Destino escrita por Eve


Capítulo 22
Capítulo Vinte e Dois




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XXII

 

 

 

Ainda não havia se passado duas semanas completas desde que chegara a Atlântida pela primeira vez, mas ainda assim Atena havia pensado que seria apenas razoável esperar que àquela altura já conseguisse andar pelo castelo sem se perder. Suas expectativas não foram cumpridas, entretanto, e pela segunda vez em alguns dias ela se questionava sobre como viera parar naquele determinado lugar e onde diabos estaria o cômodo onde ela realmente deveria ter chegado.

Vagava pelos corredores desconhecidos há aproximadamente quinze minutos e ainda não conseguira encontrar o escritório de Poseidon, fato que a fez começar a questionar-se se estaria sequer na ala correta. Passou a tentar a sorte, simplesmente abrindo portas ao acaso e ignorando de vez as instruções aparentemente incorretas que havia recebido, e quando nenhuma das opções mostrou o que procurava, subiu as escadas para o andar seguinte lamentando o rastro de pó que se desprendia dos degraus e era espanado pelo tecido do seu vestido. A questão dos criados era mais urgente do que nunca.

Abriu a primeira porta do corredor à esquerda sem muitas esperanças, registrando apenas uma sala de tamanho pequeno abarrotada de móveis não inteiramente conservados e caixotes cobertos por tecidos finos e brancos como o forro das cortinas. Havia também montes de livros e pergaminhos comprimidos em espaços consideravelmente pequenos e desprotegidos das intempéries e Atena já estava fechando a porta, temendo desencadear uma reação alérgica com toda aquela poeira, quando viu bem no fundo da sala uma mesa semi escondida por uma estante desocupada perto da única janela aberta.

Detendo-se e permanecendo em silêncio por um momento, pensou escutar o ruído de pena correndo sobre pergaminho e por isso resolveu adentrar o cômodo para sanar a dúvida. Puxou parte do véu para que cobrisse também sua boca e nariz, protegendo-se como podia das nuvens de pó que cada movimento seu levantava.

— Poseidon? – Sua voz saía abafada pelo tecido cobrindo boa parte de seu rosto. E assim que conseguiu se desviar dos montes de bagunça e chegar até a mesa viu que era realmente ele, escrevendo algo em um longo pergaminho com tamanha concentração que não havia percebido sua chegada ou escutado seu chamado.

Atena sentou-se na cadeira de frente para ele e apenas esse movimento brusco o fez levantar o olhar. Ela percebeu que apesar do estado deplorável da sala, a mesa de Poseidon estava razoavelmente limpa e organizada e questionou-se se isso seria obra dele ou da solícita Madge. Soltando o véu que segurava sobre seu rosto e fazendo com que ele escorregasse pelos seus ombros, ela perguntou:

Esse é o seu escritório?

Poseidon revirou os olhos para a entonação com a qual ela proferiu a pergunta, não deixando de notar o deboche impregnado em sua voz.

— Era o escritório de meu tio. Tudo necessário à administração do feudo está aqui, mas os servos também fizeram essa sala de depósito para os itens pessoais de Lorde Oceano quando precisaram desocupar o antigo quarto dele para mim. Eu obviamente não tive tempo de escolher outra sala, tampouco de redecorar esta aqui. E os assuntos do feudo não podem esperar até que eu esteja devidamente acomodado para serem resolvidos. - Ele respondeu, voltando o olhar para seus afazeres.

Atena estava bastante ciente do tom ácido que ele havia usado durante toda aquela breve explicação, uma reação natural à maneira em que ela havia escolhido se expressar anteriormente. Todas as suas interações desde aquela primeira discussão haviam sido assim, cuidadosamente pesadas de ambos os lados para que sempre houvesse uma resposta afiada que indicasse a superioridade nata de um dos dois em determinado assunto. Aquele jogo tornava menos complicado enfrentar a intimidade forçada da qual agora partilhavam, mas às vezes sem que percebessem (ou mesmo de propósito, ela tinha que admitir) parecia evoluir para verdadeira hostilidade.

Mas Atena não se ofendia facilmente. Fora criada quase que inteiramente como a bastarda que de fato era e com isso vinham mais insultos e grosserias do que um fidalgo bem-nascido como Poseidon provavelmente jamais conhecera. Uma resposta cortante em tom rude não era nada comparado ao que ela já ouvira, e Atena podia continuar com aquela disputa velada por horas e horas com um sorriso no rosto se necessário.

Mas outra coisa que ela já havia aprendido desde sua mais tenra idade fora que a indiferença era na maioria das vezes a resposta mais enlouquecedora que ela poderia dar. Um provocador esperaria reações agressivas a qualquer insulto, mas dificilmente uma resposta seca e uma expressão imperturbável. Sendo assim, não alterou seu semblante quando disse:

— Que seja. Apenas queria avisá-lo que já tenho tudo pronto para a seleção dos criados. Iniciará amanhã pela manhã mas devemos passar o dia todo nisso uma vez que há muitas categorias de servos para serem testadas. Os novos pronunciamentos à população também devem ser feitos amanhã, portanto sua presença será necessária.

Poseidon deixou escapar um pequeno suspiro, descansou a pena na mesa e segurou o rosto entre as mãos.

— Não sei se isso será possível. Ainda tenho muita burocracia com a qual lidar aqui, assuntos que necessitam da minha total atenção.

Atena correu o olhar por sobre a comprida mesa de madeira nobre. Havia muitas cartas ainda lacradas, vários decretos de aparência oficial, algumas petições e diversos documentos ainda inacabados.

— Eu posso ajudá-lo com essa papelada hoje. - Ela sugeriu. - E amanhã você me ajuda com os criados.

Ele lentamente recostou-se na cadeira de espaldar reto em que estava sentado e a analisou com expressão fria. Seus olhos verdes pareciam um tanto quanto céticos.

— Me ajudar aqui? - Ele questionou, mas parecia mais estar pensando em voz alta do que de fato direcionando a palavra a ela. - E o que você poderia fazer?

Atena dessa vez não conseguiu permanecer impassível frente àquele tom claramente ofensivo que ele havia usado. Uma das poucas coisas que a tiravam do sério era que duvidassem do seu intelecto.

— Isso provavelmente não estava no seu contrato de casamento, mas deveria saber que fui educada na corte. Sei ler e escrever em mais de um idioma, além de ser plenamente capaz de realizar qualquer operação com números. Também não sou nenhuma leiga em assuntos administrativos, uma vez que meu pai é um Lorde. Tenho absoluta certeza que nenhum conhecimento que possuo é inferior aos seus - arrisco dizer que podem ser até superiores. Mas se prefere ficar semanas mergulhado em trabalhos acumulados porque é orgulhoso demais para aceitar a ajuda de uma garota, fique à vontade.

Poseidon apenas a encarou durante todo o seu pequeno discurso, e assim que ela se calou ele deixou escapar uma pequena risada.

— Eu sei que você estudou na capital. E também sei é plenamente versada em todos os assuntos da matemática às artes e das línguas aos negócios. Fui informado disso pelo seu irmão, a propósito, e não por um contrato ou algo que o valha. O que ele convenientemente não me informou foi sobre o seu gênio voluntarioso. - E riu novamente para si mesmo. - Mas ficarei honrado em aceitar sua ajuda, de qualquer forma.

Atena franziu as sobrancelhas. Se ele já sabia que ela era capaz de ajudá-lo, então por que… Oh.

— Falou aquilo de propósito. Para me provocar. - Ela acusou, semicerrando os olhos em desaprovação.

Poseidon sorriu de lado e anuiu com a cabeça, e seus olhos verdes brilhavam como os de uma criança travessa que conseguira escapar de uma punição.

— É bom vê-la desistir dessa fachada indiferente, Atena, mesmo que por alguns instantes.

E foi com desgosto que ela percebeu que havia sido pela primeira vez derrotada em seu próprio jogo.


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