Forever Night escrita por Evelin


Capítulo 7
Verdades Imutáveis


Notas iniciais do capítulo

Escrito ao som de James Blunt - Tears and Rain



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/23364/chapter/7

Olhos de rubi

"Como eu gostaria de poder passar pelas portas da minha mente;
Guardar a lembrança bem perto,
Me ajudar a entender os anos.
Como eu gostaria de poder escolher entre o Céu e o Inferno.
Como eu gostaria de poder salvar minha alma.
Eu estou gelado de medo."

                                   James Blunt

Verdades imutaveis

   Não havia sol para me aquecer naquela tarde, não havia nada que trouxesse a sensação protetora do calor, nem ao menos no jardim onde me encontrava, largada à grama desamparada. Minha única companhia era o intenso frio, que obrigava os pássaros e qualquer ser vivo a se acolher em suas tocas. Frio este que já teria me congelado se não fosse minha condição de vampira. Graças a isso eu nada sentia, nem o frio, nem o desconforto de estar deitada sobre a grama congelada. Não havia desconforto, pelo menos não físico. Cheguei a imaginar que meu corpo nada mais sentisse...E isto me apavorou.

   Exteriormente a calma reinava em minha face, minha postura, mas em meu interior o caos se instalava trazendo consigo medo, angustia e tristeza. Todas essas sensações e emoções se infiltraram em mim como um veneno corrosivo logo depois que eles se foram, quando eu finalmente pude pensar claramente em meio ao silêncio.

  Admito que a reações deles jamais teriam sido o esperado por mim.Antes de mesmo de iniciar meu monologo já havia deduzido as reações que se seguiriam, e de algum modo já às tinha aceitado. Afinal eram razoavelmente justas para uma historia de terror como aquela. Mas as que se seguiram depois do fim de minhas palavras me deixaram realmente sem palavras.

 

Depois que minha historia teve seu trágico fim contado seguiu-se um silêncio que tomou longos minutos que foram torturantes de muitas maneiras. Em geral não me incomodava muito com o silêncio. A perspectiva de paz e serenidade que ele prometia trazer me era muito apreciada, mas assim como muitos sabem, o silêncio em si nunca nos traz isso. Aquele tipo de silêncio em especifico era tão ensurdecedor quanto tambores rufando a pleno vigor, me deixando ansiosa, e se meu coração ainda pudesse bater poderia jurar que estaria em um ritmo frenético. Porém não ousei quebrá-lo, pois a meu ver aquele silêncio era mais confortável do que as reações que imaginava que se seguiriam. Em vez disso conformei-me a apenas encarar minhas próprias mãos agarradas à barra da camisa já desfiada, e a imaginar suas opiniões sobre tudo o que havia dito. Minha mente vagou por milhares de possibilidades para o que viria. De berros desconexos até me jogarem pela janela.

Foi ai que Edward quebrou o silêncio da única maneira que não havia imaginado. O som suave e melodioso de seus risos invadiu a sala. Edward perdido em risos era algo tão belo de se ver e ouvir que não ousei interromper aquela cena. Carlisle porem não compartilhava da mesma idéia e interrompeu aquela sinfonia que era os risos de Edward.

-         Edward? – disse levemente inseguro.

-         Perdão Carlisle – disse depois de um instante, sua voz ainda estava descontraída devido aos risos – É que Evelin é de muitas maneiras...Engraçada

É obvio que minha curiosidade só aumentou depois das palavras de Edward

-         Engraça?

-         Jogar pela janela? – seu olhar a mim foi sugestivo, e não demorei nem meio segundo para entender seus risos.

Se fosse possível eu teria corado naquele momento, não de vergonha, pois eu raramente sentia isto, mas de raiva porque eu detestava que ouvissem meus pensamentos.É mais do que razoável se aborrecer com pessoas revirando sua mente, depois de mais de dez anos sendo exposta a isto...

-         Perdoe-me – desculpou-se com sorriso angelical. Sua beleza era um golpe muito baixo, como não perdoar uma maravilha da natureza como esta, ainda mais quando ela sorria daquele jeito...

-         Tudo bem – murmurei levemente aborrecida, mas desta fez era com o fato de minha incapacitarão de não perdoa-lo - Mas agora terá de explicar o motivo da graça.

-         Jogar pela janela? – ele repetiu cético após concluir que já estava mesmo perdoado – O que acha que somos? Vampiros selvagens. Somos extremamente educados e discretos.

Eu sorri levemente de seu bom humor, pelo menos suas palavras me confirmavam que não seria jogada pela janela, afinal.

-         Imagino que rolar escada a baixo seja mais discreto – disse ironicamente

-         Certamente – e nos dois rimos das tolices ditas e principalmente pensadas.

Carlisle, porém era rápido e compreendeu o motivo dos risos rapidamente, tanto que fiquei impressionada.

-         Achou mesmo que fossemos reagir desta maneira? – perguntou-me com um sorriso incrédulo.

Eu me encolhi levemente envergonhada. Quem diria, vergonha! Esta nova vida era mesmo intrigante.Começava a sentir emoções que a mim eram raras e quase inexistente.

-         Bem...É que, eu não sei o que esperar, nunca havia contado minha vida com tantos detalhes, e devido a seu conteúdo imaginei que as reações não seriam tão agradáveis ou positivas. – as palavras saíram tão rápidas e atropeladas que duvidei que pudessem ser compreendidas.

Felizmente entenderam, e melhor ainda, não riram.

-         Ora, Evelin não há motivos para esperar tais reações. – disse Carlisle serenamente – Pela sua historia deveria esperar expressões pesarosas e até amorosas

Amorosas?Custei a acreditar em suas palavras, afinal quem poderia sentir compaixão por uma historia dessas? Quem era estranho o suficiente por ter compaixão por historias de terror?

-         Nós – Edward respondeu meus pensamentos pessoais com um sorriso discreto.

-          Porque? –tal pergunta escapou por meus lábios sem nem ao menos passar por minha mente, tamanha era minha incredulidade com tal fato.

-         Ao contrario do que imagina não pensamos em você como um...- “monstrinho descontrolado” disse-lhe quando ele procurava pela palavra certa. Ele sorriu a ouvir isto e aceitou tal termo – exatamente. Sua historia só nos mostra o quão forte e digna você é.

Eu o olhei cética, mas todo esse ceticismo se evaporou quando vi que Carlisle concordava com ele. Eu podia aceitar o termo forte, mas digna? Nunca achei que tivesse dignidade, de fato nunca parara para pensar nisto.

Talvez devesse começar a pensar nisto – disse Edward mais serio desta vez.

 

 

  Digna, essa palavra ecoava por minha mente fracamente, tanto que começava a se tornar cômica. Nada em minha vida havia sido feita, pensada ou imaginada com dignidade. Este termo não poderia ser usado a mim, e Edward só o havia dito por ousar imaginar que me conhecia bem embora apenas por ter ouvido o resumo de minha vida. Pobre tolinho não sabia da metade...E talvez fosse melhor não saber.

 

   Senti-me aliviada por estar só. Por poder pensar sem censura. Precisava deste tempo solitário, tanto que tive que insistir a Edward para que fosse para a escola repetindo dezenas de vezes que estava bem e que não me importava com a solidão. Carlisle saiu com ele, pois afinal trabalhava em um hospital local. 

 Não pude conter minha surpresa a tal informação. Vampiros que viviam entre humanos fingindo ser um deles? Era bizarro demais, até mesmo para mim. Fascínio me tomou pelo fato de Carlisle trabalhar em um hospital, afinal havia sangue lá, não? Sangue Humano transbordando daquele perfume delicioso e sedutor, e em grande quantidade.Porem ele havia me explicado que depois de vários anos havia desenvolvido um tipo de tolerância a sangue humano, a ponto de não sentir o desejo incontrolável de bebê-lo. Fascinante de muitas maneiras.

 

   O céu estava tão nublado quando minha mente. As nuvens egoístas escondiam o à luz do sol só para elas, deixando-me na escuridão, apenas esperando pela chuva que elas trariam.Não havia som suficiente ao redor para me arrancar de meus pensamentos torturantes, nem o farfalhar das árvores ou o canto distante de um pássaro, nada, para me salvar de mim mesma.

   As verdades vinham à tona apenas para me desesperar ainda mais. Era o tipo de verdade que eu odiava. Verdades imutáveis, que sempre estiveram fora de meu controle, impossíveis de serem distorcidas ou ignoradas.

   Finalmente havia compreendido o termo “vampiro” por completo. E com esta compreensão tomei consciência de milhares de fatos ainda mais perturbadores.

   Notei rapidamente o que a sede me fazia, o quanto me controlava a ponto de apagar de minha mente tudo o mais, dando total exclusividade apenas a minha pressa e a meu desejo. Isto era um enorme problema. Não possuía controle algum quando era exposta ao perfume de sangue humano, embora o sangue de animais fosse comestível não deveria ser tão delicioso ou nutritivo como o sangue de pessoas prometia ser.

   Mas, assassina? Tornaria-me isto apenas para satisfazer meu desejo? Estes questionamentos me vieram a mente, mas não soube responde-los.

Não que eu nunca tivesse sido uma assassina, eu havia sido e não negava, mas em todas as ocasiões fui forçada a agir de tal maneira, fora mais um impulso de sobrevivência e não de egoísmo e luxúria como agora. Eu não era santa, mas me tornaria uma pecadora?

  Mas a lembrança do perfume da garotinha me veio a mente, e principalmente ao olfato e era tão saboroso, que me pareceu ridículo nega-lo, “um desperdício” dizia uma parte sombria de minha mente. E meu preconceito com os humanos só ajudava a aumentar este desejo.

   Mas não seria apenas os humanos que possuiriam este aroma tão sedutor a mim. Feiticeiros também deveriam possui-lo, amigos, conhecidos...Tremi internamente com o pavor que me envolveu.

  A idéia de consumir um amigo querido até a morte foi repugnante que me enojou imensamente.

  E como protege-los de mim?Pois sabia que não conseguiria me conter. O único modo plausível era me afastar, de modo que não me aproximasse mais deles. E este veneno me corroeu novamente. Viver sem meus amores, meus pontos de razão...

  Viver sem eles, não era vida. Então porque viver?

  Eternidade, esta fora outra verdade que veio até mim. Imutável e dolorosa como as outras. Uma vida sem a perspectiva de um fim. Uma vida solitária recheada de mortes, pecados e desejos. Não demoraria muito para que eu enlouquecesse nesta vida.

   Eu me virei na grama me encolhendo com as desastrosas idéias que pintavam meu horizonte negro. Talvez se pudesse eu estaria soluçando em lágrimas, pois todas as emoções que me vinham poderiam ter dado inicio a elas. Desespero, medo, magoa eu era apenas aquilo naquele momento.

   Fechei os olhos desejando poder me esquecer de tudo. Desejando que tudo voltasse ao normal.

-         Desejos tolos e infantis – disse minha consciência.

Eu abri os olhos apreensiva, e a vi na minha frente, olhando-me daquele modo presunçoso. Estava deitada de bruços na grama, o rosto apoiado nas mãos, as pernas balançando no ar despreocupadamente.

Minha mente era tão única, e estranha que havia desenvolvido uma consciência peculiar, que possuía forma, opinião própria da qual de algum modo estava totalmente fora de meu controle.  Ela havia surgido quando eu fora morar com os Leroy e desde então não me deixou em paz.

 Ela havia curiosamente adquirido a forma de minha mãe quando tinha uns 17 anos.Nos parecíamos muito. Éramos altas, e magras, pálidas, de rosto fino e com os mesmos olhos verdes e dissimulados. Os famosos olhos de cigana. Seu cabelo diferente do meu era negro e liso, e seu sorriso era mais intenso e sincero do que o meu, embora neste momento ela não sorrisse. Estava sempre a invadir meus sonhos já escassos, ou ocupar o silêncio com sugestões e comentários irritantes de tão sinceros. Mesmo que tivesse a aparência de minha adorada mãe quando jovem isto não a salvava de minha ira. Pois sempre jogava a verdade na minha cara quando minha intenção era fugir da realidade

-         Vá embora – resmunguei fechando os olhos novamente e virando meu corpo para longe dela, como se isto pudesse afasta-la de mim...

-         Depois de todos esses anos, é incrível como ainda tem a estúpida ilusão de que eu a obedecerei – comentou displicente.

Eu rangi os dentes, sabia que era melhor deixa-lá falar o que queria para que partisse logo de uma vez.

-         Fale – suspirei ou rosnei, não sei ao certo, talvez uma soma dos dois.

Ela nada falou, tanto que abri meus olhos na estúpida esperança de que tivesse partido, mas era mais do que esperado que estivesse ali deitada de costas na grama olhando o céu intensamente.

-         Parece que vai chover – comentou.

Eu me virei para avaliar o céu que ela observava com tanto interesse. As nuvens estavam tão mais densas e pesadas, fazendo do dia quase noite.

-         Mas talvez não chova, talvez o que pensamos seja exatamente o que não ocorrerá – continuou.

Fiquei confusa sobre aquelas palavras...Eu sempre ficava confusa com seus enigmas. Esta sua mania também me irritava. Porque tanto enigmas quando se era bem mais fácil e rápido dizer suas intenções sem floreios? 

-         Não é porque você encara somente a perspectiva da chuva, que ela virá – continuou com seus comentários desconexos virando-se para mim, e eu a encarei confusa – Talvez devamos ser estupidamente positivas e esperar pelo sol.

Ela abriu aquele sorriso intenso e cintilante, mas eu não pude retribui-lo. Eu compreendia suas palavras, mas não via como conseguir ser positiva. Não conseguia ver a luz nesta escuridão que havia se tornado minha vida.

Ela voltou a olhar as nuvens e eu a imitei, mergulhando inevitavelmente no mar de minha magoa e dor.

-          Sabe, há maioria das pessoas reclama da chuva, dizendo que seria melhor que nunca chovesse. Afinal é ela que nos prende em casa quando o que queríamos era estar ao ar livre, ela que nos priva de desfrutar do sol, ela entristece nossos dias com suas nuvens deprimentes. Mas o que poucos percebem é que sem ela não teríamos as flores que nos alegram de muitas maneiras, não teríamos primavera – ela se virou para mim, seu sorriso mais suave – sem ela não haveria vida.

Enquanto olhava as densas nuvens, diluía as palavras dela, encaixando-as em meu presente. Mas como haveria vida em mim? Uma vampira... Estava morta...Não havia vida em mim.

-         Quem disse um absurdo deste? – ela perguntou seriamente

-         Não precisa que se diga basta olhar para mim – murmurei sem emoção em minha voz.

-         Escute. – ela se sentou me encarando seriamente – Você esta aqui pensando, sentindo, agindo. Como não pode haver vida em você?

-         O ar não me é mais útil, meu coração já não tem função, não sinto frio nem cansaço...

-         E desde quanto à vida é afirmada apenas e exclusivamente por esses fatores? – disse rispidamente – Você esta aqui consciente, portanto esta viva! Nunca pense o contrario!

Ela me encarou intensamente. Seu sorriso havia desaparecido por completo, em seu lugar uma seriedade reinava absoluta, tornando suas palavras mais uma ordem do que qualquer outra coisa que pudesse ser entendida.

Mas havia outros receios em minha mente alem do fato de estar viva ou não. Fatos que de muitos modos se relacionavam com vidas...

-         Somos assim tão fracas a ponto de sermos comandadas por nossos desejos? Por uma estúpida sede?– perguntou-me

-         Sabe que não é apenas um tolo desejo! – disse-lhe rispidamente. Ela começava a me irritar novamente, ousando mencionar o fato de que era fraca – Sabe o quão forte é isto é...

-         Mas você é mais! Não é? – disse suavemente e o sorriso foi lentamente tomando seu semblante – Porque então ficaria irritada em ser chamada de fraca se é exatamente isso?

Eu quis gritar, berrar com ela. Estava farta de tantas perguntas e questionamentos, dos quais eu não conseguia responder um sequer. Mas apenas consegui bufar e virar-me para longe dela abraçando minhas pernas e fechando os olhos. Não queria mais ouvir suas perguntas, pois não tinha resposta para nenhuma delas.

 Senti seus dedos por meus cabelos enquanto ela acariciava minha cabeça.

-         A vida nunca decidiu ser fácil para nós – suspirou.

Fácil? Eu nunca soube o que isto significava e pelo visto nunca saberia. Mas como sentir falta da facilidade se nunca a possuía, e isto me consolava. Pelo menos não sentiria a amargura de perder algo, pois nunca tive.

-         Justamente agora que tudo se encaixava – sussurrei martirizada – justamente agora que as fugas teriam seu fim...Que uma nova chance se erguia...

Minha voz se afogou em meu sofrimento assim como todo meu corpo.

-         A vida é mesmo sádica não? Principalmente para conosco – disse ela serenamente, sem interromper suas caricias – sempre fora. Mas...Agora ela nos dá uma nova chance, ela se redimiu. Agarrar esta chance grata por poder fazer diferente desta vez.Vamos monstrinho descontrolado que ninguém pode guiar, vamos fazer valer a pena desta vez.

-         Estou cansada...Cansada de provar e perder, cansada de mudar...– murmurei.

-         Ora, mas disse-me que não se cansa! – comentou vivamente e suas caricias cessaram abruptamente.

Deitei-me de costas os braços abertos e abri os olhos, ela estava debruçada sobre mim, cobrindo minha visão do céu, seus olhos de esmeralda cintilavam para mim, animados e perspicazes.

-         Faça o que quiser, mas aviso-lhe se decidir nesta grama passar a eternidade eu ficarei a seu lado sem me calar por um minuto sequer – disse em tom de ameaça.

Fiz um careta a perspectiva de te-lá a meu lado por uma eternidade. Somente a idéia me deu forças para reagir a este mar de lamuriais. Ela sorriu satisfeita.

-         Não é porque tudo parece perdido que não saibamos o caminho – disse serenamente.

Eu suspirei e me ergui apoiando-me nos braços para observar a floresta que se estendia pelo jardim, ela parecia tão sombria e inóspita entre suas densas sombras...

-         Estou cansada de recomeçar – suspirei.

-         Eu também – ela murmurou, estava agora sentada a meu lado encarando a floresta com olhos pensativos – mas agora temos uma nova chance. Uma nova vida.

-         O que faremos com ela?

-         Tudo, só que diferente – disse.

Eu me virei para ela confusa, como sempre.

-         Vamos fazer tudo que não tivemos chance de fazer. Viver Evelin! Experimentar tudo que nos for um mistério, e sem negar nenhuma experiência. – disse eufórica com a idéia – vamos fazer desta vida algo diferente. Vamos viver do jeito que sempre sonhamos. Chega de guerras, fugas...Chega de solid...

-         Muito interessante – interrompi seu discurso ao perceber a empolgação que ela ganhava a cada palavra. 

-         Sem abrir mão do nosso passado, pois afinal ele faz parte de nós, não podemos simplesmente queima-lo. – percebi por suas palavras que era exatamente isto que ela desejava fazer.Mas eu nunca teria coragem de esquecer meu passado por pior que fosse, era ele que me tornava esta pessoa cheia de defeitos e atributos, e principalmente cheia de estranhezas.

Mas meus receios ainda não haviam sido aniquilados por completo. De fato eles continuavam a pairar no fundo de minha mente. Principalmente o medo de minha sede...

-         Você é uma aluna extraordinária Evelin – comentou – não acha que seria apropriado ficar com eles? Você pode aprender muito com Carlisle, pode aprender a se controlar.

E pela primeira vez, isto me pareceu apropriado. Foi fácil visualizar minha vida ao lado de Carlisle e Edward, aprendendo, experimentando, vivendo. Fiquei internamente desejosa desta vida tão desconhecida para mim. Embora não fosse de meu extremo desejo no momento me prender a eles por muito tempo...

-         Um dia de cada vez - lembrou-me

-         Um passo por vez – completei com um sorriso suave.

 

Abri os olhos, o céu continuava naquele nublado deprimente, a umidade no ar era quase palpável agora e o frio havia se intensificando.

Olhei ao redor, procurando-a mais já não estava mais a vista. Havia partido, como sempre fazia quando um assunto era enfim resolvido.

Minha mente, ainda carregava os receios, mas o caos havia se dissipado levando a dor e a magoa consigo. Detestava admitir, mas embora minha consciência me irritasse absurdamente a ponto de me enlouquecer ela me era tão útil e necessária como o ar um dia foi a meus pulmões.Ao fim de nossas conversas eu sempre me encontrava mais aliviada e decidida, e não mais me importava o quão furiosa eu tivesse ficado, pois ela sempre me acalmava.

 

Sentei-me na grama, e um raio cortou o céu, curioso como aquilo não me sobressaltou, pelo contrario me foi prazeroso vê-lo rasgar a calmaria das nuvens. E a chuva já há tempos prometida pelas nuvens pesadas finalmente caiu, sem piedade, me ensopando dos pés a cabeça.

Não houve em mim vontade de correr dela, em vez disso um desejo infantil de aproveitar as gélidas gotas de chuva me invadiu. Eu ergui meus braços e a recebi de bom grado. Deixei que a fria agua lavasse meu corpo, minha mente e se pudesse minha alma, mas a mente era prioridade. Se possível que levasse todos os meus antigos receios e preocupações para longe. Porque agora uma vida nova me aguardava, e eu a viveria intensamente, sinceramente. Sem receios ou medos, pelo menos está era minha intenção primaria.

 

Senti-me como uma criança, tão leve e despreocupada como nunca fora a tempo. Ausente da realidade, perdida na fantasia que aquela estranha e assustadora tempestade me proporcionava.

 Joguei-me de costas na grama, os braços abertos, sentindo as grossas gotas de chuva me golpearem o rosto e o corpo todo.Fiquei a identificar os aromas que me vinham. Era incrível como tudo cheirava melhor na chuva. As flores, as árvores, o ar, tudo.

  Então sem aviso algum a chuva parou de tocar meu rosto, embora o som dela em nada tivesse mudado, e ainda golpeasse outras partes de meu corpo. Eu abri os olhos confusa e vislumbrei um par de olhos dourados me fitando curiosos.

Sufoquei um gemido de espanto por aquela aparição tão repentina. Espantei-me o quão distraída a ponto de não ouvi-lo se aproximar. Ele estava em pé acima da minha cabeça e se curvava minimamente para mim, segurando um guarda-chuva preto acima de nossas cabeças, a expressão serena e curiosa lhe tomavam toda a perfeita face. Tentei dar-lhe um sorriso, mas não saiu como esperava devido a minha surpresa.

-         Desculpe por assusta-la, não era minha intenção interromper o seu...Hum...Banho? – disse Edward com tímido sorriso.

-         Tudo bem – e enfim consegui sorrir, um sorriso sereno e suave, um sorriso aceitável. Num salto eu estava de pé na sua frente, tinha que admitir esta agilidade era simplesmente incrível. Ainda mais para alguém como eu, que nunca foi muito atlética – Já estava mesmo ficando farta de tanta agua.

-         Então é assim que se distrai? Embaixo de tempestades? – perguntou-me brincalhão.

-         Nem sempre, mas creio que não haja penhascos aqui por perto não?

Ele me olhou confuso, mas apenas por alguns instantes até que compreendeu minha “ironia” que não passava de verdades. Bem se ele queria entender como ironia quem era eu para discutir.

Seus olhos me estudaram dos pés a cabeça, e fui forçada a me avaliar. Minhas vestes, ou melhor, suas vestes estavam praticamente destruídas. Alem das manchas de sangue da caçada, agora havia grama e lama por toda a camisa e calça. Eu o olhei com um sorriso de desculpas, mas ele apenas revirou os olhos.

 

-         Venha precisa de roupas limpas – e dizendo isso se dirigiu para casa, e eu o segui resignada, despedindo-me da chuva.

Edward me levou até seu quarto no primeiro andar e enquanto ele procurava algo que coubesse em mim me encostei à janela olhando para o jardim que a chuva lavava violentamente.

-         Como esta se sentindo? – perguntou casualmente. Embora eu tivesse notado sua curiosidade.

Ele percebera o quão atordoada e apavorada eu estava enquanto o garantia que estava bem e forçava-o ir a escola. Por razões obvias percebi que seria extremamente difícil esconder-lhe algo. Mas o que me intrigou foi como ele se preocupou comigo, ele e Carlisle. Eu não estava acostumada a ver pessoas preocupadas comigo, como eles faziam. Era algo novo para mim, e comicamente estranho.

-         Estou melhor – disse displicente – ainda abismada e aturdida, mas, conformada de muitas maneiras.

-         Fico feliz - Ele sorriu satisfeito, mas logo se voltou com olhos cautelosos – e já se decidiu com relação a ficar?

Eu hesitei um minuto a aquela pergunta. Não por ter voltado em minha escolha, mas sim para confirmar mentalmente que era isto o que queria, para que não houvesse arrependimentos. Pois eu não permitiria arrependimentos a esta nova vida. Mas como não desejar uma vida tão nova e estranha? Era uma experiência da qual eu estava tentada a levar adiante.

-         Bem, se não voltaram na idéia de me permitir ficar...Ficarei mais do que feliz e grata em permanecer aqui. – disse por fim, abrindo um sorriso de eterna gratidão.

-         Carlisle ficará feliz em saber disto –comentou satisfeito com um sorriso deslumbrante.

Edward me entregou uma calça e camisa branca limpas e deixou-me no quarto para me vestir dizendo que estaria na sala. Vesti-me rapidamente, mas toda esse tempo economizado foi gasto tolamente quando me deparei com um espelho de corpo inteiro.

De todas as mudanças que me ocorreram, a minha aparência foi a mim a mais dramática. Embora eu estivesse deslumbrante, estava diferente, e esta mudança me era intimidadora. Não era eu ali naquele espelho, embora tivesse imensa semelhança.

Reconheci meu traços por baixo da perfeição, eles estavam ali fáceis de se notar, mas os lábios finos agora estavam mais bem delineados, o rosto que sempre fora fino agora mais elegante. A pele clara havia se tornado translúcida, quase sem cor, e perfeita, sem uma única mancha, ou pinta, ou ruga de expressão, ou qualquer outro pormenor que pudesse ser visto como algo negativo. E meus olhos...Ainda dissimilados e misteriosos haviam perdido a cor esmeralda a mim tão adorada. Em seu lugar o rubi reinava fervorosamente.

Aquela garota tão linda e estonteante não me lembrava a velha Evelin que fui (bela porem discreta, capaz de passar dezenove anos sem ser notada por ninguém), embora tivesse todos os traços dela, todas as expressões. Aquela beleza não me satisfazia, não me trazia orgulho ou coisa parecida.

Senti-me estranha, desambientada. Talvez fosse assim que me sentiria por um tempo, e teria que me conformar com isto até me acostumar. Balancei a cabeça freneticamente afastando meu desconforto para longe, daria a devida atenção a ele mais tarde.

Desci até a sala, onde Edward estava sentado no sofá lendo um pesado livro, que julgava ser de historia. Ele ergueu os olhos ao ouvir minha aproximação.

- Eu preciso dar um jeito nisso – resmunguei dobrando a manga da camisa – não posso ficar usando suas roupas, ainda mais com minha incrível habilidade de torna-las mais inútil que um pano de chão depois de vesti-las.

Ele riu de minhas palavras, e eu me deliciei com o som de seu riso novamente.

-         Não se preocupe, eu não me importo. E até que você não fica tão ruim nelas. – disse voltado sua atenção ao livro

Eu bufei, revirando os olhos e sentei-me na poltrona que ficava ao lado da enorme janela que tomava uma parede, que dava para a floresta que cercava a casa, a chuva estava mais fraca, porem os raios ainda cortavam o céu. Pensativa, comecei a tamborilar no encosto do braço da poltrona, uma velha mania de pianista que não havia perdido. Mas me perdi em meus devaneios sobre o que fazer no momento, havia muita coisa para arrumar e reorganizar agora, já que eu estava adentrando um novo meio de vida...

-         O que pretende fazer? – perguntou-me.

Eu não o encarei, meus olhos estavam presos no vidro da janela, nas gotas que escorriam preguiçosamente por ele atraindo meu olhar.

-         Bem – suspirei, organizando minhas idéias – primeiro preciso pegar meus pertences.Pois afinal como lhe disse não posso viver usando suas roupas.

-         E onde estariam estes pertences? – perguntou casualmente

-         Em minha casa em Toronto

-         Casa?

Eu me virei para observa-lo, pois seu tom chamou minha atenção. Ele me olha realmente interessado no assunto.

-         Um pequeno apartamento onde deixei meus pertences.Afinal eu não queria correr o risco de perde-los, então guardei tudo em um apartamento na periferia de Toronto.

Ele se afundou no sofá pensativo, o que me deixou intrigada. Supus por sua expressão que minha ida até minha antiga “casa” não seria permitida...Edward com seu dom conveniente ouviu todo esse meu receio, e tratou logo de me explicar sua reação.

-         Não há problema algum em você ir lá, so que...Toronto é uma cidade com um numero de habitantes razoavelmente significativo, não?

Internamente me irritei com suas palavras, pelas verdades que elas continham. Era fato que meu apartamento, mal mobiliado e extremamente pequeno ficava na periferia de Toronto, mas a rua em que se localizava era bastante movimentada principalmente à noite. Homens e mulheres de todas as idades iam e vinham naquela rua, voltando do trabalho, inda visitar alguém, não me interessava o motivo somente o fato de que aquele lugar estava recheado de humanos saborosos e recheados daquele sangue sedutor.  E eu era apenas uma vampira novata que mal sabia me controlar.

-         Ah. Droga – me afundei na poltrona desanimada. Porque eu não arranjara um apartamento em uma rua deserta? Em um beco? Até mesmo uma cabana a beira de um penhasco me parecia mais aceitável agora. Não eu tinha que ter me instalado em um apartamento que dava porta para uma rua principal.

-         Não precisa exagerar tanto assim – disse Edward tentando me consolar. Que cavalheiro ele era. Mas sua tentativa foi inútil.

-         Perceberá Edward que tenho o péssimo habito de exagerar os fatos, porem desta fez não estou fazendo isto. Mas a situação é exatamente do jeito que se passa em minha mente e você sabe disto – disse-lhe

Ele abriu a boca para falar algo, mas logo em seguida a fechou vencido por minhas palavras. Mas não se calou por muito tempo. Tinha que admirar sua insistência em me manter positiva.

-         Não se preocupe, se não se importar podemos ir com você. – sugeriu. Mas eu sabia e ele também que era impossível recusar uma proposta dessas – não permitiremos que faça algo que se arrependa.

Encarei seus olhos dourados tão sinceros e ao mesmo tempo misteriosos, tolamente impressionada com minha sorte por ter encontrado-os, ou melhor, por eles terem me encontrado. O que seria de mim sem eles? Sangue e gritos me vieram a mente, pintando um breve quadro daquela vida que eu poderia ter seguido se estivesse só.

 Não haveria limite para minha gratidão que jurava que seria eterna.

E foi com um sorriso que transbordava contentamento e gratidão, que lhe disse de modo eufórico:

- Quando partiremos?!

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

espero que estejam gostando. Como sempre, desculpe-me pelo erros de gramatica que devem ter escapado de minha revisão.

E como sempre: reviews são sempre bem vindos, para motivar esta autora e tornar a historia ainda melhor. Comentarios, opiniões, perguntas, qualquer coisa é so mandar



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Forever Night" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.