Seus Olhos escrita por Beatriz de Moraes Soares


Capítulo 11
Segredos que guardei


Notas iniciais do capítulo

Apreciem!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/392734/chapter/11

Sentada sobre a cadeira na sala de espera do consultório da Dra. Christina Schwartz, folheio uma revista de pesca nem um pouco interessante, mas não há muitas opções e as que têm, são piores do que essa.

Estou em mais umas das minhas entediantes consultas semanais com a Dra. Schwartz. É primeiro de Agosto e ao contrário das outras, essa era especial. Por quê? Bom, desde comecei a namorar Eric, um dúvida me incomoda e há muito tempo venho adiando essa conversa. Porém, agora mais do que nunca, preciso tirar essa dúvida, principalmente depois do episódio na sala de cinema em casa:

Eric pressiona suas mãos em minha cintura, girando-me e fazendo com que meu corpo fique abaixo do seu. Seus lábios em nenhum segundo desgrudam dos meus, minhas mãos deslizam sobre sua camisa subindo-a e fazendo com que um pouco de pele fosse mostrada. Finalmente! Eric começa a descer seus beijos pelo meu pescoço e eu solto um gemido baixinho quando ele dá pequenas mordidinhas em meu ombro.

Sua mão está em minha perna e começa subir lentamente, levando meu vestido para cima. Quando eu me dou conta, estou com as mãos na braguilha de sua calça e então em um movimento “tentando” ser sexy, eu me viro para ficar em cima dele, mas acabo notando que não há mais espaço no sofá e por fim nós dois vamos ao chão.

– O que está acontecendo aqui? – Charlie nos surpreende entrando no cômodo.

A princípio, iriamos assistir aos filmes de Hitchcock de seu acervo pessoal, mas então aconteceu que as coisas começaram a esquentar...

Eric se levanta e me dá a mão para que eu faça o mesmo. Ele me lança um olhar e noto rapidamente que meu vestido está levantado, então rapidamente o desço. Eric arruma sua camisa rapidamente e quando parece que está tudo em ordem com ambos, olhamos para Charlie, que está de braços cruzados nos observando, Eric diz que vai ao banheiro e nos deixa sozinha.

– Não sabe bater, Charlie?

– Aqui não tem porta, Valerie – retruca.

– Você entende o que quis dizer.

– Você sabe que está errada, não sabe? – diz ela, com um sorrisinho malicioso nos lábios.

– Cale a boca – digo – como se você e Hunter...

– Não toque no nome desse maldito! – diz ela.

– ... não tivesse feito o mesmo. Várias e várias vezes aqui – continuo.

– Está certo, só que você e o senhor “Banda de um Homem só” deveriam ter cuidado, poderia ser o papai ou mamãe aqui, viu?

Ela se vira e sai andando.

– Ah, meu Deus, que vergonha! – eu digo assim que Eric volta à sala e enterro meu rosto em seu peito.

– Podemos sair – sugere – ir para outro lugar.

Afasto meu rosto e o encaro alarmada.

– Valerie Novack – a recepcionista me chama – A Dra. Schwartz está a sua espera.

Levanto-me e coloco a revista junto das outras e sigo até a sala da doutora. Abro a porta e ela está sentada em sua mesa, observando atentamente à vários papeis. Assim que percebe minha presença, levanta seus olhos e sorri para mim.

A Dra. Christina é uma mulher bonita, por volta de seus quarenta anos, mas tem a aparência bem conservada. Ela possui cabelos castanhos claro sempre amarrados em um rabo de cavalo de lado, seus olhos entregam sua descendência oriental, são olhos cor de mel e simpáticos principalmente quando ela sorri e pequenas rugas se formam em volta dele.

Como de costume, sento na cadeira à sua frente e observo a foto de seus dois filhos; a pequena Julia, de seis anos, e o seu mais velho John, de quinze. Dra. Schwartz deixa de lado os papéis e volta sua atenção completamente a mim.

– Bom dia, Valerie.

– Bom dia, Dra. Christina.

– Estou com seus exames aqui – diz ela, mostrando os papéis que olhava há uns segundos atrás, eu olho atentamente apesar de não entender nada do que diz ali – parece tudo correto, não há nada errado com você.

– Entendo – solto um suspiro.

– Bom... E como estão as coisas? Soube pelos seus pais que está namorando. – ela cruza os braços sobre a mesa e olha diretamente a mim.

– Sim, estou.

– Há quanto tempo?

– Três meses, quase quatro.

– Isso é ótimo, Valerie. E como tem sido para ele?

– Ele não sabe, na verdade estava pensando em contar hoje. É seu aniversário e bom, vou jantar com ele e se ele não sair correndo ao final da noite eu... Estava pensando em fazer algo especial...

Rapidamente, a Dra. Schwartz pega minhas palavras no ar e entende o que quero dizer.

– E você quer saber se pode ter relações sexuais com ele? É, Valerie?

– Sim – digo – É que depois que descobri que tinha Esclerose Múltipla, eu nunca mais me aproximei de um cara tanto quanto estou de Eric e eu não sei até onde minhas limitações vão.

– Bom, sei de muitos casos de Esclerose Múltipla onde os pacientes têm uma vida como de qualquer um, tem marido, filhos e uma vida sexualmente ativa.

– E no meu caso?

– Bom, vendo pelo lado técnico, você pode sim. Não vejo nada que te impeça de ter contato íntimo com seu namorado. Claro que há a possibilidade de no ato você ter uma crise, já que as emoções são elevadas ao extremo durante a relação. Mas, vendo pelo lado emocional, Valerie, acho que se você realmente o amar, nada disso importará.

Não posso esconder o sorrisinho bobo que brota de meus lábios, porque talvez eu possa ter uma vida normal – junto a Eric. Quando chego a minha sala no San Frances, Eric já estava me esperando, sentado em minha cadeira. Assim que percebe minha presença, ergue seus belos olhos azuis acinzentados e me fita.

– Feliz aniversário! – digo, entregando-lhe um cupcake decorado com um desenho de um violão.

– Muito obrigada por me lembrar que estou ficando velho – brinca, pegando o cupcake e dando uma mordida enorme, fazendo com que seus lábios fiquem sujos com o creme azul do bolinho.

– Vinte e oito não é ficar velho – me aproximo dele e coloco meu dedo indicador em seu queixo, enquanto com o polegar limpo o creme azul de seus lábios e então o coloco em minha boca.

Ele ri e coloca seus braços em minha cintura.

– Aliás, está um pouco atrasada, senhorita Novack – observa, dando pequenos beijos em meu pescoço, me fazendo cócegas.

– Estava em uma consulta médica – respondo.

– Está tudo bem? – pergunta, visivelmente preocupado.

– Uma consulta de rotina.

Meus alunos começam a entrar na sala e rapidamente nos afastamos.

– Bom, meus alunos já devem estar chegando também.

– Não se esqueça, temos jantar hoje às oito.

– Sério mesmo? – diz, fazendo uma careta.

– Seríssimo. – digo com firmeza.

Ele sorri, sai da sala e começo minha aula.

O dia parece não passar, tudo parece conspirar para que minha ansiedade seja maior e meu nervosismo aumente ainda mais. Saio do San Frances com um desespero interminável e vou para casa me arrumar, comprei um vestido especial para essa noite, um preto básico, que na verdade foi escolha de Charlie.

Sete e meia vou junto de Edward, nosso motorista, buscar Eric em frente ao prédio do seu apartamento. Assim que ele estaciona, vou até o interfone e chamo Eric, que desce rapidamente. Ele está magnifico vestindo um smoking que destaca ainda mais o azul de seus olhos.

– Motorista? – Eric diz, me cumprimentando com um beijo.

– Estou te sequestrando esta noite!

– Sou todo seu – ele levanta os braços como se estivesse se rendendo.

Ele entra no carro e durante o trajeto até o restaurante, acabamos dando uns amassos no banco de trás. Edward, como um bom profissional que é, se manteve imóvel apenas olhando para frente.

Quando finalmente estaciona em frente ao restaurante, descemos do carro e seguimos para dentro. Digo ao Maître que tenho uma reserva em meu nome, ele nos leva até nossa mesa e nos entrega o cardápio. Depois que fazemos nossos pedidos, começamos a conversar, Eric me disse que recebeu várias ligações de sua família durante o dia lhe desejando feliz aniversário, diz também que a ligação de seus pais foi a mais cômica, já que sua mãe estava aos prantos dizendo que o filho caçula dela estava completando vinte e oito anos.

Conversa vai, conversa vem e eu não sei como colocar um assunto tão pesado como a E.M. em nosso papo animado. Pego o guardanapo e seco minhas mãos ensopadas de suor, eu estou transpirando demais.

– Está tudo bem, amor? – pergunta Eric, notando minha aflição.

– Sim, sim. Prossiga!

Ele arqueia a sobrancelha, mas prossegue contando algo que eu nem mesmo sei, pois estou preocupada agora com outra coisa, pois acho que vou ter uma crise.

Olho para os lados procurando uma escapatória, mas já é tarde demais, minha perna direta se enrijece e faz com que minha cadeira se afaste de perto da mesa, fazendo um barulho imenso com o atrito da cadeira com o chão. Eric no mesmo instante para de falar e se levanta.

– Valerie, o que está acontecendo?

– Nada, nada... Eu...

Ele se aproxima de mim e no instante em que vê minha perna imóvel, meu quadril se enrijece e fico imóvel, de repente o espasmo se espalha por meu corpo e fico como uma tábua e acabo caindo batendo com força meu corpo no chão, se chocando com outras mesas, fazendo com que vários pratos, talheres e copos caiam também. Eric me olha desesperado e se ajoelha do meu lado.

– Val, meu amor. O que está acontecendo? – sua voz está embargada e posso ver o desespero em seus olhos. Ele pega minha mão e quando estou prestes a falar algo, sofro outro espasmo. A mão que estava na sua é pressionada com força e vejo que ele sente dor.

Percebendo o que acontece com Eric, o Maître que nos observa se aproxima e tenta nos ajudar e então meu corpo relaxa. Eric puxa sua mão e consigo ver os outros clientes em nossa volta nos observando, alguns curiosos, outros indiferentes e, claro, alguns solidários. Sou puxada de volta para minha real situação com outro espasmo, mais forte do que os outros anteriores, mais forte do que qualquer um que senti antes e por fim fica tudo escuro e eu relaxo.

Ficar consciente durante uma crise era o pior de tudo. Ver todos os aqueles olhares e o desespero de todos e não poder fazer nada, era horrível. Acho que por isso me senti aliviada quando finalmente perdi a consciência. Era egoísmo meu sim, mas, o que eu mais temia aconteceu: Eric me viu naquela situação. Mas, de qualquer forma, um dia ele iria descobrir e me ver daquele jeito, mas eu não estava preparada e parecia que nunca iria estar.

Abro meus olhos e tenho dificuldade para enxergar, pisco algumas vezes e, finalmente, após alguns segundos posso ver com nitidez. A claridade entrar através da janela indica que já é dia, olho ao redor e posso ver que não estou em meu quarto ou qualquer cômodo de minha casa e sim no hospital, como de costume. Ouço três batidas e por fim a porta se abre. Vejo que é Charlie que entra e ao me ver acordada, ela sorri e se senta ao pé da minha cama.

– Você acordou – dou de ombros – como está se sentindo?

– Cansada.

– Era de se esperar – diz, soltando um suspiro pesado.

– Quanto tempo eu fiquei sedada?

– Dois dias.

Arregalo os olhos surpresa, mas depois de algum tempo não fico tão surpresa assim, pois a crise que tive havia sido muito forte e eu tinha minha pequena teoria do porquê dessa crise e tinha algo haver com o fato de que nossos últimos meses minhas crises tinham diminuído de intensidade. Sacudo minha cabeça tentando manter mais desses pensamentos longe de mim, porque agora eu só queria saber de uma coisa. Olho para Charlie e parece que ela já sabe o que vou perguntar:

– Ele não saiu do hospital um segundo sequer desde que você chegou – responde ela – ele estava desesperado quando nos ligou.

– E onde ele está agora?

– Papai o convenceu a ir para sua casa tomar um banho e dormir um pouco, pois ele estava um caco.

A enfermeira entra no quarto e pede para que Charlie se retire para que assim eu possoa descansar um pouco, mas é quase impossível fazê-lo, já que meus pensamentos de cinco em cinco segundos estão direcionados a Eric Dawson. Por fim, pego no sono e a tarde sou acordada com Charlie dizendo que Eric estava na sala de espera junto de papai e mamãe e que queria me ver.

– Diga que estou dormindo.

– Val...

– Apenas diga isso, Charlotte.

Ela dá meia volta e fecha a porta.

À noite, papai e mamãe vão até meu quarto me ver e dizem que Eric havia chegado e estava na sala de espera querendo e então digo a eles para mentir a Eric e dizer que ainda estou dormindo e mandá-lo para casa. No outro dia logo cedo, a Dra. Schwartz vem me ver e por fim me dá alta. Charlie e papai me buscam, pergunto de Eric a eles e dizem que ele havia voltado para casa depois que papai e mamãe disseram a ele que eu estava dormindo. Charlie pergunta se quer que eu o avise que recebi alta e eu digo que não.

Chego em casa, ainda me sentindo muito fraca pelos medicamentos e vou direto tomar um banho e por fim me jogar em minha cama e dormir. Quando acordo mais tarde, vejo minha mãe sentada na poltrona do meu quarto foleando uma revista distraidamente. Ela sorri para mim assim que me vê a encarando, sinto minha garganta seca e acabo tossindo.

– Mamãe... – sussurro.

– Sim, querida?

– Pode pedir para Mercedes pegar um copo d’água para mim?

– Claro – diz se levantando, ela para um segundo e olha para seu relógio – aliás, está na hora do seu remédio que a Dra. Schwartz passou.

Ela sai, fechando a porta atrás dela. Depois de um tempo, Mercedes surge com um copo d’água e com meus remédios, eu já estava enojada com tantos medicamentos – eca! Agradeço a Mercedes e peço para que ela me deixe sozinha, assim que ela sai me enrolo em meu coberto e tento novamente dormir, pois parece que o sono tem sido meu melhor amigo durantes esses dias, mas infelizmente, meu melhor amigo me abandonou.

– Valerie? – ouço Charlie sussurrar do outro da porta de meu quarto – Eric está aqui e quer vê-la custe o que custar.

– Diga que estou dormindo – respondo sem me mover da cama.

– Creio que não será possível, já...

Antes que ela consiga terminar, ouço a porta se abrir bruscamente, dou um salto da cama e o vejo. Eu tento respirar, mas como é que se faz mesmo? Charlie que está atrás dele, dá de ombros pedindo desculpas e então sai do quarto fechando a porta. Tomo coragem para olhá-lo novamente, mas meu coração dói tanto e como era possível eu sentir tanta coisa ao mesmo tempo; vergonha, medo, arrependimento, culpa, paixão, ternura...

– Eric – a única palavra que consegui formular em minha cabeça.

Ele começa a andar de um lado para o outro no quarto, completamente sem rumo. Ajeito-me na cama, cobrindo-me com o cobertor até o queixo, como uma criança com medo de um filme de terror.

– Quanto tempo achou que poderia fugir de mim? Aliás, quanto tempo achou que poderia me esconder... - ele passa a mão violentamente por seu cabelo, seus olhos azuis são de uma fúria inimaginável, eu nunca pensei que Eric, o divertido Eric, poderia estar daquela maneira – Valerie, por quê?

O terror parece aumentar ainda mais com suas perguntas.

– Eu, eu, eu... – respiro fundo – Meus pais não te contaram?

– Contaram, mas eu quero ouvir de você.

– Eu não sei por onde começar... – digo, mexendo nervosamente no pequeno fio solto que descobri em meu edredom.

– Pelo começo – diz ele, soltando um suspiro pesado e por fim se aproxima e se senta ao pé cama e me olha diretamente nos olhos – por favor – sua voz parece mais calma, mas não menos furiosa.

– Lembra-se quando Clarice Moscowitz, aquela minha ex-colega de academia, disse que eu havia tido um acesso durante minha apresentação admissional na Royal Academy of Dance? – ele concorda com a cabeça – Bom, foi mais ou menos aquilo que você viu – ele me olha com atenção – foi ali que descobri que tinha...

– Esclerose Múltipla – ele completa, dizendo naturalmente. Ouvir de seus lábios não pareceu tão assustador assim. Confirmo com a cabeça e continuo a contá-lo mais de todas minhas desventuras com a E.M. e ele ouve cada uma atentamente, mais sem deixar sua feição séria desaparecer. Por fim, ele se levanta e começa a andar de um lado para o outro de novo pensativo, por fim ele se vira para mim e finalmente diz algo – Você não entende o desespero que passei vendo minha namorada daquele jeito e não saber o que se passava? E-eu, eu pensei que ia te perder! Por que não me contou? – ele ainda parece bastante chateado.

– Não ia mudar nada se você soubesse – respondo.

– Acredite, mudaria tudo! – ele dá as costas para mim, abre a porta e sai me deixando ali me sentindo a pior pessoa do mundo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Nota da autora: Leitores, procurem entender Valerie, ela errou e feio, mas procurem olhar tudo mais amplamente.



Nota da beta indignada: Só tenho uma coisa a dizer à Valerie... Vai se foder.