Two Way Road escrita por Jules


Capítulo 1
Stairway To Heaven'


Notas iniciais do capítulo

Bom gente, aí vai o primeiro! Espero que gostem! ^^



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-Judith Ashter Stone, acorde nesse exato momento ou eu irei subir até aí!

Meus olhos se abriram violentamente. Quantas vezes minha mãe havia me chamado? Eu não me lembro, havia voltado a dormir na segunda vez. Agora ela me chamava pelo meu nome inteiro, ou seja, a coisa ficou feia.

Pulei da cama com todas as minhas forças, meus olhos se arregalaram quando olhei o relógio: 6:45, eu tinha 15 minutos para ficar pronta ou então morria.

-Vou ter que...

-Já estou acordada, mãe!

Gritei de lá de cima, meus cabelos nunca me deram trabalho, então nem precisei perder tempo com espelho. Minha mãe nunca deixou eu tocar um dedo nele, digo, enquanto minhas amiguinhas de colégio começavam com chapinhas, escovas, eu era sempre a ruiva com o cabelo fora de moda, agora eu agradecia minha mãe francamente. Sempre tive uma tonalidade vermelho alaranjada e meus cabelos sempre foram lisos até a altura do peito, a partir dessa altura, ele desce em cachos até um palmo antes do umbigo. Seja como for, eu me parecia com minha mãe basicamente... Olhos verdes, algumas sardinhas, sorriso largo... Sim, essa sou eu. Sempre tirando 10 e sempre rindo de coisas bobas, me envolvendo apenas com pessoas certas da vida e futuros empresários, sempre vivi em meu mundo perfeito, meu mundo que estava prestes a ruir.

Tudo começou basicamente naquela manhã, quando vestia meu suéter por cima da regatinha branca, colocava uma calça jeans escura comportada e descia as escadas à caminho da clara cozinha onde podia sentir ao longe um cheiro delicioso de panquecas. Sim, minha mãe me acordava toda manhã e ainda fazia panquecas para mim, algum problema? Naquela manhã ela estava especialmente alegre, mas tinha uma ruga de preocupação na testa que tentava esconder à todos os custos. Me sentei à mesa com um sorrisinho e mordi um lábio dando meu primeiro gole no suco. –Mãe, por favor.

-Eu sei, eu sei! Já tem dezessete anos, está crescida, eu sou uma boba!

Dei risada me levantando e dando um abraço apertado nela, senti seus braços me envolverem com força e carinho, soltando um suspiro logo em seguida.

-Não é boba, mãe. Só age como uma boa dona de casa agiria.

-Você é meu anjo, filha. –Falou com um sorriso enquanto colocava uma mecha do meu cabelo para trás da orelha. –Espero que saiba disso.

Quem vê, até acha que minha mãe estava se despedindo de mim, pois estava indo prestar serviços no Vietnã... Talvez para ela fosse tão ruim quanto, mas devo afirmar à vocês que não chega nem perto de ser tão grave. Dei uma risadinha enquanto era afogada mais uma vez em uma série de abraços. Acontece que eu estava viajando sozinha pela primeira vez. Meu colégio estava saindo em uma viagem que contaria para pesquisas. Estávamos indo para uma pequena ilha bem florestada para estudar um pouco sobre a “Anatomia Natural”. Eu sei, para quem não sabe parece chato, mas é... Bem, é mesmo chato, mas a viagem valia dois terços da nota. Seja como fosse, estava indo nessa manhã e ficaria mais ou menos duas semanas fora e isso fora o bastante para minha mãe surtar. Minhas malas já estavam na porta e logo eu teria que encontrar o pessoal no aeroporto, mas antes tinha que aguentar a cena exagerada de “Adeus” entre mãe e filha.

-Que bom que se despediu do seu pai ontem. –Falou com um sorrisinho. –Digo a ele que você saiu bem e lhe deixou um beijo.

Dei uma risadinha assentindo.

-Obrigada.

-E se cuide, ok filha? Está indo para um lugar no meio do mato com um monte de garotos tarados de dezessete anos e...

-Mãe! –Dei risada. –Não se preocupe. Não vou sair de perto do grupo.

-Ótimo. –Concordou enquanto me analisava como se tentasse achar algum machucado em mim ou algo do tipo. –Tenha muito cuidado, ok?

Está bem, eu entendia a preocupação da minha mãe. Nem todos na escola eram perfeitos, é claro que haviam vários babacas que não negavam uma erva para irritar os pais quando estavam em festas, mas eu tinha certeza que nenhum deles tentaria me matar durante a viagem, minha mãe poderia ficar completamente tranquila quanto à isso! Assenti à tudo o que ela dizia e continuava a dizer tentando não dar nenhum deslize para ela achar outro tópico para discussão. Quando finalmente pareceu acabar lhe dei um último abraço antes de seguir para a porta.

-Te ligo assim que puder, ok? Te amo!

Gritei enquanto passava da porta, não olhei para trás pois tinha certeza que veria os olhos da minha mãe lacrimejando. Pude ouvir sua voz frágil logo atrás de mim.

-Também te amo.

***

-Não acredito que realmente estamos indo viajar e tipo... Todos juntos!

Mercy abraçava Jimmy, Greg e eu em um abraço quadruplo apertado e sufocante. Eu havia chegado no aeroporto há pouco tempo e no momento estávamos na fila junto com o grupo do colégio para despacharmos nossas malas, minha amiga era uma das pessoas mais fofas que eu conhecia e uma das que estava mais animada com a viagem, pulava tanto que seus cabelinhos castanhos cacheados voavam de um lado para o outro como folhas de uma árvore. Veja bem, Mercy e eu somos amigas há muito tempo, nossos pais se conheciam e crescemos juntas, Mercy era muito certa de tudo, coisa que era engraçada, pois Mercy sempre fora baixinha de cabelos longos e cacheados, grandes olhos verdes e um jeito delicado, porém era uma pessoa que não levava desaforo para casa. Quem a via achava que era uma criança assustada, mas tenho que dizer que Mercy já botou muita gente intimidadora para correr... O que é quase uma cena cômica.

Jimmy deu risada aos seus abraços de urso, balançando a cabeça negativamente fazendo os cabelos negros e lisos balançarem com os movimentos. Tinha olhos azuis divertidos e um enorme sorriso branco travesso, puxou Mercy com força a erguendo do chão e dando risada.

-Isso mesmo, baixinha!

Mercy lhe deu um soco no peito, o que fez Greg e eu cairmos na risada. Se tinha uma coisa que minha amiga odiava era ser erguida do chão. Eu não era muito mais alta que minha amiga, ela batia mais ou menos em meus olhos e Jimmy não era lá tão alto também, mas a grande diversão da vida do garoto era irritar Mercy... Mesmo assim os dois se amavam. Vai entender.

-Sai fora, lambari.

Jimmy fez uma careta para ela enquanto andávamos avançando a fila. Lambari era o apelido de Jimmy quando mais novo, tinha cabelinho de tigela, era alto e magrelo demais... Bem, devo dizer que o tempo foi gentil com ele, seu corpo começou a ficar proporcional e hoje ele era um dos caras mais gatos que eu conhecia... Mas era o Jimmy.

-Eu te amo, baixinha! –Jimmy falou apertando a bochecha de Mercy. –Quando eu abrir meu negócio de cirurgião, a primeira coisa que vou fazer é colocar uma foto sua em cima da minha mesa de escritório.

-Não. –Mercy falou fazendo bico. –A primeira coisa que vai fazer é colocar peitos na Jude!

Arregalei os olhos dando risada com o que mercy havia dito e lhe dei um tapa na cabeça.

-Ei!

-Eu disse alguma mentira?

Minha amiga perguntou teimosa. Fiz bico, ah... Talvez eu não tivesse os maiores seios do mundo, mas eu não me renderia a colocar um silicone. Achava a coisa mais superficial e horrível do mundo, digo, as mulheres colocam algo artificial dentro do seu corpo para ficarem mais bonitas... Não obrigada!

Jimmy franziu a testa olhando para mim e em seguida para Mercy. Fez uma careta.

-Não acho que a Jude precise.

Mercy ergueu uma sobrancelha.

-Só diz isso porque você paga pau para ela.

Retrucou de nariz empinado, Jimmy franziu a testa.

-Não. Só acho que eles tem um tamanho...

-Gente! –Tentei cortar a conversa sem corar. –Podemos não falar sobre os meus seios?

Os dois me observaram por um momento e deram de ombros.

-Tudo bem então...

-Próximo!

A santa mulher no balcão gritou, Mercy deu um pulinho e sorriu enquanto ia colocar sua mala no despache. Greg parou ao meu lado e ao lado de Jimmy sorridente.

-Vamos sentar nós três e deixar ela sozinha no avião?

Jimmy olhou para Greg e abriu um sorrisinho travesso.

-Com certeza.

Dei risada enquanto avançava para a próxima da fila olhando para meus amigos.

-Pobre, Mercy. Ou melhor, pobre de mim se a deixar sozinha. Acho que ela me mata.

Comentei. Greg fez uma careta olhando para mim e para Jimmy.

-Tem que desgrudar da sua amiga, isso é até chato. Na verdade acho que você e Jimmy tinham que ir juntos, afinal, essa viagem poderá ter... Descobertas.

Sorriu para nós, Jimmy fez uma careta para ele revirando os olhos.

-Deixe de ser infantil, Gregory.

Greg sorriu para ele e deu de ombros. Mordi o lábio, Jimmy e eu temos um “romance” desde que nos conhecemos. Sempre fomos muito amigos e tudo mais, só que sempre tivemos uma atração um pelo outro, não é para menos, o garoto é um fofo, faz tudo por mim, é super educado, entra nos meus padrões de pessoas que sabem o que quer, é inteligente, tem tudo o que é preciso para se dar bem na vida... Era tudo o que uma garota gostaria de ter, e ainda por cima é bonito. Mas por que Jude? Esse era o problema, mesmo ele sendo perfeito e tudo mais, simplesmente... Eu não sei, era como se ele não fosse a pessoa certa. Eu até sei o que vocês estão pensando! “Que bobagem, Jude!”, mas não sei... Eu sentia que uma grande coisa estava por vir, e estava perto... Só que ele não estava nos planos.

Não demorou muito para eu ser chamada e despachado as malas, o voo estava na hora direitinho e o pessoal do colégio estava bem animado. Algumas meninas reclamavam de estarmos indo à uma ilha sem internet e coisas do tipo, mas eu não estava nem aí, eu sabia que lá seria um bom lugar à ser estudado e sabia também que seria um lugar maravilhoso para se apreciar... Isso já bastava, mesmo sabendo que a maioria das pessoas iam para lá sem sequer pensar no trabalho de escola que era o motivo principal por estarmos indo. O embarque foi liberado e fizemos uma fila caminhando lentamente para dentro da aeronave. Eu estava nervosa, era a primeira vez que eu viajava sem meus pais, eu estava por minha conta e isso era difícil de se acreditar. Olhei pelo vidro do corredor o enorme avião que recebia todas aquelas pessoas preferidas, altura nunca foi o meu ponto forte, mas minhas mãos entrelaçadas e os pensamentos positivos, me prometeram que aquela seria uma viagem inesquecível. Seja isso bom ou ruim... Mas eu esperava que fosse no bom sentido.

O avião era maior por dentro, nada gigantesco como os para os voos internacionais, mas estava de bom tamanho, aliás seriam apenas algumas horas de voo. Cacei meu lugar pelo corredor me sentando logo em seguida e prendendo a respiração. Eu sentia meu coração bater forte. Jimmy se jogou no banco ao lado do meu e apoiou a cabeça na poltrona me olhando com os olhos azuis e abrindo um rápido sorriso, erguendo a mão para mim a deixando aberta.

-Está bem?

Abri um sorriso largando a caneta que tremia entre meus dedos e dei minha mão à ele assentindo à sua pergunta.

-Vou ficar bem. Só espero... Que cheguemos logo em terra firme.

Dei uma risadinha, Jimmy fez o mesmo balançando a cabeça.

-Mas nem saímos de terra ainda!

Fechei os olhos dando uma risadinha e enterrando o rosto na mão livre tentando não me sentir ridícula.

-Eu sei, eu sei... Desculpe.

-Ei. –Ele me interrompeu. –Deixe de ser boba, ok? É rapidinho, eu estou aqui e vai ficar tudo bem, ok?

Olhei para ele por um momento e mordi o lábio suspirando.

-Ok.

Ele abriu um sorriso satisfeito e assentiu.

-Ótimo.

Jimmy era encorajador, eu não me sentia protegida perto dele, mas me sentia segura... Isso faz sentido? De qualquer forma, o garoto tateou sua mochila e depois de um tempinho procurando tirou de lá duas pílulas brancas, abriu a mão me oferecendo. Franzi a testa o observando, Jimmy deu uma risadinha.

-São calmantes. Vai te fazer dormir um pouco.

Assenti, em outras situações eu teria pensado um pouco antes de me envolver com medicamentos, mas eu estava em um avião, ou seja, não pensei duas vezes. Agarrei os dois comprimidos da mão do garoto e os engoli bebendo um gole da minha garrafinha de água, Jimmy sorriu para mim por um tempo, mas logo seus olhos azuis tiraram o foco do meu rosto pairando ao meu colo, meus olhos se dirigiram para onde ele olhava e corei ao ver meu caderno entreaberto. Jimmy soltou minha mão o tocando, mas hesitou antes de pega-lo.

-Posso?

Mordi o lábio, eu não costumava mostrar meus desenhos às pessoas, não gostava que vissem. Passei os dedos pela capa sem graça o puxando para mais perto do meu corpo e olhei sem graça para Jimmy.

-Hm... Desculpe, eu tenho vergonha.

Jimmy assentiu dando de ombros e soltou o caderno com meu movimento.

-Tudo bem. –Abriu um sorriso. –Quando quiser, me mostre.

Então piscou. Abri um sorrisinho e assenti. Meus olhos se dirigiram às pequenas janelas da aeronave assim que ouvi a voz do piloto no microfone. Minhas unhas fincaram no banco, senti o toque suave de Jimmy e meu coração disparou, sem hesitar agarrei sua mão macia e apertei, olhei para o lado e tudo o que pude ver foi o sorriso do garoto e seus olhos tranquilos que me tiraram um pouco o nervosismo. Ele balançou a cabeça como se dissesse “Tudo bem”, assenti e respirei fundo, ia ficar tudo bem, ia ficar tudo bem, ia ficar tudo bem!

-Tripulação Decolagem, autorizada.

***

-Judith!

Eu ouvia a voz grave me chamando. Eu corria. Eu corria feito uma louca e eu não sabia sequer para onde estava indo, só sentia meus pés baterem nas pedras do chão e arderem em dor a cada passo, eu estava descalça. Minhas mãos estavam segurando a enorme saia do meu vestido preto que tocava o chão enquanto eu corria, eu estava vestida para uma festa, usava um vestido de renda preto que descia colado até minha cintura, onde a partir daí se abria em um tecido liso até o chão, como os vestidos de princesa, em minhas mãos haviam luvas de renda e meu cabelo estava meio preso, eu estava definitivamente arrumada, mas corria em direção à floresta, eu continuava e continuava correndo.

Arvores se abriam em minha direção, a paisagem era cada vez mais escura, eu conseguia ouvir barulho de água, estava chegando mais perto de um rio, disso eu tinha certeza, talvez fosse lá onde eu queria chegar com tanta pressa... Ou não, talvez eu estivesse fugindo de alguém. A voz continuava me chamando, eu sentia lágrimas se escorrendo por meu rosto, meu coração estava a mil, sentia minha pele sendo rasgada pelos galhos que batiam contra mim, então parei. Parei respirando alto e olhando em volta. Logo a minha frente havia uma silhueta, um garoto de costas, estava parado como uma estátua, usava um terno, segurava a gravata nas mãos e tinha cabelos incrivelmente negros. Ele encarava o lago logo a sua frente, de forma fixa que nem notara minha presença. Franzi a testa, pelas sombras eu não havia notado, mas logo em suas costas, havia uma silhueta, uma sombra enorme que cobria suas extremidades até o chão, meus olhos se arregalaram ao perceber que eram duas enormes asas negras. Cada pena deveria ter o tamanho do meu braço, do cotovelo até as mãos e as asas desciam até pouco antes dos seus pés... Eram brilhantes e maravilhosas, tirava minha respiração só de olhar. Me aproximei dele em passos lentos. Minha respiração estava alta, meu peito acelerado, sentia minhas mãos trêmulas, ergui a mão para toca-lo, mas ele se virou antes de eu sequer fazer. Senti minha respiração falhar, ele me fitou com os firmes olhos verdes penetrantes, seus cabelos estavam atrapalhados de uma forma extremamente sexy, ele me observou por um momento, engoli em seco e senti meu corpo pesar. Abri a boca, mas minha voz saiu mais trêmula e rouca do que normalmente quando disse:

-Você... Você realmente está indo?

Os olhos do garoto se tornaram vazios e ele olhou para o nado. Suas mãos estavam em seus bolsos e seu corpo duro, seu rosto sem expressão, ele me observou de uma forma indecifrável e depois de um longo suspiro assentiu.

-Nós dois... Sabíamos que ia acontecer um dia.

-Não, por favor. –Disparei, senti um nó em minha garganta, senti meu corpo de desfazer e a tensão sumir, tudo o que eu sentia agora era desespero. –Só vai acontecer porque você é teimoso. Vamos! Por favor! Não me deixe!

Minha voz estava em um tom tão acentuado e suplicante que só faltava mesmo eu cair de joelhos no chão e beijar seus pés. O garoto me observou por mais um tempo em silêncio e a cada segundo que passava naquele jeito, eu sentia minha alma sendo arrancada do meu corpo. Depois de um tempo sério, senti meu coração se quebrar, lágrimas desceram pelo meu rosto, a expressão do menino continuou séria, mas vi seus lábios tremerem por um momento. Com outro longo suspiro, vi seus braços me puxando rapidamente e meu rosto sendo aninhado contra seu peito, ele tinha um cheiro delicioso de uma mistura de menta com pinho, meus olhos tentavam ver sua expressão, mas ele me apertava demais, forte, como se nunca fosse me soltar, eu me sentia bem em seus braços, sentia meu corpo forte e seguro, não queria me soltar de lá nunca. O garoto apoiou seu queixo em minha cabeça e acariciou minha cintura.

-Você não entende. Eu não tenho escolha, eu não quero te deixar, eu nunca quis te deixar, nunca vou querer. Eu te amo. Você é minha. Só minha, nenhum mal vai te tocar enquanto eu estiver por perto. Quero deixar claro.

Meu coração batia forte a cada palavra, minha respiração quase não saia se eu não ficasse a vistoriando, meu corpo estava completamente envolto por sua presença, como se nada existisse além dele, como se tudo a nossa volta simplesmente... Sumisse. Só então, olhando para os lados senti o conforto e a textura macia tomar meu corpo, ali estava eu, abraçada com o garoto enquanto era envolta por suas enormes asas. Hesitei ao erguer a mão, eu queria toca-las, queria ver a textura de cada uma daquelas penas negras, seus olhos verdes me perfuravam, eu observava seus lábios convidativos, eu sentia meu corpo ser empurrado para perto dele cada vez mais.

-Eu... Eu te amo.

Gaguejei, sua expressão amenizou um pouco e logo sua respiração se tornou alta, senti seus lábios tocarem meu pescoço, meu corpo esquentou de forma absurda de repente, seus lábios escorregaram por meu rosto se juntando lentamente aos meus lábios e arrancando todo o resto de ar que sobrava em meu corpo, senti minhas pernas tremerem, logo cederam, os braços do anjo me deixaram firme, se não fossem por eles eu estaria no chão naquele exato momento, suas mãos escorregaram por minhas costas, agarrando minha blusa e me prendendo mais e mais contra seu corpo, sentia meu coração querer pular para fora, eu estava me sentindo até tonta, eu nunca mais queria larga-lo. Nunca mais.

O anjo desgrudou nossos lábios, minha visão estava um pouco turva, eu estava com calor, ele inclinou a cabeça para trás e soltou um gemido, como se quisesse fazer aquilo há séculos e só havia conseguido agora, com um beijo em minha testa me soltou de seus braços e retirou suas asas de minha volta, com a falta de base, como se não tivesse pernas caí de joelhos no chão. O garoto me observou por um momento e então pegou minha mão, porém sem fazer forças para ajudar a me levantar.

-Me desculpe, mas preciso fazer isso.

Tentei me mover quando ele se afastou, tentei correr em sua direção e traze-lo para perto mais uma vez, mas minhas pernas não me obedeciam, eu estava ali, tentando me levantar, mas eu me sentia presa, mesmo não tendo nada ali para me prender realmente. Olhando para cima vi um rosto de formar nas sombras, com grandes olhos vazios e um sorriso perverso, se dissipou assim que o anjo virou as costas para mim. Me vi chorando mais uma vez, eu gritava desesperadamente.

-Não! Por favor! Não me deixe! Não pode fazer isso comigo.

Mesmo de costas para mim vi a cabeça do anjo se abaixar, mas ele não se virou, não voltou. Ele apenas abriu as asas e voou, voou para longe me deixando sozinha nas sombras. Senti meu peito se abrir e derrubar pedaço por pedaço do meu coração no chão, senti-me deitada em vidro quebrado, eu não conseguia respirar.

Tudo ficou escuro. Quando abri os olhos mais uma vez eu estava parada, estava dentro de uma sala, uma sala de quatro paredes sem porta. Olhei em volta assustada, plantas cresciam nas paredes, a tinta estava descascando, o papel de parede estava se desgrudando, o chão era de grama alta que tocavam minhas canelas, eu não usava mais o vestido preto, agora eu usava um branco, que descia sem volume até o chão, meus olhos atravessaram a sala por todos os anglos, não tinha saída, a não ser pelo teto, que na verdade não existia, era somente um enorme buraco aberto para a noite escura de céu estrelado, as paredes eram altas demais para serem puladas. Ouvi uma voz que rodou minha mente como uma assombração, ela dizia cuidadosamente, como se sussurrasse em meus ouvidos “Cuidado, o perigo pode vir em muitas formas”, era tudo o que dizia. Repetidamente. Olhei para a parede à minha frente, havia um enorme espelho, um espelho de ouro perfeitamente conservado comparado ao lugar. Parei de frente para ele por um momento, minhas pernas ficaram bambas, meus olhos se umedeceram, não era a minha imagem que o espelho refletia e sim a imagem do anjo que havia visto á pouco. Meu coração bateu mais devagar e senti uma lágrima cair por meu rosto, ergui minha mão na esperança de toca-lo, mas assim que meus dedos foram de encontro ao vidro, ele se quebrou, se espatifando em milhões de pedaços e caindo no chão.

De repente ouvi uma voz chamando alto. Meus olhos se abriram assustados e olhei em volta quase desesperada. Me deparei com os olhos azuis de Jimmy me olhando surpreso.

-Jude, está tudo bem?

Toquei minha testa e respirei fundo, ainda estávamos em ar, mas a voz que havia me despertado era a voz do comandante dizendo que estávamos nos preparando para o pouso. Suspirei aliviada.

-Foi só um sonho. –Falei com um sorrisinho. –Já chegamos?

-Sim. –Jimmy falou vitorioso. –Disse que ficaria tudo bem.

Assenti com um sorrisinho, mas eu não estava lá muito contente. Por incrível que pareça, aquele não havia sido meu sonho mais estranho, eu sonhava constantemente com aquele garoto de cabelos e asas negras, eu só não tinha ideia de quem ele poderia ser. Em todos os sonhos ele dizia que me amava e que nada de ruim iria acontecer comigo, mas pela primeira vez ele havia me deixado. Aquilo havia me assustado um pouco, eu vinha tendo esses sonhos há dois anos e nunca ele me soltara... Agora ele tinha simplesmente... Ido. Eu sei, eu sei, era só um sonho... Mas eu não sei.

Sem Jimmy ver, agarrei meu caderno de desenhos e o folheei. Os desenhos estavam ali, esboçados e sombreados com o lápis forte, todos em sombras, todos comigo no meio... No canto da pagina conseguia ver, rabiscado nas sombras os grandes olhos vazios e o sorriso perverso, o rosto que eu via em todos os meus sonhos e que me arrepiava toda noite antes de dormir, o rosto nas sombras. Pela primeira vez ele havia falado comigo, pela primeira vez ele havia sussurrado, ele havia me mandado um aviso de cuidado naquela sala. Passando as paginas senti meu corpo enrijecer, aconteceu de novo. Eu havia começado um desenho semana passada, mas não havia o terminado, onde só havia uma garota chorando de joelhos no chão, estava tudo escuro a sua volta e ao seu lado caía uma única pena negra. Meus olhos correram pelo caderno, agarrei meu lápis e rabisquei a folha branca. Rabisquei a sala antiga, rabisquei a imagem no espelho e nas sombras o terrível rosto vazio. Eu realmente estava em ar naquele momento, mas pela primeira vez na vida, minha vontade foi que o avião não pousasse, pois algo me dizia que coisa pior me esperava lá em baixo.


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Notas finais do capítulo

Reviews? Recomendações? Não mata, né gente! xD