Quando eu acordei já era á noite, o quarto estava todo escuro. Por um momento eu fiquei meia atordoada, não sabia onde eu estava mas logo me lembrei. Soltei um longo suspiro e me levantei da cama, olhei pela janela e o véu escuro já cobria o céu e eu não conseguia ver mais nada no mar a não ser a neblina forte.

Calcei um par de chinelos gastos que estavam debaixo da cama e abri a porta do quarto pra sair, mas Oscaliz estava ao lado de fora como se já esperasse que eu fosse sair:

– Como dormiu? - Ele perguntou

– Bem.. - eu mechi os ombros, estava triste demais para dar um ataque de foras insignificantes - Estou com fome - eu o informei - Mas não quero frutos do mar.

– Você está no meio do mar e quer comer o que?! Frango a milaneza?

– Seria uma ótima idéia.. - eu sorri ironicamente.

– Acho que você não esta na condição de escolher o que comer, pelo o que eu vi no barco você estava vivendo de pipoca e água.

– Se quiser que eu seja sua namorada tem que me agradar - Eu o encarei.

– O pirata aqui sou eu!

– E a garota que você quer sou eu..

Por um momento trocamos olhares intensos. Eu sabia que ele era muito bonito e que qualquer mulher gostaria de estar no meu lugar e nem pensaria duas vezes antes de estar ali. Mas eu não caia por ele, e muito menos queria ser dele.

O olhar de Oscaliz transbordou de raiva, ele parecia não gostar de ser confrontado mas eu estava pouco me importando, era eu quem ele queria e pra me ter ele teria que fazer minhas vontades.

Sem desviar os olhos dos meus, ele ordenou que um dos piratas feiosos fosse preparar o jantar.

– Eu quero ver o Justin! - eu passei por ele e desci as escadas, mas ele segurou firme em meu braço.

– Só se você aceitar firme ser minha namorada.

– Primeiro o Justin!

Um dos piratas feiosos me levou até o porão onde Justin estava, ele estava jogado no chão, sua respiração era lenta. O pirata fechou a porta atrás de mim e eu corri até o Justin, ele estava de olhos fechados como se estivesse dormindo, eu o saculejei devagar e enquanto ele não acordava reparei que sua boca estava rececada.

– Justin?! - eu o chamei baixinho e ele abriu os olhos com dificuldade. Ele deu um sorriso ao me ver e se sentou, eu me sentei ao lado dele sem se quer me importar com a camisola branca - Como você está?

– Com muita sede - ele sorriu de lado - mas tá dando pra ir, e você? O que eles fizeram com você?! - Justin me observou de cima a baixo - Pelo visto, acho que te trataram muito bem..

– Ahr - eu dei um sorriso envergonhado - deixaram eu tomar banho, ajeitaram meu curativo..

– E isso em troca de nada?

– Bom.. - eu parei pra pensar se eu deveria contar a Justin a proposta de Oscaliz - Eu não sei se confio em você o bastante pra contar.

– Ah - ele sorriu e desta vez um sorriso muito bonito até, pela situação que estávamos passando - É verdade, você não pode confiar em mim. Provavelmente eu vou contar pra todos os piratas e tentar levar a melhor.

Eu soltei uma risadinha e voltei a olhar pra ele:

– Vou pedir que te tragam água.

– Está com essa moral toda?! - Ele parecia surpreso, mas eu não respondi.

Abri a porta do porão e sai, lá fora os piratas me esperavam e seguraram em meu braço.

– Me soltem! - eu ordenei, mas eles pareciam não querer me obedecer

– OSCALIZ!! - Eu gritei, e lá de cima ele desceu segurando sua espada na lateral do corpo. Ele me olhou e viu os dois piratas ao meu lado.

– O que foi?!

– Mande me soltarem agora!

– Não vou fazer isso.. - ele disse sério - Acho que você esta se achando demais, não sei o que você esta pensando garota. Isso aqui não é o filme do Peter Pan onde eu sou o capitão Gancho, não sou tão bom quanto - Ele mecheu no cabelo.

– Eu estou pensando seriamente na sua proposta, e acho que deveria ter um retorno por isso - eu me debati no braço dos piratas e eles me prenderam mais forte - Eu sou uma menina e não ogros como vocês que precisam de pouco pra viver.

– Enquanto você apenas pensa - Oscaliz fazia pose na escada - ficará com seu amigo, e a partir de amanhã lavarão o chão.

– Você sabe muito bem que eu não estou em condições, você mesmo cuidou do meu machucado.. - eu não terminei a frase porque Oscaliz me interrompeu.

– Tenha respeito comigo garota. Agora joguem-a dentro do porão novamente e levem água e comida apenas pra ela, pro garoto deixem-o com fome.

– Seu podre! - eu grunhi baixo. Abriram a porta e me jogaram lá dentro como se eu fosse de pano, a minha sorte é que Justin me segurou e amorteceu a queda.

Ele não me pediu explicações, ambos ficamos em silêncio e logo depois uma mocinha entrou no porão com um prato de comida. Ela era bonita, mas parecia cansada demais, daria tudo por um descanço.Ela usava um avental gasto, seus cabelos eram lisos e pretos e estavam bem ressecados, havia olheiras debaixo de seus olhos e sua pele estava corada como se pegasse sol todos os dias. Eu nem sabia que existia mulher naquele barco, chegava a ser surpreendente ver uma.

Ela ajeitou a bandeja em minha frente e ia sair, mas eu a chamei:

– Ei.. - ela me olhou e pareceu se encolher de medo, notei em seu rosto algumas cicatrizes e me deu arrepio na espinha só de pensar o que poderia ter ocasionado aquilo.

– Sobre a comida dele.. - ela falou com uma voz hesitante - eu não recebi ordens.. - e desta vez eu a interrompi.

– Não é isso - eu me aproximei dela - Você trabalha aqui de que?

– Eu.. bom, eu.. - era notável que ela sentia muito medo de mim.

– Calma.. - eu a tranquilizei - Eu não vou machucá-la, só preciso saber.

Os olhos dela se encheram de lágrimas e ela passou a mão neles para enxugá-los.

– Só não deixe que façam o mesmo com a senhorita, eu fui inocente, eu acreditei no que eles disseram e.. - a menina desabou em choro e eu fiquei sem reação, fiquei olhando ela chorar sem saber o que fazer, até que ela secou as lágrimas no avental e saiu sem dizer mais nada.

– Que estranho.. - Justin comentou

– Estranho é você estar ao lado de um prato de almôndegas e macarrão, e estar olhando pra mim sem atacá-lo.

– Ué, eu pensei que você fosse comer.

– Não. Pode comer, você precisa disso muito mais do que eu.

Ele não perguntou duas vezes, ficou de frente pro prato de comida e começou a devorá-lo. Sabia que a muito tempo não comíamos uma comida boa, mas duvidava que aquela feita por piratas que tinham dentes de musgo fosse tão boa, e pensar assim não aumentou em nada meu apetite.

Apoiei meus braços sobre a mesa empoeirada do porão e fiquei pensando no que aquela menina disse: "Não deixe que façam isso com a senhorita." O que será que ela queria dizer com aquilo?! Será que Oscaliz fez a mesma coisa com ela o que está fazendo comigo?

Me afoguei em pensamentos e quando voltei ao mundo real, Justin já dormia como um anjinho. Vê-lo assim me fez sorrir e pensar no quanto eu odiava ele no início da viagem, e o quanto eu já estava me acostumando com a convivência daquele irritante.

Me sentei ao lado dele e pensei mais um pouco até sentir o sono me buscando, eu me deitei no chão e ali eu dormi até o dia amanhecer.

[...]

Fui acordada com aqueles ogros piratas me segurando pelo braço, eu acordei meia atordoada e vi que Justin já estava sendo segurado por mais dois. Um dos piratas me cumprimentou:

– Bom dia garotinha..

– ARGH ! - eu fiz careta - Mantenha sua boca fechada se possível pirata.

Ele deu uma risada com a minha frescura e me levou pra fora junto com o Justin. Eu não sabia aonde tinham se enfiado as centenas de outros piratas que haviam trabalhando quando chegamos alí, mas na verdade não queria saber.

Os outros piratas nos jogaram sobre o piso do barco perto de alguns baldes de madeira e ordenou que lavássemos o chão. Não tínhamos muitas escolhas então começamos a lavar, eles acompanharam nosso serviço de princípio, mas depois nos deixaram sozinhos.

– Minha vontade é me tacar no mar e morrer afogada - comentei com Justin.

– Não seja tola! - ele revirou os olhos - Iria virar comida de peixe.

– Sim, melhor do que de Pirata, não é?

– O que quer dizer com isso?! - Ele parou de esfregar o chão e me olhou.