Atroz escrita por Mellark


Capítulo 2
Capítulo 2




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/190445/chapter/2

Cato enfrentava um garoto de porte semelhante ao seu em uma arena improvisada. Ambos comportavam espadas e, muito embora soasse justo, Clove tinha plena certeza de quem acabaria por ganhar o combate. Ao grito de Esnobaria, Cato finalizou seu gole pondo a ponta da espada rente ao pescoço do adversário, ciente de que se pressionasse o pomo, acabaria por cortar-lhe a veia jugular.

Distanciou a espada do garoto, deixando um vitorioso sorriso transpor os lábios. Venceu basicamente todas as lutas do dia, desmotivando veteranos e espantando novatos, mas tudo aquilo não era suficiente para surpreender Clove. Seu conhecimento sobre suas técnicas eram vastos, assim como sua capacidade em premeditar seus golpes.

— O que achou? — perguntou ele, acomodando-se ao lado dela. Cato esperava algum tipo de tietagem ou de admiração, porém parou de sonhar com ambos ao notar o sorriso que ela ostentava. Um sorriso zombeteiro, debochado e altamente sarcástico.

— Nada que você não tenha feito nas lutas anteriores — respondeu, cruzando os braços contra o busto e dando uma risadinha. — O que esperou que eu dissesse?

“Você é incrível, Cato!” — pronunciou, imitando uma voz feminina que nada tinha em comum com a dela. — Ou algo do tipo, pelo menos.

— Perdão, mas eu não sou como as garotas que você conhece — disse ela, levantando a cabeça levemente para apontá-la na direção do grupo de garotas que se amontoava na grade para observá-lo.

— Fico feliz por isso — murmurou ele, apoiando-se no chão com os cotovelos. Esnobaria gritou o nome de Clove, indicando que ela seria a próxima a ser levada a combate. Seus punhos giraram rapidamente e, sentindo o fluxo de sangue aumentar em suas veias, ela correu para a arena.

— Cuidado, não vá quebrar as unhas ou desfazer o cabelo! — ironizou Cato, dando uma gargalhada gutural.

A rival de Clove tinha uma pose tão triunfante quando a de Cato – sem contar as semelhanças como cor de cabelo, pele e olhos. Suas mãos abrigavam uma faca média, que seguravam com confiança. Porém, bastou piscar os olhos para perder a chance de desviar da investida de Clove, que a levou ao chão e ali cravou sua faca, bem ao lado da cabeça loura.

— Boa tentativa — sussurrou a garota, agora invertendo os papeis e prendendo a morena contra o solo. — Mas não tão boa quanto a minha.

Um soco fez com que os lábios de Clove sangrassem. O outro atingiu seu estômago em cheio, fazendo-a aninhar-se como uma criança indefesa – o que, é claro, ela estava longe de ser. Precisou de alguns minutos para se recompor, mas quando o fez, necessitou de muito menos para nocautear a loira com um chute no joelho, fato que a fez urrar de dor.

— Volte para a base, Clove! — gritou algum treinador atrás dela, puxando-a para que voltasse ao seu lugar. Teria ela cometido alguma infração? Não, não podia ser. Usara sua faca apenas para intimidar a rival, nunca para fisicamente feri-la. E socos, chutes e pontapés eram considerados parte da luta. Afinal, por que todos estavam tão apreensivos com seu desempenho?

Sentou em um dos assentos que não lhe pertencia, consideravelmente longe de Cato e dos demais que conhecia. Cruzou as pernas, esperando que algo lhe fosse dito. Esnobaria apareceu sem dizer nada, apenas conduzindo-a a uma sala vazia e parcamente iluminada.

— O que é isso? — perguntou ela, um tanto aterrorizada, a ponta dos dedos pressionada contra a palma das mãos.

— Um privilégio. — respondeu Esnobaria, exibindo um orgulhoso sorriso. Cato entrou na sala, também escoltado por um dos treinadores. — Ah, finalmente. Aí está ele!

Cato parecia tão intimidado quanto Clove, que tentava disfarçar a palidez apertando as próprias bochechas. Duas cadeiras foram colocadas lado a lado, e ambos foram induzidos a acomodaram-se nelas. As mãos ficaram próximas, e por diversas vezes o louro imaginou-se as segurando entre as suas. Provavelmente suaves e macias como frutas recém apanhadas do pomar.

Três Pacificadores entraram na sala e atrás deles estava o Inspetor do Distrito Dois, elegante em seu terno escuro e gravata clara. Nos pés, tinha um par de sapatos bem lustrado. No pulso, um relógio de puro ouro e diamantes.

— Como se sentem? — murmurou, tentando soar o mais agradável e íntimo possível. Estendeu uma das mãos e os cumprimentou. — Vocês devem estar se perguntando a razão para que eu os tenha convocado, presumo.

Não houve palavras, apenas um sincronizado concordar de cabeças. O Inspetor prosseguiu.

— Bem, eu os quero na linha de frente da septuagésima quarta edição dos Jogos Vorazes! — disse ele e, notando que não havia sido claro o bastante, explicou: — A colheita está próxima. Ninguém quer abrir mão de suas crianças. Sabemos que o treinamento de tributos é proibido, mas como somos o distrito responsável pelos Pacificadores, algumas de nossas crianças são severamente treinadas e aptas para a defesa. Sendo assim, como os mais qualificados, vocês ficarão responsáveis como voluntários para aqueles que forem escolhidos.

Privilégio. Suas famílias ficariam eufóricas em ceder um de seus filhos para a Capital. E, quando morressem em ação, uma bandeira do distrito seria hasteada ao alto de um mastro, mostrando o quanto a família se sentia orgulhosa pelo filho morto em combate. Uma verdadeira ironia. O filho dado jamais seria substituído, tampouco esquecido por aqueles que o amavam. Mas a Capital soterrará as lembranças e se esquecerá de sua morte assim que anunciar um novo vencedor. O máximo que um tributo poderia fazer, portanto, era pôr a vitória acima de qualquer outro objetivo.

...

Em uma sala privada, de paredes e chão igualmente acolchoados, Cato ostentava um olhar vazio e amargurado. Manteve os braços cruzados contra o peitoral por longos minutos, relaxando-os somente quando os sentiu formigar. Clove parecia tão distante quanto, evitando encará-lo ou comunicá-lo de quaisquer pensamentos que lhe acometiam.

— Como futuros tributos, seus treinamentos serão mais... Rigorosos. — iniciou Esnobaria, adentrando a sala sem ligar para o clima ali estabelecido. — Treinarão juntos. Um contra o outro. Poderão escolher uma só arma e todo tipo de golpe será permitido. Exceto aqueles que forem fatais — disse, com certa diversão em seu tom de voz. — Esses vocês deverão guardar para seus futuros inimigos na arena.

— Um contra o outro? — contestou Clove, avançando alguns passos à frente. Permitiu-se, pela primeira vez naquele dia, desviar os olhos e observar a reação de Cato. Nenhuma. Agora não havia distância ou amargura em suas feições, apenas dormência. — Qual é o objetivo disso?

— O objetivo é claro e simples: juntos, saberão suas forças e fraquezas. É claro que isso não será nada bom quando estiverem entre os últimos da arena, mas certamente os ajudará como aliados no início dos Jogos. Uma vantagem inicial, além dos periódicos treinamentos.

— Então esse é o plano? Sermos aliados e, no fim, inimigos? — indagou Cato, certo da retórica de sua pergunta. Esnobaria apenas concordou, passando os indicadores pelo queixo, estudando todas as circunstâncias.

— Pelo menos, teremos a certeza de qual distrito desfrutará do que for dado pela Capital... O nosso.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!