Os Clichês de Rosemary escrita por Gabriel Campos


Capítulo 20
A vida só é bela até você acordar


Notas iniciais do capítulo

Os capítulos a partir de então ficam um pouco dramáticos e românticos, mas ainda vai rolar comédia. Eu os escrevi enquanto estava no hospital com o meu avô.
Espero que gostem :3

Música: DNA - Empire of The Sun (quando a Rose estiver na festa)
https://www.youtube.com/watch?v=iDN08Ia7CNI



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Ganhar dois dias de princesa na mesma semana, para mim, era lucro. Pensei ter morrido e acordado no céu, ou algo assim. Dinheiro não traz felicidade, mas paga o cabeleireiro, maquiadores e compra as roupas que eu quero, o que é quase a mesma coisa. Com isso, me lembrei daquelas garotas nojentas da minha turma, que me provocaram na saída da prova do vestibular: elas duvidavam de mim, achavam que tudo o que eu dizia era mentira.

Aquela noite seria a noite do baile de formatura. E eu iria com Sebastian. E eu provaria a elas que eu não estava mentindo quando disse que tinha um namorado. Tudo seria bastante especial.

Mas, um detalhe: Sebastian e eu não estávamos, de fato, namorando. Foi só um beijo.

— Rosemary... você e o Sebastian estão.... — Dóris tentava perguntar, enquanto ela me ajudava a escolher um vestido bonito para ir à festa logo mais à noite. O clima estava tenso, mas eu sabia que uma hora ou outra tocaríamos no assunto, já que estávamos sozinhas na imensa Folk Basfond.

— Não! — a interrompi, nervosa — Não sei bem o que deu na gente naquela hora, mas... — achei melhor medir as palavras, ou acabaria falando o que não deveria.

— Mas...?

— Dóris, é que... eu acho que eu estou apaixonada pelo Sebastian. Eu sei que é complicado, mas depois daquele beijo nós não nos falamos mais. Achei que se eu o convidasse para o baile, talvez o clima entre a gente ficasse mais ameno. E também talvez pudéssemos tirar nossas dúvidas.

— Que bonitinho! — Dóris exclamou — o Sebastian nunca namorou, eu acho que você é a primeira garota que sente algo assim por ele, ou a primeira a pelo menos assumir. — pontuou, suspirando de maneira romântica. — Eu shippo vocês dois: Rosemary e Sebastian. — sorriu, me entregando um vestido longo, que, segundo ela, era a minha cara.

— Vou provar. — falei, indo até aquele (bendito) provador.

Enquanto ficava presa dentro de casa, eu não tinha ânimo em fazer planos para o futuro. Todavia, eu era uma sonhadora nata. Eu sonhava sonhos impossíveis, não sonhos com fadas-madrinhas ou príncipes encantados que deixam de ser sapos. Eu só, às vezes, me imaginava como uma garota que saía com os amigos, me divertia, ia a shows de sua banda favorita. Namorados nunca estavam nos meus pensamentos. Nenhum dos garotos da minha escola eram protagonistas dos meus devaneios; eu não tinha amores platônicos, tampouco sonhava em beijar algum daqueles caras fúteis que, em sua maioria, eram ratinhos de academia.

Mas Sebastian era diferente de todos. Não era à toa que ele era o dono dos meus pensamentos nos últimos dias. Eu queria vê-lo novamente.

Estava ansiosa pela noite do baile.

— Dóris... e você, namora? — indaguei, enquanto juntas, passávamos nossas compras no caixa. A moça que nos atendia prestava mais atenção na nossa conversa do que nas mercadorias que ela atritava no leitor de código de barras.

— Já tive alguns relacionamentos, mas nada sério. Eu já me conformei que vou ficar pra titia. Talvez eu ajude você e o Sebastian a criar seus filhos. — ela riu; eu engoli a seco quando pensei em filhos e em como eles eram, digamos... fabricados. A moça do caixa continuava prestando atenção na nossa conversa, o que estava me incomodando.

— Mas você não gosta de ninguém, Dóris? — perguntei.

— Ah, Rose... gostar eu gosto. Mas nem sempre podemos ficar com quem nós gostamos. Essa é a minha sina. Acho que eu tenho o dedo podre.

— Nossa, Dóris! Não fala assim! Quem é ele? Ele é casado? Tem namorada?

— Pior... muito pior. É algo que faz com que nós nunca poderemos ficar juntos.

Fiquei curiosa; a moça do caixa também. Os olhos dela, aliás, estavam tão arregalados enquanto ela bisbilhotava nosso papo que eu por um momento achei que eles fossem pular de suas órbitas. Ela percebeu que eu estava incomodada.

— Dinheiro ou cartão? — questionou.

— Cartão. — respondi, um pouco rude.

👯♡ 👯♡ 👯

Papai me deixou na porta da escola e me deu um beijo no rosto. Era a primeira vez que ele fazia aquilo. Era engraçado porque aquela era a última vez que eu precisaria que alguém me levasse à escola, pois no ano seguinte, se Deus me permitisse, eu estaria numa faculdade.

— Você está linda, filha. — disse meu pai, me abraçando.

— Obrigada. — respondi. Meus olhos brilhavam de tanta emoção. Era a minha formatura! Nunca mais eu precisaria tomar bronca de professores como se fosse uma criança, ou esperar na fila pelo lanche, ou até mesmo ter hora certa para sair e entrar numa sala de aula. Foi então que eu percebi que o tempo estava passando rápido demais.

Lembro-me quando eu fiz quinze anos de idade: Mamãe havia me preparado uma festa, quase no mesmo estilo daquela que tive quando fiz dezoito; no entanto, ela encomendara um vestido para mim, cor-de-rosa, com um pequeno decote. Até então, ela nunca permitiu que eu usasse decotes ou coisas do tipo. Pensar naquilo me dera calafrios. Eu estava crescendo.

Enquanto eu apagava as velinhas do bolo, após Dona Solange cantar seu típico “Parabéns da Xuxa”, eu pedira aos céus para desmaiar e acordar três anos depois, mais especialmente no dia em que completaria dezoito anos.

Eu não dormi profundamente por três anos, no entanto, saber que aquele dia havia chegado e que eu, aos poucos, estava indo para uma nova fase da minha vida, me fazia suar frio. Era um medo bom, talvez boa parte das pessoas que passam por essa “metamorfose” tenha sentido esse medo.

Segui caminhando em direção a quadra da escola. Uma música um tanto quanto animada tocava ao longe e o seu volume aumentava à medida que eu me aproximava, mas eu só conseguia ouvir o pulsar do meu coração e o som dos meus sapatos batendo contra o chão.

Ao entrar na quadra, fiquei sentada em uma das mesas. O celular que papai me dera estava na minha bolsa e de quando em vez eu o conferia, na esperança que Sebastian ou Dóris me ligassem, para dizer que já estavam chegando.

As três patricinhas da minha turma perceberam minha presença e foram se aproximando. Cada uma vestia vestidos com carência de tecido em algumas regiões do corpo, como costas e seios.

— Olá, ogra! — brincou a loira — Cadê seu namorado? Não me diga que ele é o Homem Invisível.

Cruzei as pernas e as ignorei, olhando para outro lado. Esperei que elas fossem embora. Você as conhece e sabe que elas odeiam ser ignoradas, Rosemary. Essas garotas clamam por atenção.

— O namorado dela é mais falso do que nota de três reais. — brincou a segunda. Os seios dela estavam estupidamente maiores do que o normal.

— Eu não preciso provar nada pra vocês, suas... vacas. — eu não sabia xingar ninguém — Além do mais, meu namorado existe sim. Não é como os seus peitos, cheio de enchimento. O que é que você usa, hein? Será papel higiênico ou algodão? — perguntei, de maneira atrevida.

A garota ficou em estado de choque com as minhas palavras e cobriu o colo com os braços cruzados. A terceira garota, que até então não havia falado nada, abraçou a amiga e, olhando para mim, disse:

— Você sempre vai ser uma fracassada, Rosemary Maldonado. É uma estranha, sempre será. — ela me fitou com desprezo — Não é por que você tem um papai rico, que te paga tudo, que você vai deixar de ser uma ogra. — meu coração começou a se despedaçar — Mesmo se você fizer uma plástica, mudar essa sua cara de estranha, ou mesmo que você tenha mudado o cabelo e comprado as roupas caras da Folk Basfond ninguém vai te querer. Sabe por quê, Rosemary? Por que a primeira impressão é a que fica. Nenhum garoto quer uma garota que não sabe se comportar em público porque passou a vida numa cúpula, sem contato humano. Por isso, antes de falar dos outros, se enxerga, tá Rosemary? Você é tão carente que inventa namorados pra suprir todo esse vazio dentro de você. Você não passa de uma solteirona miserável!

Eu me levantei da cadeira e saí correndo, empurrando-as. Elas conseguiram fazer com o que eu me importasse com o que elas achavam de mim, depois de tanto tempo estudando ao lado de pessoas como elas. Palmas para elas, vaias para mim. É isso aí, eu mereço! Eu mereço tudo isso...

Eu não passo de uma ogra carente. Uma ogra carente e destrambelhada.

O que houve entre Sebastian e eu foi só um beijo. Eu queria usá-lo para provar a todas que eu podia ter um namorado. Nós nem estávamos namorando.

Eu estava me tornando uma delas e nem percebi. Elas acham que só se é feliz ao lado de alguém. É por isso que elas adoram tirar fotos ao lado de meninos: para mostrar a todos como elas são “bem resolvidas”.

Elas acham que só se é alguém tendo alguém.

Eu era uma delas... que vergonha!

Eu não quero ser uma delas.

Eu não quero humilhar Sebastian dessa maneira. Ele não é uma marionete.

Gostava de me esconder naquele lugar da escola sempre nos intervalos, embaixo da escada, próximo a biblioteca. Quase ninguém frequentava a biblioteca e ninguém com a cabeça no lugar ia para debaixo da escada passar os intervalos. Só eu.

Fui para lá, as palavras daquela garota ecoando pela minha mente. Meu celular estava tocando, era Dóris. Minhas mãos trêmulas seguravam o aparelho e eu não sabia o que fazer. Atender é a melhor solução. Não faça mais merdas, Rosemary! Não seja uma fábrica de merdas. Não mais do que você já é!

— Diga ao Sebastian que não vou mais ao baile. — falei, minha voz era soluçante. Em seguida, desliguei o telefone, mal pude ouvir o que Dóris tinha a dizer do outro lado da linha.

Então eu cruzei os portões da escola e saí. Daí eu percebi que era a primeira vez que eu saía por aí totalmente sozinha. Tirei os sapatos de salto alto – descalça eu me sentia mais livre – e comecei a caminhar pelo asfalto gelado. Para onde eu iria? Talvez para um lugar onde eu me sentisse feliz, ou até mais livre do que eu gostaria.

Mãe.


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Notas finais do capítulo

Não esqueçam de comentar :3