Como era um querubim, Zacariah tinha sentidos aguçados. Ela sente um odor horrível. Era inconfundivelmente o cheiro de demônio. Não era só um. Eram dezenas deles.

Silenciosa tal qual fantasma, corre quase deslizando por um cabo de energia até o teto do depósito onde se reuniam os infernais. Dois deles estavam conversando de costas para ela, ali sobre o teto, entretidos demais para percebê-la.

Zacariah neutraliza o primeiro apertando seu pescoço até a morte. Derruba o segundo com um chute no queixo. Mas escorrega no teto molhado e um terceiro oponente salta sobre ela. Os dois rolam até caírem no chão. A anja, então, crava os dedos no peito do demônio e arranca seu coração com a mão.

Por onde passa, Zacariah surpreende os infernais, reduzindo-os a gritos de dor e espanto. Rastro de sangue negro é deixado pelos passos leves de Zacariah... E o sangue não era dela.

Uma parede se rompe e um veículo blindado de guerra sai perseguindo a enviada dos céus. Zacariah se esquiva do fogo da metralhadora. Zacariah já tinha matado pelo menos metade dos inimigos então decidiu fugir. Mas quando tenta correr é a atingida. Dor. Sangue. Trevas.

Este não fora, porém, o fim da general.

Ela acorda e se vê em uma cena digna dos demônios. Vários deles riam embriagados, olhando para ela. Outros transavam sem se incomodarem com quem os olhava. Outros dois lutavam, com socos violentos, rostos sangrando, olhos inchados, se divertindo, rodeados por uma multidão eufórica de demônios. Gritos ensurdecedores.

Zacariah começa a recobrar o tato. Muito dor. Ferros pontiagudos e enferrujados perfuravam-lhe a pele. Estava pendurada. As asas, anteriormente escondidas sob a pele, estavam expostas, rasgadas e depenadas. Já não teriam utilidade. O sangue escorre incessante.

“Fui pega! Fracassei.” Pensa.

É quando a general vê um demônio vestido num sobretudo negro se aproximando. Nunca este tivera a intenção de passar-se por humano, afinal apresentava chifres de cabra e a língua era partida ao meio. Ele retira o sobretudo e revela o corpo esquelético. Nas costas, ossos afiados mais pareciam chifres.

Ele puxa um desses ossos e retira das costas uma estaca, manchada pelo próprio sangue. Com ela ameaça Zacariah. A celestial se contorce, tentando livrar-se dos ganchos, mas isso só aumenta os ferimentos.

Quando Alastor, um dos filhos de Lúcifer, ia cravar a estaca de osso no coração de Zacariah um demônio ainda mais poderoso e influente nos infernos, Cássius, aparece. Era corpulento. Vestido num terno branco, impecável, tentando imitar a majestade dos arcanjos, apesar das vestes mundanas. O peso das milhões de almas que corrompera, entretanto o denunciam como sendo terceiro na hierarquia infernal, atrás apenas de Lúcifer e Belzebul.

O duque Cássius oferece a Zacariah sua vida e a liderança de exércitos em troca da sua união a Lúcifer. Ela aceita sem titubear. Uma aliança com o mal abriria caminho para que conquistasse novas e mais ameaçadoras tropas. Aliás, já estava cansada de viver cercada por regras.

...

O inferno, como era conhecida a dimensão sombria para onde iam as almas dos humanos que foram maus em vida, foi dividido em doze reinos controlados por doze Tronos. Obviamente todos são subordinados a Lúcifer, o Arcanjo Sombrio. O ex-arcanjo é auxiliado por Danyel, a Serpente do Éden, o anjo caído que se disfarçou de cobra e tentou Eva. Em seguida estão os seis duques: Belzebul, Cássius, Lameque, Eva, Alastor e Uriel. De início eram oito, mas Aaron e Cassiel morreram. Lameque, porém não participa das decisões políticas do inferno.

Os Tronos têm grande poder sobre seus reinos, que por sua vez se subdividem em províncias governadas por Senhores Demônios. A maioria dos Senhores Demônios viveu como reis ou grandes heróis que, adorados após a morte, se tornavam entidades poderosas, crescendo com as preces de seus fiéis.

Há em seu centro ao redor do suntuoso castelo de Lúcifer uma planície tenebrosa onde em seu solo estavam amontoados pedaços humanos que se contorciam de dor. Uma infinidade de demônios esqueléticos com chifres de cabra, a maioria filhos do duque Alastor e de suas escravas sexuais no seu imenso harém, pulavam sobre os cadavéricos agonizantes, mordendo e devorando suas carnes.

Foi nesse degradável cenário que Eva viveu por quase dois milênios. Fora condenada ao Sheol após a morte, daí a fúria pelos celestiais. Foi esta raiva que a consagrou no inferno. Sentira dores infindáveis por séculos e séculos, até que conquistou o irmão, Alastor. Seus pedaços foram costurados e ela foi levada ao harém do duque. Rapidamente se destacou na casta das succubus, as mulheres-demônios da sedução. Tornou-se um modelo para suas iguais e depois uma líder admirada. Até que ascendeu ao posto de duquesa.

De repente Cássius e Zacariah se materializam em meio aos cadáveres. No mesmo instante uns vinte demônios esqueléticos se aproximam.

- Perdeu o caminho de casa? – debocha um deles, se dirigindo a Zacariah.

- O que a traz ao porão? – ironiza outro, dando ênfase ao apelido que os celestiais deram ao inferno.

Cássius faz um movimento com os braços e todos se afastam. São da casta dos baals, criaturas adoradoras da morte e da tortura. Demonstram aparência ameaçadora, mas são em geral covardes e medrosos. Nada podiam contra um duque.

Passam por uma fila de almas apáticas esperando sua hora de serem açoitados por baals ainda mais brutais e fortes.

Chegaram ao castelo do Arcanjo Sombrio. Logo na entrada, Zacariah sentiu a imensa maldade do rei dos infernos. A parede era decorada com rostos que se moviam, gritando, presos a argila. Eram milhares de homens e mulheres escolhidos pelo próprio Lúcifer por terem belos rostos.

Acabara de entrar por um caminho sem volta, e os arcanjos jamais a perdoariam por tal traição...