A Vida Secreta Dos Imeros escrita por Kalyla Morat


Capítulo 6
Acordo




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Eu tinha um sono tranquilo e sem sonhos; e se não fosse por Victor eu não teria acordado. Ele tremia constantemente e fazia um barulho que acordaria até um paciente em coma irreversível. Levantei-me sonolenta, tateando o escuro com cuidado para não acordá-lo - se é que ele já não estivesse acordado - mas quando chamei baixinho, ele nada respondeu. Encostei levemente a mão em seu rosto e percebi que sua pele estava muito fria, se continuasse assim morreria de hipotermia. Procurei ao redor por algo que eu pudesse usar para aquecê-lo, mas quando nada encontrei me lembrei da fogueira lá fora.

Obviamente, ela estava apagada devido ao frio, tentei reacende-la com o fósforo que peguei no bolso de Victor, mas num instante ela se apagou novamente por causa do vento. Eu precisava fazer alguma coisa ou todos morreriam praticamente congelados. Eu seria a única sobrevivente. Se eu ao menos tivesse o lúmen. Onde será que estava minha mochila? Na Fortaleza? Eu esperava que não. Eu podia perguntar para Victor ou sair procurando sozinha. Olhei as quatro barracas ao redor e desisti, eu iria levar uma eternidade para olhar em cada uma delas. Optei pela primeira opção.

No mesmo momento em que lhe perguntei sobre a mochila, me arrependi. Era evidente que ele não me diria onde ela estava escondida, pois não confiava em mim. Mais uma vez ele me tirou do sério. Como era cabeça dura! Sai decidida a procurar barraca por barraca até encontrar o que eu precisava. Pensei em começar pela de Sofia, mas quando vi o furgão à frente decidi que ali seria um bom esconderijo, afinal, quem imaginaria que a chave e o cadeado estariam juntos na mesma gaveta?

Abri a porta da frente do lado do motorista e comecei a procurar. Olhei debaixo e atrás do banco, nada. Subi me apoiando no volante para examinar o outro lado e fiquei feliz ao ver que eu não estava errada. Minha mochila estava de baixo do banco do passageiro, escondida no meio de tecidos que não pude identificar o que eram. Desci de costas sem olhar pra trás e levei um susto quando duas mãos seguraram meus braços pelas costas.

Quando Victor me virou e pude ver ódio estampado em seus olhos, percebi que eu estava encrencada. Ele segurava bruscamente meus braços enquanto cuspia aquelas palavras:

– Eu disse pra você não me causar problemas Luiza. Eu te avisei várias vezes...

– Mas Victor, deixa de ser teimoso. Eu só preciso do meu lúmen, isso vai manter vocês aquecidos.

– Não Luiza, eu não sei como essa tralhas funcionam, você não vai colocar nossas vidas em risco – ele disse obstinado.

– Victor!

– Não! – ele repetiu mais uma vez arrancando a mochila da minha mão e me puxando em direção à barraca.

Naquele instante eu tive uma ideia. Era tão clichê que não havia como não funcionar. Não me permiti pensar nem por um segundo, ou eu não faria o que tinha que fazer. Num ato de destemperamento me joguei a sua frente e colei minha boca à sua. Quando ele tentou me afastar eu o puxei pra mais perto e ele não ofereceu resistência, pelo contrário, colocou uma mão em meu pescoço enquanto agarrava com a outra a minha cintura. Se funcionasse, que eu me arrependesse disso depois. Uma pigarreada nos desgrudou.

– Um voto de confiança- implorei- eu prometo que devolvo o resto – disse ofegante.

Como se desistisse de suas armas, me entregou a mochila, derrotado. Peguei o objeto translúcido, em forma de bastonete, fechei a mochila e devolvi-a Victor. Fui em direção à fogueira, passando por Maicon, em silêncio. Só agora eu percebera que ele é que tinha nos interrompido. Nenhum dos dois disseram palavra alguma enquanto me seguiam.

Desrosqueei a tampa, e enquanto despejava delicadamente o líquido viscoso sobre a lenha que restara da fogueira, explicava-lhes, na tentativa de quebrar o silêncio, como aquilo funcionava:

– Isso aqui é um lúmen – mostrei-lhes o objeto – aqui dentro tem esse líquido que eu despejei na lenha, é um composto químico criado em laboratório altamente inflamável. Se afastem! – ordenei.

Risquei o fósforo e joguei na lenha. Após uma pequena explosão as chamas se formaram no padrão que eu já conhecia: roxo no centro e azulado nas labaredas. Continuei explicando-lhes:

– Ele tem a vantagem de gastar pouco oxigênio durante a combustão e atingir temperaturas que podem chegar a quase 2000°C, por isso a cor das chamas. Isso vai manter vocês aquecidos, duvido que o frio o apague.

Sentei no chão próximo a fogueira arroxeada enquanto eles olhavam espantados e admirados para o fogo. Chamei-lhes a atenção:

– Ah! E se vocês quiserem – dei duas batidinhas na palma da minha mão com o bastonete e imediatamente ele começou a brilhar com uma luz azulada – podem usa-lo como sinalizador, que é o uso mais comum.

Dei o lúmen para Maicon que o analisou e passou para Victor. Quando ele vinha devolver-me pedi que o guardasse na mochila. Ele o guardou e se sentou a meu lado seguido por Maicon. Fui eu quem quebrou o silêncio mais uma vez:

– Bom, vocês podem ir se deitar. Alguém tem que ficar vigiando o fogo pra que ele não cause acidentes. Eu fico. Vocês estão cansados, não devem ter conseguido dormir direito com todo esse frio.

Victor me olhou desconfiado e antes que ele pudesse falar, sai em minha defesa:

– Eu não tenho pra onde fugir Victor, você mesmo disse, eu mal sei onde estou. – disse desanimada.

– Não é com isso que estou preocupado.

Olhei cética pra ele e continuei:

– Eu não colocaria vocês em risco, se algo acontecesse com vocês, pra onde eu iria?

Ele nada respondeu, foi até a barraca e voltou trazendo o saco de dormir. Eu não acreditava que ele ia dormir do meu lado, aqui fora, só pra me vigiar. A desconfiança dele passava dos limites. Inesperadamente ele me entregou o saco e disse baixinho:

– Um voto de confiança – e voltou para a barraca, enquanto Maicon fazia o mesmo. Isso sim era uma surpresa.

Fiquei admirando o céu por um longo tempo. Milhões de estrelas brilhavam sob minha cabeça e eu reparei que nunca as tinha visto antes. Quem diria que um dia eu ia estar deitada sob o solo da Iméria olhando um belíssimo céu estrelado. Pensei em minha casa na Fortaleza. Eram ambientes tão díspares, a Fortaleza era uma espécie de prisão, seu espaço era limitado, superdesenvolvido, e não havia um só lugar que eu não conhecesse; a Iméria, por outro lado, podia ser personificada como a liberdade, um infinito de lugares desconhecidos que eu ainda podia conhecer. Dois lados opostos e extremamente atraentes.

Fazia cinco dias que eu tinha sido raptada da Fortaleza. Pra mim uma eternidade. Eu sentia saudade de casa, mas ao mesmo tempo a curiosidade me impelia a continuar. Ficar ou fugir? Eu estava livre, ninguém me vigiava, pois todos pareciam dormir, se quisesse fugir, talvez essa fosse minha única oportunidade. Mas antes eu só tinha que pegar a mochila na barraca de Victor se eu quisesse ter alguma chance de sobrevivência. E mesmo assim seria arriscado, mais não impossível. Lembrei-me do nosso beijo.

– Um milhão por seus pensamentos – interrompeu-me Maicon, lá se fora minha oportunidade de fugir. Respondi com meu melhor sorriso e ele continuou deitando-se a meu lado:

– Linda noite não? Tão bela e tão perigosa, se não fosse por você estaríamos todos mortos.

– Isso não foi nada.

– Eu acho que sei no que você está pensando – ele deu um sorriso presunçoso. Esperei que ele não fosse tocasse no assunto do beijo que ele vira, fiquei aliviada quando prosseguiu:

– Aposto que estava pensando em suas possibilidades de fuga. Não vai funcionar.

Como ele adivinhou?

– Você é esperto senhor Maicon, um telepata talvez? Dessa vez seu sorriso foi mais divertido:

– Com certeza não, era muito óbvio. Escute, eu sei que você deve estar com medo do que vamos fazer com você, mas eu prometo que nada de ruim vai lhe acontecer. Confie em mim. Podemos fazer um acordo.

– Um acordo? – quis saber.

– Sim, esqueça seus planos diabólicos de fuga e eu prometo que quando chegarmos à aldeia, se você quiser voltar, eu mesmo te levo em segurança de volta à sua casa.

Pensei por um instante. Uma aldeia? Informação nova. Ah maldito desejo de desvendar o desconhecido, minha curiosidade ia acabar me matando qualquer dia desses.

– Feito – respondi.

– Certo – ele levantou a mão direita em minha direção e eu o cumprimentei com a minha. Tínhamos um acordo.


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