Puxei o ar com força abrindo os olhos. Meus pulmões ardiam pedindo por ar. Era como se eu tivesse parado de respirar por dias e agora estava desesperada em busca de ar.

__ Ela acordou! __ Uma voz feminina que eu não reconhecia gritou ao meu lado.

Virei à cabeça para olhar quem era, mas minha visão estava embaçada e cheia de pontos pretos. Continuei a puxar o ar para os pulmões desesperada. Eu estava deitada em algum tipo de cama com ferros nas laterais.

Levantei minha mão, mas ela estava presa ao lado da cama por uma fivela marrom de couro. As duas mãos estavam presas. Desesperada, tentei me soltar me mexendo descontroladamente. Meus pés também estavam presos. Entrei em pânico e uma sensação de Déjà Vu me consumiu trazendo fleches de luz em mina vista.

Um quarto, uma cadeira, apenas uma luz amarelada vinda do abajur iluminava o quarto escuro. As paredes eram de barro escuro, o quarto fedia a podridão, era quente e abafado, não tinha janela apenas uma porta a minha frente. Eu estava presa na cadeira de madeira velha, meus pulsos e tornozelos presos a ela. Minha boca estava tapada com um pano branco. Eu estava molhada e meus cabelos cheiravam a água salgada.

Me agitei na cama e tentei me levantar. Eu me mexia e remexia me contorcia me agitando como louca. Meus pulsos começaram a queimar e as fivelas de couro cortavam minha pele.

__ Doutor rápido! __ Gritou a voz feminina novamente. __ Ela está tentando sair!

Minha mão direita arrebentou a fivela com uma facilidade estranha. Minha visão continuava completamente embaçada. Levei a mão livre para a outra mão que ainda estava presa e tentei me soltar, e do mesmo jeito que aconteceu com a mão direita a mão esquerda arrebentou a fivela com força e novamente com uma facilidade estranha.

Duas mãos seguraram meus ombros e me empurrão de volta pra cama. Tentei me soltar.

__ Me larguem! __ Gritei. Senti meus dentes morderem alguma coisa ou alguém e um grito de um homem me fez me agitar novamente para sair correndo de onde quer que eu estivesse. Eu senti o sangue na minha boca. Era bom.

As mãos nos meus ombros continuaram a me forçar ficar deitada contra a minha vontade. Uma espetada no meu braço direito me fez da um pulo, mas logo depois me acalmei. Comecei a sentir um sono repentino e deixei que a escuridão me tomasse. Foi quando vi uma luz violeta no fundo.

A porta a minha frente se abriu, e um homem de preto com cabelos escuros encaracolados sorriu pra mim. Ele era jovem, parecia ter uns vinte e cinco anos. Ele é auto e forte, seus feições eram delicadas... Ele parecia quase um anjo. E era lindo, muito lindo na verdade. Até mesmo a estranha cor violeta brilhante que seus olhos tinham deixavam ele lindo. Mas... a única coisa que não parecia lindo, nele era boca que estava cheia de sangue. E só de ver o liquido vermelho ao redor de sua boca, me dava uma estranha vontade de... Beber sangue.

__ Finalmente acordou querida. __ Disse ele com sua voz aveludada, mas banhada de uma maldade.Eu conhecia essa voz. Era a mesma dos meus pesadelos.

Meus olhos se arregalaram e meu grito foi abafado pelo pano em minha boca.

Abri os olhos rapidamente, eu ainda estava sonolenta e uma dor horrível na minha cabeça me fez ofegar. Meus pulsos estavam doloridos e quando levantei para vê-los estavam com um vermelhão em volta.

Uma mão acariciou minha testa e me fez pular. Assim que vi Shofy ao meu lado sentada em algum banco, eu relaxei.

__ Any... __ Sua voz saiu num fio quase inalditivo, um sussurro fraco. __ Ah Any. __ Lágrimas desceram de seu rosto e ela continuou a acariciar minha testa.

Olhei em volta. Eu estava em um quarto muito branco cheio de aparelhos, e dos lados da cama onde eu estava deitada havia também alguns aparelho. Um deles fazia um “Bip, Bip” bem irritante. Coloquei uma mão na cabeça, eu estava um pouco tonta e confusa. Onde eu estava? O que tinha acontecido? E porque eu me sentia como se tivessem apagado tudo da minha mente? Tudo que eu via era apenas um buraco negro. Um vazio.

__ O-O que aconteceu-u? __ Minha voz saiu fraca demais e bem rouca e acabei gaguejando. __ Onde eu to?

__ Shhh. Vai ficar tudo bem. Você ta aqui, ta a salva. __ Disse Shofy ainda chorando. __ Ninguém vai te machucar de novo.

Olhei para ela. Do que ela falava? Como assim me machucarem de novo? O que havia acontecido?

__ O que? __ Fechei os olhos com força quando uma dor forte atingiu o lado esquerdo de minha cabeça. Levei a mão ao local. Havia algo ali, algo meio fofo que tapava essa parte da minha cabeça. Um curativo?

Shofy puxou minha mão de volta.

__ Não mexe, vai acabar tirando. __ Sussurrou ela entre as lágrimas. Ela começou a soluçar.

__ Shofy... Onde eu to? O que aconteceu? __ Insisti novamente.

Ela deu um fraco sorriso pra mim.

__ Você sumiu... Alguma coisa aconteceu. __ Disse soluçando mais ainda. __ Não sabemos o que aconteceu... Ninguém achou pista nenhuma sobre você. Nada... Você... Sumiu. __ Ela abaixou a cabeça e chorou.

Olhei para o teto. Eu sumi? Não me lembro disso. Se eu sumi, onde será que eu estava? Não me lembro de nada, a última coisa que me lembro é de ter torcido o pulso enquanto tentava sair do cercado e não ser atingida pelo Oliver, o cavalo mal humorado. É tudo que me lembro, depois disso é um buraco negro onde eu só via escuridão. O que será que aconteceu? Eu fugi? Fui sequestrada? Devo te ficado bêbada novamente com minhas amigas e desaparecido, apesar de não me lembrar de beber com minhas amigas, só do mês passado.

__ Por quanto tempo? __ Perguntei ainda olhando o teto e tentando entender tudo aquilo.

Ela fungou e depois de alguns minutos tentando controlar o choro ela olhou pra mim.

__ Três semanas. __ Disse voltando a chorar.

Três semanas. Três. Pisque meus olhos que começaram a arder. Respirei com dificuldade e senti algumas lágrimas começarem a escorrer pelo meu rosto.

__ Eu sinto muito Any. __ Disse Shofy chegando mais perto e enxugando algumas lágrimas minhas. __ Ninguém conseguiu achá-la. Você simplesmente sumiu... Não estava mais em casa. __ Disse voltando a soluçar. __ Jackson arrombou a porta do seu quarto e o encontro em um estado deplorável... Esta cheio de sangue com coisas espalhadas pelo quarto quebrados, suas roupas estavam manchadas de sangue... E sua roupa de cama também. __ Ela parou e tentou respirar fundo. __ Estava um caos. A sua janela estava aberta... E o Detetive Boss acha que você pode ter sido sequestrada.

Novamente os fleches de luzes apareceram em minha mente.

Eu enfiei algo em minha barriga. Estava sangrando com a mão na barriga tapando o que estava sangrando sem parar. Ofeguei, gemi e tropecei no chão. E então a dor parou.

Meus olhos voltaram a se focar no teto com essa lembrança na minha cabeça. Isso havia acontecido mesmo? Levei minha mão até a barriga, mas nada havia ali. Nenhum curativo. Levantei a coberta branca que me tapava e olhei para minha barriga, não tinha marca nenhuma, e não estava com hematoma também.

Isso não deve ter acontecido. Deve ter sido parte de algum sonho que eu tive.

A essa altura eu já sabia que estava no hospital. Mas por quanto tempo estava lá?

__ Shofy... __ Chamei. Ela levantou a cabeça e me encarou com seus olhos vermelhos de tanto chorar. __ Por quanto tempo eu apaguei?

Ela fechou os olhos.

__ Cinco dias. __ Disse ela. __ Você apagou por cinco dias.

__ Onde eu estava? __ Perguntei. __ Como vim parar aqui?

Ela voltou a chorar e tentou se controlar inutilmente.

__ Você... Você foi encontrada... __ Ela não conseguiu terminar. Respirou fundo diversas vezes e tentou recuperar a voz que estava muito fraca e inaudível. __ Foi encontrada em Meygo desacordada. __ Falou. Meus olhos arregalaram e prendi a respiração. __ Você desapareceu e três semanas depois foi encontrada em Meygo junto com Nina e Emma desacordadas também. E então...

__ Espera. O que?! __ Minha voz se alterou, ainda estava rouca e um pouco fraca. __ Nina e Emma também estavam... Estavam... __ Não consegui completar a frase. O que aconteceu? O que elas estavam fazendo em Meygo? O que nós estávamos fazendo em Meygo? E outra pergunta que não queria calar: Como sobrevivemos a Meygo? O que havia acontecido lá? __ Shofy, o que aconteceu? __ Minha voz saiu desesperada, suplicando por uma explicação lógica.

__ Não sabemos. Ninguém sabe. A policia ta tentando entender. __ Disse Shofy com a voz tremula. __ Vocês foram encontrada pelos policias que faziam a ronda na calçada em frente à Meygo, eles viram seus corpos lá. Quando ligaram pra gente e disseram onde você e suas amigas foram encontradas, nós achávamos que você estaria morta. Entramos em pânico. __ Contou. __ Você e suas amigas foram trazidas direto para o hospital. E chegamos logo em seguida __ eu sabia que ela estava se referindo a minha família. __ Você acordou no dia em que te trouxeram pra cá, você... Ficou... Sei lá, meio louca. Tiveram que prender seus braços e suas pernas na cama. Você... __ Ela parou e olhou para mim, depois de alguns segundos continuou a falar: __ Você atacou os enfermeiros Any. Você... Tentou... Morde-los. __ Ela piscou e balançou a cabeça tentando afastar algum pensamento. Minhas lágrimas rolaram com mais intensidade pelo meu rosto. O que havia acontecido? Eu fiz isso mesmo? Tentei morder os enfermeiros?

Minha cabeça deu voltas e eu senti uma vertigem chegando. Fechei os olhos e tentei respirar. Meus olhos arderam novamente.

__ Eles acham que foi um reflexo o que aconteceu. Ninguém sabe como você foi parar em Meygo e ninguém sabe o que aconteceu lá... Então eles falaram que o que quer que tenha acontecido lá, fez você ter seu instinto protetor e atacar os enfermeiros achando que eram pessoas que iriam te machucar. Foi uma lógica que eles chegaram. __ Explicou Shofy. __ Mas... Estão querendo saber de você. Querem te perguntar o que aconteceu. Como foi parar em Meygo Any? __ Ela olhou pra mim pedindo por uma resposta.

Mas eu não tinha a resposta. Eu não me lembrava de nada, não me lembro de ir pra Meygo. Essa praia é uma praga, como eu poderia ir pra lá sabendo que poderia morrer? Jamais iria pra Meygo. Então fosso-me a mesma pergunta: Como fui para em Meygo? O que estava fazendo lá?

Minha cabeça latejou quando tentei me lembrar de algo. Deixei escapar um gemido de dor.

Shofy se levantou em um pulo e se curvou pra cima de mim.

__ Ta com dor? Precisa de algum remédio? Quer que eu chame a enfermeira? __ Disparou ela.

__ Não. __ Sussurrei. __ Eu to bem.

Nina e Emma estavam comigo em Meygo, foram encontradas junto comigo.

__ Shofy... Elas estão bem? __ Perguntei. __ Onde elas estão? Quero vê-las! __ Disse me levantando e me sentando na cama do hospital. Uma dor nas costas me fez deitar novamente e o lugar começou a girar.

Shofy me deitou novamente delicadamente.

__ Não se levante. __ Disse ela. __ Elas estão bem, tiveram alta ontem. Já vieram até te ver. O Detetive e o Delegado fizeram perguntas para elas, mas elas não se lembram de nada.

__ Não lembram? __ Sussurrei pra mim mesma.

__ É, elas não lembram. __ Disse Shofy. __ Elas estão confusa, estão assustadas e não se lembram de absolutamente de nada. Não sabem como foram para em Meygo e também não se lembram de terem saído de casa. Elas não se lembram das três semanas que ficaram desaparecidas junto com você.

Eu também não, pensei.

__ Shofy, cadê os outros? __ Perguntei.

__ Estão todos lá fora. Só deixam entrar um de cada vez e só por meia hora cada um. __ Explicou Shofy. __ Você não tem ideia do quanto deixou todos nós preocupados Any.

__ Sobrevivemos. __ Sussurrei novamente para mim mesma.

Shofy fungou ao meu lado voltando a se sentar na cadeira.

__ É! Não sabe quão alivio foi para todos nós saber que você e suas amigas sobreviveram principalmente você Any. __ Disse Shofy. __ Ficamos tão preocupados, seu quarto estava horrível como se alguém tivesse invadido e você não estava mais lá. Você se lembra de algo? Alguém pegou você Any? Te levaram pra Meygo? Qual a última coisa que se lembra?

Olhei pra ela.

__ Shofy, a última coisa de que me lembro é de tentar cuidar de Oliver no cercado. __ Falei.

Ela olhou pra mim perplexa.

__ Mas Any, isso foi duas semanas antes de você desaparecer... Duas semanas antes do seu aniversário. __ Disse ela sem entender. __ Não se lembra das duas semanas antes de desaparecer?

Olhei pra ela confusa. Eu realmente não me lembrava de nada. Nem das duas semanas antes de desaparecer, e nem das três semanas em que desapareci. Cinco semanas desapareceram da minha mente. Substituídas por buracos negros e fundos.