Flamma Amoris escrita por Karla Vieira


Capítulo 2
Em Chamas


Notas iniciais do capítulo

Bom, este é o primeiro capítulo... Talvez não muito bom, mas prometo que melhora.



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Marie Jean POV


Acordei naquela manhã quente e nublada de 23 de fevereiro me sentindo estranha. Tinha uma sensação forte e esquisita dentro de mim, que dizia – talvez – que algo fosse ocorrer hoje. Olhei para o teto e suspirei, antes de me levantar, sacudindo a cabeça e tentando sacudir esses pensamentos e sensações ruins para longe de mim. Afinal, era o primeiro dia de ano letivo do terceiro e último ano do ensino médio, e isso era um motivo de felicidade, pelo menos para mim. Significava poder rever meus amigos e também significava o fim de uma fase da minha vida, e o início de outra totalmente nova e diferente.

Arrumei-me sentindo-me melhor, porém aquela sensação esquisita ainda não havia ido embora do meu peito, só ficara mais... Escondida. É, pode ser esta a palavra. Peguei minha mochila no chão, no canto do meu quarto, e fui caminhando para a escola. Chegando lá, admirei-me por já estar tão cheia de gente mesmo sendo tão cedo. Talvez não fosse eu a única a querer rever seus amigos.

Entrei no prédio branco com listras amarelas claro, e procurei minha sala e a minha turma. Logo encontrei as cinco pessoas que eu mais adorava naquela escola: Anne, Lisa, Peter, Sara e Matt. Abracei cada um, sentindo a saudade que surgira em dois meses mal nos vendo, sumir. Entramos na sala de aula e meu olhar se prendeu em um garoto da qual nunca havia visto na minha vida. Pensei que ele, além de ser novo na escola, fosse novo na cidade, pois não parecia mesmo ser daqui. Tinha cabelos loiros bagunçados, pele clara e olhos incrivelmente azuis que, ávidos, percorriam as páginas de um livro que não consegui enxergar a capa. O garoto parecia ter a minha idade, ou ser talvez um pouco mais velho. Não percebi que eu o estava encarando atentamente até que ele levantou a cabeça e seu olhar cruzou com o meu – e a sensação ruim voltou para mim, junto com uma sensação nova, e ambas começaram a lutar uma furiosa guerra dentro de mim, deixando-me sem saber o que sentir, o que fazer. Os olhos azuis dele eram intensos, cor do céu ou cor do mar em dia ensolarado; possuíam um brilho de mistério, um olhar que parecia esconder coisas da qual ninguém fazia idéia. Tinham um brilho enigmático, quase como se me desafiassem a resolver o enigma. Uma voz despertou-me de meus devaneios.

– Marie Jean, não sabe que é feio encarar as pessoas dessa forma? – Perguntou Lisa ao meu lado, cutucando-me com o cotovelo. Surpreendida, olhei para ela que tinha um sorrisinho zombeteiro nos lábios. – Vai acabar assustando o garoto.

Sorri, completamente sem graça, e dei uma olhadela no rapaz, que sorriu divertido antes de voltar sua atenção para o livro. Critiquei-me mentalmente por ter feito aquilo, e o sinal soou, com seu som barulhento e irritante, marcando o início da aula. O professor alto e careca entrou porta adentro, cumprimentando-nos com voz alegre, e logo busquei um lugar para sentar, sentando-me na carteira atrás de Lisa (minha melhor amiga entre as cinco). O professor viu que tínhamos cinco alunos novos, e pediu para que se apresentassem. Uma ruiva alta e magricela se levantou quando foi pedida, e apresentou-se como Virgínia; outra garota, baixinha e morena, apresentou-se como Pietra; dois rapazes, gêmeos idênticos, disseram que se chamavam John e Bryan; e por fim, o rapaz loiro dos olhos azuis misteriosos se levantou, e disse com sua voz grave:

– Eu sou Ethan, senhor. Ethan Williams.

O sotaque em sua voz me fez concluir que ele definitivamente não era daqui. Provavelmente, nem do mesmo país – eu nunca tinha ouvido alguém com aquele sotaque... Um sotaque bonito, devo admitir.

A manhã decorreu tranquilamente, sem nada que fosse realmente importante. Durante o intervalo de vinte minutos, notei que o rapaz loiro, Ethan, ficou distante de todos os outros, sentando-se no banco mais afastado, no conjunto de árvores e pequenas trilhas da escola que chamávamos de pequeno bosque. Seu livro estava em suas mãos, e seus olhos não desgrudavam daquelas páginas, e ainda eu não conseguira ver que livro que prendia tanto sua atenção.

Não havia aula à tarde, porém eu sempre ficava na escola. Eu gostava de ficar sozinha e me refugiar no silêncio da biblioteca, envolta por aqueles muitos livros. Almocei na escola mesmo, e logo após o almoço, fui para a biblioteca, que sempre estava completamente vazia àquela hora, exceto pela bibliotecária gordinha com óculos de aro. Fui direto ao segundo andar do prédio, onde ficava a sessão que eu mais gostava: clássicos da literatura, estrangeira ou não. Nunca ninguém ia lá, apenas eu. Porém hoje, havia alguém lá, sentado no chão, entre duas estantes de livros. Ethan. O rapaz loiro. Tinha em mãos outro livro, da qual consegui reconhecer como Otelo, de Shakespeare.

– Este é um ótimo livro. – Ouvi a mim mesma dizer. Ele levantou os olhos e me olhou da cabeça aos pés, como se me avaliasse.

– Estou percebendo. – Disse ele. – Como se chama?

– Marie Jean. – Respondi, sorrindo. Porém ele não devolveu o sorriso.

– Ótimo, Marie Jean. Agora será que você pode me deixar ler? – Perguntou rude. Eu franzi a testa e respondi em tom igualmente rude.

– Claro, desculpe atrapalhar a sua leitura tentando ser gentil com o aluno novo.

Ethan me ignorou completamente. Bufei e voltei minha atenção para a estante de livros, e por fim achei o que eu queria: Romeu e Julieta, de Shakespeare. Peguei o livro e me afastei para a minha tão conhecida e adorada mesa, a mais isolada, no fundo da biblioteca. E longe daquele garoto rude.

Sentei-me na mesa e abri o livro, começando a percorrer as linhas e linhas com meus olhos ávidos, interando-me, afundando-me naquela história tão bela e tão trágica. Não vi as horas passarem – era sempre assim, eu começava a ler, o tempo voava. Eu esquecia de tudo e de todos, esquecia-me do mundo lá fora, parecendo haver somente eu e os personagens das histórias maravilhosas que eu lia. Quando dei por mim, eram quase cinco e meia da tarde e a biblioteca estava fechando – era hora de ir.

Como ainda não havia terminado o livro, coloquei no sistema da biblioteca que eu o havia pegado e fui embora. Percebi que eu não era a única pessoa que havia restado ali. Ethan também tinha. E pelo visto também havia pegado um livro da biblioteca. Estávamos os dois andando na mesma direção, quase que lado a lado. Ele não dizia nada e tampouco eu, ainda irritada com o modo rude com que ele me tratara. Atravessei a rua para que a presença irritante dele fosse diminuída, porém, da outra calçada, eu ainda conseguia sentir a presença dele. Talvez um olhar sobre mim. Orgulhosa e decidida, eu não virei o rosto. Pelo menos não inicialmente.

Senti um cheiro estranho no ar, que reconheci como queimado. Olhei para o lado, confusa, intrigada e curiosa, e o vi me olhando com o mesmo olhar. Levantei a cabeça e olhei para o céu, assustada com a enorme mancha negra de fumaça que cruzava o céu azul amarelado do entardecer. Um forte aperto tomou conta do meu peito, e aquela sensação ruim que eu senti quando acordei voltou com tudo. Saí correndo desabalada, com pressa, rezando interiormente para que não fosse na minha casa. Ouvi passos atrás de mim e imaginei que seria Ethan, mas não estava mais nenhum pouco preocupada com ele. Entrei na minha rua e estaquei, horrorizada. Era a minha casa, em chamas.

Havia uma pequena multidão reunida em volta da casa, mantendo certa distância, e um caminhão de bombeiros vermelho estava parado na frente da minha casa, com vários bombeiros tentando apagar o fogo, em vão. Este só parecia aumentar cada vez mais, engolindo minha casa por inteiro. Atravessei a pequena multidão esbarrando em várias pessoas, e eu nem pedia desculpas nem nada. Quando finalmente consegui atravessar a multidão, encontrei meus dois irmãos parados diante da casa, chorando desconsolados. Mas faltava alguém. Faltava minha mãe.

– MÃE! – Gritei desesperada. – MÃE! ONDE VOCÊ ESTÁ?

Ninguém me respondeu. Meus irmãos começaram a chorar com mais força. Eu fiquei mais desesperada. Lancei-me em direção a casa, decidida – ou desesperada – a entrar lá dentro e resgatar minha mãe. Nenhum dos bombeiros conseguia me segurar por muito tempo. Eu me debatia violentamente, me contorcia freneticamente e gritava com toda a minha força. Se eu estava chorando, eu não percebi. Soltei-me dos braços do terceiro bombeiro, e corri novamente em direção a casa, até que outro par de braços me segurou firme e fortemente.

– Marie Jean, se acalme. – A voz masculina e grossa disse no meu ouvido, porém suavemente – Ela não iria querer que você morresse. Por favor, se acalme. Por favor.

A voz ficou insistindo até que por fim me “acalmei”; pelo menos parei de me debater. Comecei a chorar intensamente, a ponto de soluçar e mal conseguir respirar. O dono da voz me abraçou e eu me abriguei nos braços da pessoa sem ao menos saber quem era. Eu não estava preocupada com isso no momento. A pessoa só ficou lá, me abraçando, passando a mão em meus cabelos castanhos ondulados, deixando-me molhar sua camisa e sussurrando palavras doces para mim. A pessoa tinha um dom para me acalmar – fora que tinha um perfume que ajudava nisso.

Devo ter chorado muito, e por muito tempo, até que por fim minhas lágrimas foram secando. Distanciei-me da pessoa que conseguira a proeza de acalmar-me naquele momento, e me surpreendi ao ver os olhos azuis misteriosos de Ethan me olhando.

– Melhor? – Perguntou ele. Eu dei de ombros.

– Não sei que sentir.

Ele sorriu de canto, pesaroso, e colocou uma mecha de cabelo rebelde atrás da minha orelha. Sequei meus olhos com as costas das minhas mãos.

– Obrigada. – Eu disse.

– Não há de quê. – Ele respondeu. Eu estava consciente de que havia uma multidão em nossa volta, uma casa em chamas na nossa frente, muito barulho e muita confusão, mas eu sentia como se nada disso houvesse. Era o efeito do vazio no meu peito mais o brilho de mistério no seu olhar. É difícil descrever.

– Jean! – Chamou minha irmã mais velha, Marilyn. Virei-me para ela, que vinha andando na minha direção, com a face tão ruim quanto a minha.

– Sim? – Perguntei.

– Nós vamos para a casa da tia Denise, até tudo se resolver. Vamos lá.

Ela passou o braço pelos meus ombros, e passei os meus pela sua cintura. Começamos a andar e de repente lembrei-me que estava falando com Ethan antes de ela aparecer. Virei-me para trás e o procurei, porém ele não estava mais lá. De repente, me perguntei por que ele estava sendo tão gentil comigo, se antes tinha sido extremamente rude. Não consegui encontrar uma resposta convincente.


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Notas finais do capítulo

E então, o que me dizem?