Verdade Ou Desafio? - 9a Temporada escrita por Eica


Capítulo 14
Inesperado




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/212740/chapter/14

Danilo

Não é novidade que estou saindo com o meu professor. Já tivemos vários encontros durante as férias de julho e até mesmo agora, no início de agosto, continuamos nos encontrando. Estava tão animado que já fazia até planos. No sábado, um pouco antes do almoço, me tranquei em meu quarto e liguei o computador. Antes de entrar na internet, liguei para o professor como já estava acostumado a fazer.

- Oi, professor. Tudo bem?

- Tudo. Tudo legal. – disse ele, com seu ânimo característico.

- Alguma novidade?

- Não, por enquanto nenhuma. E você? Alguma novidade?

- Também não... É, tem compromisso pra hoje? Eu pensei que podíamos sair. Sorveteria, pizzaria ou bar...

- Na verdade hoje estarei ocupado.

- Ah, é?

- Sim. Tenho um aniversário para ir. Mas se quiser, podemos marcar algo para amanhã.

- Ah, tudo bem. A gente se fala depois então.

- Está certo.

- Até.

Realmente não gostei de sua negativa, já que foi a primeira que me dera. Mas tudo bem. Ele também não tem nenhuma obrigação de me dedicar todos os seus dias de folga. Tudo bem. Deixei quieto. Entrei em minha conta no Facebook e notei um pedido de amizade em aberto. Era Rafael. Diverti-me ao vê-lo e adicionei-o aos meus amigos. Dei uma rápida olhada em seu perfil e, quando li sua frase do status, fiquei intrigado: “Hoje tem festa surpresa ao nosso amigo Eduardoooo! Feliz aniversário, cara! Todo mundo faz suspense e não permitam que ele entre no meu Face senão eu tô lascado! Contagem regressiva: faltam duas horas”.

Festa?

“Tenho um aniversário para ir”. Foi o que o professor me disse. Será que irá a festa do ex?

Esta minha suspeita me deixou totalmente inquieto. Não só inquieto, mas deprimido também. Eu sabia que ele o amara muito. Sabia que agora eles eram amigos, mas como não suspeitar do professor?

A possível verdade doeu tanto em meu peito que senti vergonha de mim mesmo por estar babando por alguém que talvez nem sequer sinta o mesmo por mim.

- Ele ainda deve amá-lo.

Com a sensação horrível que sentia, não liguei para o professor no domingo e nem mandei mensagem para ele. Na segunda-feira, fechei a cara e, mesmo não lhe tratando com hostilidade, nem mesmo lhe dirigi um sorriso na entrada e na saída da classe. Na terça-feira, a mesma coisa, e assim nos dias seguintes também. No sábado, quando Hélio veio em casa junto de Janaína e Nádia (minhas amigas), contei a eles minhas suspeitas e meu desapontamento.

- Eu não acredito nisso. – disse Nádia. Estávamos trancados em meu quarto. – Ele está saindo com você e se está saindo com você é porque se interessa.

- Eu penso a mesma coisa. – disse Hélio.

- Mas ele ainda tem contato com o ex e foi ao aniversário dele. Ainda sente alguma coisa. Sei disso.

- Você sabe? – indagou Janaína. – Perguntou pra ele? Ele te disse alguma coisa? Você não sabe.

- Que ódio! Seu ex atrapalhou tudo! Queria matá-lo, sabia? – disse, apertando meu travesseiro com os braços.

Eles riram.

- Mudando de assunto, vou sair da clínica. – disse Janaína. - Já avisei à Elisângela e a Rosana. Eu falei para elas sobre você e dei seu número de celular. Caso alguém ligue pra você é da clínica de psicologia.

- Ah, é? Falou de mim? Que ótimo! Acha que me darão o emprego?

- Com certeza. As duas psicólogas são uns amores e o psicólogo de lá também. É uma gracinha. Eles precisam de alguém que trabalhe até as cinco da tarde.

- Até as cinco eu posso trabalhar.

- Por isso pensei em você.

A tal ligação que eu podia receber aconteceu na segunda-feira. Quem ligou para mim foi Rosana que possuía uma voz bastante infantil. Enfim, perguntou se eu não podia passar na clínica ainda hoje. Logicamente que eu disse que sim, portanto, lá pelas duas horas e pouco da tarde, cheguei à rua Gustavo Teixeira e deparei-me com o sobrado da clínica. Tinha três vagas para carros, arbustos verdinhos abaixo das janelas do andar térreo, paredes brancas e um design bastante moderno. O logotipo da clínica ficava no primeiro andar, escrito em azul. Para entrar pela porta da frente, precisei subir uma escada de seis degraus. A porta – de vidro – estava aberta. Só precisei empurrá-la.

A recepção era um luxo à parte. Bem iluminada. O balcão de vidro logo a frente de mim era circular, cujas pilastras que a sustentavam eram quadradas e de concreto pintadas em cor pêssego. Uma mesa ficava atrás do balcão, e sobre ele, um computador, telefone, entre outros objetos de escritório. O piso era branco. Logo a minha direita, uma única parede vinha pintada de marrom. O sofá, o espaçoso sofá de couro também era marrom, mas de um tom mais claro que a parede. Em frente ao sofá, havia uma mesinha de vidro retangular e sobre esta mesinha, algumas revistas. Vi uma escada atrás do balcão e outra porta ao fundo. Talvez desse para o banheiro ou algo do gênero. Também havia um garrafão de água ao lado do balcão.

E por falar no balcão, Janaína estava atrás dele. Sorriu ao me ver. Parei em frente ao balcão e coloquei minhas mãos sobre o vidro.

- Tudo bem, Dani?

- Tudo.

- Já vou chamar a Rosana. Ela quer conversar com você antes.

- Certo.

- Senta aí no sofá e espera. Ela está atendendo um paciente agora.

Fui até o sofá. Sentei. Coloquei minha bolsa ao meu lado. Não havia ninguém ali. Tudo estava silencioso.

- Aqui é muito movimentado? – indaguei.

- Não imagina quantas pessoas precisam de psicólogo.

Soltei um risinho.

Dali a três minutos mais ou menos, a porta da clínica se abriu e um rapaz entrou por ela. Vestia uma camisa social branca, jeans e trazia uma pasta na mão. Olhou pra mim e sorriu. Retribuí o sorriso. Ele voltou-se para Janaína, apoiando os braços sobre o balcão.

- Tem confirmação da Suelen? A consulta dela é agora às três.

Analisei-o bem. Minha nossa! Que rapaz lindo! Sorriso simpático, esbelto e olhos bem claros. Pelo jeito deve ser o psicólogo de quem Janaína falou. É bem jovem para um psicólogo. O tal rapaz, ao terminar de falar com Janaína, contornou o balcão e subiu a escada.

Minha entrevista com Rosana deu-se alguns minutos mais tarde, e no primeiro andar do sobrado. Em uma sala que, creio eu, não era onde ela dava suas consultas. Sentei em frente a sua mesa e respondi-lhe o que me perguntou. Indagou se eu estava interessado no serviço. Disse que eu ganharia oitocentos reais, mais vale refeição, mais vale transporte, mais plano de saúde. Fiquei impressionado e tentado com o trabalho já que ganharia mais benefícios que meu último emprego me dava. Sendo assim, aceitei o serviço.

- Estaremos te esperando amanhã de manhã. Às oito da manhã, tudo bem?

- Está certo.

- Até amanhã então.

- Até.

Na terça-feira, entrei na clínica no mesmo horário que Janaína. Neste dia, ela era a única a chegar as oito, pois os horários de consultas dos três psicólogos variavam de acordo com o dia. Minha amiga abria a clínica e fazia a limpeza das salas e da recepção. Com este tempo sozinhos, ela me explicou como era o serviço e quais as coisas mais importantes que eu deveria fazer. Mostrou-me a ficha de horários que eu deveria manter sempre atualizada.

- Se alguém ligar perguntando...

O telefone tocou. Janaína atendeu e depois disse:

- Viu só? Perguntaram se atendemos aos sábados. Não atendemos aos sábados. Quando algum paciente pedir para mudar o horário ou coisa parecida, nunca diga a ele que vai mudar. Primeiro devemos falar com o psicólogo e ver se a mudança é possível.

Neste meu primeiro dia, fiz muitas anotações para não esquecer de nada. Janaína permitiu que eu atendesse alguns telefonemas e também pessoas que entravam pedindo informação ou só informando que tinham consulta em tal hora. Vi os três psicólogos chegarem em horários diferentes. Também não os vi mais. Subiram para suas salas e lá ficaram.

No segundo dia, Janaína continuou me explicando o funcionamento da recepção, embora não houvesse tanto assunto para abordar. No terceiro dia, depois que ela voltou de sua hora de almoço, saí da recepção para ir almoçar (na verdade comer um salgado num barzinho da rua). Pus os pés para fora da clínica e, quando estava na calçada, alguém me chamou.

- Danilo!

Era Eduardo.

- Está indo almoçar?

- Estou.

- Podemos almoçar juntos?

- Ah, claro.

Ele veio até mim.

- Onde você almoça?

- Naquele barzinho ali na frente.

- Ah, ainda não foi ao Carmela Restaurante? Fica na outra rua. Vamos lá.

Atravessamos a rua na faixa de pedestres e subimos uma rua. Hoje, para variar as cores, Eduardo usava uma camisa social azul marinho (desabotoada) e uma camiseta preta por baixo. Parecia uma pessoa bastante tranqüila e era muito sorridente. Com todos.

- A Janaína disse que você estuda.

- É. – respondi. – Letras.

- Que legal! Já está em qual ano?

- Na verdade eu comecei o curso este ano. Ainda falta muito para terminá-lo.

- Ah. Está indo bem?

- Estou. Quero dizer, eu acho que estou.

- Onde mora?

- Vila Hortência. E você?

- Jardim Europa.

Trocamos mais algumas palavras até chegarmos ao tal restaurante que ficava numa esquina. Era bem amplo e o interior bastante aconchegante, com mesas de madeira, televisão, linda decoração com vasos de plantas e um balcão com uma grande variedade de comidas, como saladas, massas, carnes grelhadas e assados. Tudo o que pudermos comer por um preço fixo de treze reais e noventa centavos. Eduardo e eu nos servimos e sentamos numa mesa ao lado de uma janela.

- Você sempre vem comer aqui? – indaguei, olhando para ele.

- Na maioria das vezes. – respondeu, olhando para a comida do prato que ele mexia com o garfo. - Quando tenho mais tempo de almoço, meu namorado costuma me levar para casa pra almoçarmos juntos. Isso só às vezes quando não tenho consultas à tarde.

- Eu não imaginei que você fosse... Igual a mim.

Ele ergueu os olhos azuis para me fitar. E sorriu.

- Você também é gay?

- É, sou. – respondi, rindo.

- E namora?

- Não, mas bem que gostaria de namorar. O cara com quem estou saindo... Bem, eu acho que ele não está muito interessado em mim.

- Isso é triste.

- É, péssimo. – ri. – Mas, tenho que me conformar se não rolar nada. Não poderei fazer nada.

Fiquei encantado com os olhos azuis dele. Não que eu não tivesse olhos azuis também, mas os dele eram muito azuis e cintilantes.  Seu sorriso também era uma graça e não demorou muito para que eu me encantasse por ele. Tinha um carisma excepcional e era muito bonito. Logo me senti à vontade e comecei a falar sobre minha vida, mas nada extremamente pessoal. Primeiro porque não achei que devesse confessar-me a ele logo de cara e segundo porque tenho certeza de que ele não se interessaria pela minha vida tão chata.

O meu almoço, que deveria ter acontecido naquele barzinho próximo à clínica, na verdade foi mais interessante e saboroso do que imaginei que seria. Primeiro porque tive uma ótima companhia e segundo porque comi mais do que achei que fosse comer. E uma comida deliciosa. No fim, voltei à clínica com Eduardo.

Na quinta-feira não pude almoçar com ele de novo, mas ao invés de ir àquele barzinho, resolvi ir ao restaurante novamente, mesmo que isso fosse me custar alguns reais a mais. Na sexta-feira, quando me encontrei com Hélio no pátio da universidade, caminhamos juntos em direção ao prédio da nossa classe. Pelo caminho, lembrei-me de uma coisa que já começava a me deixar inquieto.

- Será que o professor percebeu que eu não tenho mais ligado pra ele e nem mandado mensagem nem nada?

- Claro que percebeu! Homem nenhum gosta de ser ignorado. Ele pedirá satisfações, ouça minhas palavras.

Durante a aula, observei o professor e perguntei-me se ele estaria chateado ou irritado com a minha “distância”. Bem, talvez não, já que ele não deve se importar muito comigo. Deve pensar no ex. Sim. Com certeza. Não tenho chance alguma. Que ódio! Toda vez que penso nisso, me sinto mais idiota!

Ao término da aula, quando levantei de minha carteira e aguardei Hélio arrumar sua mochila, o professor chamou minha atenção.

- Pode esperar lá fora, Danilo? – disse ele.

Só pude balançar a cabeça em consentimento. Hélio e eu nos entreolhamos. Todos os alunos saíram da classe e eu aguardei o professor ao lado da porta.

- Precisamos conversar. – disse ele, aparecendo no limiar da porta.

Fechou-a.

- Estou com medo de perder o ônibus. – disse, inquieto.

- Com o tempo que precisaremos para conversar, você já o terá perdido. Fique tranqüilo. Eu te levo para casa. Vem comigo?

Segui-o até a cantina do prédio, no andar térreo, e lá o professor tirou uma bandeja descartável de isopor do freezer. Passou-a para mim.

- Me senti mal por não tê-lo convidado a ir à festa comigo, por isso lhe guardei isso.

Abri a bandeja e vi um pedaço de bolo de chocolate dentro dela. Surpreso, ergui os olhos para o professor.

- É o bolo do aniversário?

- Na verdade não. – riu. – O bolo original não teria resistido há essas duas semanas. Este eu comprei.

- Isto é... Tão gentil...

- Sente e coma.

Sentei numa das mesas do refeitório, peguei o garfinho descartável de dentro da bandeja e cutuquei o bolo, ainda muito admirado pelo professor ter-se lembrado de mim. Comi um pedaço do bolo enquanto o professor sentava-se em frente de mim. Eu, muito envergonhado, declarei:

- O senhor, digo, você deve ter percebido que eu o tenho ignorado. Pode acreditar, isso não me enche de orgulho.

- Imaginei que o motivo disso tenha sido a festa.

- Não. Não foi isso.

- Então?

- É o... Nada. Não é nada.

Por pouco menciono seu ex!

- Pode ser sincero comigo.

- Não ficará chateado?

- Tenho certeza de que seu motivo não levará a tanto.

- Bem, é que... Eu descobri, por acaso, que a tal festa que você iria era para o seu ex. Então achei que você ainda pudesse gostar dele e sendo assim, achei melhor parar de falar com você.

- Eu disse a você que Eduardo e eu somos apenas amigos. É verdade que eu o amei muito, mas isso é passado agora. Foi doloroso, mas o tempo me fez enxergar muitas coisas que eu teimava não enxergar. A propósito, por que parou de falar comigo pela razão que apontou?

- Como assim?

- Não havia essa necessidade.

- É que... Fiquei um pouco... Deprimido.

- Deprimido?

- Achei que estava perdendo meu tempo tentando agradar a alguém que nunca sentiria nada por mim. – confessei, corando.

O professor riu de leve e colocou o cotovelo direito sobre a mesa, apoiando o queixo na mão.

- Engraçado, - começou ele. – fico me perguntando por qual razão temos saído. Não é para nos conhecermos melhor?

- O que está querendo dizer?

- O que imaginei que você já soubesse.

- Quer... Uma relação comigo?

- Bingo.

Enquanto ele ria da minha lerdeza, fiquei admirado, mas feliz pelo fato dele querer se relacionar comigo.

- Sério?

- Você me surpreende. Ande, termine de comer o bolo.

Ele levantou-se neste momento e tirou uma garrafinha de água do freezer. Comi depressa, quase sem apreciar o bolo como deveria.

- Pronto.

Saímos do refeitório e fomos ao estacionamento.

- Não é problema me verem com o senhor?

- Dar carona ao aluno não é problema.

Entramos no carro. Colocamos o cinto. O professor ligou o automóvel e dirigiu para fora da universidade.

- Ah, obrigado pelo bolo. – disse, de repente, virando o rosto para ele e sorrindo.

- Estava bom?

- Sim, bastante. Me lembrou o bolo do Sensações Doces.

- Foi lá onde o comprei.

- Verdade? Há uma loja deles perto de casa. Eles fazem os melhores bolos. É bastante recheado e a massa é super macia e gostosa.

- Verdade.

Meu ânimo voltara. Estava feliz. Ele queria relacionamento, mas quando me daria o primeiro abraço? O primeiro beijo? Ainda havia aquela atmosfera ‘aluno e professor’ pairando sobre nós. Um detalhe extremamente excitante, devo admitir.

- Está ventando muito.

- É.

Ajeitei minha bolsa sobre o colo.

- Você pretende continuar na Uniso até quando?

- Até me aposentar. Posso esperar até lá. Minha vida é boa. Não tenho do que reclamar.

Chegamos em casa às 23h43min. O professor parou o carro em frente do portão e desligou o motor. Tirei o cinto.

- Obrigado mais uma vez.

- De nada.

Devo eu mesmo beijá-lo? Com esta indagação na cabeça, acabei por encará-lo por um tempo, indeciso sobre o que fazer. Ele me encarou também, notoriamente curioso com a minha atitude.

- Boa noite, professor.

- Leonardo.

- É, Leonardo. Desculpe.

Saí do carro. Ele ligou o motor e foi embora. Ali, parado na calçada, senti arrependimento. “Volte! Quero beijá-lo!”, pensei, me sentindo um idiota por não ter aproveitado a oportunidade. Quando virei o corpo para a direção do portão de casa, vi minha mãe aparecer na porta.

- Chegou cedo.

- Me deram carona. – falei, abrindo o portão social.

- Amigo?

- Não... Meu professor.

Entrei na sala.

- Seu professor?

- É.

- Que bondade!

- É, ele é muito bondoso.

Minha mãe sempre me espera chegar, desde o dia em que comecei o curso. Ela fica mais tranqüila quando me vê em casa. Subi a escada e fui ao quarto. Dispensei um banho, pois estava exausto.

No dia seguinte, cheguei à universidade no horário de sempre. Entrei na classe e vi o professor mexendo em seus livros sobre a mesa. Alguns colegas de classe já estavam ali, incluindo Hélio, que sentava numa carteira ao meu lado. Sentei na minha carteira. Enquanto os demais alunos entravam, Hélio inclinou o corpo para o meu lado.

- E aí? Como está? – disse, baixinho.

- Bem. Não vou mais ignorá-lo.

- Não? Mudou de idéia?

- É, mudei.

- Por que?

- Não posso te contar agora. Te conto na saída.

Ele fez uma careta triste e disse:

- Vai me deixar curioso?

Afastei seu rosto com a mão.

Sim. Digo a todas as garotas da classe que suspiram por Leonardo: ele quer a mim! Quer namorar a mim! E pensar isso é maravilhoso! O cara mais charmoso e inteligente deste mundo quer a mim! Não a vocês, garotas fúteis, que usam super decotes para chamar-lhe a atenção.

Enquanto ele falava em voz alta o tópico que estávamos estudando, não ouvi mais sua voz e só ative-me ao seu corpo. Meu Deus! Como ele deve ser nu? O professor tem um corpo tão lindo. Sem roupa deve ser uma loucura!

Ao término da aula, todos saíram da classe. Hélio e eu nos levantamos de nossa carteira ao mesmo tempo. Antes de atravessarmos a porta, fui o primeiro a dizer “Boa noite” ao professor. Ele virou o rosto para mim e retribuiu. Hélio foi o próximo a se despedir.

- E então? – indagou ele, quando estávamos caminhando pelo corredor.

- Ele quer namorar comigo.

- Sério? – disse, dando uma risadinha.

- É, mas ainda não nos beijamos nem nada.

- Ah.

Contei-lhe do bolo, da festa e de suas palavras.

- Você tem muita sorte. Parece que foi ontem que queria saber se ele era solteiro ou não.

- Eu tenho, né? Estou muito ansioso. Acho que vou convidá-lo pra sair.

- Ainda não chegamos à escada. Por que não dá meia volta e convida agora?

Olhei para trás e depois olhei para Hélio.

- Acha que devo?

- É, vai lá.

- É, eu vou.

Corri pelo corredor em direção à porta da classe. Quando olhei para a classe, só vi o professor lá dentro, arrumando a sua mochila transversal no corpo.

- Professor! – falei, entrando na sala. – Eu estive pensando, gostaria de sair comigo neste sábado?

De repente, ouvi um ruído no fundo da sala e uma pessoinha que antes eu não vira, levantou de trás das carteiras, jogou a mochila nas costas e foi andando em direção à porta. Congelei, sentindo-me um estúpido.

- Desculpe, mas terei de recusar. – disse o professor. – Boa noite.

E saiu da classe.

Enquanto eu descia a escada do prédio, fui me sentindo cada vez mais horrível. Não avaliei a situação e acabei falando o que não devia na frente de terceiros. Por isso mesmo, resolvi ir até o estacionamento e esperar o professor aparecer para pedir-lhe desculpas pela inconveniência. Não foi difícil achar o seu carro. Quando o encontrei, parei ao lado dele e aguardei pelo professor. A noite estava fria...

- Professor.

- Danilo? Que faz aqui?

Do jeito que eu era baixo, na certa ele não me viu atrás do carro.

- Quero me desculpar por agora a pouco.

- Ah.

- Deve ter ficado bravo.

- Não, não foi nada. Nada demais. – disse ele, balançando a mão direita.

- Não ficou bravo?

- Não, não fiquei. E não estou. E sobre o encontro, tive que dizer não. Você entende, não é?

- Entendo.

- Neste sábado, por que não almoça em casa?

- Tudo bem. – aceitei, felicíssimo por dentro.

- E acho melhor entrar no carro. Há essa hora, seu ônibus já foi.

Aguardei, em grande expectativa, o final de semana. Não fui mais descuidado com as atitudes na sala de aula e nem procurei o professor no estacionamento. Aquele aluno que me ouviu no outro dia, não me dirigiu a palavra e tudo parecia normal na classe.

- Nenhum boato sobre o professor e eu? – indaguei a Hélio, ao término de uma aula.

- Até agora não ouvi nada.

- Que ótimo.

- E que bom que parou de receber caronas dele. As pessoas sabem que você é gay e, me perdoe por dizer isso, mas poderiam achar que o professor também é se ele continuasse sendo visto com você.

- Ele não é tão óbvio quanto eu. Sei disso...

- Escute, você não está pensando em se dar bem no curso só porque está de caso com ele, né?

- De jeito nenhum! Se eu ganhar nota alta será por mérito meu. O professor já deixou isso bem claro também.

- Verdade? Ele falou isso pra você?

- Sim. Uma vez tocamos neste assunto. Ele falou que não pretende me tratar diferente dos outros.

Hélio riu.

- Que graça tem então? Namorar um professor e não ganhar nada em troca?

- Como assim nada em troca? Namorá-lo já é ganhar alguma coisa. Se bem que ainda não nos beijamos e nem nada. Estou ficando frustrado. Namoro sem contato físico não tem graça.

- Pra começar, vocês ainda não estão namorando. Nada foi oficializado pelo que eu sei.

- É.

- E também, tem outra coisa, se já quer contato físico, ao invés de esperá-lo tomar alguma atitude, por que não mete a língua na boca dele de uma vez?

- É, não é má idéia. – refleti.

- E que eu saiba você não é assim tão santinho. Vive na balada, beijando trezentos caras por dia...

- Que exagero!

- Mas não é isso que você faz?

- Fazia. Não faço mais. O professor me mudou. Agora só tenho olhos para ele. Estou apaixonado. Fazia tempo que não me sentia assim. Meu último namoro acabou há três anos! Não me apaixonei mais depois disso.

- Apaixonado?

- É. Quanto mais o conheço, mais me interesso.

- Não se importa com a idade? Ele é bem mais velho que você.

- Pouco me importa. – disse, sacudindo os ombros. – Que eu saiba, o ex dele também era mais novo. Sendo assim, ele também não liga pra esse detalhe.

- Bom, em todo caso, vou te desejar felicidades.

Sábado chegou. Arrumei-me. Não permiti que o professor me buscasse em casa, por isso, fui eu mesmo à sua casa de ônibus antes do horário que ele disse que passaria para me buscar. Vi seu endereço pela internet e felizmente não tive muitos problemas para encontrar o caminho (obrigado, Google Maps!). A casa dele tinha um alto muro de pedra e era maior do que eu imaginara. Encontrei a campainha e a toquei. Aguardei, ansioso.

De repente, o portão social se abriu.

- Danilo!

- Oi, professor.

- Eu ia te buscar.

- Decidi vir por conta própria.

- Entra. Fiz lasanha. Gosta?

- Hum-hum. – falei, atravessando o portão. – Sua casa é linda.

Analisei o sobrado e o jardim.

- Obrigado.

Quando entramos na sala, espantei-me com a beleza do ambiente. Ela parecia ter saído daqueles panfletos de loja de móveis. O professor tinha uma televisão de LCD, um sofá de couro preto, um rack maple e cortinas com ilhós. Tudo transmitia muita limpeza.

- Pode sentar. Fique à vontade.

- Precisa de ajuda na cozinha?

- Não, não. Só vou por a lasanha no forno.

Ele ligou a TV antes de me deixar sozinho. Senti um aroma gostoso na casa. Não sei dizer com o que se parecia, mas era muito gostoso. Não muito tempo depois, Leonardo retornou à sala e sentou no sofá comigo.

- Sofá confortável. - comentei.

- É, né? Também gosto dele.

- Gostei da sua casa.

- Ah! Vem. Vou te mostrar o resto dela.

Conheci a cozinha, a bonita cozinha. Também o quintal e vi a piscina e a churrasqueira. Depois conheci os quartos do primeiro pavimento. A casa era verdadeiramente magnífica. O professor tinha muito bom gosto para cores e móveis. Tudo era perfeitamente decorado e fiquei admirado que ele conseguisse deixar tudo limpinho sendo a casa tão grande. Depois de ver os quartos, voltamos para a sala.

- Tenho DVDs. Se te interessar ver algum filme... – disse ele, em frente ao rack.

Aproximei-me dele e meus olhos correram até um porta-retratos ao lado da televisão em cuja fotografia havia seis rapazes. Reconheci quatro: Rafael, Lucas, o professor, naturalmente, e... Peguei o porta-retratos.

- Quem é esse? – indaguei, apontando para o rapaz da foto.

Ele olhou e respondeu:

- Eduardo.

- Eu o conheço! – falei, extremamente espantado.

- Conhece?

- Estou trabalhando na clínica onde ele trabalha! Meu Deus! Que coincidência!

Então o Eduardo por quem eu me afeiçoei é o mesmo Eduardo que namorou o professor. Que trágica coincidência!

- Tiramos essa foto há alguns anos. Como pode ver, todos estão um pouco mais jovens.

- Vocês já namoravam nessa época?

- Não. Eu tinha vinte e seis anos quando a foto foi tirada.

- Que cabelo enorme que você tinha.

- É. – riu.

Coloquei o porta-retratos no lugar. Meu Deus! Eduardo!

- Então você está trabalhando na clínica? Há quanto tempo?

- Comecei essa semana.

- Não pretendia me contar?

- Bem, sim, eu ia, mas quando voltei a falar com você, me esqueci completamente.

- E o que faz na clínica?

- Estou na recepção. Uma amiga minha pediu a conta semana passada. Quando pediu a conta, me indicou para a vaga e eu fui aceito... Eu não sabia que o Eduardo da clínica era seu ex. Não fazia idéia. Confesso que ainda estou surpreso.

Tornamos a sentar no sofá.

- Algum problema?

- Não, é que, eu passei a odiar o seu ex por conta do ciúme. Sei que isso é muita infantilidade, mas não consigo evitar. Mesmo assim gosto do Eduardo da clínica. Ele me tratou muito bem desde o meu primeiro dia lá. Estou tendo sentimentos muito contraditórios agora.

Ele soltou um riso abafado.

- Agora não sei se devo gostar dele ou odiá-lo.

- Não tem que odiá-lo. Ele foi bom com você, não foi? Eduardo é uma ótima pessoa.

- Eu sei, mas ele é seu ex e...

De repente, ele riu.

- Você se parece comigo. Que assustador.

- Em que me pareço? – indaguei, curioso.

- Sou muito ciumento.

- Muito?

- Muito. Eu diria que, numa escala de um a dez, eu sou vinte.

- Tanto assim?

- Oooh! Sou conhecido pelo meu ciúme.

A conversa continuou na cozinha, quando fomos almoçar.

Eduardo

Neste domingo, fiquei sozinho em casa. Donatelo havia ido à casa de sua mãe com Sofia. Com este tempo sozinho, dei uma arrumada na casa que estava muito bagunçada. Também liguei para meus amigos para saber se estava tudo bem com eles. Por último, liguei para Rafael. Ele reclamou de Lucas.

- Espera, ele está mesmo te ignorando ou é só impressão sua? – indaguei, com o celular numa mão e uma vassoura noutra.

- Pra mim ele está me ignorando, aquele loiro oxigenado. Ontem mesmo fui a casa dele pra gente passar um tempo junto e aquele mané estava andando de skate com aqueles amigos desocupados. Agora ele vive andando de skate de um lado pro outro. Agora que se lembra como se anda, fica se exibindo na rua. Ele e aquele seu amigo, o Pernalonga, sei lá como é o apelido daquele idiota. Fiquei sentado na calçada olhando praquele grupo de tontos.

- Ele só estava querendo andar um pouco. Faz tempo que não fazia isso.

- Não sei não. Pra mim aquele amigo dele está a fim dele, viu?

- Isso te preocupa?

- A mim?

Rafael começou a rir.

- Não me preocupa em nada! Mas tudo bem. Se ele quer me ignorar, que me ignore. Também posso jogar esse jogo.

- Rafael, por que não conversa com ele ao invés de ignorá-lo? Não é melhor conversar? Se o Lucas não estiver te ignorando e você ignorá-lo, poderá passar a mensagem errada pra ele.

- Nada disso. Aquele tonto vai ver só uma coisa. Vai ver só.

- Ai, Rafael, não faça nenhuma bobagem.

- Não farei nenhuma bobagem, Du. Fique tranqüilo.

- Qualquer coisa, me ligue. Não quero que vocês briguem.

- Não vamos não. Tô indo já. Byyyyyyyyyyye!

- Bye!

Balancei a cabeça.

Mais tarde, quando lavava um copo que já estava há horas sobre a pia, ouvi alguém bater palmas em frente de casa. Espiei pela janela da sala e depois fui para a garagem atender quem batia. Era um rapaz alto e moreno. Nunca o vi em minha vida.

- Sim?

- Donatelo?

- Ele não está. Saiu.

- Vai demorar a voltar?

- Não sei. Talvez. Queria falar com ele?

- É. Eu teria vindo ontem, mas não pude, então...

- É um assunto importante? – disse, me aproximando do portão.

- Digamos que sim.

- Poderia me adiantar o assunto?

- Ele tem uma filha, não tem?

Confirmei, abrindo o portão social.

- Eu soube que a filha é da Carine. Ele se envolveu com a Carine um tempo atrás.

- Mais de dois anos para ser exato.

- Isso, e... Eu a reencontrei uns dias atrás. Conversamos um pouco e... Fiquei cismado com a história do bebê que ela teve.

Comecei a ficar cabreiro.

- Cismado?

- É, exatamente, porque... Estou achando que a filha é minha.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Verdade Ou Desafio? - 9a Temporada" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.