Contos De Gaveta escrita por Mamy Fortes


Capítulo 20
Paris.


Notas iniciais do capítulo

Eu vou dizer como esse texto foi escrito. Eu pedi para duas amigas super gatas o nome de um casal e de um lugar. Elas me deram. Eu escrevi nas notas dum celular. E venho aqui compartilhar. É o primeiro. Teremos um próximo. Espero que gostem.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/334699/chapter/20

Estavam sentados. Bem, ao menos ele estava. Ela debruçava-se sobre a mesa para aproximar os rostos, enquanto ouvia-o repetir, numa tentativa falha de dissuadi-la, que não havia charme algum no que fazia. Com a repetição, porém, até ele já estava acostumando-se com a ideia de que escrever num café em Paris enquanto bebericava algo tinha sim seu charme, embora jamais fosse admiti-lo. A moça percebeu que tinha vencido quando ele deixou de retrucar. E aproveitando a posição em que estava, roubou um beijo, que logo deixou a condição de roubo, sendo retribuído. Quando afastaram-se ela riu, alegando não ter podido resistir ao charme. Também o homem riu frente a tal provocação, levantando-se para pagar a conta. Ao sair do café percebeu-se seguido, notando que a mulher tão cedo não o deixaria.

–Podemos ver a Torre? - Pedia ela - Vamos, por favor, Caio, eu sei que você pode me levar. Eu vou ser, afinal, a sua inspiração!

Ele apenas meneou a cabeça e tomou o caminho que levava ao famoso gramado da famosa Torre Eiffel, ainda ponderando sobre a oferta de inspiração. Mas bastou chegarem para que ele notasse que tinha valido o esforço, vendo nos olhos da outra a espantada felicidade que deixava transparecer. Para si mesmo confessou: "Sim, Melissa, eu vou escrever sobre você. Seria injusto se não fizesse".

Não ficaram muito tempo contemplando Eiffel. Estava frio, e Caio tremia sob o casaco. Mel também tremelicava, rangendo os dentes, quando decidiu que queria conhecer o rio Senna. A proposta não poderia ser mais agradável, pois poderiam almoçar à sua margem, perto do parque onde os dançarinos de tango costumavam ensaiar. O homem recusou ao pedido de comerem na grama, pelo fato de conhecer a umidade local como ninguém. Custosamente convenceu-a, encaminhando-se para o restaurante. Ele queria champagnet, mas Melissa foi firme em dizer que o vinho era melhor para o dia. Que teriam outra oportunidade melhor para o que ele queria. E o persuadiu.

Enquanto bebiam Caio quis saber o que a trazia até Paris. Ela tingiu os lábios avermelhados com um sorriso e ignorou a pergunta. Não permitiu que a fizessem novamente. Quando o garçom finalmente entregou a conta, Melissa quis dividir, mas a decisão jamais estivera em questão. Caio então quis que ela se fosse. Estava arriscando toda a sua boemia desde o momento em que retribuira o beijo roubado e já era tempo demais pra ele. Outro ponto que não estava em questão. "Ninguém irá embora", Mel disse, e continuou a segui-lo, mesmo que nenhum tivesse rumo. Quando o vento apertou ela aninhou-se entre os braços do moço, que surpreendendo a si próprio não ofereceu resistência. Tudo era muito novo para o nosso escritor, que não costumava repetir companhia na manhã, no almoço e no final da tarde, que eminentemente aproximava-se. Apesar de romântico incurável, sabia que o romance não lhe pertencia. Ou pelo menos não até aquele momento.

Continuaram perambulando enquanto havia luz o suficiente e a fome não dava sinal. Antes do que gostariam anoiteceu. Ela então resolveu arriscar, dizendo-se desejosa de conhecer uma moradia parisiense. Ele entendeu a cartada. Aceitou a jogada, e levou-a para casa. Para a sua casa. Ofereceu champagnet, já na espera de uma recusa que não veio. "Agora sim é tempo de beber estrelas", Melissa contemplou. Caio acentiu, e beberam na sacada apertada do apartamento, sentados no assoalho, junto a uma manta esverdeada e rota. Pela primeira vez no dia a tomada de iniciativa pelo beijo foi dele. Se beijaram até que não houvessem mais estrelas a serem bebidas. E adormeceram, imersos na semiconsciencia dos embebedados.

Os primeiros raios enfim invadiram os olhos do moço, que retorceu-se com o contato da luz. Ele mexeu-se, espreguiçando, e percebendo a ausência em seus braços, encontrou apenas um bilhete. Melissa tinha tomado o primeiro trem para longe. Não voltaria. Tinha deixado apenas escrito um mero agradecimento pela companhia. Mas Caio sorriu. Ela tinha lhe inspirado. Tinha feito o prometido, e entregado o final perfeito para a personagem perfeita. Se escrever num café em Paris tinha seu charme, fugir na calada da noite do charme do moço adormecido era capaz de qualquer encantaria que uma história precisava ter. E que ela, de bandeja, oferecera-lhe como último gesto de amor.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Eu sei, eu sei. Meio sem graça, e talvez meio sem sal. Mas foi o mais perto que eu cheguei de um final feliz.