Não levou mais que alguns poucos minutos para que me desse conta de que até mesmo as observações maldosas e cheias de sarcasmo de meu ex marido eram uma melhor companhia que o silêncio opressor no qual estava envolvida. Isso  sem falar na miríade de lembranças e desejos que jamais tornariam-se reais que cada móvel delicado naquele aposento evocara.

Enquanto a raiva e o desespero se tornavam cada vez mais intensos e travavam uma batalha feroz na tentativa de eclipsar qualquer outro sentimento que ameaçasse tentar diminuir minha agonia, dei-me conta do quanto cada detalhe daquele quarto era capaz de me fascinar: eu era como uma mariposa, irrevogavelmente atraída pelo brilho de uma lâmpada, a cada segundo um pouco mais próxima da morte.

A dor de cabeça estava começando a se tornar insuportável quando aquelas malditas lágrimas finalmente secaram. A pequena parte de meu cérebro que ainda conservava traços de racionalidade mesmo depois de tudo, finalmente conseguiu vencer a barreira de meus sentimentos em desordem completa e fez-me perceber que era a única culpada por todo o sofrimento que ainda tivesse que suportar até que o psicopata por quem um dia acreditei estar apaixonada se cansasse. Minha relação com Ethan sempre estivera resumida a uma espécie de jogo doentio, e eu finalmente estava me dando conta de que jamais seria capaz de vencer.

Soube que estava sonhando no momento em que a silhueta extremamente conhecida de Edward tomou conta de meu campo de visão: Ele estava parado á apenas alguns metros de distância, suas costas encurvadas como se estivesse tendo dificuldade para manter-se em pé e os olhos firmemente presos em um ponto do chão.

Mesmo sabendo que aquilo não era real, senti meu corpo gelar no momento em que o reconheci, e estava tentando descobrir se seria subitamente tragada de volta a realidade caso fosse corajosa o bastante pra me atirar em seus braços quando o homem ergueu a cabeça, nossos olhares se encontraram e a dor crua e latente que vi naquelas orbes verdes me fez ofegar. Deus, o que eu tinha feito?

- Cadê você, Isabella? – as palavras mal passavam de um sussurro estrangulado, e uma lágrima solitária desceu por seu rosto antes que sua imagem desaparecesse tão subitamente quanto tinha surgido, deixando-me sozinha mais uma vez.

Acordei tremendo da cabeça aos pés, encolhida em posição fetal e encoberta pelas sombras difusas que haviam se formado ao meu redor, a voz de Edward ressoando claramente em meus ouvidos, aquela única frase se repetindo incessantemente, como um lembrete contínuo de que meu egoísmo não atingia só a mim.

- Por quanto tempo mais pretende se esconder aqui, querida? – Ethan nem sequer tentou esconder o sarcasmo em seu tom enquanto me encarava de forma altiva – sei que esse lugar deve lhe trazer muitas lembranças, mas não estou disposto a jantar apenas na companhia de nosso outro convidado, o que quer dizer que você tem meia hora pra se arrumar e me encontrar lá em baixo, ok? - antes que eu pudesse responder, seus braços já tinham se enrolado ao meu redor e ele me carregava de forma decidida pelo corredor, de volta ao quarto em que tinha despertado naquela manhã, e fui obrigada a suportar a repulsa que seus toques me causavam sem dizer uma palavra sequer, já que estava cansada demais para esboçar qualquer reação.

O intenso jato de água que saia do chuveiro serviu pra deixar-me um pouco mais alerta, e praticamente esfolei meu corpo com a esponja na tentativa de apagar qualquer rastro que as mãos de Ethan pudessem ter deixado. Eu ainda me perguntava como podia ter sido tão cega ao ponto de me deixar envolver por um homem como aquele, e as vezes não podia evitar imaginar como estaria minha vida se nossos caminhos nunca houvessem se cruzado. Eram pensamentos inúteis, mas mesmo assim reconfortantes.

Recusei-me a crer no que meus olhos mostravam quando finalmente desembrulhei o “presente” que Smith tinha deixado sobre a cama, ao lado de uma pequena nota dizendo que ele esperava que eu o vestisse para o jantar. O vestido era verde e simples, e idêntico ao que eu usara na manhã em que Ethan e eu nos conhecemos.

Meus pés tremiam quando  finalmente desci as escadas, lutando pra manter a respiração sobre controle e desejando silenciosamente que aquele fosse apenas um jantar comum, que meu ex marido não tivesse preparado mais nenhum de seus jogos mentais para aquela noite: me sentia exausta, e tinha a sensação de que podia desmoronar diante da mais ínfima das pressões. Essa seria uma perspectiva animadora, não fosse o fato de que Ethan ficaria furioso se eu desistisse tão cedo, e precisava mantê-lo ocupado pelo máximo de tempo que pudesse: essa era a única maneira de ter certeza de que Edward continuaria seguro.

- Deus, você está linda, Isabella! – um sorriso fraco curvou meus lábios enquanto meu corpo era puxado pra perto do seu, e uma de suas mãos repousava em volta de minha cintura, enquanto uma taça de vinho mantinha a outra ocupada – olhar pra você agora é como voltar no tempo e estar diante daquela garota doce e deslocada que encontrei numa boate á seis anos atrás.

- Você pretende recriar aquela noite, é isso?- perguntei, o mais docilmente possível. Se ele pretendia mesmo me tirar daquela casa por algumas horas, talvez eu conseguisse descobrir onde diabos tinha ido parar, e como faria pra fugir novamente.

- Idéia interessante, mas vamos ter de deixá-la para uma outra ocasião. Nosso relacionamento certamente terá um recomeço hoje, mas não neste sentido. Eu estava pensando, e de repente percebi que em todo o tempo que estivemos juntos, nunca te levei pra conhecer minha família. – uma pequena pausa enquanto ele acabava com o que ainda restava de sua bebida – e é por isso que não estamos sozinhos, querida.

O som de passos fez com que ele se movesse levando-me junto, e senti cada um de meus músculos travar quando pus os olhos no homem que praticamente se arrastava em nossa direção, o corpo encurvado, as roupas completamente desalinhadas e deixando um rastro fino de gotas de sangue atrás de si.

- Roger, essa é minha esposa, Isabella Swan. Bella, esse é Roger, meu pai. Sei que ele não está exatamente apresentável, mas você certamente não se importará com esse tipo de detalhe, não é? Papai ainda não entendeu como as coisas funcionam por aqui, e toda essa bagunça é fruto de uma pequena, mas necessária punição. Não se preocupe, a aparência dos ferimentos é bem pior que sua verdadeira gravidade, ele vai sobreviver, não é, meu velho? Até mesmo porque, acho que o senhor não seria corajoso o suficiente pra me desobedecer.... você decidiu quando me colocar no mundo, nada mais justo que eu tenha o direito de escolher o momento e a forma como finalmente nos dará a prazer de morrer.

Um silêncio pesado pareceu preencher a sala depois daquelas palavras, e mantive a expressão completamente neutra, sabendo que qualquer reação diferente podia ser encarada como uma espécie de desafio, e acabar causando ainda mais sofrimento para o homem prostrado a minha frente.

- Boa noite, querida. É um prazer finalmente conhecê-la. Acho que agora entendo porque meu filho parecia tão desesperado por reencontrá-la.- a voz profunda tinha um timbre dolorosamente conhecido, e ofeguei no momento em que ele finalmente ergueu a cabeça, a mão estendida em forma de cumprimento. O rosto pouco marcado pelo tempo estava inchado e coberto de pequenas escoriações, o sangue escorrendo lenta e incessantemente por cortes superficiais que deviam ter sido feitos com um estilete em suas bochechas.

Nenhum destes detalhes me assustou: o que me fez encará-lo como se estivesse diante de um fantasma foi a impressão de estar diante de uma versão mais velha do homem que eu amava. Meu mais novo companheiro de cárcere era também o pai de Edward, não havia dúvidas.