A Vida Secreta Dos Imeros escrita por Kalyla Morat


Capítulo 5
Odiada?




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O assunto naquela noite em volta da fogueira era o frio. Segundo Miguel, o garoto de olhos azuis e cabelo cor de fogo, a temperatura ia cair drasticamente. Queria perguntar-lhe como tinha tanta certeza, mas ao invés disso perguntei-lhe se mudanças repentinas de temperatura eram comuns na Iméria.  Ele me explicou que sim, que devido à guerra, o desmatamento e a erosão do solo o clima do planeta mudou. Pra ele a Terra agora parecia um grande deserto em processo de sucessão ecológica, sua vegetação estava se formando novamente, mas como tudo ainda era semelhante a um deserto, era comum que a temperatura variasse muito.

                Eles pareciam estar preocupados comigo, pois eu não estava acostumada a tanto frio. Eu expliquei lhes que meu macacão era planejado tecnologicamente para manter a temperatura do corpo estável, mas mesmo assim eles acharam melhor que ficássemos todos juntos ao redor da fogueira e, por incrível que pareça, até Victor concordou. Pensei que seria uma boa chance pra fugir, já que eu ia estar à noite toda em liberdade, mas como se adivinhasse meus pensamentos, Victor acabou com meus planos:

                -Tudo bem, acho que não vai ter problemas se ela ficar.  Ficarei de olho nela, e não é como se ela tivesse algum lugar para fugir. Ela simplesmente não tem pra onde ir, mal sabe onde estamos, morreria em meia hora sozinha aqui do lado de fora. –disse ele quando Maicon lhe pediu que eu ficasse.

                - Eu sei me cuidar sozinha, eu posso fugir se eu assim o desejar e sobreviveria muito mais que meia hora – rebati irritada, quem ele pensava que era?

                - Será mesmo? Pra alguém que passou a vida inteira no conforto de uma casa subterrânea sem precisar lutar por sua sobrevivência, não acha que está sendo confiante demais senhorita Luiza? – retrucou.

                - Não mesmo senhor Victor- disse com desdém - você pode ter vivido toda a sua vida na Iméria, mas não sabe as coisas que eu sou capaz de fazer por minha sobrevivência, você sequer me conhece, tudo o que sabe sobre mim está nesses quatro ou cinco dias em que estou sendo sua prisioneira, você não pode dizer o que eu posso ou não fazer.

                - Prisioneira? Você por um acaso sabe o que é isso, se eu estivesse mantendo-a como minha prisioneira você não estaria agora aqui batendo boca comigo, com certeza estaria trancafiada naquele furgão pelo resto da viagem, e não me provoque ou eu mesmo acabo com você se for preciso.

                - Você invadiu a minha casa, me tirou de lá a força, estou sendo mantida aqui sem meu consentimento, se isso não é ser prisioneira o que é então? Você...

                - Já chega você dois! – interrompeu Maicon – Sofia, leve a Luiza pra dar uma volta. E você Victor venha comigo.

                Acompanhei Sofia pela campina para longe de onde estávamos estacionados. Fiquei um longo tempo em silêncio com meus pensamentos. Victor me tirava do sério, todos vinham me tratando bem, exceto ele que parecia nutrir contra mim um ódio irreparável, mas de certa forma ele tinha razão. Depois que Maicon me explicara que o dia podia acabar machucando meus olhos, e eu tinha certa liberdade pra sair todas as noites, eu não me sentia mais como uma prisioneira, eu até gostava da companhia deles. Eles eram tão próximos, como irmãos, protegiam uns aos outros, me faziam sentir protegida também. Eu protegida com pessoas que tinham me sequestrado e estavam me levando só Deus sabe pra onde? Eu devia estar com sérios problemas mentais. Mas não era como eu me sentia. Eu tinha meu pai, e meus primos, mais não era da mesma forma. Até então eu achava que tinha uma família, mais vendo eles juntos percebi que o que eu tinha era laços de obrigação. Aqueles iméros estavam unidos por amor. Nesse instante Sofia me tirou de meus pensamentos.

                - Luiza, você está bem?

                - Sim, acho que estou. É que ele me tira do sério. Vocês me tratam tão bem, e ele, bem ele é sempre tão estúpido comigo, porque ele me odeia tanto?

                -Tenha paciência com ele Luiza, não é que ele te odeie, ele só está surpreso. Acho que todos estamos, muito surpresos na verdade, mas pra ele deve ser pior.

                - Surpresos? – quis saber, mas ela mudou de assunto:

                - Você sabe que não é verdade não é?

                - O que não é verdade?

                - Você não é nossa prisioneira Luiza, pode ser que você se sinta assim, mas não é como é pra ser, você é livre.

                - Eu sou? Eu não posso voltar pra minha casa posso? – ela se calou e abaixou a cabeça – Então acho que é como se eu fosse.

                Não houve mais espaço pra conversas depois e eu me senti um pouco culpada. Sofia estava sendo como uma amiga pra mim e eu acabava de trata-la com grosseria. Assim que voltamos para a fogueira as barracas já estavam todas montadas. Uma das condições para que eu passasse a noite com eles era a de que eu teria que dormir na mesma barraca que Victor, a outra, era que eu não poderia sair de perto sem que levasse alguém comigo. A segunda condição era fácil, já primeira seria um martírio principalmente depois da nossa discussão. Fui até a barraca em que Victor estava e entrei. Ele retirava um saco de dormir de uma mochila.

                - A temperatura já caiu bastante, acho melhor ficarmos aqui dentro para nos aquecermos, você não está com frio? – ele disse sem olhar pra mim.

                - Não, por causa da roupa você sabe.

                - É parece que esse treco funciona mesmo.

                Eu nada respondi. Peguei um dos sacos de dormir e me enfiei dentro. Minutos depois de um silêncio constrangedor ele retornou a falar:

                -Luiza. –ele parecia procurar as palavras corretas – É, acho que está sendo difícil pra todos nós, eu imagino como você deva estar se sentindo, então eu, ahn, queria, é... Desculpa por hoje.

                - Eu acho que você não pode imaginar como eu estou me sentido... Eu só queria entender por que me odeia tanto?

                - Mas eu não odeio você Luiza – ele disse olhando em meus olhos, eu desviei o olhar e ele continuou – eu sei que eu tenho sido um pouco grosso, mas eu percebi que... Na verdade Maicon me mostrou. Você é tão diferente... Acho que eu só fiquei surpreso.

                “Surpresa”, era a segunda vez que eu escutava essa palavra hoje e nenhuma vez alguém me explicou o que exatamente ela significava. Eu já estava ficando impaciente com todo esse mistério, então minha voz saiu um pouco mais irritada do que eu imaginava:

                - Surpreso? Surpresa estou eu que nem sabia que vocês existiam de verdade, mas sabe qual é a pior parte disso? A pior parte é não saber o que querem de mim, pra onde vão me levar ou o que vão fazer comigo. Eu nem sei por que eu ainda estou aqui, eu nem sei por que eu ainda não tentei fugir.

                - Você nem sabe onde estamos, em que direção você iria? Eu não posso te falar nada sobre isso Luiza, mas eu posso te garantir que, embora você pense que fizemos algo ruim te tirando da Fortaleza, você vai descobrir que é bem ao contrário.

                - Eu acho que eu não tive escolha não é? Mas já deu pra perceber que não importa o que eu diga ou faça, vocês não vão me levar de volta; então essa conversa não vai nos levar à lugar nenhum, o melhor que a gente faz é dormir. Boa noite Victor.

                Ele se enfiou no saco de dormir e só depois respondeu:

                - Boa noite.

                Tentei pegar no sono, mas quatro palavrinhas não me deixavam dormir: “Eu não te odeio”. Ele não me odiava, poxa! Se ele não me odiando já me tratava com tanta grosseria, imagina se ele me odiasse? Mas Sofia tinha dito a mesma coisa. Talvez esse fosse o jeito dele, mandão e prepotente. E a atitude dele me pedindo desculpas me pegou de surpresa. Aonde ele queria chegar com isso? Ele não esperava que fossemos amigos não é? Ah não mesmo! Eu podia imaginar todos aqueles iméros como meus amigos, mais não Victor. Eu não queria alguém como ele sendo meu amigo.  Maicon era um bom amigo. Sofia era uma boa amiga. Em algum desses devaneios peguei no sono.


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