agradecida. Senti a bebida gelada descer queimando por minha garganta, por mais irônico que isso pudesse soar.

Passei o resto da noite conversando com a galera, sabendo dos últimos acontecidos, entrando por dentro de tudo que perdi e que pra eles parecia realmente necessário que eu soubesse.

Enquanto isso, uma garota, com seus vinte e poucos anos, estava sentada em um banco no centro do pequeno palco aos fundos, com um violão na mão e tocando algo verdadeiramente bom. Tranquilo e suave.

Voltei pra casa às três da manhã. Mamãe e papai já estavam dormindo por sinal. Encontrei a porta aberta e a casa completamente silenciosa e escura. Não me importei. Apenas bebi um copo com água, tranquei a porta e subi pro meu quarto sem fazer muito barulho.

Antes de dormir, já de pijama debaixo das cobertas que cheiravam bem, olhei pra janela vendo as luzinhas do meu pisca-pisca aceder e apagarem. Numa sequência infinita. E me peguei pensando no quão eu fui grosseira com Jesse antes de partir.

— Vejo que ontem você conseguiu matar a saudade da sua antiga vida por aqui – mamãe sorria, me servindo com bacon e ovos na manhã seguinte. — vi que você chegou tarde. Eu me preocuparia em outros tempos.

— E porque não agora? Porque não se preocupa mais? – ousei a perguntar, com a ausência do meu pai que já tinha saído de casa aquela manhã. Sabe-se lá pra onde. Mas é melhor que ele não esteja, papai é estranhamente sério e misterioso. Sinto-me desconfortável perto dele, mas do que eu gostaria. Não acho que deveria ser assim, afinal ele é meu pai.

— Porque você está mudada, Hayley. Por mais que não queira admitir, eu sei que está mudada. Algo em você me diz que sim.

Às vezes detesto minha mãe por ela me conhecer tão bem, quando não deveria me conhecer tanto. Mas é minha mãe. O que eu queria?

Passei o resto da tarde trancafiada no meu quarto sem animo algum para sair por causa do frio. Mesmo sabendo que ainda há muitos lugares nos quais eu preciso voltar a rever e muitas pessoas ainda.

Com uma caneca de chocolate quente ao lado, liguei meu computador e joguei as pernas pra cima da escrivaninha. Conectei-me a rede social, na qual não dou uma olhadinha no meu perfil a mais de meses. E comecei a falar, através do chat, com uns velhos conhecidos da cidade.

Eu tive/tenho muitos conhecidos. Mas nenhum deles, nunca antes, foi um grande, ou melhor, amigo. Sempre fui rodeada de pessoas, mas nenhuma que eu pudesse contar pra determinadas coisas. Mas sim, para outras. Acho que Amy e Natalie até mesmo o Jesse e Tyler são meus primeiros amigos de verdade. Ou pelo menos, é nisso que acredito.

Cliquei em Álbuns no meu perfil, resolvi dar uma espiadinha nas minhas fotos antigas, não posto nada novo há muito tempo. E já não vejo necessidade nisso. Mas também nunca fui muito de expor minha vida na internet. Há poucas fotos, pouca coisa que fala sobre mim.

Há sete fotos minhas. Só minhas. Em um dos álbuns. E confesso, até que sou fotogênica. Em outro álbum há cinco fotos minhas ao lado da galera. Alguns comentários, legenda e algumas curtidas. Mas há algo que verdadeiramente oprimi meu coração: um álbum vazio que me esqueci de excluir. O álbum tem como título: Nada e ninguém vai nos separar

Não há fotos nesse álbum. Nenhuma. Está vazio. Mas antes de Brandon morrer, havia milhares delas. Fotos nossas. Muitas fotos. Depois que conheci Brandon, fotografar cada momento nosso se tornou um dos meus grandes e maiores prazeres. Mas eu apaguei todas elas depois de sua morte. Apaguei da rede social, mas não de mim.

Encarei aquele título um tanto ridículo e clichê durante um bom tempo sentindo as lágrimas me tomar os olhos. Estava realmente me sentindo mal, pois eu estava enganada. Porque sim, a morte nos separou. E sem não fosse ela, nada nunca e nem ninguém teria nos separado. Fomos feito um para o outro. Não tínhamos olhos e nem tempo para mais ninguém. Bastava termos um ao outro. Hoje, a morte de Brandon, a ausência dele e a saudade que sinto é um buraco grande no meu coração.

O perfil dele também foi excluído. A pedido de sua mãe. Eu era a única quem tinha a senha de acesso. E sem muita relutância, eu cedi a ela e ela mesma excluiu. Não faria sentido se ainda o tivesse. Afinal, Brandon se foi, que sentindo isso teria?

Em das pastas do meu computador procurei por algumas fotos e as encontrei rapidamente. Foi fácil achar. E lá estava elas, mais de cinquenta fotografias, nossas. Em momentos de alegria, em momentos felizes, em momentos que estar ao lado dele realmente valeu a pena ter o conhecido.

Olhei cada uma delas – as fotografias – lentamente, analisando cada detalhe com precisão. Brandon sem duvidas foi o garoto mais bonito que eu já conheci. Nenhum outro se compararia a ele. O sorriso, os cabelos lisos castanhos escuros algumas vezes sobre os olhos, olhos cor de âmbar magnífico, as bochechas rosadas e as covinhas.

Já estava chorando sem nem perceber as lagrimas escorrerem banhando meu rosto. Cada foto fazia com que eu sentisse ainda mais saudade dele, mesmo que isso parecesse impossível. É que eu sinto falta de absolutamente tudo. Do som da risada e da voz, a delicadeza do toque, a maneira de me olhar com aqueles olhos penetrantes, o perfume amadeirado, a pele cheirando a creme e as roupas a amaciante.

Era tudo tão perfeito. Era.

Cansada de me sentir cada vez menor, afundada em um poço obscuro de tristeza; desliguei o computador e sequei minhas lágrimas com o dorso da mão. Nada que eu fizesse diminuiria essa angustia, mas pelo menos poderia fazer algo que me afastasse dela. Não só por mim, mas por Brandon também. Pois onde quer que esteja, só quer me ver bem.

Disso eu tenho certeza, pois quando me afoguei naquela piscina, por culpa de Alana, pela primeira vez, eu pude vê-lo e ouvi-lo mesmo depois da morte. E por mais louco que isso seja, isso é o que me reconforta. Saber que ele está por perto, se preocupando e só deseja o meu melhor.

— Filha, posso entrar? – mamãe colocou a cabeça pra dentro do meu quarto, interrompendo meus pensamentos. Logo depois de bater na porta e eu não ter escutado. — Quer pipoca? Acabei de fazer...

Eu estava tão sensível aquele dia que acabei aceitando ao convite da minha mãe de descer e assistir um filme com ela comendo pipoca e bebendo chá. Nós nunca fizemos isso antes, nunca mesmo. Mas aquele momento me pareceu o melhor a se fazer para espantar a tristeza. E ao mesmo tempo em que me era estranho estar ao lado dela de frente pra tevê, parecia algo completamente normal de se fazer entre uma mãe e filha.

Quando papai chegou ao anoitecer e mamãe foi fazer o jantar, foi quando eu saí de casa para dar uma volta. Andei por um tempinho até ser puxada por uma colega até uma boate muito movimentada e bastante conhecida pelos jovens da cidade. A boate não é legalmente correta, há muitas quebras de regras e normas. Entra qualquer um que quiser entrar, até mesmo quem não é maior idade. Bebe quem quiser, fuma quem quiser ou basicamente se faz ali dentro tudo o que quiser desde que você se responsabilize pelos próprios atos.

Dancei feito uma louca após algumas bebidas coloridas que certamente deveria ter alguma droga dentro. A última vez que me senti tão fora de mim assim foi na festa a fantasia no internato. Quando acabei desmaiando no jardim e dormindo ali mesmo. Mas agora é diferente, é bem pior, porque sou verdadeiramente livre e não preciso fazer nada escondido.

— Ei Hayley – a garota ao meu lado, da qual eu esquecera o nome gritou no meu ouvido porque a musica estava muito alta. — aquele garoto ali – ela apontou na cara dura. — está afim de você.

Olhei bem para o garoto, apesar de me sentir um tanto zonza. De longe até que ele era... Apresentável. O braço recoberto por tatuagens até o pescoço, olhos extremamente negros e cabelos médios e lisos. O típico garoto com pinta de bad boy.

— Oi – sorri ao meu aproximar dele do outro lado da boate, em uma parte mais escura e mais vazia. Beijei seu rosto de maneira ousada. Eu realmente não estava muito bem, mas conseguia me manter em pé.

Ele sorriu maliciosamente, aproximando seu rosto do meu. Por um momento pensei que ele ia me beijar sem ao menos me cumprimentar ou dizer alguma coisa, qualquer coisa. Mas diferentemente do que imaginei, ele aproximou sua boca dos meus ouvidos e sussurrou:

— Pensei que não viria.

Sorrimos um para o outro. Dançamos desastrosamente juntos para contar o clima de tensão pré-ficada. Compartilhamos algumas bebidas e até mesmo um cigarro. Não demorou muito para começarmos a nos atacar feitos dois famintos em uma das paredes, no canto. Sem qualquer tipo de envolvimento sentimental, apenas uma ficada, de momento.

Afinal, eu sou solteira, livre e desimpedida.

Mesmo meio grogue após ter saído da boate, tive a sensação que a cada dia que se passava, fazia mais frio. E não importava a quantidade de roupas que eu usasse, nunca seria o suficiente e eu sempre estaria batendo os dentes. Sim, eu sou um pouquinho exagerada.

Mark, apesar da pinta de garoto mal, era incrivelmente engraçado e muito gentil, fez questão de me levar em casa. Eu não sei quais eram suas intenções, mas acabei aceitando sua companhia. Já estava muito tarde, de madrugada, e eu não queria correr perigo sozinha pelas ruas vazias. Não que isso realmente me importasse.

No caminho até em casa, riamos sem parar, sem nem precisar que nenhum dos dois dissesse nada. Riamos atoa de qualquer coisa. Mark estava um pouquinho pior que eu. Desequilibrando-se nas calçadas feito um mendigo bêbado abandonado pelas ruas.

— Aqui. Chegamos. – me virei de frente pra ele.

— Casa legal a sua.

— Ah, obrigada. Por tudo, na verdade.

A noite realmente valeu a pena depois de conhecê-lo. Ainda mais. E eu não sabia dizer ou não se voltaríamos a nos encontrar algum dia. Seria legal se sim, mas não faria muita diferença se não.

Mark me enlaçou pela cintura, colocou meu cabelo solto para trás e me beijou a vontade. Seus lábios gelados e seu hálito de bebida amargando em minha boca. Não que isso fosse ruim, apenas... Diferente.

Diferente de beijar Brandon com amor e por amor, diferente de beijar Jake com calor e paixão e diferente de beijar Jesse com desejo e mistério.

Acordei no outro dia muito tarde, na hora do almoço. Mas outra vez, não comi nada. Mas vomitei. Vomitei tudo ingerido na noite anterior e depois me senti bem melhor, quase vazia. Sem dor ou mal estar.

— Eu pensei, eu acreditei seriamente, que te colocar em um internato, faria no mínimo, você ser uma pessoa melhor. Mas pelo visto me enganei, pois nada faz de você uma pessoa melhor.

Engoli em seco. Pega de surpresa pelas palavras cruéis, frias e duras do meu pai, não que elas me atingissem diretamente, mas só não esperava por isso agora.

— Bruce, não fale assim...

Mamãe ouviu lá da cozinha e vinha em direção a sala, onde estamos nos encarando feio feito dos animais prestes a se atacarem.

— E a culpa é toda sua! – papai gritou com a minha mãe antes de sair de casa. Percebi que ela se encolheu, como uma presa.

— Eu sinto muito, mãe. – foi tudo que consegui dizer, sentindo um bolo no meio da garganta. — A culpa não é sua. A culpa é minha.

Sai também, batendo a porta. Deixando mamãe para trás, inferior, frágil e prestes a chorar. Nada eu poderia fazer por ela, sendo que papai tinha mesmo razão em dizer tudo aquilo.

Parada enfrente de casa, no meio da calçada, olhei para os lados da rua sem saber para que lado seguir, e pior, para onde ir. Estava arrasada, não pela verdade, mas sim, porque, no internato, tudo parecia menos complicado do que voltar pra casa.

Ok. – disse a mim mesma, suspirando fundo. — vou pra qualquer lugar. Qualquer lugar serve. Optei pela direita. Mas antes de dar um segundo passo, ouvi alguém gritar por meu nome.

— Hayley! Aqui. – virei-me rapidamente para saber de quem era aquela voz tão familiar.

Alguém correu em minha direção, do mesmo ponto de onde veio à voz, me atingindo em cheio com um forte abraço do qual eu não esperava, não naquele momento. Fiquei travada, sem reação.

— Hayley, o que faz aqui? – Jesse me olhava, admirado. Com um sorrisinho torto incrivelmente encantador.

— Eu que te pergunto. – olhei pra ele, confusa. Mas consegui sorrir também, de surpresa por vê-lo. — Eu moro aqui.

Apontei minha casa.

— Você? Você mora aqui? – ele olhou pra minha casa, analisando-a. Ela nem é grande coisas, mas é agradável. Depois Jesse voltou a olhar pra mim. — Sério que você mora aqui?

— Sim. Mas, e você, o que está fazendo aqui? – insisti na pergunta, sorrindo. — Não fugiu do internato, fugiu?

— Claro que não, boba. – ele riu. Riu lindamente. — Na verdade, as aulas acabaram mais cedo que o esperado. Não havia mais nada a se fazer e fomos dispensados mais cedo. Meu tio, que por incrível que pareça, mora ali, naquela casa. – ele pontou para a casa da frente da minha. Do outro lado da rua. — Ele foi me buscar hoje de manhã.

Mal conseguia acreditar no que estava ouvindo.

— Vim passar o feriado com ele.

— Não acredito. – eu ri de novo, completamente pasma. — De todos os lugares desse mundo, você veio parar justamente aqui? Na frente da minha casa! Não acredito.

Rimos juntos, outra vez.

— Isso é ruim?

— Não, não. Isso pode ser... Ótimo!

Por impulso, ou não, pulei em seus braços voltando a abraça-lo. Feliz por ele estar ali, bem na minha frente, quando achei que estava perdida, Jesse foi à luz no final do túnel.

— Tem certeza – dei um passo para trás, me afastando. — tem certeza de que aquele é o seu tio?

O homem saiu da casa, com sacos de lixos nas mãos. Acenou na nossa direção, provavelmente para o Jesse, já que ele poderia me odiar.

— Porque a pergunta? Sim, é o meu tio. Meu tio Alec.

Alexander mora naquela casa, de frente pra minha, muito anos antes de eu nascer. Assim disse meus pais. Alec é alto, magro e barbudo. Tem os cabelos castanho-escuros, mas que já apresentam alguns fios grisalhos. Ele deve ter em média de quarenta a cinquenta anos.

Meus problemas com Alec começaram quando eu ainda era pequena e brincava com a bola no meio da rua e o resto das crianças do bairro. Ele conserva um lindo jardim em frente da casa, está sempre fazendo manutenção em sua antiga casa e gosta de conservar as coisas como elas são. O que empatava em muito quando a bola atingia aqueles lados.

Ele ficava furioso conosco. Gritava e às vezes nos ameaçava. Outras vezes pegou a nossa bola ou algum dos nossos brinquedos e nunca mais devolveu. As crianças tinham ódio dele e ao mesmo tempo pavor. Ele sempre foi o monstro da vizinhança. O típico vizinho chato, mal-humorado.

— Ele não deve gostar de mim. Mas tem motivos pra isso.

— Você deve estar mentindo, Hayley. Como não gostar de você?

Eu ri descontraída.

— É uma longa história. Problemas antigos que surgiram na infância.

Lembrei-me de cada momento de quando eu ainda era pequena e sabia que Alec nos detestava, nós crianças, e mesmo assim fazia questão de provoca-lo, arrumar encrenca, perturbá-lo só para tira-lo do sério. Porque sempre foi muito fácil irrita-lo e isso me dava prazer.

— Assim, sem querer ofender, qual é o problema dele?

— Pra falar a verdade... São muitos.

Arrependi-me instantaneamente de ter feito a pergunta. Jesse não pareceu nada satisfeito ao tocar no assunto.

— A esposa dele, Kristin, morreu quando eu ainda era um bebê. Isso faz quase dezessete anos. E desde então ele é um homem sozinho. – Jesse pausou, mexendo no cabelo dourado. — Tio Alec é, era, irmão gêmeo do meu pai. Os dois sempre foram muito ligados, mas quando papai conheceu mamãe e tio Alec conheceu Kristin, tudo mudou. Cada qual resolveu viver feliz sua própria vida um longe do outro, construir sua própria família e seus sonhos. Kristin nunca conseguiu engravidar. Após longas tentativas, foi constatado que o problema dela era um câncer maligno. E ela só teve três meses de vida. Morreu. Tio Alec amava Kristin mais que a própria vida e teria dado a ela uma segunda chance se pudesse. Eles eram verdadeiramente felizes e eram loucos um pelo o outro. Foi terrível, porém inevitável. É como se a minha família fosse predestinada a tragédias...

— Não diga isso, Jesse. Não diga isso!

— Hayley...

Ele parecia prestes a chorar. Senti-me muito culpada, afinal, fui eu quem tocou no assunto. Então, nada poderia fazer, além de abraça-lo outra vez na tentativa de reconforta-lo. Nunca fui boa com as palavras.

— Agora tudo faz sentindo. Ou pelo menos um pouco. É que ele sempre foi tão isolado, conservado... Sozinho.

— Foi à maneira que ele encontrou de superar a morte da esposa. Tio Alec nem sempre foi assim, mas realmente a falta de Kristin o afetou de uma maneira, digamos que, compreensível. – sim, ele tem razão. Eu sei bem como é isso. — Está vendo aquele jardim recoberto pela neve? Em outra época, ele costuma ser lindo, não é? – assenti, realmente. Sempre foi o mais bonito de todo o bairro. — Ela mesma quem plantou cada flor. Ela cuidou das plantas como se fossem filhos. E é por isso, que até hoje, ele não permite que ninguém chegue perto. Tio Alec diz que manter o jardim vivo e intacto é como manter o amor dela dentro dele.

— Mas... E a casa?

— Você acredita que a casa foi os dois que construiu? E nada mudou desde então. Nem mesmo depois que ela morreu. Mesmo ele tendo que fazer manutenção. Que casa não precisa de manutenção? Tio Alec diz que fazer manutenção na casa é como renovar o amor por Kristin...

Jesse já não tinha nenhum sinal de tristeza dos olhos.

— Não é uma história de amor e tanto?

— Sim, com certeza.

Por um momento, depois que tudo fazia sentindo, me arrependi amargamente de te sido tão infantil com Alexander durante toda minha infância e todas as vezes que o provoquei. Mas eu era só uma criança, não tenho total culpa por ter sido só uma... Criança.

Agora, após ter descoberto boa parte da sua história e as verdadeiras justificativas por ele ser o que é, sinto que poderíamos nos dar bem, gostar um do outro e tentarmos sermos melhor mesmo depois de tudo. Pois no fundo, temos uma dor em comum. A perda.

— Agora você, fala pra mim, porque acha que tio Alec não vai com a sua cara? Qual foi o problema entre vocês?

— Vou te contar. Só porque você, mesmo sem perceber, me fez ver as coisas de outra maneira.

Levei Jesse até uma lanchonete pequena, ali, não muito longe. E sentamos em uma mesa no canto. Pedimos algo pra comer, porque eu estava faminta. E contei a ele. Tudo. Tudo que eu fiz ao pobre Alec. E diferente do que imaginei Jesse não pareceu ofendido ou aborrecido, ele riu todo o tempo, achando graça em tudo. Eu realmente fui uma menininha fui levada. Não sei se posso me orgulhar disso.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

É bom relembrar que comentários são extremamente importantes para o incentivo.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Do Lado De Dentro" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.