People With Problems escrita por MrsHepburn, loliveira


Capítulo 21
Lágrimas




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Às vezes eu começo a imaginar como a dor ou a tristeza pareceriam se elas fossem uma pessoa de verdade. Talvez elas se parecessem com Voldemort, ou com o monstro do lago Ness. Ou como algum fantasma daqueles filmes antigos e assustadores. Talvez como uma professora de matemática ou aquele animal que você tem medo.

Estou começando a achar que a dor e a tristeza se parecem comigo. Ou, pelo menos, com Mack e a minha mãe. Dor para Mack, tristeza para minha mãe. Faz sentido, se você olhar para a expressão delas. Me sinto como um meio termo. Talvez eu não sinta mais nada, mesmo. Todas aquelas semanas em St. Mara jogadas por água abaixo. 

Quero voltar. Quero voltar para os meus problemas de lá. Quero ver as coisas pelo ponto de vista do longe, da distância, não perto, que nem agora, como se eu estivesse no meio do furacão. Minha cabeça está doendo. Não devia mais doer porque eu tomei remédio para a dor, mas eu estou chorando e isso também não ajuda. É como se alguém estivesse fritando meu cérebro. Enfiando uma faca no meu coração. Posso estar exagerando. Posso mesmo. Mas exagerando ou não, dói. De. Verdade. 

Abro meus olhos. 

-Você tem que entrar uma hora. -Mack diz, quietamente. Até ela. Até ela foi consumida pelo lado negro da força. E não digo isso brincando. 

-Você já deveria estar lá. -Replico. 

-Se as duas brigarem mais uma vez eu juro por Deus que eu vou privar as duas de qualquer felicidade material possível. -Minha mãe. Sempre com as palavras complicadas.

A verdade é que, desde que cheguei -dois dias atrás -Mack e eu estamos brigando. Nossos nervos estão a flor da pele, então sei que a briga não tem nenhum fundamento real, é a mais simples briga de irmãos. Mas a frequência com que brigamos está deixando minha mãe louca. Estamos no tribunal, e eu estou em Nova York. A alguns metros do Maior Problema da Minha Vida e a alguns minutos do Massacre Emocional. Falando por códigos, parece algo muito maior do que dizer para um juiz que gostaria de ficar com a sua mãe ao invés do seu pai. Falando com as palavras verdadeiras, porém, é bem pior. Minha mãe olha o relógio. Ela está usando a roupa de trabalho, e nós estamos usando roupas mais formais. Mack está com um vestido preto e o cabelo solto, menos selvagem, e eu estou com calça jeans, botas e um sobretudo azul escuro, já que o frio de Nova York estava me dando nos nervos quando sai do hotel hoje de manhã. 

Pelo amor de Deus, preciso parar de chorar. 

-Três horas. Vamos. -A voz da minha mãe é firme, sem hesitação. Me descolo da parede e entro no tribunal. Lembro dos últimos dias em St. Mara para evitar passar pelo meu pai e olhar para ele. 

Outras pessoas também tem problemas, e alguns podem ser maiores que os meus. Ou talvez até parecidos. 

O marido de Liana estava tendo um caso. Não está mais, porque acabou contando para Liana. A coincidência disso me faz soltar um risinho doentio enquanto sento no banco. O lugar está cheio. O advogado do meu pai está de terno italiano conversando com seu cliente. O advogado da minha mãe está a acalmando. Mas sei que as coisas vão ser civilizadas. Pelo menos a minha parte. Por mais que eu esteja irritada com Mack por todas as nossas brigas, ela precisa de apoio e eu não vou estragar tudo. 

Penso em Kristin na hora que o juiz começa. Ela estava rindo de alguma coisa que Dover disse antes de eu ir embora e ficamos conversando a noite toda, baixinho, porque me senti culpada lembrando do que Perry havia me dito um dia sobre não conseguir dormir por causa do barulho que eu fazia. Penso em Danny também quando lembro do gay psicodélico que vi na rua do Brooklyn hoje. Eles teriam se dado bem. Mal posso esperar para voltar. 

Não acredito que acabei de pensar nisso. 

As pessoas começam a falar, mas o barulho parece longe. Sento imóvel do lado de Mack, até que eles a chamam para ir lá na frente. Quase espero um interrogatório, mas nós não estamos em um episódio de Law & Order. O advogado só pergunta com quem ela quer ficar. E ela responde minha mãe, mas olha para o meu pai com lágrimas. 

-Está tudo bem, estamos planejando guarda conjunta. -O advogado fala para ela. Só quero abraçá-la. Ela concorda. -Não é tão ruim quanto parece. 

-Tudo bem, eu sei. -Ela diz. -Posso ir agora? 

E então, é minha vez. Sendo na cadeira, olhando para o advogado. 

Penso em Perry quando meus olhos encontram os do meu pai. 

Não sei porque penso em Perry. Ele saiu irritado comigo quando fui embora, alguns dias depois do pequeno momento que tivemos, então a magia da coisa meio que foi embora. Mas eu penso em Perry, e na mãe dele e no olhar de tristeza dele. Cara. Como eu queria me matar agora. 

Me forço a não chorar. Penso no que Perry me disse sobre parar de agir como vítima. Ou chorar por qualquer coisa. 

Fico intrigada pensando porque estou relacionando tudo a Perry, mas minha cabeça funciona de jeitos estranhos, principalmente em situações como essa. Meu pai me olha magoado. Conheço ele o suficiente para saber disso. Não desvia os olhos, nem eu. A tensão, a energia, a tristeza dessa sala são tão grandes que eu não consigo respirar. 

-Qual o responsável legal pela sua guarda, senhorita Emerson? 

Minha mãe, eu respondo. 

-Me perdoe. -Eu falo em voz alta. Talvez eu seja que nem o Perry. Talvez falte um filtro na minha boca quando eu estou triste. E, bem, eu estou muito triste. Como se um caminhão estivesse me atropelando. Violento, mas triste. A expressão do rosto dele muda. Desvio o olhar quando seus olhos ficam vermelhos. 

Queria não ter pais. 

Por um segundo, queria não ter pais. Nem minha mãe. Nem meu pai. Só eu. Sem esse drama. 

O juiz bate o martelo, a reunião se encerra e rápido assim, volto a respirar. Saio da cadeira, saio do tribunal, saio do corredor e do campo de visão da minha mãe, que grita. Eu começo a correr. Pra fora do prédio. Para as escadas brancas do tribunal. Inspiro tão forte que acho que vou morrer explodindo. 

-Em. Em, me espera. Não sai correndo porque eu não tenho mais fôlego, eu juro. -Ouço a voz da minha irmã, rouca e frágil e paro de descer escadas. Viro pra ela. Puxo-a em um abraço e ela começa a chorar também. -Isso foi a pior coisa da minha vida. -A voz abafada dela ecoa. -Você viu a cara dele? Você chegou a ver? Parecia que eu tinha enfiado uma faca no coração dele!

Somos duas. 

-Eu... -Ela não termina, só soluça. Pouco tempo depois, minha mãe aparece. Com uns documentos e uma cara inchada. Me estende um papel. 

-Você foi aceita na faculdade. -A surpresa passa pelo meu corpo. Claro, uma hora eu tinha que saber se eu tinha sido aceita para alguma faculdade que eu me inscrevi e pensar no futuro, mas no fundo estava adiando isso o máximo que eu podia. Não havia passado pela minha cabeça a faculdade. Com um braço, abraço Mack e com o outro pego os papeis. Minha mãe olha pra frente. Fixa o olhar. Depois Mack vira e solta um suspiro. Imagino meu pai nos observando do outro lado da rua, e viro cautelosa. Mas não é. É Chris, o guru, e o resto da tropa maluca da Orientação. 


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