É Segredo escrita por Phallas


Capítulo 16
Capítulo 16 - O Sorteio




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"Ninguém sai assobiando de um encontro com o próprio passado."

                                  - Martha Medeiros

- Minhas filhas, eu juro que não sei por quê vocês não acreditam que nós temos vidas. Sério, até eu tenho, sabiam? Não posso ficar narrando esse jogo para sempre. - A voz de Steve Puttyn está gritando para a quadra de vôlei toda quando chego. - Isso já está chato. Alguém ganha esse negócio, por favor? Não, tive uma ideia melhor. A sra. Mckingdom vai dar cinquenta dólares para quem invadir aquela quadra e roubar a bola.

A sra. Mckingdom o lança um olhar venenoso. Steve abaixa a cabeça um pouco mas depois continua a narrar.

Eu fui estúpida, ridícula. Como eu imaginei que um menino daqueles queria alguma coisa comigo? Ele queria é zoar com a minha cara, não tenho mais nenhuma dúvida em relação a isso. E não posso tomar nenhhuma decisão. Não quero que Griffin Carmichael coloque a escola toda a par das coisas que já fiz. Prefiro morrer a isso.

Vejo o jogo de forma embaçada e só escuto metade dos comentários de Steve.

Meus sentidos disparam quando vejo Griffin andando do outro lado da quadra. Ele para perto da arquibancada e lança um olhar intenso para mim.

- Queridinha, onde você acha que está? Em uma aula de balé? Coloca força nesse braço! Quebra a cara de alguém! Faz um ponto, pelo amor de Deus! - Steve berra, quase caindo da cadeira.

Olhando Griffin, percebo que eu nunca devia ter falado com ele. Foi um erro muito, muito grande. Vou ignorá-lo, até ele se esquecer de mim. Se eu não mostrar que eu me importo, ele desiste de contar os meus segredos.

- Ei, só eu acho a número 7 do outro time a cara da mocinha da novela? Meu Deus, é muito igual. Já te disseram isso, menina? É que parece muito...

Ele ainda está olhando para mim e eu me pergunto se ele pensava em mim o tanto quanto eu pensava nele.

É claro que não, sua idiota. - uma voz na minha cabeça responde.

- Olhem bem, eu só não largo o microfone porque ninguém aqui sabe narrar tão bem quanto eu. Se tivesse um profissional aqui, eu me levantava e jogava pra essas meninas, porque o negócio tá muito feio.

- Cale a boca, Puttyn. - Peter diz, e percebo que ele está nervoso.

Steve não dá ouvidos ao treinador e continua com suas brincadeirinhas irritantes. Não me culpem se eu derrubar aquele menino da cadeira.

Está vinte e um a vinte um, no último set. O placar está assim desde que cheguei. Não aguento mais ficar aqui. Vou ao vestiário, e pego meu celular. Coloco uma música qualquer, encosto a cabeça na parede fria, e fecho os olhos. Ainda dá para ouvir a voz estridente e histérica de Steve.

- Desisto! Não narro mais. Por favor, por favor, não me implorem. Vocês não são cegos, né? Acho que podem ver o que acontece com os próprios olhos. Vou dar uma dormidinha, se não se importarem. E se quando eu acordar ainda não tiver acabado, eu roubo o apito do juiz.

Cerca de vinte e cinco minutos depois, as meninas invadem o vestiários cansadas, ofegando. Tensy me vê aqui e parece não estar surpresa com isso.

- Perdemos. - Ela anuncia.

                                       ○               ○               ○

Eu estou completamente inútil esses dias. Não estudo, não arrumo o meu quarto (não que eu fizesse essas coisas antes, porque eu não fazia, mas agora eu não consigo nem fingir que faço) e acho que já acabei com todas as caixas de chocolate que encontrei aqui em casa. Devo ter comido umas vinte, não sei. Perdi a conta na quinta. Não é que eu goste tanto de chocolate assim, mas a gente sempre vê na televisão as mulheres fazendo isso para se acalmarem, não é? No meu caso, acho que eu só pioro: agora choro por estar com a vida acabada e por estar gorda. A vida real é muito difícil.

Meus pais pararam de me perguntar porque estou tão chorosa, graças a Deus. Tento aparecer perto deles bem, e evitar ficar resmungando pelos cantos, mas acho que não deu muito certo.

Agora estou sentada na minha cadeira, esperando a sra. Nichols para mais uma tortura enviada do século passado. Tensy está na minha frente tagarelando sobre a derrota de ontem. "Não acredito que perdemos! [...] Você viu o cabelo da capitã do outro colégio? Meu Deus, quem fez aquele corte e aquela pintura devia ser preso..."

Assinto e falo palavras de consolo nos momentos que julgo adequados, mas não estou interessada no que ela fala. Ela também não parece interessada em saber se estou ouvindo ou não. Felizmente, a professora de história entra na sala e Tensy para de falar.

- Alunos. - Ela bate palminhas, animada. - Vamos todos para o ginásio porque tenho um aviso muito, muito importante para dar.

 Nós nos levantamos e seguimos a sra. Nichols. A turma está agitada, tentando imaginar qual é o aviso que a professora não pode dar em sala. Só eu e Tensy permanecemos quietas. Griffin está lá atrás, e ainda não fez nenhuma tentativa para se aproximar de mim ou se desculpar. Melhor assim. Reparo que ele não falou com ninguém até agora, e parece irritado. Que bom que eu não sou a única, afinal.

Chegamos no ginásio e as arquibancadas já estão ocupadas pelos outros alunos do Ensino Médio. A sra. Nichols nos guia para perto de onde estão os do segundo ano e se certifica de que todos estamos sentados e com carinhas interessadas. Ela dá um sorriso na direção de Griffin, que não sei se retribui, uma vez que evito a qualquer custo vê-lo ou até mesmo pensar nele. Como você pode ver, não está dando certo.

Sra. Nichols vai até o meio da quadra, onde entregam a ela um microfone. Ela dá um tapinha na bola gorda e prateada e pigarreia.

- Como imagino que saibam - ela começa - todo ano temos o nosso Baile de Outono.

Os meninos reclamam. Algumas garotas dão gritinhos agudos. Sra. Nichols espera as manifestações acabarem para continuar:

- E, esse ano, devido a alguns probleminhas que tivemos no ano passado, será uma atividade obrigatória para todo o Corpo Estudantil, tanto do Ensino Fundamental como do Médio.

Mais manifestações, só que mais fortes e negativas desta vez. Como assim, esses loucos vão obrigar a gente a vir para um baile brega de colégio? E os "probleminhas" aos quais ela se refere com certeza devem ser a baixa procura ano passado, já que as pessoas menos ridículas da escola iam nas festas anti-Baile que para ser sincera eram tipo um baile mesmo, só que com outro nome e sem o negócio patético do "par".

- As novidades não acabam por aí. - Ela diz, aumentando a voz.

Todo mundo para de falar e espera. A professora faz uma pausa de suspense.

- Esse ano, os pares não serão escolhidos por vocês. Eu tenho aqui - ela aponta para um recipiente de plástico lotado de papeis picados em retângulos. - os nomes de todos vocês. Vamos escolher os casais por sorteio.

Sorteio?

- Para incentivar a maior interação dos alunos de outras séries e outras salas. - A professora tenta explicar, enquanto alguns alunos do primeiro ano puxam vaias. - Ah, gente, vamos. Não pode ser tão ruim assim. Ninguém vai ter que convidar ninguém, olha que bom.

Os alunos ainda estão indignados.

- Querem saber? Calem a boca todos. - A sra. Nichols perde a paciência. - Vou começar o sorteio e não quero ninguém falando. E quem não aparecer no baile perde cinco pontos de cada matéria. Ouviram? De cada matéria.

Ótimo, agora estão usando de chantagem. Quer dizer que além de ir a um baile obrigatório com um vestido ridículo eu ainda vou ter que ir com alguém que eu não conheço?

Espera.

E se eu tiver que ir com alguém que me conhece bem demais? Não acredito nisso. E se eu tiver que ir no baile com o idiota do Griffin? Eu não consigo nem olhar na cara dele direito. Eu não quero olhar na cara dele nunca mais. Eu perco ponto em tudo, mas eu não vou nessa merda de baile.

- Isabelle Harper! - A sra. Nichols grita, e o volume de vozes diminui.

Meu coração está cavalgando no meu peito. Cruzo meus dedos o mais forte que posso, mas não acho que seja o suficiente. A professora está com metade do braço enfiada no recipiente, escolhendo um pedaço de papel. Quando finalmente ela o retira, o segundo que ela demora para ler quase me faz desmaiar de nervoso.

- Jason Cronwell! - Ela berra.

Graças a Deus. Posso respirar de novo. Mas... o Jason? Ele é tão... sem graça. Procuro-o e o encontro sorrindo para mim. Tento sorrir de volta, mas o resultado deve ser algo próximo de uma careta.

- Tensy Cartwright!

Ao ouvir o próprio nome, Tensy, em um ataque desnecessário de drama, pega minha mão e a aperta.

- David Fronteni! - Sra. Nichols anuncia.

Os ombros de Tensy caem e ela faz uma cara de desgosto.

- Quem é esse?

Helaina, que está perto de nós, aponta para um garoto forte e loiro, de estatura mediana, e com olhos verdes brilhantes, que se vira para nós agora e manda um sorriso a Tensy. Sortuda.

Mas respiro fundo, me sentindo muito melhor. Se for para ser obrigada a fazer o que eu não quero, que seja com um amigo meu. Estou mil vezes mais leve.

- Megan Parsons e Griffin Carmichael! - A sra. Nichols grita.

Ei, lembra do "estou mil vezes mais leve"? Então, pode esquecer.


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