Na manhã seguinte, Lucy acordou achando que estava no meio de um incêndio pelo tanto de fumaça que estava em seu quarto. Levantou-se desesperada, mal conseguindo enxergar um palmo na frente de seus olhos. A fumaça branca parecia uma neblina e cobria tudo com sagacidade, numa densidade que parecia nuvem.

Levantou-se com as mãos estendidas, ainda não pensando muito bem, num estado de letargia, procurando pela porta. No caminho, chutou objetos desconhecidos que conseguiram derrubar seu equilíbrio fazendo-a cair em direção ao armário. Quando seu sono resolveu passar depois do terceiro tombo, ela começou a escutar risadas abafadas e passos ao seu redor. O mundo em sua volta entortou, ela mal conseguia ficar de pé por um segundo. Seus olhos queriam dormir, tinha passado a noite inteira pensando no que Yoshiaki tinha dito e agora morria de sono. Piscou forte, tentando fazer passar o borrão da frente de seus olhos.

Quando percebeu que não ia conseguir ver nada com toda aquela fumaça, fechou os olhos e concentrou-se no barulho das três crianças. Um passo para cá, dois passos para lá, risadas, batidas, a janela se abria.

Para a esquerda. Então, Lucy abriu os olhos e pôde ver a fumaça encontrando um lugar por onde sair. Seguiu o movimento e pulou da janela, correndo atrás dos três delinquentes.

Agora eles não escapavam.

— Kiichi-san! Ela está atrás da gente! — Disse o do meio, um guri de cabelos pretos de idade próxima dos oito. De longe, ele parecia ser o mais novo dos três.

— Jun, ainda temos mais bombinhas? — Perguntou aquele quem Lucy achou que fosse Kiichi. O guri de cabelos tão vermelhos que parecia ser artificial.

— Acabou. — Jun respondeu remexendo na mochila enquanto corria para escapar da Lucy.

— Como acabou? Fizemos cinco dessas ontem!

— Usamos todas no quarto dela! — Jun disse, ainda remexendo na mochila. Lucy estava ficando cada vez mais perto deles.

— Tem que ter sobrado pelo menos uma! — Kiichi disse, esperando que Jun encontrasse mais uma. Nisso, por estar um pouco distraído, numa dessas olhadelas para trás, o mais novo tropeçou num galho jogado no chão e acabou caindo.

— Katsuo! — Kiichi gritou parando no meio do caminho. — Rápido, Jun! Precisamos de uma dessas bombinhas!

— Eu já disse, não temos mais!

— Me dá essa mochila. — Kiichi disse praticamente tomando a mochila de Jun.

Lucy já estava ficando sem paciência. E quando Katsuo tentou levantar-se para correr de novo, Lucy conseguiu pegá-lo e por causa de sua cara de sono e falta de bom humor, por um segundo, Katsuo achou que ia ser devorado.

— Agora... — Lucy disse com uma voz assustadora — Você vai me dizer o que eu preciso saber.

Katsuo tremeu por sua vida. Mas antes mesmo de Lucy perguntar qualquer coisa, mais uma daquelas fumaças brancas envolve os dois. Lucy teve de parar para tossir e, se não tivesse dado essa pausa, não teria perdido Katsuo de suas mãos. Quando a fumaça de ninja finalmente dissipou-se, ela estava sozinha, ajoelhada num monte de folhas mortas e barulhentas.

Ela levanta-se suspirando enquanto olha ao seu redor.

Ela estava na floresta.

— Ah, não. De novo, não! — Lucy disse tentando identificar de onde viera. Estava perdida naquela floresta de novo. E dessa vez, tinha um motivo para não querer seguir em frente. Tinha algo naquela floresta que ela simplesmente não queria ver.

Mas ela não tinha escolha. Teria de se mover em busca da saída. Aquela floresta era um labirinto com um monte de árvores iguais espalhadas de forma completamente aleatória. Lucy virou-se para trás e tentou prestar atenção por onde andava dessa vez, para não se perder da mesma forma como fez das outras duas primeiras vezes.

Mas não conseguiu. Se perdeu e de alguma forma encontrou ele de novo.

Soltou um suspiro tão profundo que chegou a levantar folhas do chão.

Yoshiaki levantou o olhar e a encontrou ali, parada com um olhar que ele conhecia e muito bem. Lucy deu meia volta e tentou fugir dele. Ele levantou-se rapidamente e foi até Lucy, parando na frente dela.

— Não vá. — Ele pediu, parando na frente dela. Lucy cruzou os braços como se esperasse que ele saísse da frente. — Preciso me desculpar pelo que eu fiz no outro dia.

Lucy ainda não quis pronunciar-se. Ficou quieta, apenas esperando.

— É um efeito colateral. Muitas vezes, quando a pessoa vem escondendo algo de si mesma e eu uso essa magia, essa voz que fica oculta na sua mente... — Ele parou procurando pela palavra certa. — Eu entro numa hipnose e não paro até que eu termino de falar ou quando algum estímulo externo me interrompe. Eu nem me lembro do que eu disse. Por favor, me desculpe, eu não quis falar aquilo.

Lucy parou e olhou para o chão, considerando perdoá-lo. Ele disse aquilo de um jeito... Ela achou que ele estivesse falando a verdade.

— Eu te desculpo, — Ela começou, de repente se perguntando porque aquilo importava. — Se você me mostrar o caminho de volta.

Yoshiaki deu um sorrisinho interno, ele sabia que ela estava perdida. Levantou sua mão esquerda mas Lucy logo deu um tapa em sua mão e advertiu:

— Sem magias.

— Na verdade, — Ele disse, levantando sua mão esquerda novamente. — a vila é pra aquele lado.

Lucy virou-se para o lado indicado e começou a andar, mas Yoshiaki puxou sua mão e lhe perguntou:

— Espero te ver na minha guilda algum dia.

— Se eu algum dia for, — ela disse, tirando a mão dele de seu pulso. — será como visitante.

Ela disse continuando a caminhar de volta à vila, de volta à casa de Spetto-san. Precisava tomar um banho e trocar de roupa. Porém, quando entrou no quarto e viu todas suas roupas jogadas no chão e na cama, espalhadas por todo o canto, sujas de tantas formas, uma veia ameaçou estourar em sua testa.

Eles tinham chegado no seu limite. Amanhã, ela jurou.

“Amanhã. Eu vou pegar aqueles três moleques e vou acabar com tudo isso de uma vez por todas.”